Artigo de periódico
Impropriedade da ação civil pública para veicular pedido de nulidade de cláusula convencional
Artigo de periódico
Impropriedade da ação civil pública para veicular pedido de nulidade de cláusula convencional
O prestígio constitucional conquistado pela negociação coletiva e pelos instrumentos que dela decorrem (art. 7º, XXVI, Constituição Federal de 1988) culminou, em contrapartida, na necessidade de um cuidado especial no exame de eventuais defeitos desses atos jurídicos, notadamente no que concerne ao ajuste de suas previsões aos limites da flexibilização de direitos impostos pelo próprio texto constitucional (art. 7º, V, XII e XIV) e, sem esta autorização, ao respeito a direitos elementares impassíveis de redução. Os direitos, de outro lado, massificaram-se, transcendendo a limitada esfera jurídica individual da pessoa para assumir contornos difusos, coletivos e individuais homogêneos; qualifica-se, pois, a “era do direito social” a que se refere Jorge Luiz Souto Maior. Nesta ordem, a tutela especializou-se, fazendo com que institutos processuais clássicos, como a coisa julgada, a litispendência e a legitimidade processual, passassem a ostentar traços condizentes com a natureza coletiva da ação, com expressão, em especial, nas diretrizes postas no Código de Defesa do Consumidor, na Lei da Ação Civil Pública e na Lei da Ação Popular. Na visão de Sérgio Cruz Arenhart, “ninguém nega que o mundo globalizado conduz a que os interesses convirjam para mesmos bens e fruições. Em uma sociedade de massa, como a atual, é comum ver que os mesmos problemas e conflitos vivenciados por um são compartilhados por outros, já que se vinculam todos a uma só origem ou, o que é ainda mais típico, são interesses que não podem ser titulados exclusivamente por uma pessoa apenas, mas, ao contrário, pertencem indistintamente a toda uma comunidade”. Nesta ordem, o legislador conferiu legitimidade concorrente ao Ministério Público para a ação de “declaração de nulidade” de cláusulas convencionais e do próprio negócio jurídico coletivo, sempre que se verificar a possibilidade de afronta às liberdades individuais ou coletivas ou aos direitos indisponíveis dos trabalhadores. Trata-se do fenômeno que Capelletti chamou de segunda onda do acesso à Justiça, centrada na preocupação dos grupos na busca da proteção a seus interesses: “Os heróis de hoje não são mais, pois sim, os cavaleiros errantes da Idade Média, prontos a lutar sozinhos contra o prepotente em valor do fraco e inocente, mas são, mais ainda, os Ralph Nader, são os Martin Luther King, são aqueles, isto sim, que sabem organizar seus planos de luta em grupo em defesa dos interesses difusos, coletivos metaindividuais, tornando a submeter as tradicionais estruturas individualísticas de tutela — entre as quais aquelas judiciais — às necessidades novas, típicas da moderna sociedade de massa”. Feitas tais considerações, passa-se à questão prática que motiva a reflexão desenvolvida no presente ensaio, como o mero intuito de fomentar a discussão a respeito do tema, sem, à evidência, qualquer pretensão de encerrá-la. O objetivo é diametralmente oposto: provocá-la. Ei-la: uma vez reconhecida a possibilidade de invalidar normas autônomas, bem como a legitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho para veicular tal pedido, questiona-se se é possível ao ente ministerial aduzir, em sede de ação civil pública, pretensão de anular, sob a nota de “incidentalidade”, norma convencional elaborada, a seu ver, em prejuízo de direitos mínimos que pretende ver respeitados, e, uma vez afastada a norma impugnada, impor tutela inibitória específica. Qualificando-se a problemática, indaga-se se seria possível veicular tal pretensão em face de uma única e determinada empresa integrante da categoria econômica. Antecipando, desde logo, posicionamento pela impossibilidade processual, dois conceitos devem ser relembrados, a fim de equacionar adequadamente a questão. Primeiro, o de instrumento coletivo e sua abrangência; segundo, o de declaração incidental de nulidade, seu cabimento e seus efeitos. Delimitados, exsurge-se a possível carência de ação proposta nos moldes referidos, a via da ação anulatória e a discussão a respeito da competência funcional para seu exame.
Para citar este item
https://hdl.handle.net/20.500.12178/194709Notas de conteúdo
Instrumentos coletivos negociados -- Ação declaratória de nulidade, competência funcional em sede de ação civil pública e declaração incidental -- Pedido de desconstituição da validade da norma coletiva em face de uma empresa da categoria econômica: incidentalidade inexistenteIn
Fonte
MENDES, Ubirajara Carlos. Impropriedade da ação civil pública para veicular pedido de nulidade de cláusula convencional. Revista Fórum trabalhista: RFT, Belo Horizonte, ano 3, n. 10, p. 173-190, jan./fev. 2014.MENDES, Ubirajara Carlos. Impropriedade da ação civil pública para veicular pedido de nulidade de cláusula convencional. Revista Fórum trabalhista: RFT, Belo Horizonte, ano 3, n. 15, p. 121-138, nov./dez. 2014.
Assunto
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