TRIBUNAIS DO TRABALHO NO DIREITO COMPARADO E NO BRASIL Arnaldo Süssekind* Sumário: I - Considerações Históricas; II - Classificação e Procedimentos de Solução dos Litígios Trabalhistas; III - A OIT e a Solução dos Litígios Trabalhistas; IV Direito Comparado; V - Os Tribunais do Trabalho no Brasil. I - CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS Uma das características da autonomia científica de um ramo do Direito é a instituição de tribunais especiais, com regras próprias de processo, para interpretar as respectivas normas jurídicas e assegurar adequada aplicação aos seus destinatários. Trata-se de um dado de relevo para a afirmação da autonomia, embora esta possa configurar-se sem a existência de tribunais essenciais. O inverso, porém, foi o que ocorreu com o Direito do Trabalho: muito tempo antes de iniciada, no século XIX, a seqüência de leis sociais-trabalhistas, foram criados na França, no século XV, conselhos arbitrais, inspirados nas “jurisdictions corporatives de l’Ancien Régime”, integrados somente por empregadores, com procedimentos próprios para solucionarem certas questões de trabalho. Outrossim, em 1806, Napoleão instituiu os “Conseils de Prud’hommes” na cidade de Lyon, estendendo-os, três anos depois, a toda a França, com o que essa jurisdição profissional, composta de representantes de empregadores e trabalhadores e que até hoje funciona intensamente, precedeu à primeira lei trabalhista francesa, de 1841, atinente ao trabalho do menor, e às leis britânicas de 1833, 1844 e 1847, que dispuseram, respectivamente, sobre a higiene e inspeção nas oficinas, a idade mínima para o trabalho e a jornada de dez horas de trabalho. Ainda no mesmo século, iguais conselhos paritários foram instituídos na Alemanha, Bélgica, Itália, Noruega e Suíça, constituindo-se, assim, no embrião dos atuais tribunais do trabalho. Cumpre aduzir, nesta oportunidade, que o saudoso jurista Coqueijo CostaL em conferência produzida no 1º Congresso da Academia Nacional de Direito do Trabalho (Brasília, 1984), registrou que em Portugal, já no século XVII, juízes adjuntos dos magistrados titulares eram designados para o julgamento de causas trabalhistas fundadas na legislação civil ou comercial. E Portugal foi, na Iberoamérica, o primeiro a possuir órgãos especiais para questões trabalhistas: os “Tribunais de Árbitros Avindores”, criados em 1889, com três personalidades independentes, um representante dos empregadores e um dos trabalhadores. A Guatemala, em 1907, instituiu os juízes de agricultura * Ex-ministro togado do Tribunal Superior do Trabalho. Tilular da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. para litígios do trabalho rural; e, no mesmo ano, no Brasil, a Lei n° 1.637, sobre o direito de sindicalização, facultava a criação de “conselhos permanentes de conciliação e arbitragem destinados a dirimir divergências e contestações entre o capital e o trabalho” (art. 8o) - providência que, no entanto, não teve conseqüências práticas. Em 1908 a Espanha instalava os “Tribunais Industriais”, formados por um magistrado, dois representantes operários e dois patronais, como ampla jurisdição no concernente aos dissídios individuais do trabalho. Em 1915 o governo revolucionário mexicano criava as bases de sua Justiça do Trabalho, afinal consagrada na Constituição de 1917 - a primeira a relacionar extenso elenco de direitos social-trabalhistas. Hoje quase todos os países possuem tribunais do trabalho, inseridos no Poder Executivo ou no Poder Judiciário, além de órgãos de conciliação e sistemas de arbitragem, criados por lei ou por convenções coletivas de trabalho (Cf. OIT, Tribunales del Trabajo en América Latina, Genebra, 1949; OIT, Tribunaux du Travail en Afrique Francophone”, Genebra, IIES, 1978; OIT, “Conciliación y arbitraje en los conflictos de trabajo”; Genebra, 2a, ed., 1987; OIT, “El arbitraje voluntário de los conflictos de intereses”, Genebra, 1988; “Solución de los conflictos laborales”, Parte III do Documento GB-262/177-2, submetido ao Conselho de Administração da OIT em novembro de 1994). II - CLASSIFICAÇÃO E PROCEDIMENTOS DE SOLUÇÃO DOS LITÍGIOS TRABALHISTAS Os dissídios concernentes às relações de trabalho podem ser individuais ou coletivos. Os primeiros têm por objeto interesses concretos de determinadas pessoas, não se alterando quando reunirem uma pluralidade de partes. O que importa, quer no dissídio individual simples, quer no dissídio individual plúrimo, é que as partes, devidamente identificadas, questionem sobre a existência ou a violação de um direito anteriormente estipulado em norma jurídica ou cláusula contratual. Já os dissídios coletivos têm por objeto interesses abstratos de pessoas indeterminadas que, no momento do conflito, integram o grupo representado na contenda ou venham a integrá-lo na vigência do instrumento jurídico que o solucionar. O litígio individual é sempre de direito; mas o coletivo pode ser: a) de interesse (pretensões sócio-econômicas), quando visar à criação ou revisão de norma ou condição de trabalho; b) de direito, quando objetivar a interpretação de norma legal, regulamentar ou convencional, aplicável ao respectivo grupo e sobre a qual haja manifesta controvérsia. O acatado mestre Plá Rodrigues denomina de “conflitos de trabalho impróprios” os intersindicais, os verificados entre sindicato e seus associados e os que ocorrem entre trabalhadores em razão do trabalho em comum, os quais, em alguns países, são submetidos aos mesmos procedimentos e órgãos competentes para os já referidos lití gios individuais e coletivos (“A solução dos conflitos trabalhistas”, trad. de Wagner Giglio, SP., LTr., 1986, pág. 14). Os procedimentos e os órgãos encarregados de solucionar os conflitos de trabalho são muito variados no direito comparado. Em muitos países os dissídios individuais devem ser submetidos, inicialmente, a órgão de conciliação e mediação instituídos por lei, convenção ou contrato coletivo e/ou, com o mesmo objetivo, constituir a fase preliminar do processo a ser julgado pelos tribunais ou conselhos competentes para a respectiva decisão. Os conflitos coletivos, uma vez configurados, observam, em seqüência, na maioria dos países, os seguintes procedimentos: a) negociação direta entre as partes em litígio; b) negociação sob a supervisão de mediadores; c) submissão facultativa ou compulsória do litígio a árbitros privados ou a tribunais ou conselhos estatais. Nesta hipótese, o laudo arbitrai ou a decisão terá: a) natureza declaratória, nas controvérsias coletivas de direito; b) natureza constitutiva, nos conflitos coletivos de interesse (pretensões sócio-econômicas). Por vezes, os conflitos coletivos detonam a greve dos trabalhadores; isto é, a cessação coletiva de trabalho visando a pressionar os empregadores para que negociem de boa fé e cedam nas suas reivindicações. Sob o prisma jurídico, a greve não é, portanto, o último recurso de que dispõem os trabalhadores para o êxito das suas pretensões, como equivocadamente se apregoa. O alvo da pressão grevista são os empresários. Daí por que o último recurso é a arbitragem ou a submissão do dissídio ao tribunal competente, não sendo ética e socialmente admissível que se pressionem árbitros ou juízes na análise imparcial do litígio. III - A OIT E A SOLUÇÃO DOS LITÍGIOS TRABALHISTAS A Organização Internacional do Trabalho, nos seus oitenta anos de profícua atividade normativa, não aprovou qualquer convenção ou recomendação sobre tribunais do trabalho; e, quando cogita dos procedimentos para a solução dos litígios individuais do trabalho, enumera algumas opções, visando a respeitar os diferentes sistemas adotados em cada Estado, com esteio nas respectivas tradições e condições nacionais. Assim, por exemplo: a) na Recomendação n° 130, de 1962, que trata do exame de reclamação de trabalhadores no âmbito interno da empresa, a OIT propõe que, fracassando todos os esforços para resolvê-la, deverá assegurar-se a solução definitiva por um dos seguintes caminhos: a) procedimentos estipulados na convenção coletiva; b) conciliação ou arbitragem por autoridades públicas competentes; c) recurso ante um tribunal do trabalho ou outra autoridade judicial; d) qualquer outro procedimento apropriado, tendo em conta as condições nacionais (item 17); b) na Convenção n° 158, de 1982, sobre a terminação da relação de trabalho por iniciativa do empregador, a reclamação do trabalhador deve ser decidida por um “organismo neutro, como um tribunal, um tribunal do trabalho, uma junta de arbitragem ou um árbitro” (art. 8, n° 1). A OIT tem enfatizado a conveniência da adoção, por lei ou convenções coletivas, de procedimentos prévios de conciliação dos litígios individuais do trabalho. Em estudo do qual participamos nessa entidade, ponderamos : “La conciliación ante órganos internos de la empresa se ha demonstrado capaz de obtener resultados bastante satisfactorios. De allí la gran profusión que ha alcanzado en la contratación colectiva. Sus ventajas principales están dadas por las circunstancias de que los organismos conciliadores poseen un buen conocimiento de las peculiaridades propias del respectivo sector laboral y de que, por tener una competência restringida al ámbito interno de la empresa, no se encontran congestionados por el conocimiento de muchos asuntos muy diversos entre si y pueden, por tanto, dedicar un esfuerzo serio a la gestión conciliatória, la cual no queda reducida a una mera formalidad, como sucede a veces cuando el procedimiento se realiza ante otro tipo de órganos.” No que tange aos conflitos coletivos econômicos ou de interesse, a doutrina da OIT é iterativa e está consubstanciada na Recomendação n° 92, de 1951: os conflitos não resolvidos na negociação coletiva direta devem ser submetidos a organismos de conciliação voluntária, nos quais esteja assegurada a representação paritária de empregadores e trabalhadores. Segundo preceitua a recomendação, a via da arbitragem para a solução do conflito dependerá do consenso entre as partes interessadas. No mesmo sentido a 3a Conferência dos Estados da América Membros da OIT (México, 1946) havia aprovado uma resolução sobre a conciliação e a arbitragem voluntária para os conflitos coletivos do trabalho, sendo que a Convenção n° 154, de 1981, complementada pela Recomendação n° 163, do mesmo ano, trata do fomento da negociação coletiva como procedimento ideal para a solução dos conflitos do trabalho. Relativamente aos tribunais do trabalho, geralmente instituídos para a solução dos litígios individuais e dos coletivos de direito, a 4a Conferência dos Estados da América Membros da OIT (Montevidéu, 1949) aprovou resolução da qual destacamos as seguintes disposições: a) os tribunais do trabalho deveriam ter caráter permanente, funcionando com inteira independência em relação ao Poder Executivo (item 2); b) os tribunais colegiadas, constituídos à base de representação de interesses, deveriam ter representantes de empregadores e de trabalhadores (item 4); c) sempre que possível, deveriam ser criados tribunais superiores do trabalho para os recursos das decisões de primeira instância (item 7); d) os tribunais do trabalho deveriam ser privativamente competentes para conhecer dos conflitos relativos à interpretação ou aplicação dos contratos individuais do trabalho, das convenções ou contratos coletivos e da legislação social (item 8); e) os tribunais do trabalho não deveriam conhecer de conflito sobre a interpretação ou aplicação de convenções ou contratos coletivos que estipulem procedimentos especiais para solucionar as controvérsias, salvo se os procedimentos não tiverem caráter final (item 9); f) os tribunais do trabalho deveriam esforçar-se para solucionar os conflitos jurídicos do trabalho por mediação e conciliação, antes de decidi-los por sentença ou acórdão (item 10); g) deveriam simplificar-se ao máximo as formalidades do processo e adotar-se medidas para acelerar sua tramitação. As regras do processo comum não deveriam aplicar-se aos tribunais do trabalho, salvo quando compatíveis com as normas destes e a natureza especial, simples e expedita dos seus procedimentos, devendo, em todos os casos, assegurar-se o direito de defesa (item 14); h) os serviços dos tribunais do trabalho deveriam ser gratuitos (item 18); i) os trabalhadores deveriam ser protegidos contra qualquer ato de discriminação no emprego tendentes a impedir-lhes que recorram aos tribunais do trabalho, prestem depoimentos como testemunhas ou peritos e, ainda, que integrem, como membros, esses tribunais (item 19); j) deveriam criar-se organismos especiais de assistência judicial para a prestação de serviços gratuitos aos interessados perante os tribunais do trabalho (item 20). IV - DIREITO COMPARADO A - Considerações gerais - Hoje, a grande maioria dos países é dotada de organismos especiais, administrativos ou judiciais, para a solução dos litígios trabalhistas. Mas, como ponderou Julio Martinez Vivot, “a organização da Justiça do Trabalho não é suscetível de se conter em padrões universais; é matéria estreitamente dependente das condições próprias de cada país, quer no que se refere à economia, à geografia, à demografia, ao nível de instrução e cultura, quer no concernente ao regime político- constitucional e às tradições institucionais” (“Anais do Congresso do 40° aniversário da Justiça do Trabalho brasileira”, Brasília, maio de 1981). De um modo geral, a competência dos tribunais do trabalho é tanto mais ampla quanto maior a intervenção do Estado nas relações do trabalho. É certo que a legislação trabalhista nasceu, é e será intervencionista. Há, no entanto, vários graus de intervencionismo, que dependem de diversos fatores, dentre os quais cumpre destacar: a) o regime jurídico-político vigente; b) o nivel alcançado pela organização sindical nacional. Daí por que o nível de intervenção estatal se reduz na razão inversa do fortalecimento das associações sindicais e da atuação efetiva destas em proveito dos seus representados. Precisamente porque o Direito do Trabalho visa a impedir que a autonomia da vontade propicie, através de instrumentos contratuais, o desamparo do trabalhador quanto a direitos universalmente reconhecidos, é que as suas manifestações heterônomas não podem desaparecer, com a finalidade de estabelecer um piso inderrogável de proteção abaixo do qual não se concebe a dignidade do trabalhador. E as jurisdições especiais do trabalho são, inequivocamente, uma das formas de proteção aos trabalhadores Há países, todavia, que não possuem jurisdições especiais para os dissídios trabalhistas. Na Itália e na Holanda os litígios de direitos, sejam individuais ou coletivos, são da competência dos tribunais ordinários, embora funcionem juízes especializados em Direito do Trabalho. Nos Estados Unidos e no Canadá prevalecem os procedimentos de reclamação e arbitragem estipulados nas convenções ou nos contratos coletivos, estes concernentes a empresas e aqueles relativos a categorias, indústrias ou profissões B - Dissídios de direito - Prevalece na legislação comparada a competência dos tribunais do trabalho limitada aos litígios trabalhistas individuais e aos coletivos de direito. O precitado estudo da OIT, submetido em novembro de 1994 ao seu Conselho de Administração, destaca a organização dos tribunais do trabalho da Alemanha, Áustria, Brasil, Costa Rica, Espanha, Finlândia, França, Hungria, México, Singapura, Turquia e Uruguai. Refere muitos países africanos e a Argentina, Dinamarca, Filipinas, Reino Unido, Suécia e Venezuela, que possuem algumas características que as diferenciam dos demais. Registra ainda que muitos desses tribunais são tripartites, “Conseil de prud’hommes” são bipartites e em outros funcionam apenas um juiz independente (Doc. cit., págs. 41/2). Os tribunais do trabalho na Alemanha têm uma organização igual à brasileira: juizados locais, tribunais regionais e o Tribunal Federal do Trabalho, todos de composição tripartite. Mas os juízes classistas não recebem remuneração do Estado. Os litígios de direito da competência desses órgãos do Poder Judiciário alcançam as controvérsias entre os empregadores e os respectivos comitês de empresa. Na Grã-Bretanha, os “Industrial Tribunais”, integrados por um juiz togado, um representante dos trabalhadores e outro dos empregadores, são os órgãos de primeira instância para os dissídios individuais na Inglaterra, País de Gales e Escócia. Os “Employment Appeals Tribunais”, conforme registrou o ministro José Ajuricaba da Costa e Silva em depoimento à Câmara dos Deputados, julgam pequeno número de recursos, das decisões do primeiro grau de jurisdição. Mais raras ainda são as apelações para a Câmara Civil de Apelação, composta apenas de magistrados de carreira. Os “Conseils de Prud’hommes” continuam na França com sua composição paritária. Informa Jean Claude Javillier (“Manuel de Droit de Travail”, Paris, 4a ed., LCDJ, 1992, págs. 93/95), que em cada tribunal de grande instância funciona pelo menos um desses conselhos, integrados, exclusivamente, por empregadores e trabalhadores, eleitos por cinco anos. Em cada um deles há um setor para a tentativa obrigatória de conciliação e um setor de julgamento, subdividido em seções de enquadramento: indústria, comércio, agricultura e atividades diversas. Em caso de empate, um juiz do respectivo tribunal dá o seu voto decisivo. O recurso, com suspensão da sentença, é para a Câmara Social da Corte de Apelação. Em casos especiais o processo pode ser submetido à Corte de Cassação. Na Iberoamérica quase todos os países possuem tribunais de trabalho para a solução dos dissídios de caráter jurídico. Na Argentina há províncias com duplo grau de jurisdição e outras com um só tribunal colegiado, todos compostos apenas por juízes togados. Cabe recurso extraordinário de nulidade, de cassação ou de arbitrariedade para a Corte Suprema. Na Bolívia, a “Judicatura del Trabajo y de la Seguridad Social” possui “Juzgados del Trabajo” e uma Corte Nacional de Apelação, apenas com magistrados. A Sala Social e Administrativa da Corte Suprema funciona como instância de cassação. No Chile e na Colômbia só existem tribunais do trabalho para o primeiro grau de jurisdição. O segundo grau é exercido por tribunais ordinários, com recurso extraordinário para a Corte Suprema. Na Espanha, quatro são os órgãos do Poder Judiciário competentes para os litígios trabalhistas: a) “Juzgados de lo Social”, exercido por um só juiz togado; b) “Salas de lo Social de los Tribunales Superiores de Comunidad Autónoma”, que são colegiados de magistrados competentes para os recursos de suplicação; c) “Sala de lo Social de la Audiência Nacional”, com sede em Madri e jurisdição nacional para as controvérsias sindicais ou coletivas de direito; d) “Sala de lo Social del Tribunal Supremo”, que julga os recursos de cassação. Esses tribunais, que integram o Poder Judiciário, são competentes para o julgamento não só dos dissídios individuais e dos coletivos de natureza jurídica, como também das questões atinentes à seguridade social. No México, as “Juntas de Conciliación y Arbitraje” configuram uma jurisdição trabalhista autônoma, tal como a Justiça do Trabalho brasileira até 1946; mas não integram o Poder Judiciário. Há Juntas Federais e Juntas Locais, estas criadas pelos governos estaduais nos municípios ou zonas econômicas desprovidas daquelas. A cúpula dessa jurisdição trabalhista é a “Junta Federal de Conciliación y Arbitraje”. Todos os órgãos têm composição tripartite, com igual número de representantes dos trabalhadores e empregadores (art. 123, XX, da Constituição). No Peru, a Constituição de 1979 integrou a Magistratura do Trabalho no Poder Judiciário. Ela possui a seguinte estrutura: a) “Jueces de Paz Letrados” para causas de pequeno valor; b) “Jueces de Trabajo”, como primeira instância unipessoal, para os demais litígios; c) “Salas de Trabajo” nas Cortes Superiores, formadas por três magistrados. Para o julgamento dos recursos de cassação em matéria trabalhista, a Corte Suprema possui a “Sala Constitucional y Social”. Em Portugal os tribunais do trabalho também pertencem ao Poder Judiciário. A Lei Orgânica dos Tribunais, de 1987, preceitua que dois “juízes sociais”, recrutados entre associações patronais e de trabalhadores, componham aqueles tribunais de primeira instância, para apreciação, exclusivamente, da matéria de fato. Das suas sentenças cabe recurso para a Seção Social do Tribunal das Relações e, destes, em hipóteses restritas, para a Seção Social do Supremo Tribunal de Justiça. C - Dissídios coletivos de interesse (sócio-econômicos) - Quanto a estes conflitos, esclarece a OIT que em diversos países da África, América Latina e Ásia as funções de conciliação e mediação são entregues a órgãos da administração pública ou, com menor freqüência, a inspetores do trabalho. Entretanto, “em países mais industrializados, foram instituídos órgãos de conciliação e mediação que são, em grande medi- da, independentes do governo, tais como o Serviço de Consulta, Conciliação e Arbitragem (ACAS) do Reino Unido, o Serviço Federal de Mediação e Conciliação (FMCS) dos Estados Unidos, a Comissão Australiana de Relações Trabalhistas (AIRC), a Junta de Conciliação da Dinamarca e as Comissões de Relações Trabalhistas do Japão. Na Dinamarca, Grã Bretanha e Japão esses órgãos são compostos, em igual número, por membros independentes e representantes dos empresários e dos trabalhadores (Trad. cit., pág. 37). Na Alemanha, Bélgica e Suíça os procedimentos de mediação são instituídos, geralmente, por convenções coletivas para os respectivos ramos econômicos, sendo compostos apenas pelos representantes dos correspondentes empresários e trabalhadores. A submissão do conflito de interesse a órgão de conciliação e mediação é em geral facultativa; mas na Austrália, Canadá, Índia, Malásia, Polônia e Singapura é obrigatória, sendo que essa compulsoriedade é mais freqüente em relação aos conflitos coletivos que afetam os serviços públicos. Na Itália, por exemplo, a Lei n° 146, de 1990, dispõe que, na ocorrência de greve na função pública ou em empresa de serviços públicos, e desde que as partes não aceitem proposta a respeito formulada pela “Comissão de Guarda da Lei de Greve”, prevista na citada lei, o presidente do Conselho de Ministros pode expedir uma “Ordem Motivada” determinando a submissão à arbitragem. Inocorrendo conciliação, direta ou mediada, entre as partes conflitantes, o dissídio deve ser submetido a arbitragem, sendo que, em alguns países, os tribunais do trabalho têm competência para arbitrá-lo ou decidi-lo. No direito comparado prevalece a arbitragem voluntária, instaurada por consenso das partes, para a solução dos conflitos de interesse (sócio-econômicos). Arbitragem que pode ser atribuída a um ou mais árbitros privados, a órgãos da Administração Pública ou, ainda, a tribunais. Lembra ainda o já mencionado relatório da OIT que “a arbitragem obrigatória dos conflitos de interesses foi instituída, por vários governos de países em vias de desenvolvimento, os quais entendem que esse procedimento serve para proteger a economia nacional e a vida pública dos transtornos decorrentes das medidas de ação trabalhista direta”. E acrescenta: “Às vezes, a arbitragem obrigatória constitui também um procedimento atrativo naqueles países em que o desequilíbrio entre o poder dos empregadores e o dos sindicatos inibe toda negociação coletiva” (Trad. cit., pág. 39). Em publicação sobre o tema, a OIT relaciona vinte e nove países de todos os continentes onde funcionam organismos administrativos permanentes incumbidos da arbitragem obrigatória dos conflitos coletivos econômicos. E aduz que, comumente, esses órgãos são presididos por magistrados da Corte Suprema, de Tribunal Superior ou de Tribunal do Trabalho. Por seu turno, informa que no Brasil, Guatemala, Índia, Quênia, México, Nigéria, Paquistão, Sri-Lanka e Trinidad-Tobago os tribunais do trabalho são competentes para arbitrar os litígios coletivos econômicos (“Conciliación y arbitraje en los conflictos de trabajo”, Genebra, 2a ed., 1987, págs. 175/180). Não é por acaso que a quase totalidade dos órgãos administrativos ou judiciários encarregados da arbitragem obrigatória de tais conflitos trabalhistas se situam em países em vias de desenvolvimento. É que o êxito da negociação coletiva e a concordância do empresariado para a instituição do juízo arbitrai dependem, inquestionavelmente, de sindicatos fortes e atuantes, com expressiva representatividade dos trabalhadores. Não basta que tais sindicatos existam em algumas regiões ou em certas categorias. Se estes podem obter adequadas condições de trabalho por meio dos instrumentos da negociação coletiva, seja por acordo direto ou mediado, seja por arbitragem facultativa, certo é que os sindicatos mais fracos só conseguem melhorar as condições mínimas de trabalho por meio da arbitragem obrigatória ou da sentença normativa do tribunal competente. O poder arbitrai ou normativo constitui, em última análise, um fator de equidade social no conjunto dos diferentes grupos profissionais. Quando a organização sindical se engrandece em termos nacionais, contando com associações expressivas em todas as atividades, as próprias centrais sindicais geralmente se incumbem de evitar o desnível acentuado entre as condições de trabalho dos diversos setores da economia, especialmente no concernente aos salários. Os acordos neste sentido, firmados na Espanha e Itália, são eloqüentes exemplos dessa preocupação macroeconômica, posto que os sindicatos de base e as empresas atuam, na negociação coletiva, dentro dos parâmetros prefixados nesses acordos. Assinale-se que, sendo o desnível significativo, a população das regiões mais pobres, nelas incluídos, obviamente, os trabalhadores, é onerada com o custo dos bens produzidos nas regiões industrializadas, que hão de computar as vantagens conquistadas pelos respectivos empregados. No México, como escreve Nestor de Buen, a composição dos conflitos econômicos se instrumentaliza “en sentencia colectiva, constitutiva de nuevas normas; en rigor: jurisconstitutivas” (“Direcho Procesal del Trabajo” México, Ed. Porrua, 2a ed., 1990, pág. 149). Na verdade, nos países em que se atribui a tribunais do trabalho a solução de conflitos coletivos de interesse (sócio-econômicos), essa competência é denominada de poder arbitrai. Só no Brasil é conhecida como poder normativo. Daí a afirmação de Plá Rodriguez de que “a decisão judicial resulte extremamente parecida com a arbitragem de direito, com a particularidade de que a decisão é dada por um juiz ou tribunal” (Ob. cit., pág. 25). Aliás, só na Justiça do Trabalho brasileira essa competência é denominada de normativa e não arbitrai, quando em alguns países os tribunais solucionam o litígio com poder similar ou até mais amplo. É, por exemplo, o que se verifica no México, como se pode aferir do estatuto no art. 919 do seu Código do Trabalho: “A Junta, a fim de conseguir o equilíbrio e a justiça social nas relações entre trabalhadores e patrões, em sua resolução poderá aumentar ou diminuir o pessoal, a jornada, a semana de trabalho, os salários e, em geral, modificar as condições de trabalho da empresa ou estabelecimento; sem que, em nenhum caso possa reduzir os direitos mínimos consignados nas leis.” O direito produz normas que regem as relações humanas e, por ser inadmissível que inevitáveis conflitos de interesses se perpetuem, deve criar mecanismos adequados para sua solução. Eis aí o fundamento sócio-jurídico para a obrigatoriedade da arbitragem, institucionalizada ou não em tribunais, para a solução dos dissídios coletivos de trabalho não conciliados em negociação direta ou sob a mediação de terceiro. V - OS TRIBUNAIS DO TRABALHO NO BRASIL As Comissões Mistas de Conciliação, para os litígios coletivos de trabalho, e as Juntas de Conciliação e Julgamento, para os dissídios individuais, criados no Ministério do Trabalho por Getúlio Vargas, em 1932 (Decretos Legislativos n°s 21.364 e 22.132, respectivamente), foram os embriões da Justiça do Trabalho, afinal instituída pelo Decreto-Lei n° 1.237, de 1939, do mesmo presidente. Anteriormente, o Estado de São Paulo implantou os Tribunais Rurais (Lei n° 1.869/22), que tiveram pouco êxito na solução dos litígios referentes a parcerias agrícolas e contratos de locação de serviços rurais. Já o Conselho Nacional do Trabalho, criado em 1923 no então Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, visando à supervisão e ao controle das Caixas de Aposentadoria e Pensões instituídas pela Lei Eloy Chaves (n° 3.724/23), tinha também o encargo de julgar os inquéritos administrativos instaurados por empresas ferroviárias contra empregados estáveis. Com o Decreto Legislativo n° 20.465, de 1931, o regime previdenciário dessas Caixas foi estendido a todas as empresas de serviços públicos, ampliando, assim, a competência do referido conselho. A Justiça do Trabalho foi instalada a 1º de maio de 1941, com a estrutura que ainda perdura: 36 Juntas de Conciliação e Julgamento, 8 Conselhos Regionais do Trabalho e o Conselho Nacional do Trabalho. Até a Constituição de 1946, apesar da sua autonomia jurisdicional, os seus órgãos funcionaram vinculados administrativamente ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Foi essa Carta Magna que, em virtude do trabalho desenvolvido pelo emérito Geraldo Montedônio Bezerra de Menezes junto ao Presidente Eurico Gaspar Dutra, integrou os seus órgãos no Poder Judiciário, com a competência para conciliar e dirimir os litígios resultantes das relações de trabalho, podendo, no julgamento dos dissídios coletivos e nos casos especificados por lei, “estabelecer normas e condições de trabalho” (art. 122 e seu § 2o). As Constituições de 1967/69 e 1988 mantiveram a competência da Justiça do Trabalho, inclusive para os dissídios coletivos, sendo que a vigente facultou às partes conflitantes escolherem, por consenso, a via da arbitragem, excludente da intervenção judiciária. Não obstante o atual gigantismo da organização judiciária do trabalho, composta de 1.092 Juntas de Conciliação e Julgamento, 24 Tribunais Regionais e o Tribunal Superior do Trabalho, os processos que percorrem os três graus de jurisdição consomem, em média, seis anos para o trânsito em julgado da decisão. E não há recursos financeiros nem humanos para ampliá-la, sendo certo que cerca de dois mil cargos de juízes estão vagos nas diferentes jurisdições, porque, salvo honrosas exceções, os bai- xos vencimentos, em contraste com o excesso de trabalho, não motivam os mais capazes para o ingresso na magistratura. O retardamento da solução das ações trabalhistas - e a Justiça do Trabalho não é a mais lenta - pode ser explicado pelo impressionante crescimento do número de processos nela ajuizado: a) década de 60 - 3.333.214; b) década de 70 - 4.827.884; c) década de 80 - 8.911.179; d) 1990 a 1998 -15.473.880. Só em 1998, a Justiça do Trabalho recebeu 2.349.419 ações e solucionou 2.333.912. O Tribunal Superior do Trabalho, a quem cabe uniformizar a jurisprudência e orientar as decisões normativas, impedindo que a mesma norma jurídica seja aplicada diferentemente em cada Estado, julgou em 1998 mais de 112 mil processos Diversas são as causas da hipertrofia da Justiça do Trabalho: 1º) desemprego crescente (7,71%, atualmente) e alta rotatividade da mão-de- obra. Quase todos os trabalhadores despedidos têm algo a reclamar; 2o) extensão da legislação do trabalho aos rurais e domésticos; 3o) excesso de empregados não registrados; 4o) abuso de contratos simulados (terceirização e cooperativas com os prestadores de serviço, trabalhando sob o poder de comando da empresa contratante), com a intenção de encobrir verdadeiras relações de emprego; 5o) falta de procedimentos prévios de conciliação e mediação para os litígios individuais e coletivos de trabalho; 6o) cultura desfavorável à mediação e à arbitragem dos conflitos coletivos, que não se altera em virtude da facilidade na instauração da instância judiciária; 7o) complexas regras processuais, com demasiados recursos e depósito insuficiente para o empregador recorrer; 8o) excesso de leis e medidas provisórias inovando ou modificando substancialmente o ordenamento legal, muitas vezes com afronta ao bom Direito. O ideal seria a remoção de todas as concausas. Nesta oportunidade, porém, vamos nos deter em duas providências, uma alusiva aos dissídios individuais, outra atinente aos conflitos coletivos. Os litígios individuais, em sua maioria, poderão ser resolvidos no âmbito empresarial, por acordo mediado por comissões paritárias de conciliação, obrigatoriamente criadas nos estabelecimentos de médio ou grande parte. Por seu turno, convenções coletivas firmadas por sindicatos patronais e de trabalhadores instituiriam tais comissões para a mediação dos casos relativos aos estabelecimentos de menos de 60 empregados. Esses órgãos, que não têm competência para julgar, funcionam exitosamente em diversos países, inclusive nos que possuem tribunais de trabalho, como pré-fase obrigatória da distribuição da ação judicial. Em 1982 a Academia Nacional de Direito do Trabalho encarregou-me, juntamente com os saudosos juristas Segadas Vianna e Haddock Lobo, de redigir anteprojeto de lei nesse sentido, que foi encaminhado ao Congresso Nacional. Em 1994 atualizei o texto e o encaminhei ao então Ministro do Trabalho. Por esse anteprojeto, seria obrigatório o funcionamento de uma comissão paritária de conciliação nas empresas cujos estabelecimentos totalizassem, no mesmo Município, mais de 60 empregados. Essas comissões teriam um membro designado pelo empregador e um eleito pelos empregados. Dois seriam os representantes de cada classe quando houvesse mais de 120 empregados. Haveria um suplente para cada membro da comissão, assegurado aos empregados eleitos o direito à estabilidade no emprego, para garantir-lhes independência no desempenho dos mandatos, fixados em três anos. As comissões teriam o prazo improrrogável de quinze dias para intentarem a conciliação em procedimento absolutamente informal. Obtida a conciliação, o respectivo termo, firmado perante a comissão, valeria como transação extrajudicial. Se não cumprido pelo empregador, seria objeto de execução judicial, com o rito estabelecido no parágrafo único do art. 872 da CLT, reservado à Justiça do Trabalho somente o exame dos aspectos formais do acordo e o das nulidade porventura argüidas. Malograda a conciliação, a comissão forneceria documento ao empregado, que seria condição para o ajuizamento da ação judicial, salvo se as partes, por consenso, atribuíssem a arbitragem do litígio à própria comissão. Os sindicatos de empregadores e de trabalhadores poderiam instituir essas comissões para as empresas das correspondentes categorias que não estivessem obrigadas a criá-las. Os procedimentos aqui resumidos suspenderiam o prazo prescricional de que trata o art. 11 da CLT No concernente aos conflitos coletivos de trabalho, afigura-se-nos evidente que a negociação direta, ou com a mediação de terceiros, será fomentada na razão direta das dificuldades opostas ao ajuizamento do processo de dissídio coletivo. Para tal fim, .impõe-se modificar o § 2o do art. 114 da Constituição, para limitar a instauração do dissídio na Justiça do Trabalho às seguintes hipóteses: a) por consenso das partes, desde que não tenham optado pela arbitragem extrajudicial; b) pelo Ministério Público do Trabalho, em caso de greve prejudicial às necessidades inadiáveis da comunidade; c) por qualquer das partes, depois de esgotados os procedimentos e prazos estabelecidos em lei para a negociação coletiva direta ou com mediação de terceiro. Outrossim, essa reforma deveria explicitar que os tribunais do trabalho arbitrariam o dissídio, o que só ensejaria recurso nos casos de nulidade. Deixar-se-ía, assim, de falar em poder normativo. Sem embargo da urgente reformulação das normas constitucionais e legais que regem a Justiça do Trabalho, certo é que essa jurisdição incomoda aos que insistem em descumprir ou fraudar a legislação trabalhista, porque, apesar das suas imperfeições e das causas exógenas, ela funciona. Há, por isso, os que gostariam de extingui-la para, num retrocesso inadmissível, desregulamentar depois a legislação substantiva de proteção ao trabalho, impondo a volta ao laisser faire de triste memória na história da civilização.