CINQÜENTENÁRIO DA JUSTIÇA DO TRABALHO(*) Pediu-me a direção da "nossa" LTr, que, na sessão de abertura deste III Congresso Brasileiro do Direito Processual do Trabalho, saudasse o cinqüentenário da Justiça do Trabalho, verificado a 1º de maio do corrente ano. Desempenho esse mandato com natural emoção, porque, dentre aqueles que colaboraram nos trabalhos preparatórios da instalação da Justiça do Trabalho, creio ser o único que ainda se encontra em atividade no campo pertinente ao Direito do Trabalho: em janeiro de 1941 cheguei a esta grandiosa cidade de São Paulo, como Procurador Regional do Trabalho, a fim de participar, ao lado do Delegado Regional do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, Luiz Mezzavilla, da promoção das medidas necessárias à instalação do Conselho Regional do Trabalho da 2ª Região e das suas seis Juntas de Conciliação e Julgamento. A este sentimento, que brota do passado, alia-se a satisfação de dirigir esta saudação ao ilustre Presidente do colendo Tribunal Superior do Trabalho, que honra, com sua presença, o conclave agora inaugurado. O Ministro Luiz José Guimarães Falcão alcançou a presidência do mais alto tribunal da jurisdição trabalhista no verdor de sua jovialidade, já amadurecido, todavia, pela caminhada que percorreu na sua brilhante carreira de magistrado, onde se registra, inclusive, o êxito da sua administração à frente do egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, com sede em Curitiba. E as lições da experiência colhida foram, sem dúvida, aprimoradas por sua reconhecida cultura humanística e jurídica. Daí a excelente atuação que vem empreendendo na cúpula da Justiça do Trabalho. A criação da Justiça do Trabalho foi prevista pela Constituição de 1934 (art. 122); mas o projeto de lei a respeito preparado pelo Governo Federal não chegou a ser aprovado pela Câmara dos Deputados. Esta circunstância, aliás, foi invocada por Getúlio Vargas, dentre outros motivos, para determinar o fechamento do Congresso Nacional e outorgar à Nação a Carta de 1937, que também dispôs sobre a Justiça do Trabalho (art. 139). A 2 de maio de 1939 o Presidente Vargas assinava o Dec.-lei n. 1.237, instituindo a Justiça do Trabalho, e, a 15 de junho do mesmo ano, o Dec.- lei n. 1.346 reorganizou o Conselho Nacional do Trabalho, que fora criado em 1923 junto ao então Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Ambos os diplomas legais foram elaborados por douta Comissão, designada peio Ministro do Trabalho Waldemar Falcão, integrada pelos seguintes juristas: Francisco José Oliveira Viana, Consultor Jurídico do Ministério do Trabalho, como presidente; Profes- (*) Alocução do Ministro Arnaldo Süssekind na sessão de instalação do III Congresso Brasileiro de Direito Processual do Trabalho, promovido pela LTr Editora, de 29 a 31 de julho de 1991, na cidade de São Paulo. sor Luiz Augusto de Rego Monteiro; Procurador do Conselho Nacional do Trabalho, Geraldo Augusto Faria Baptista; Procuradores do Departamento Nacional do Trabalho Oscar Saraiva, Deodato Maia e Helvécio Xavier Lopes. Para preparar a organização e instalação dos órgãos da Justiça do Trabalho foi designada competente Comissão, que funcionou sob a direção do Presidente do Conselho Nacional do Trabalho, Francisco Barboza de Rezende, e a efetiva coordenação do Procurador Faria Baptista. Seu trabalho, intenso e profícuo, merece ser louvado nesta oportunidade. Basta assinalar que, a 1º de maio de 1941, o Presidente da República declarava instalada a Justiça do Trabalho e, no dia seguinte, os oito Conselhos Regionais, com as trinta e seis Juntas, iniciavam, de fato, o seu funcionamento. Foi a Constituição de 1946 que integrou a Justiça do Trabalho no Poder Judiciário (art. 94), "assegurada a paridade de representação de empregados e empregadores" nos seus órgãos (§ 5° do art. 122) e com poder normativo para "estabelecer normas e condições de trabalho" nos casos especificados em lei, ao julgar os dissídios coletivos (§ 2º do art. 123). Os relevantes serviços que os órgãos dessa Justiça especializada vêm prestando à Nação brasileira são incontáveis e dignos dos maiores encômios. Entretanto, a criação de novos Tribunais, Turmas ou Juntas não pode acompanhar o exagerado crescimento do número de ações (mais de 1.200.000 por ano) conseqüência, não apenas do aumento da população trabalhadora, da incidência da legislação do trabalho no campo e da alta rotatividade da mão-de-obra, mas também do fato de inexistirem mecanismos capazes de lograr a conciliação dos litígios trabalhistas dentro das empresas de grande ou médio porte. O exemplo que exsurge do direito comparado está a evidenciar que a maior parte das controvérsias individuais do trabalho pode terminar, seja com o diálogo franco e informal perante comissões paritárias de conciliação, seja com a intervenção simultânea do chefe do serviço de recursos humanos da empresa e do representante dos trabalhadores ou do delegado sindical, Já em 1982 a Academia Nacional do Direito do Trabalho propunha à Câmara dos Deputados o acolhimento de projeto dispondo sobre as comissões paritárias de conciliação nas empresas com mais de cem empregados, como substitutivo ao Projeto de Lei n. 2.219/80, de autoria do Deputado Carlos Alberto Chiarelli. Esse substitutivo, elaborado por comissão que tive o prazer de presidir, contou com a competente participação dos ilustres juristas José de Segadas Vianna e Eugênio Roberto Haddock Lobo, e foi aprovado peio Conselho Consultivo da Academia. Em 1984, no Fórum Brasileiro da Justiça do Trabalho, que teve lugar na encantadora cidade de Gramado, insistia-se com a idéia, tal como ocorreu, seguidamente, em diversos congressos de Direito do Trabalho. E ainda agora, o "Suplemento Trabalhista LTr" (n. 79/91) publicou excelente artigo do magistrado Thomas Malm, defendendo esse procedimento intra-empresarial, com citação de precedentes intervenções dos magistrados e professores Valentin Carrion, Roberto Gouvêa e Benedito Cruz Lyra. Não se cogita - convém sublinhar - de atribuir poder judicante a tais comissões, mas simplesmente estabelecer uma pré-fase compulsória nas mencionadas empresas, visando à conciliação dos litígios, Afinal, como se sabe, metade das ações são conciliadas nas Juntas de Conciliação e Julgamento; e, o que é conciliável em órgão do Judiciário também o será nessas comissões de composição paritária, cujos membros representam efetivamente as partes e, por ado- tarem procedimentos informais e disporem de tempo razoável, terão, sem dúvida, maiores possibilidades de mediar as contendas. Surpreende, em face do exposto, verificar a passividade das entidades sindicais, inclusive das Centrais, sobre problema de tanta relevância para a vida dos trabalhadores. E, àqueles que alegam tratar-se de uma subversão do Direito Processual do Trabalho, cumpre responder com Anatole France, que muitas "idéias nas quais a sociedade repousa hoje foram tidas como subversivas antes de serem tutelares". Nesta fase de inquietação no mundo do trabalho, decorrente das repercussões sociais das medidas econômicas, é mister que se mantenham sempre atualizados os instrumentos de que se valem os grupos sociais e os indivíduos para que não seja entravada a aplicação do Direito, porque deles depende, em decisivo apelo, a distribuição da Justiça. Senhor Presidente do colendo TST, Senhores Congressistas. Quero terminar esta breve saudação enaltecendo a todos os que, com denodado esforço, probidade e inteligência, dignificam a magistratura do trabalho. E nada mais apropriado, para figurar esta homenagem, do que a lapidar frase do Délio Maranhão, que foi, sem favor, um dos mais completos juízes brasileiros: “O Direito e a Justiça nada mais serão que belas palavras, mais do que palavras, ainda que belas, se aquele sobre quem recai a imensa responsabilidade de julgar, se aquele que for juiz, sendo homem, não for um homem à altura de ser juiz; se não guardar na sua mente o pensamento de Kant, segundo o qual todas as coisas têm preço, mas só o homem tem dignidade”.