Artigo de periódico
A intervenção do Estado no domínio econômico em face da crise econômica e do direito fundamental ao pleno emprego
Artigo de periódico
A intervenção do Estado no domínio econômico em face da crise econômica e do direito fundamental ao pleno emprego
Conforme opiniões dos mais variados analistas econômicos, veiculadas diariamente na imprensa, vivenciamos período conturbado por uma das mais graves crises que, certamente, marcará a história da economia. A experiência subministrada no século passado em face do colapso do capitalismo da década de 30, bem assim da crise econômica dos anos 70, torna imperioso, em face de possível depressão da economia, refletir-se acerca da conveniência, ou não, de uma maior intervenção estatal no domínio econômico, a fim de garantir a efetividade dos direitos sociais insculpidos no art. 7º da Constituição Federal. Afigura-se-nos prudente pautar tal reflexão nos ensinamentos de MORIN, Edgar, para quem "é preciso aprender a enfrentar a incerteza, já que vivemos em uma época de mudanças em que os valores são ambivalentes, em que tudo é ligado" (MORIN, 2006, p. 84). Todavia, é certo que os objetivos e fundamentos insculpidos nos arts. 1º e 3º da Constituição da República Federativa do Brasil não podem ser relegados a um segundo plano, sob pena de aviltar-se o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana que, consoante ensinamentos de PIOVESAN, Flávia, impõe-se como núcleo básico e informador de todo o ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional (PIOVESAN, 2008, p. 25). Não obstante os esforços aparentemente envidados pelos mais variados países, notadamente os Estados Unidos da América e os integrantes da União Europeia, o desfecho da crise ainda é uma incógnita. Para KRUGMAN, Paul, a economia não está em depressão e, não obstante a magnitude da atual crise, não cairá em depressão. Todavia, ressalta o economista, que os problemas inerentes à depressão, que caracterizaram boa parte da economia mundial de 1930 e que nunca mais teriam se manifestado desde então, estão ensaiando reprise supreendente, inclusive nos países modernos, que estão sendo forçados a suportar recessões lancinantes (KRUGMAN, 2008, p. 191). Adotando tese em sentido diametralmente oposto, BECERRA, Santiago Niño entende que o mês de setembro de 2007 marcou o final do sistema econômico em que estaríamos imersos há quase dois séculos, sendo que a crise de 2010 será muito mais grave e, portanto, acarreterá a transformação total do sistema econômico, a exemplo do que ocorreu na segunda metade do século XVIII, ou seja, a crise a ser ainda vivenciada será "consecuencia del proceso de muerte de la estructura actual; muerte que, por dramática que pueda parecer, no hace más do que encuadrase en la dinámica histórica que lleva aconteciendo los últimos dos mil años." (BECERRA, 2009, p. 103) A propósito da incerteza atualmente vivenciada pela sociedade de risco mundial, em busca da segurança perdida (BECK, 2007, p. 15), não é demais lembrar que, não obstante o discurso prevalente no final do século passado tenha apontado o crescimento econômico global como garantia de prosperidade a todos os povos, o desemprego, a miséria e a exclusão social foram, e ainda são, problemas globais que atingem, sobretudo, os países emergentes, como o Brasil. Sobressai evidente, pois, que tal situação encontra-se na iminência de ser agravada, ainda mais, em face do atual colapso econômico. Antes mesmo de a imprensa sinalizar diariamente para os riscos de uma acentuada depressão econômica, já salientava SACHS, Ignacy, que a crise social atualmente vivenciada, decorrente das desigualdades intrínsecas ao funcionamento dos sistemas econômicos vigentes, que propicia a acumulação crescente de recursos nas mãos de uma minoria, com a privação generalizada em amplos segmentos da população, acarreta a pior perda, irreversível, representada pelo desperdício de vidas humanas, de todos aqueles que se veem privados do direito de trabalhar e, por conseguinte, de ter uma vida digna (SACHS, 2007, p. 321). A prosperidade vivenciada por poucos contrapõe-se às modestas rendas auferidas pela maioria dos trabalhadores do planeta e à miséria de numerosos povos que sequer possuem o mínimo vital. As fissuras sociais verificadas com a crise econômica a partir dos anos setenta, que enalteceu o abandono da filosofia do pleno emprego, agravando os índices de confronto nas outras esferas do relacionamento humano, não podem ser ignoradas, mormente em face da iminência de serem agravadas ainda mais. A indiferença inerente ao capitalismo despreocupado deve ser combatida, a fim de se conferir efetividade aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, insculpidos no art. 3º da Constituição Federal, consubstanciados na construção de uma sociedade mais justa e solidária, na efetiva erradicação da pobreza e na redução das desigualdades sociais e regionais. Destarte, considerando a notória função de socialização inerente ao trabalho, fonte de subsistência digna, o estudo objetiva analisar a necessária redefinição do papel regulador do Estado, em face do desencadeamento da atual crise, precedida pelo desemprego estrutural que já vinha atingindo considerável número de trabalhadores que, extirpados dos postos de trabalho, sofrem as consequências do individualismo, da discriminação, e dificilmente logram reinserir-se no mercado formal e até mesmo informal de trabalho.
Para citar este item
https://hdl.handle.net/20.500.12178/166814Notas de conteúdo
A intervenção do Estado no domínio econômico: breve histórico -- Algumas modalidades da intervenção estatal no domínio econômico -- O Estado em face do desemprego, da precarização das relações de trabalho e da atual crise econômicaFonte
HASSON, Roland; LAVALLE, Ana Cristina Ravaglio. A intervenção do Estado no domínio econômico em face da crise econômica e do direito fundamental ao pleno emprego. Revista Ltr: legislação do trabalho, São Paulo, v. 74, n. 10, p. 1219-1225, out. 2010.Veja também
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