UMA VISÃO ECONÔMICA DO MUNDO DO TRABALHO - OS DESAFIOS DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO* Paulo Jobim** O mundo do trabalho tem sofrido rápidas e radicais transformações nos últimos 30 anos, em decorrência das não menos céleres revoluções tecnológicas. Trata- se de um processo de substituição de paradigmas na concepção da estrutura produtiva, que se acentua a partir da década de 80. Desde meados da década de setenta, vem-se observando a ocorrência de grandes saltos tecnológicos, com a automação, a robótica e a telemática invadindo o universo industrial. Formas de produção dominantes até então, como o fordismo e o taylorismo, caracterizados pela produção em massa, homogeneizada e francamente verticalizada perderam seu caráter dominante. O padrão produtivo estruturava-se no trabalho parcelar e fragmentado, na decomposição de tarefas, reduzindo a ação operária a um conjunto repetitivo de atividades cuja somatória resultava no produto final. Este sistema, portanto, associava a produção em série com a eficiência do trabalho, medida em termos de tempos de execução das tarefas. O modo fordista-taylorista produziu as chamadas sociedades industriais. Um exame do sistema de produção das últimas décadas, entretanto, mostra que novos processo de trabalho emergiram, nos quais o cronómetro e a produção homogeneizada, em série, são substituídos pela flexibilização da produção, por novos padrões de busca de produtividade e, finalmente, por novas formas de adequação desta à lógica do mercado globalizado. Na atualidade, a palavra de ordem é estudar e implementar novos padrões de gestão da mão-de-obra. Neste quesito, iniciativas desenvolvidas pela indústria japonesa são disseminadas amplamente. O chamado toyotismo parece firmar-se como um novo paradigma de produção. Esta forma de organização industrial está impondo novas bases para o relacionamento entre capital e trabalho. O operário limitado do fordismo-taylorismo dá lugar a um trabalhador mais qualificado, participativo, multifuncional, talvez gozando de mais realização pessoal com o trabalho. A busca incessante por mais produtividade, o substrato desse modo de produção, tem sérias repercussões no mercado de trabalho. As empresas, especialmente nos últimos vinte anos, vêm passando por processos de adaptação de seu quadro funcional * Com base em Texto de sua Palestra no IV Ciclo de Estudos de Direito do Trabalho. ** Secretário-Executivo do Ministério do Trabalho e Emprego. Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 2, abr/jun 2000 115 DOUTRINA aos imperativos da competitividade, em decorrência da mundialização das operações comerciais. A implementação de iniciativas de redução de pessoal, conhecidas como o downsizing, e de reengenharia, alteração radical ou substituição de produtos e métodos por parte das empresas, tomaram-se uma questão de sobrevivência, impactando diretamente o mundo do trabalho. Produziu-se então uma tendência de flexibilização das relações de trabalho, com a conseqüente superação da antiga expectativa de apenas um emprego para toda a vida. Estava nascendo o que muitos chamam de sociedade de serviços, em vista da crescente importância que este setor adquiriu como destino da mão-de-obra liberada da indústria. A tendência de especialização das empresas em um só negócio vem produzindo, em todo o mundo, uma verdadeira revolução da autonomização profissional. Onde antes havia vínculo empregatício, hoje, para uma parte considerável dos trabalhadores no primeiro mundo, encontra-se contrato de prestação de serviços. Um dos mais graves subprodutos da sociedade de serviços é tendência à informalização das relações do trabalho. Além de comprometer a própria segurança social do trabalhador, a informalidade termina por contribuir para a deterioração das contas públicas, ao aumentar a demanda por serviços de proteção social. Outro grande problema engendrado pelas rápidas transformações no padrão produtivo é o desemprego, especialmente do tipo estrutural. Muitos dos trabalhadores cujos postos foram eliminados ao longo do processo de conversão tecnológica têm sérias dificuldades para se reinserir no mercado laboral, por conta de seu baixo nível de qualificação. No Brasil, o processo global de restruturação produtiva se consolidou somente na década de noventa, com a abertura comercial. Assim, a conversão tecnológica da economia brasileira iniciou-se no mesmo período em que era substituído o paradigma de desenvolvimento nacional. O modelo de substituição de importações, com forte envolvimento do Estado na economia, implantado na era Vargas, foi de grande importância para o desenvolvimento do País durante três décadas. Com efeito, o Brasil industrializado da atualidade foi o resultado da implementação de políticas de incentivo à produção local. O nível inadequado de exposição à competição estrangeira, entretanto, levou o parque produtivo brasileiro à obsolescência. Na última década, portanto, o setor produtivo brasileiro esteve em crise. Uma crise derivada da restruturação tecnológica, caracterizada pela célere renovação e atualização do padrão de produção. Além disso, grandes transformações demográficas aconteceram, pressionando ainda mais o mercado de trabalho. Durante a década de noventa, a população brasileira cresceu ao ritmo de 1,4% ao ano, bem menor do que o observado nas décadas anteriores. No entanto, a População Economicamente Ativa, PEA, no mesmo período, cresceu a uma taxa média anual de 2,7%. 116 Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 2, abr/jun 2000 DOUTRINA Isso significa que, ao longo dos anos 90, a percentagem da população, em idade ativa, ocupada ou procurando trabalho, manteve tendência de crescimento. Isto porque as pessoas que nasceram na época de alta fecundidade ainda estão pressionando o mercado de trabalho. Outra causa repousa na crescente incorporação das mulheres à força de trabalho. Em virtude disto, o País terá de conviver com uma pressão, de origem demográfica, por mais empregos até o ano 2010, embora esse fenômeno já comece a se atenuar na segunda metade desta década. Quadro 1 - Evolução da PEA Ano População PEA 1992 148.684.100 69.968.836 1998 161.790.300 76.885.732 2000 166.112.500 81.591.336 Fonte: PNAD/IBGE e CEDEPLAR/UFMG A qualidade da força de trabalho brasileira é baixa para padrões internacionais, ainda que tenha melhorado nos últimos anos. Estimativas da média de escolaridade da PEA indicam que esta elevou-se de 3,5 para 5,3 anos na década de noventa, segundo a PNAD de 1997. O número de anos de estudo é maior entre os jovens, embora, mesmo para este grupo, não ultrapasse os 8 anos. O diferencial rural - urbano de escolaridade média é expressivo. Enquanto o número de anos de estudo da PEA urbana atinge 6 anos, este número é de apenas 2,9 para a PEA Rural. No que se refere à localização do emprego, o exame dos dados da composição regional e setorial do emprego formal para a década de noventa revela mudanças significativas. Segundo o Relatório Anual de Informações Sociais, a RAIS, e o Cadastro Geral de Emprego e Desemprego, as regiões Norte e Sudeste perderam importância relativa na geração do emprego formal, enquanto as regiões Nordeste, Sul e Centro-Oeste aumentaram sua gravitação. Pode-se também verificar uma tendência de migração de postos de trabalho das grandes cidades para as menores: em 1999, enquanto nas regiões metropolitanas houve uma queda de 4,4 mil empregos, evidencia-se, no interior do País, um saldo positivo de 51,5 mil postos de trabalho. A atividade industrial, maior geradora de empregos nos anos 70, perdeu essa posição para o setor de serviços, nos anos 80 e 90. Em 1992, o setor terciário e a indústria de transformação respondiam, respectivamente, por 71,6% e 19,8% da ocupação não-agrícola, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, a PNAD, do IBGE. Em 1998, o setor terciário abrigava 73,7% da ocupação não-agrícola e mais da metade da população ocupada do País, enquanto a indústria reduziu sua participação para 17,9%. Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 2, abr/jun 2000 117 DOUTRINA O número de pessoas ocupadas, segundo os dados da PNAD, aumentou entre 1992 e 1998, em 4,6 milhões, o que equivale a 7%. A ocupação agrícola encolheu, no período, em cerca de 2,2 milhões de postos, mantendo a sua tendência histórica de perda de importância relativa e absoluta na ocupação total, enquanto a ocupação não-agrícola expandiu-se em 6,73 milhões de pessoas. Quadro 2 - Macrocategorias de ocupação Brasil 1992 1998 Variação PEA 69.968.836 76.885.732 9.89% Total de ocupados 65.395.491 69.963.113 6.98% Empregados formais 24.092.608 25.562.022 6.10% Empregados informais 14.484.598 16.179.653 11.70% Trabalhadores por conta própria 17.562.217 19.242.025 9.56% Empregadores 2.406.741 2.851.180 18.47% Outros 6.849.327 6.128.233 10.53% Total de desempregados 4.573.345 6.922.619 51.37% Contribuintes para a previdência 28.488.976 30.988.889 8.78% Fonte: PNAD/IBGE1998 Dados da Pesquisa Mensal de Emprego, do IBGE, indicam que o nível de ocupação, nas seis maiores áreas metropolitanas, cresceu 5% de dezembro de 1995 ao mesmo mês de 1999. Ao longo do ano de 1999 foram criados 418 mil novos postos de trabalho. Quadro 3 - Geração de empregos (1998/1999) Regiões Metropolitanas Dezembro 1998 Dezembro 1999 PEA total no mês 17.514.000 17.947.620 Total de ocupados no mês 16.409.926 16.828.277 Total de desempregados no mês 1.104.074 1.119.343 Taxa de desemprego no mês 6.30% 6.24% Taxa de desemprego média no ano 7.60% 7.56% Média mensal de desempregados no ano 1.344.121 1.334.512 Empregos gerados no ano -5.993 418.351 Fonte: PME-IBGE A despeito de não apresentar um grande dinamismo nesta última década, a economia brasileira tem sido capaz de gerar novas ocupações. No entanto, no setor formal do mercado de trabalho, foram eliminados cerca de 1,5 milhão de empregos, entre janeiro de 1991 e dezembro de 1996. Esta queda do emprego formal ficou concentrada no setor industrial. A partir do ano de 1997 iniciou-se um processo de recuperação, tendo sido gerados aproximadamente 900 mil novos empregos com contrato de trabalho entre janeiro de 1997 e novembro de 1999. 118 Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 2, abr/jun 2000 DOUTRINA Com efeito, boa parte das pessoas que perderam seus empregos com carteira assinada não ficaram desempregadas. Este contingente encontrou ocupações no setor terciário, formal ou informal. Como resultado desse processo, acentuou-se a informalidade, revelando que, se a economia brasileira, de um lado, está sendo capaz de gerar empregos, de outro, estes são, em boa parte, de baixa qualidade. No entanto, nem todas as ocupações informais são de baixa qualidade. A presença crescente do trabalho autônomo introduz uma nova dimensão à análise do setor informal. A parcela de mão-de-obra qualificada que migrou para a condição de contaprópria não deve ser caracterizada como detentora de uma ocupação de baixa qualidade, à medida que detém capital humano e instrumentos de trabalho que elevaram sua produtividade e seus rendimentos. Em um contexto de grandes transformações, a economia brasileira tem gerado ocupações para a grande maioria das pessoas que entram no mercado de trabalho. O ajuste do mercado de trabalho brasileiro, entretanto, ocorre mais pela via da informalização do que pela via do desemprego aberto. Este, todavia, está assumindo, recentemente, uma dimensão cada vez mais relevante nesse processo. No período de 1995 a 1998, o desemprego aberto elevou-se de 4,65% para 7,60%. Em 1999, esta tendência se desfez, verificando-se um pequena queda, para 7,56%, situando-se em patamares relativamente baixos, em comparação com outros países da América Latina, conforme dados da OIT. Quadro 4 - Desemprego aberto na América Latina País Desemprego aberto em 1999 Brasil 7.56% Argentina ___________________14.5%___________________ Chile 10.1% Colômbia 19.8% Equador 11.1% Peru 9.8% Uruguai 12.1% Venezuela 15.3% Média da América Latina 10.8% Fonte: OIT O recente aumento da taxa de desemprego deve-se, talvez majoritariamente, ao contingenciamento do setor externo e à questão fiscal, que impôs limites ao crescimento da economia. Com uma trajetória de crescimento abaixo da sua tendência histórica e dado o ritmo de aumento da PEA, a taxa de desemprego seguiu tendência à elevação. O impacto social do desemprego é tanto maior quanto mais ele incide sobre os chefes de domicílio. A incidência do desemprego no Brasil é diferenciada por sexo e idade, sendo bem mais alta para os jovens e para as mulheres, do que para os chefes de Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 2, abr/jun 2000 119 DOUTRINA família: em.1999, em média, a taxa de desemprego feminino foi de 8,3%; na faixa etária dos 15 aos 24 anos, 14,7%; e de chefes de família, 5%. A nova lógica produtiva resultou em novas formas de organização, de conteúdo e vínculo de trabalho. O tipo tradicional de emprego, caracterizado pela: - vinculação a apenas um empregador e pela execução dos trabalhos na empresa, - existência de contrato de trabalho, - serviços prestados em caráter permanente, - jornadas diárias em tempo integral, e - proteção social, tende a ceder espaço para ocupações de caráter vinculatório mais tênue, com relações de trabalho em geral mais precárias, resultantes de processos de terceirização (subcontratação), empregos em termo parcial, execução do trabalho em domicílio e por conta-própria, o que acabou, ao lado do desemprego tecnológico, por impactar profundamente a relação entre trabalhadores e sindicatos nas últimas duas décadas. Dentro deste contexto, não se pode deixar de mencionar uma forma inovadora de trabalho que consideramos de grande potencial de disseminação no Brasil, dadas as tendências de desenvolvimento da área de serviços nos próximos anos: o teletrabalho. O rápido aumento na capacidade de processamento e armazenamento de dados por computadores, aliado ao também não menos célere desenvolvimento de novos condutores, particularmente a fibra ótica, estão produzindo, em boa parte do mundo, inclusive no Brasil, a consolidação de uma variante da sociedade de serviços: a sociedade da informação. Este processo de alteração estrutural no sistema de comunicações, caracterizado pela ampla utilização da telemática, gera, a seu turno, conseqüências sociais de grande relevância, especialmente no que concerne aos assuntos de interesse do Ministério do Trabalho e Emprego. Com efeito, esta nova forma de trabalho derivada da ampla utilização das novas tecnologias da informação, pode influenciar substancialmente não apenas a estrutura da força de trabalho como também as condições laborais e os padrões ocupacionais de nossa população economicamente ativa. Mais ainda, a julgar pela experiência de países mais desenvolvidos economicamente, estima-se que a consolidação da sociedade da informação deixará de afetar bem poucas categorias de trabalhadores. A evolução da telemática engendrou as condições necessárias para o surgimento de inúmeras oportunidades para a criação de produtos e, especialmente, serviços. Esta constatação encontra amparo no estudo elaborado pela Organização Internacional do Trabalho, OIT, para subsidiar as discussões no Simpósio sobre Tecnologias da Informação e seus Impactos no Emprego, Condições de Trabalho e Relações Trabalhistas, realizado em Genebra, em fevereiro último. 120 Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 2, abr/jun 2000 DOUTRINA A experiência internacional, de acordo com o mesmo documento, mostra que um número considerável de postos de trabalho foi criado como resultado da evolução da telemática. Setores econômicos cuja demanda por serviços intensivos em criatividade foram os responsáveis pela maior parte destes novos empregos. O impacto, em termos de número de postos de trabalho que estão sendo perdidos e ganhos como resultado do avanço da sociedade da informação, por si só, ainda é bastante difícil de estimar. No caso brasileiro o exame das estatísticas dos últimos anos não permite concluir acerca do peso exato do fator tecnológico no processo de modificação na estrutura do emprego. Assim, para muitos trabalhadores, particularmente aqueles ocupados com tarefas que exigem pouco ou nenhuma habilidade técnica, um fator crucial para a manutenção de sua empregabilidade será sua capacidade para se adaptar às mudanças em curso. Os teletrabalhadores, neologismo para representar aqueles que se utilizam, de maneira sistemática, de recursos da telemática para desempenharem suas tarefas profissionais, fora do ambiente convencionalmente oferecido pelos empregadores, são um produto da sociedade da informação. Não há registro oficial do número de pessoas que já se enquadram nesta macrocategoria profissional no Brasil. Nos Estados Unidos, afirma a OIT, já existem 8 milhões de teletrabalhadores. Este número é de 500 mil no Reino Unido e 150 mil na Alemanha. Tanto no exterior quanto no Brasil, parece haver muitas razões para o fortalecimento da tendência de opção pelo teletrabalho. Entre estas estão os esforços para se poupar tempo e dinheiro gasto com transporte e a redução de custos com a manutenção de locais convencionais para o trabalho, o que vale, de resto, para fundamentar a execução de trabalhos em domicílio de uma maneira geral. A justificação do teletrabalho não se esgota com o exposto. O teletrabalho é freqüentemente utilizado como uma estratégia para reduzir o absenteísmo, além de facilitar a vida de pessoas com limitações físicas ou com compromissos de ordem doméstica. Com efeito, o que parece estar subjacente a toda iniciativa de teletrabalho é a busca por níveis sempre crescentes de produtividade, fundamentada no reconhecimento de que os trabalhadores têm ciclos variáveis de produtividade e, especialmente, de criatividade. A ampla utilização de avançados recursos tecnológicos no mercado de trabalho impõe uma grande responsabilidade ao Ministério do Trabalho e Emprego. Trata-se de reavaliar a legislação trabalhista brasileira, com vistas a identificar suas eventuais deficiências para regular uma nova realidade que se consolida juntamente com a sociedade da informação. Nesse sentido, aspectos relevantes da estrutura da legislação trabalhista, especialmente aqueles referentes à natureza do vínculo de trabalho, à segurança e saúde, e à inspeção do trabalho estão sendo objeto de avaliação, com vistas a impedir que novas formas de ocupação floresçam à margem da necessária cobertura legal. Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 2, abr/jun 2000 121 DOUTRINA Com efeito, o desenvolvimento do mercado laboral, como conseqüência da evolução da telemática, não pode produzir a precarização nem, muito menos, a informalização das relações de trabalho. Diante deste contexto de câmbio radical de paradigmas de produção e de suas conseqüências para o mundo do trabalho brasileiro, cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego um grande desafio: conceber e implementar políticas públicas capazes de atenuar as conseqüências negativas sobre o mercado de trabalho, e, por outro lado, preparar o trabalhador para enfrentar as dificuldades inerentes a essa nova realidade. Neste sentido, as políticas públicas de emprego visam, de um lado, a contribuir de forma ativa para a geração de emprego e renda, como é o caso das ações de qualificação, da intermediação, do financiamento ao setor produtivo e da modernização da legislação trabalhista. Por outro lado, busca-se garantir uma proteção social ao trabalhador, por meio dos programas seguro-desemprego, abono salarial, de alimentação do trabalhador e da fiscalização trabalhista. Seguem alguns comentários sobre estes programas. Com o objetivo de preparar a força de trabalho para a nova realidade do mercado de trabalho, o Governo federal vem implementando o Plano Nacional de Qualificação Profissional. Para o período do Plano Plurianual, PPA, 2000-2003, pretende-se qualificar 20 milhões de trabalhadores ao custo de aproximadamente 3,9 bilhões de reais, custeados com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador, FAT. A maior parte desses beneficiários estará sendo, direta ou indiretamente, expostos aos avanços tecnológicos nas suas áreas de interesse profissional. Neste ano, prevê-se investimentos de cerca de 497 milhões de reais, beneficiando cerca de quatro milhões de pessoas. Parte deste esforço está contemplado no Programa Brasil Empreendedor, com o objetivo de melhorar a capacitação de micro e pequenos empreendedores Já o financiamento ao setor produtivo, realizado com recursos do Fundo de Amparo a Trabalhador por meio do PROGER, PRONAF, PROEMPREGO e PROTRABALHO, busca impulsionar os setores mais geradores de emprego como as micro e pequenas empresas, a agricultura familiar e a construção civil. De 1995 até esta data, foram aplicados cerca de 20 bilhões de reais, financiando, aproximadamente, 2 milhões de projetos. No que concerne à intermediação, o Ministério do Trabalho e Emprego mantém, em contínuo aperfeiçoamento, um programa de recolocação de trabalhadores no mercado laborar. Trata-se de iniciativa implementada pelos estados, por meio do Sistema Nacional de Emprego, SINE, e por uma rede de agências administradas por centrais sindicais, objetivando a inserção produtiva do trabalhador no mercado laborar. Além de fornecer informações que subsidiam as políticas de emprego e renda, este programa oferece aos trabalhadores a oportunidade de participar de ações de qualificação profissional, de ter acesso ao benefício do seguro-desemprego e, principal- 122 Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 2, abr/jun2000 DOUTRINA mente, de ser encaminhado a postos de trabalho captados junto às empresas. Em 1999 foram recolocados por este programa 414 mil trabalhadores. O seguro-desemprego cumpre a importante função de manter a dignidade e a cidadania do trabalhador no período em que se encontra à procura de um novo posto de trabalho. A maior parte do desemprego brasileiro tem natureza friccional, momentânea. Em 1999, foram gastos cerca de 4 bilhões de reais com o seguro desemprego, beneficiando aproximadamente 4,2 milhões de trabalhadores. Nossa legislação laborai teve suas bases estabelecidas ainda na década de 40, com a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT. Vivia-se, no Brasil de então, o chamado Estado Novo, um ambiente marcado pelo corporativismo e pelo autoritarismo, os quais impregnaram essa legislação de forma bastante duradoura. São exemplos disso a forte intervenção do Estado no campo das relações de trabalho e sua ligação estreita com a estrutura sindical. Visando à superação dessa estrutura arcaica e corporativista, o Poder Executivo vem apresentando, ao longo dos últimos cinco ou seis anos, diversas propostas de alteração legislativa, com vistas justamente a modernizar a legislação trabalhista. Trata-se, em grandes linhas, de ajustar a legislação aos novos padrões de relação entre o capital e o trabalho, estimulando a transição para um sistema mais ágil, flexível e democrático de negociação. A marca principal desse conjunto de propostas tem sido, assim, o prestígio à via negociai para a solução dos conflitos inerentes às relações de trabalho. De um lado, pretende-se garantir a prevalência dos direitos coletivos sobre os individuais, como forma de estimular a cooperação e a auto-composição ao invés do conflito. De outro, assume-se a perspectiva do fortalecimento do papel dos atores sociais envolvidos diretamente nessas relações, buscando, ao mesmo tempo, reduzir a interferência estatal nesse âmbito. Dentre as muitas propostas apresentadas pelo Governo Federal nesta linha, já aprovadas pelo Congresso Nacional, merecem destaque a desindexação salarial, a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa, o contrato de trabalho por prazo determinado, o “banco de horas”, o regime de trabalho a tempo parcial, a suspensão do contrato de trabalho com qualificação profissional (‘lay off), o Rito sumaríssimo na Justiça do Trabalho, e as Comissões de Conciliação Prévia. A Proposta de Emenda Constitucional n° 623/98, em tramitação no Congresso Nacional, que objetiva a extinção do monopólio de representação garantido pela unicidade sindical e propõe a liberdade de criação de sindicatos sem a observância do critério de categorias profissionais ou econômicas e da prerrogativa da base territorial, é urna medida de vital importância para o sucesso do novo modelo de relação de trabalho que está sendo implantado no Brasil. Com isso, espera-se garantir a efetividade da representação sindical e sua eficácia em termos da proximidade entre representantes e representados, na medida em que se abre a perspectiva de criação de sindicatos sem as restrições hoje existentes, como a que só permite um único sindicato de cada categoria em dada base territorial. Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 2, abr/jun 2000 123 DOUTRINA Dentre as medidas que ora que estão sendo discutidas, com vistas a sua futura inclusão em nosso ordenamento jurídico, destaco: a) Trabalho rural: proposição que, buscando alterar a Lei 5.889/73, estabelece alternativas mais ágeis e juridicamente seguras de contratação de mão-de-obra no campo, no que concerne à redefinição do contrato de safra, criação do contrato coletivo de safra, extensão da empresa de trabalho temporário para o meio rural e balizamento do “condomínio de empregadores”. Garante também direitos trabalhistas e estimula a formalização do vínculo do chamado “bóia-fria”. Convém destacar que o setor agropecuário é o que apresenta o maior índice de informalidade: 78%, de acordo com a PNAD 1998. b) Aprendizagem (PL 2845/2000): Torna mais elástico o atual conceito de aprendizagem, assegurando o adequado tratamento ao trabalho do adolescente. Vale destacar que cerca de dois milhões de adolescentes serão amparados por esta proposição. c) Cooperativas de trabalho: buscando combater o recurso à fraude trabalhista, define os limites para a contratação regular dos trabalhadores cooperativados, garantindo a preservação dessa modalidade associativa, que tem importante papel na geração e manutenção de emprego e renda. d) Tratamento trabalhista diferenciado para micro e pequenas empresas: visa a possibilitar estímulos à geração e à preservação de empregos no âmbito das micro e pequenas empresas. A geração e a preservação de empregos dependem, como bem sabemos, do crescimento econômico sustentado. Dependem também das instituições que regulam o funcionamento do mercado de trabalho. Vale dizer: não se consegue criar empregos por decretos; é preciso que a economia esteja suficientemente aquecida para isso. No entanto, é possível garantir que, por meio de um mercado de trabalho menos rígido e mais aberto a novas formas de composição dos interesses, sejam encontradas soluções que preservem as conquistas trabalhistas e, ao mesmo tempo, atendam às necessidades de redução dos custos produtivos. Como resta claro, o desafio do Ministério do Trabalho e Emprego para os próximos anos é enorme. Maior ainda, entretanto, é a vontade política do Governo Federal de preparar o país para um novo ciclo de crescimento sustentado. Esta nova realidade, será construída com determinação e diálogo, buscando-se a cooperação entre trabalhadores e patrões, em prol de um futuro mais próspero para todos. 124 Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 2, abr/jun 2000