Artigo de periódico
O desmanche do direito do trabalho e a recente decisão do STF sobre a prescrição
Artigo de periódico
O desmanche do direito do trabalho e a recente decisão do STF sobre a prescrição
A recente decisão do STF acerca da prescrição do FGTS será o ponto de partida para a análise de um fenômeno de desmanche do Direito do Trabalho, que vem sendo realizado de forma sistemática pelo Estado, notadamente – para o que aqui analisarei – pelo Poder Judiciário. Na Justiça do Trabalho, existem mais súmulas e orientações jurisprudenciais do que artigos na CLT, e a grande maioria delas mitiga ou retira direitos trabalhistas. Disciplinando a terceirização (súmula 331), alterando regras processuais (súmula 338), ultrapassando os limites constitucionais (OJ 388), o TST tem contribuído fortemente para a flexibilização do Direito do Trabalho. No que concerne especificamente ao FGTS, o TST já vem precarizando o direito ao exercício dessa pretensão há algum tempo. Em sua súmula 98, cuja redação proveniente de orientação jurisprudencial data de 1980, já referia uma "equivalência" meramente jurídica, entre a indenização relativa ao tempo de serviço e a indenização prevista no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (a chamada "multa de 40% sobre o FGTS"). Na súmula 206, com redação original de 1985, o TST limita a exigibilidade do FGTS não recolhido durante o vínculo ao período em que exigíveis as verbas trabalhistas que lhe servem como base para o cálculo. Ou seja, já em 1985 a prescrição de 30 anos relativa ao FGTS foi em parte anulada, por um entendimento completamente insustentável da perspectiva jurídica, porque confunde verbas diferentes, partindo do pressuposto equivocado de que o FGTS seria um acessório das verbas devidas durante a relação de trabalho. Por fim, na súmula 362, com redação original de 1999, o TST reduz o prazo prescricional do FGTS para dois anos, quando extinta a relação jurídica de emprego. Esse movimento de precarização que o órgão de cúpula do Poder Judiciário trabalhista já vem realizando há décadas agora foi incorporado pelo STF. Na decisão objeto de análise, o prazo de 30 anos previsto para o exercício da pretensão em relação ao FGTS foi declarado incompatível com uma ordem constitucional que preconiza a melhoria constante das condições sociais dos trabalhadores. Discute-se – ainda que sem o aprofundamento necessário - porque o Direito não consegue dar conta desse estado de coisas, no qual o Poder Judiciário, em lugar de ser o garante da ordem constitucional, apresenta-se como um agente de precarização social. No campo jurídico, a questão passa necessariamente pela análise da discricionariedade judicial, que permite que, sob o argumento de instaurar uma nova ordem, justa e solidária, promova-se um significativo retrocesso em termos de proteção aos direitos sociais. A crítica se dará, portanto, em dois níveis. No âmbito do Direito, trata-se de reconhecer de um lado a impossibilidade de "controlar" a atuação judicial e, de outro, o caráter conservador e negador dos direitos sociais, que essa atuação acaba por desempenhar, em razão de sua ligação metabólica com o capital. Para além do Direito, a crítica é o desvelamento das verdadeiras razões que produzem decisões como aquela proferida pelo STF no caso do prazo para a prescrição da pretensão relativa ao FGTS.
Para citar este item
https://hdl.handle.net/20.500.12178/77591Notas de conteúdo
Os caminhos e os limites do direito: do positivismo ao neoconstitucionalismo, variações de um mesmo tema -- A decisão do STF quanto à prescrição aplicável à pretensão dos recolhimentos do FGTS -- Para além do direito: o desvelamento das verdadeiras razões que produzem decisões de desmanche das normas sociais fundamentaisIn
Fonte
SEVERO, Valdete Souto. O desmanche do direito do trabalho e a recente decisão do STF sobre a prescrição. Revista eletrônica: acórdãos, sentenças, ementas, artigos e informações, Porto Alegre, v. 11, n. 177, p. 56-70, fev. 2015.Veja também
-
Superação de precedente do STF e a constituição de um novo prazo prescricional do FGTS
Nelson, Rocco Antonio Rangel Rosso | mar. 2017[por] O direito social fundamental referente ao fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS) adentra, mais uma vez, nas pautas de discussões atuais do direito em face da decisão do STF, no Recurso Extraordinário com agravo n. 709.212/DF, o qual vem por alterar o prazo prescricional, já consolidado, do FGTS e consequentemente, ... -
Da rendição do fundo público: FGTS e prescrição da exigibilidade de depósitos em fundo público conforme julgamento do ARE 709212 pelo plenário do Supremo Tribunal Federal
Nicoladeli, Sandro Lunard; Opuszka, Paulo Ricardo | jun. 2015Discute e problematiza a decisão judicial no Agravo em Recurso Extraordinário 709.212, que acaba com a prescrição trintenária do FGTS, um fundo público que no nosso modelo de Estado Providência serve de indutor econômico para reprodução do trabalho, fundamental nos tempos de crise pois garante sustentabilidade nos períodos ... -
Resolução n. 209, de 30 de maio de 2016
Brasil. Tribunal Superior do Trabalho (TST) | 1º jun. 2016Altera a redação das Súmulas ns 85, 364, 404 e 413. Altera a redação das Orientações Jurisprudenciais ns 130, 389, 409 e 412 da Subseção I da Seção Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Altera a redação da Orientação Jurisprudencial n. 59 da Subseção II da Seção Especializada em ... -
Limitação legal ao número de dirigentes sindicais estáveis: da insubsistência do art. 522 da CLT na ordem instituída pela Constituição de 1988
Ebert, Paulo Roberto Lemgruber | abr. 2008A formulação de regras aparentemente aplicáveis de imediato e dotadas de uma objetividade tal que de sua simples leitura poder-se-ia antever seus destinatários, suas hipóteses concretas de incidência e seus limites exegéticos não tem, por si só, o condão de petrificar a compreensão daqueles dispositivos legais no tempo ... -
Responsabilidade subsidiária da administração pública direta, autárquica ou fundacional
Rebello, Maria José Bighetti Ordoño | 2011Tema polêmico e atual é a possibilidade, ou não, de se responsabilizar a Administração Pública Direta, Autárquica ou Fundacional pelas obrigações trabalhistas relativas aos empregados das empresas prestadoras de serviços por ela contratadas. A terceirização é um fenômeno irreversível e, em larga escala, se faz presente ... -
Resolução n. 198, de 9 de junho de 2015
Brasil. Tribunal Superior do Trabalho (TST) | 11 jun. 2015Altera a redação da Súmula n. 362, altera o item VI da Súmula n. 6 e cancela a Súmula n. 434 do Tribunal Superior do Trabalho. -
Direitos humanos e o bloqueio do FGTS para fins de alimentos
Santos, Walmer Costa | dez. 2014[por] O cumprimento do pagamento da pensão alimentícia sempre foi uma tarefa difícil, fazendo com que o Estado utilize, não raras vezes, da prisão como medida coercitiva para sua realização. O grande temor do devedor é a decretação do seu encarceramento diante do inadimplemento voluntário e inescusável de sua obrigação ... -
Burla ao concurso público e suas repercussões nos direitos trabalhistas fundamentais
Medina, Italvar Filipe de Paiva | jun. 2014Contribui para o esclarecimento das repercussões da burla ao concurso público nos direitos trabalhistas fundamentais, buscando identificar a resposta que melhor se harmonize com os preceitos da Constituição Federal e da legislação ordinária, interpretados sistematicamente. Em função da nulidade resultante da fraude ao ... -
A recente revisão e alteração da Súmula n. 6 do TST: equiparação salarial em cadeia e segurança jurídica
Moraes, Renata Nóbrega Figueiredo | abr. 2011A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, em processo relatado pelo Ministro Alberto Bresciani, manteve decisão que concedeu a uma representante de cobrança equiparação salarial com colega que exercia a mesma função e que, por sua vez, havia obtido judicialmente equiparação com outra empregada. O Ministro ... -
Informativo TST: n. 295 (5 a 19 nov. 2024)
Brasil. Tribunal Superior do Trabalho (TST) | 19 nov. 2024