Artigo de periódico
Reflexões sobre a Convenção n. 189 da OIT: trabalhadores domésticos: e o recente acórdão do TRT da 2ª Região (horas extras para a empregada doméstica)
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Reflexões sobre a Convenção n. 189 da OIT: trabalhadores domésticos: e o recente acórdão do TRT da 2ª Região (horas extras para a empregada doméstica)
A dignidade da pessoa humana — incluindo o trabalhador — é uma conquista ético-jurídica oriunda da reação dos povos contra as atrocidades cometidas pelos regimes totalitários a milhões de pessoas durante a Segunda Guerra Mundial. A proteção da pessoa humana em sua integralidade físico-psíquica se refletiu nas declarações e nos pactos internacionais de direitos humanos firmados no pós-guerra, foi incorporada nos ordenamentos jurídicos de diversos países e integrou-se em vários “ramos” do Direito em especial no Direito Constitucional e no Direito do Trabalho. A Constituição brasileira de 1988 reconheceu a essencialidade do trabalho como um dos instrumentos mais importantes de afirmação da dignidade do trabalhador, seja no âmbito de sua individualidade como ser humano, seja em seu contexto familiar e social. A valorização do trabalho encontra-se enfatizada tanto no art. 1º, incisos III e IV da Constituição, marcando o anúncio dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, quanto consolidada no Título II — Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Portanto, a dignidade do trabalhador e o direito ao trabalho digno representam os pilares do Estado Democrático de Direito, possuindo amparo nas normas constitucionais brasileiras e nas normas internacionais de proteção aos direitos humanos. A tutela do trabalho digno — relacionado diretamente ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana — ganhou novo impulso em fins do Século XX e início do Século XXI com a atuação da Organização Internacional do Trabalho através de suas declarações, recomendações e convenções internacionais que objetivaram a promoção dos princípios da valorização do trabalho humano e da justiça social. Logo, o trabalho se mostra como o valor necessário para a existência digna do homem-trabalhador porque não basta conceder trabalho ao ser humano, deve-se garantir o trabalho digno. Nesse contexto, numa decisão histórica em 16 de junho de 2011, a Centésima Conferência da Organização Internacional do Trabalho aprovou a Convenção n. 189 — juntamente com a Recomendação n. 201 — para a garantia do trabalho digno aos trabalhadores domésticos do mundo cujo texto introdutório aponta: Reconhecendo a significativa contribuição dos trabalhadores domésticos na economia mundial, que inclui o aumento das possibilidades de emprego remunerado para as trabalhadoras e os trabalhadores com responsabilidades familiares, o aumento da capacidade de cuidado das pessoas idosas, das crianças e pessoas com deficiência e uma contribuição substancial para as transferências de rendimentos em cada país e entre países; considerando que o trabalho doméstico continua a ser desvalorizado e invisível e que o realizam principalmente as mulheres e as meninas, muitas das quais são imigrantes ou formam parte de comunidades desfavorecidas, e são particularmente vulneráveis à discriminação com respeito às condições de emprego e trabalho, assim como a outros abusos dos direitos humanos; considerando também que nos países em desenvolvimento, onde historicamente tem havido oportunidades escassas de emprego formal, os trabalhadores domésticos constituem uma proporção importante da força de trabalho nacional e se encontram entre os trabalhadores mais marginalizados; recordando que as convenções e as recomendações internacionais do trabalho se aplicam a todos os trabalhadores, incluídos os trabalhadores domésticos, a menos que se disponha de modo contrário; […] adota-se a Convenção sobre as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos em 2011. Já existem quatro Propostas de Emendas Constitucionais — n. 58/11, n. 59/11, n. 62/11 e n. 64/11 — para alterar o caput ou o parágrafo único do art. 7º da Constituição brasileira, assegurando aos empregados domésticos os mesmos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais. O Brasil possui uma legislação avançada na proteção dos direitos dos empregados em geral quando em comparação a outros países, entretanto, os empregados domésticos ainda não possuem piso salarial profissional; limitação da jornada de trabalho em oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais, bem como direito a adicional de horas extras, em caso de jornada extraordinária; não possuem adicional noturno, caso trabalhem em jornada noturna; adicional de insalubridade ou periculosidade, em caso de trabalho perigoso e insalubre que possam afetar sua saúde e integridade física; o FGTS é facultativo estando condicionado à liberalidade do empregador na inscrição do empregado e, assim, condiciona-se o recebimento do seguro-desemprego ao ato de inscrição. Essa situação pode ser alterada pela ratificação da Convenção n. 189 pelo Brasil e sua aplicação no sistema jurídico pátrio, havendo repercussões advindas desse processo, sobretudo em face do recente Acórdão n. 20111178066 em Recurso Ordinário (Processo de origem n. 01369.2008.442.02.00-9) prolatado em 8.9.2011 na 14ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região — São Paulo, de relatoria do Desembargador Marcos Neves Fava que entendeu juridicamente possível a concessão de horas extras à empregada doméstica porque “não se pode extrair da hermenêutica constitucional qualquer conclusão de que o homem, em toda atividade laboral, possa trabalhar ilimitadamente”. Esses são alguns questionamentos oriundos da “futura” aplicação da Convenção n. 189 da OIT no ordenamento jurídico brasileiro, garantindo “novos” direitos aos trabalhadores domésticos — principalmente relacionados à jornada de trabalho — que serão analisados no artigo, contribuindo para o enriquecimento das discussões que ainda surgirão sobre essa temática.
Para citar este item
https://hdl.handle.net/20.500.12178/160194Itens relacionados
Convenção sobre o Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos (2011)
Notas de conteúdo
O direito humano ao trabalho digno -- A Convenção n. 189 da OIT: trabalho digno para os trabalhadores domésticos -- A Convenção n. 189 da OIT e o recente acórdão do TRT da 2ª Região: antecipação dos efeitos deste tratado internacional de direitos humanos?Fonte
GAMBA, Juliane Caravieri Martins. Reflexões sobre a Convenção n. 189 da OIT: trabalhadores domésticos: e o recente acórdão do TRT da 2ª Região (horas extras para a empregada doméstica). Revista Ltr: legislação do trabalho, São Paulo, v. 76, n. 2, p. 188-201, fev. 2012.Assunto
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