Artigo de periódico
Punitive damages e o direito do trabalho brasileiro: adequação das condenações punitivas para a necessária repressão da delinquência patronal
Artigo de periódico
Punitive damages e o direito do trabalho brasileiro: adequação das condenações punitivas para a necessária repressão da delinquência patronal
Uma das muitas expressões do folclore que se formou em torno de Ernesto Guevara, o revolucionário cubano-argentino conhecido como Che, tem cenário nos primeiros anos após a revolução. Integrando-se nos esforços nacionais de produção e — não menos importante — como exemplo aos demais cidadãos da ilha, o então ministro da indústria ocupava os finais de semana no trabalho de corte de cana. Numa dessas ocasiões, enquanto descansava, foi flagrado refrescando-se com uma garrafa de Coca-Cola. Imediatamente recebeu a repressão de seus companheiros de labuta sobre o mau-exemplo de consumo do produto tido como símbolo da exploração econômica e do colonialismo cultural. Sem largar a garrafa, Che respondeu que ideologias, culturas e produtos não devem se confundir e que todos os benefícios e avanços, desde que aplicados com temperança, devem ser bem aproveitados, independentemente da origem. Embora não esconda certo utilitarismo, o argumento de Che parece voltar-se contra o que em retórica convencionou-se chamar de argumentum ad hominem: uma condenável prática argumentativa que, em vez de atacar o conteúdo de uma ideia, atenta apenas às suas circunstâncias e origens. O instituto estrangeiro dos punitive damages — ou na tradução que adotaremos "condenações punitivas" — costuma ser visto com semelhante visão, escravizada pela origem. Assim agem tanto aqueles que advogam plena e irrestrita aceitação, com base na imposição dos "avanços" da tecnologia jurídica produzida no economicamente mais importante país do mundo, os EUA; como na não menos absoluta negação de utilização da modalidade punitiva ressarcitória, em razão das diferenças culturais, econômicas e jurídicas entre o modelo brasileiro e o anglo-saxão. Este trabalho não nega as profundas diferenças dos dois sistemas jurídicos, bem como a importância de atenção ao lugar como requisito de método. Por igual, procura manter-se permeável às experiências jurídicas estrangeiras e à possibilidade de adequações às realidades nacionais, como resultado de possíveis e esperados avanços dentro do macrossistema jurídico ocidental. Com essas premissas paradigmáticas, nos capítulos que seguem, pretendemos lançar considerações sobre punitive damages e sua possível aplicação na responsabilidade civil trabalhista brasileira. Em caráter preliminar tentaremos compreender de forma geral o funcionamento do modelo estadunidense de punitive damages. Como método, utilizaremos as fontes originais, preferencialmente as orientações fornecidas pelos órgãos de excelência de formação do direito, os tribunais superiores dos EUA. Utilizando-se o conhecimento adquirido no capítulo pretérito, teremos oportunidade de debater as objeções nacionais que costumam ser dirigidas ao modelo em estudo. Seguindo-se o objetivo de construir uma possível síntese de compatibilidade, optaremos por utilizar método dialético de apresentação das críticas, análise da adequação de suas premissas e, efetivamente, apresentar nossas considerações sobre adequação jurídica. Nos capítulos finais temos a intenção de adentrar no universo do direito do trabalho. Para uma análise um pouco mais aprofundada, buscaremos compreender a forma com que outras ciências identificam os macrossignificados de contrato de emprego, empresa e delinquência patronal. Com esses referenciais estaremos, então, preparados para a análise propriamente dita de adequação, forma e necessidade de aplicação de punitive damages no campo das relações de emprego e seu manejo nas demandas individuais. Por fim, e retomando conclusões parciais, apresentaremos nossas considerações finais. Este estudo está muito longe da pretensão de esgotamento das diversas questões que cercam os punitive damages e a responsabilidade civil trabalhista. O singelo objetivo é fornecer alguns elementos para possível compatibilização de tais construções jurídicas. Para tanto, pretende-se situar o método e o discurso em ambiente além da dogmática, estabelecendo-se diálogo pontual com a economia a sociologia e, essencialmente, com as inquietações de quem lida cotidianamente com a aplicação do direito do trabalho.
Para citar este item
https://hdl.handle.net/20.500.12178/164720Notas de conteúdo
Características contemporâneas do modelo estadunidense de punitive damages: grau de repreensão de conduta: correspondência entre condenações punitivas e o efeito prejuízo: a importância do desestímulo: comparações com outras punições -- Considerações sobre as críticas recorrentes à utilização de condenações punitivas no Brasil: aparente incompatibilidade entre sistemas: excessos condenatórios: vedação de instrumentos de pena privada: impossibilidade de estabelecimento de pena sem prévia cominação legal: vedação no sistema nacional de enriquecimento sem causa -- Responsabilidade civil no direito do trabalho -- Extensão do dano no âmbito trabalhista -- Emergência do dano socialIn
Fonte
SOUZA, Rodrigo Trindade de. Punitive damages e o direito do trabalho brasileiro: adequação das condenações punitivas para a necessária repressão da delinquência patronal. Revista Ltr: legislação do trabalho, São Paulo, v. 75, n. 5, p. 572-587, maio 2011.SOUZA, Rodrigo Trindade de. Punitive damages e o direito do trabalho brasileiro: adequação das condenações punitivas para a necessária repressão da delinquência patronal. Cadernos da Escola Judicial do TRT da 4ª Região, Porto Alegre, v. 6, n. 9, p. 35-67, 2015.
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