Artigo de periódico
Trabalho análogo ao escravo e o limite da relação de emprego: natureza e disputa na regulação do Estado
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Trabalho análogo ao escravo e o limite da relação de emprego: natureza e disputa na regulação do Estado
Nas últimas décadas, um dos fenômenos do chamado mundo do trabalho que tem obtido mais destaque na sociedade brasileira, inclusive nos meios de comunicação, é o trabalho análogo ao escravo. A despeito dos muitos casos de resgates de trabalhadores divulgados no Brasil, normalmente não fica claro, especialmente nas reportagens veiculadas na mídia, sobre o que exatamente está se tratando. Mas essa penumbra atinge também a literatura sobre o tema. Não por acaso, são utilizadas diferentes designações para o fenômeno, como trabalho escravo, trabalho degradante, servidão por dívida, trabalho escravo contemporâneo, dentre outras1. É com base na confusão (frequentemente proposital) entre trabalho escravo e trabalho análogo ao escravo que as forças dominantes, sejam capitalistas ou agentes do Estado que os representam, atacam recorrentemente a colocação de limites à exploração do trabalho. Em alguns casos, fala-se simplesmente que não há trabalho escravo no Brasil (ver entrevistas em OIT (2011). Mais recorrentemente, contudo, os ataques são canalizados à legislação brasileira, criticando o conceito de trabalho análogo ao escravo, em particular sua caracterização pelo trabalho degradante e jornada exaustiva contida no código penal. Devido a ausência de critérios objetivos legais para caracterizar o trabalho escravo, associados a outros conceitos subjetivos de trabalho degradante e jornada exaustiva, empresas sérias têm sido injustamente punidas e expostas publicamente, com impactos relevantes na sua imagem e sobrevivência (CNI, 2012, p. 84). Trata-se de recente documento da Confederação Nacional da Indústria. Mesmo ex- presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST) repetem a alegação de que a legislação seria subjetiva (veremos tais manifestações ao longo do texto). O que está por trás dessas investidas, contudo, é o anseio de restringir a limitação da exploração do trabalho apenas à coerção individual direta do capitalista sobre o trabalhador. Isso fica evidente no supracitado documento da CNI, que propõe a: "explicitação das condições que caracterizam o trabalho escravo ou análogo ao escravo a partir da delimitação do cerceamento efetivo da liberdade e não remuneração". O objetivo principal do artigo é indicar como o trabalho análogo ao escravo (ou outra designação que seja dada ao fenômeno, apesar de não acharmos adequadas, conforme veremos no decorrer do texto) se constituiu em um conceito de imposição de limite ao assalariamento, especificamente, à relação de emprego, no Brasil, nas últimas décadas. Nesse percurso, veremos as principais características do fenômeno e da sua regulação. A análise será permeada pelas histórias de Jeferson e Janine, jovens de 15 e 14 anos de vida, respectivamente, que ilustram paradigmaticamente a natureza e os limites (se mensuráveis) inerentes à relação de emprego sob a lógica do capital. Complementarmente, ampliando o escopo da análise, são utilizados dados agregados sobre o trabalho análogo ao escravo no país. A principal fonte são os resultados globais das fiscalizações do Ministério do Trabalho (MTE) desde 1995, que contemplam diversas informações sobre o tema. Também foram investigados dados provenientes do Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Trabalho (MPT), Comissão Pastoral da Terra (CPT). Além disso, houve consulta à jurisprudência da Justiça do Trabalho (JT), Justiça Federal (JF), Superior Tribunal de Justiça (STJ), Supremo Tribunal Federal (STF), depoimentos e reportagens sobre casos de trabalho análogo ao escravo.
Para citar este item
https://hdl.handle.net/20.500.12178/198059Notas de conteúdo
Relação sem limites -- Limites da relação -- Escravidão pré-lei áurea e trabalho análogo ao escravo -- Trabalho análogo ao escravo: disputas na regulação do EstadoIn
Fonte
FILGUEIRAS, Vitor Araújo. Trabalho análogo ao escravo e o limite da relação de emprego: natureza e disputa na regulação do Estado. Revista eletrônica [do] Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, v. 11, n. 104, p. 64-88, out./nov. 2021.Veja também
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