Artigo de periódico
Os crimes contra o trabalhador no emprego e a inexistência de punibilidade
Artigo de periódico
Os crimes contra o trabalhador no emprego e a inexistência de punibilidade
Nos dias atuais, o intérprete do direito penal não mais se prende à antiga classificação dos delitos com base no antigo Direito Romano, que o dividia em delicta publicae e delicta priviata. Todavia, o intérprete não despreza a noção dos crimes que visam à destruição da sociedade ou dos que a representam, bem como os que atingem o cidadão em sua vida, liberdade, honra, imagem e bens. Por fim, os que infringem a lei, sobretudo na prática de delitos classificados contra bens naturais, como a vida, a integridade pessoal, a liberdade individual. Ao se reportar à prática de crime, vem a noção de que é perpetrado contra a pessoa física ou seus bens morais, aos quais cabe a tutela do Estado, tanto de forma preventiva como repressiva. Preservar a vida do indivíduo, a intangibilidade corpórea, honra e liberdade da pessoa é interesse próprio e exclusivo do Estado, representado pelo Poder Executivo (modo preventivo) e pelo Poder Judiciário (forma repressiva). Na referência ao Judiciário, não importa se comum, federal ou trabalhista. Tudo depende em que situação no direito se encontra a vítima; se o crime é cometido fora ou dentro do recinto de trabalho. Se a ocorrência se dá contra o trabalhador no emprego, o entendimento é de que se trata de competência da Justiça do Trabalho (exceto homicídio, lesões corporais e os de interesse da União), mesmo não sendo órgão de jurisdição criminal. Essa competência surge por conta e força do disposto no art. 114, inciso IX, da Constituição Federal, que diz respeito à norma jurídica tratativa de outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho (ou de emprego) na forma da lei. Nos crimes contra a Organização do Trabalho, um de seus dispositivos, guarda sintonia com a legislação trabalhista e a Constituição Federal (art. 7º). Trata-se do art. 203, que no Código Penal possui linguagem semântica à disposição contida nos Princípios Fundamentais, art. 1º, inciso III e IV, da Carta Magna, que positiva no ordenamento jurídico pátrio a dignidade humana e os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa. O art. 203, do Código Penal ao descrever o delito patronal com a expressão frustrar mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho, está a indicar haver no cometimento a existência de ofensa à dignidade humana do trabalhador e o desrespeito aos valores sociais do trabalho e à livre iniciativa. O dispositivo penal na oração frustrar mediante fraude explicita o exercício pelo empregador da prática de crime contra o Estado, mas, antes de tudo, contra a pessoa humana do empregado, sem dúvida, o alvo principal. Quando a lei usa o conteúdo ou violência a direito assegurado pela legislação do trabalho, significa ter o empregador usado da força, da ameaça e da coação irresistível contra o trabalhador. Tanto na primeira situação, quanto na segunda, o delito está configurado. Em ambos os casos o obreiro é o sujeito passivo da ação delituosa de alguns patrões. Estes, ao contratarem trabalhador, de antemão, já se acercam do dolo, porquanto têm registrado em sua consciência a antijuridicidade do resultado: mediante fraude ou à força para obter vantagens ilícitas com o trabalho do operário. Como alguns empregadores nessas circunstâncias visam a uma coisa ou outra, tem-se como praticantes de dolo alternativo, porque de um modo ou de outro seu objetivo é o mesmo — causar dano à pessoa do empregado. Nas formas descritas acima, o crime de autoria do empregador contra o empregado existe, porém é preciso saber se a punibilidade do patrão se efetiva ou se, como sói acontecer no Brasil, para ele a lei é só formal, porque materialmente, na verdade, não se realiza, em vista da sua condição econômica, partícipe da sociedade capitalista, membro da elite, título e condição que deixam o autor do crime imune de qualquer penalidade e à vontade para continuar a praticar arbitrariedade e atrocidades contra o obreiro, indivíduo supostamente pertencente ao escalão inferior da sociedade, sem prestígio político, sem poder econômico. Aqui, nessa terra boa e generosa como antes descrita por Pero Vaz de Caminha, a igualdade existe só na lei (igualdade e liberdade simbólicas). Os diferentes continuam sempre diferentes em todas as situações e assim é possível dizer que a igualdade e as liberdades brasileiras não passam de formais. Se o escrivão da esquadra de Cabral possuísse na época do descobrimento uma bola de cristal, certamente, suprimiria de sua carta ao rei de Portugal, D. Manuel, a palavra boa e quem sabe, também, generosa.
Para citar este item
https://hdl.handle.net/20.500.12178/165653Notas de conteúdo
Liberdades na filosofia, na sociologia do direito, na economia e no direito -- A igualdade e as liberdades simbólicas no Brasil -- Normas de eficácia plena, de eficácia contida e de eficácia limitada -- Normas de eficácia contida -- Normas de eficácia limitada -- A interpretação da norma outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho -- A hermenêutica jurídica constitucional frente aos privilégios -- O trabalho degradante como restrição das liberdades fundamentaisFaz referência a
Fonte
LIMA, Manoel Hermes de. Os crimes contra o trabalhador no emprego e a inexistência de punibilidade. Revista Ltr: legislação do trabalho, São Paulo, v. 75, n. 8, p. 938-947, ago. 2011.Veja também
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