CONFLITOS COLETIVOS DO TRABALHO Márcio Túlio Viana* Sumário: 1. Introdução; 2. Conflitos trabalhistas; 3. Conflitos, controvérsias, dissídios; 4. Conflitos abertos e regulamentados; 5. Conflitos e interesses individuais e coletivos; 6. Conflitos coletivos econômicos e jurídicos; 7. Os conflitos como rotina; 8. Lutas coletivas operárias: seus vários tipos; 9. A Greve; 9.1. Etimologia; 9.2. As greves através do tempo; 9.3. Conceito de greve; 9.4. Natureza jurídica; 9.5. Função e importância; 9.6. Caracteres gerais; 9.7. Tipos de greves mais conhecidos; 9.7.1. Greve geral; 9.7.2.Greve de solidariedade; 9.7.3. Greve de ocupação passiva (lock-in); 9.7.4. Greve de ocupação ativa; 9.7.5. Greves com trabalho parcialmente arbitrário; 9.7.6. Greve das horas extras; 9.7.7. Greve rotativa; 9.7.8. Greves intermitentes; 9.7.9. Greve-trombose; 9.8.Efeitos jurídicos das greves; 9.9.Efícácia das greves; 9.10. Peculiaridades e estratégias; 10. Outros Tipos de Conflitos; 10.1, Meios de luta preliminares; 10.2. “Label”; 10.3. Extorsão sindical (“racketeering"): 10.4. Bloqueio de mercadorias; 10.5.Boicotagem; 10.6. Sabotagem; 10.7. Ratterning; 10.8. Ludismo; 10.9. Formas inominadas; 10.10. Lutas dirigidas contra os colegas; 11. Tratamento legal das lutas coletivas; 11.1. Licitude das greves atípicas e de outros meios de luta; 11.2. Algumas lições de Direito Comparado; 12. Outros aspectos polêmicos da lei ordinária; 13. O que há em comum nos conflitos trabalhistas; 14. Ações e reações patronais; 14.1. Pressões; 14.2. Meios secundários; 14.3. “Lock-out”; 14.4. Listas negras e brancas; 14.5. Prêmios antigreve; 14.6. Contratações de outros trabalhadores; 15. Meios de solução de conflitos; 16. Conflitos e convênios coletivos: um olhar acadêmico; 17. Conflitos e convênios coletivos: um olhar crítico; 18. Os convênios transnacionais e os acordos tripartites; 19. Algumas idéias para um momento de crise; Bibliografia. 1. INTRODUÇÃO No princípio... era o Verbo. Estávamos ainda por fazer. Simples possibilidades de vida, todos nós - homens, estrelas, samambaias e formigas - nos comprimíamos num minúsculo ponto de energia, muitíssimas vezes menor do que a cabeça de um alfinete1. De repente, o Verbo se fez carne: não se sabe como nem por quê, o pequeno núcleo se expandiu e explodiu, dando à luz o Universo. Essa nossa origem - comum e explosiva - talvez tenha algo de simbólico. Ela parece indicar que a Natureza é harmonia, mas também conflito; mais propriamente, é harmonia que nasce do conflito... Mesmo a aparente placidez das florestas esconde terríveis combates. Insetos se alimentam de plantas. Há plantas que comem insetos. Pássaros disputam vermes. Trepadeiras sugam o sangue das árvores. Alguns tipos de abelhas saqueiam outras * Juiz do TRT da 3° Região. Professor de Direito do Trabalho da UFMG. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Junior. 1. BOFF, Leonardo. “O despertar da águia”, Vozes, Petrópolis, 1998, p. 14. 116 Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 DOUTRINA colméias. As formigas-amazonas escravizam outras formigas2. FERRI aponta 22 causas de agressões praticadas por animais, que vão da cobiça à vingança, da malvadez ao canibalismo, da autodefesa à demência senil3. Como observa BOFF, a Natureza nem sempre é dócil, suave e boa: é mistura de beleza e dor, união e rupturas, desacertos e reajustes. São incontáveis os óvulos, espermas, sementes e flores que morrem no mesmo instante em que nascem. No subsolo das matas, raízes se atacam com venenos e bactérias, numa verdadeira guerra química em busca de mais espaço.4 Até o rio, em seu caminho para o mar, abre feridas na terra. E a própria Terra, às vezes, parece insatisfeita consigo, reacomodando-se com terríveis tremores, ou vomitando fogo por seus enormes vulcões. Para além do que nos mostram as fotografias, a Natureza “produz tudo e também tudo devora. Nela, há vida e morte em profusão.5” A busca de equilíbrio é eterna - não importa o preço. Disputando o nosso próprio espaço na tênue película de vida que cobre o planeta, também nós, seres humanos, somos a prova dessa dualidade. A diferença é que - ao contrário das abelhas e samambaias - podemos escolher as nossas lutas, dirigindo-as para o justo ou para o injusto, para oprimir ou para libertar. 2. CONFLITOS TRABALHISTAS Como os sabiás e as flores do campo, o homem “é um ser para a liberdade”6. Mas tal como as formigas-amazonas, é também um ser que oprime. O sistema capitalista mostra muito bem essa contradição, ao inventar o trabalho livre e ao mesmo tempo subordinado. Através do contrato, o trabalhador cede o domínio de seus gestos: é como se usasse a sua própria liberdade para perdê-la. Na verdade, porém, mesmo antes do contrato a liberdade tem algo de ficção: não detendo em suas mãos o capital e a matéria-prima, quem nasceu para ser empregado simplesmente não tem como escolher a autonomia, vale dizer, o seu contrário. Ainda assim - ou talvez por isso - o contrato é peça-chave do sistema, posto que o legitima. Se fosse realmente livre para vender (ou não) a sua liberdade, o trabalhador a manteria - e o sistema seria outro. Desse modo, para que as relações de produção se perpetuem, é preciso não só que haja liberdade formal para contratar, mas que falte liberdade real para não contratar. 2. Incapazes de cuidar de seus formigueiros e até de se alimentar, elas atacam outros formigueiros, fazem escravas e vivem às custas delas (cf. BOGEA, Antenor. “Do concurso de agenes na suposta criminalidade animal”, in “Estudos de Direito e Processo Penal em Homenagem a Nelson Hungria”, Forense, Rio, 1962, p. 428) 3. BOGEA, Antenor. Op.cit., p. 429 4. BOFF, Leonardo. Op. cit., p. 14. 5. BOFF, Leonardo. Op. cit., p. 15. 6. A expressão é de Pierre Clastres. Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 117 DOUTRINA Sem opção real para decidir se será ou não empregado, o trabalhador perde, por conseqüência, o poder de influir no conteúdo do contrato - e é então que entra em cena o legislador. Note-se que ele não questiona o mito da liberdade de contratar - pois de outro modo afrontaria o próprio sistema. Assim, embora recrie algumas regras do jogo, não altera a sua lógica, ou o seu resultado final. Mas o legislador não regula todo o contrato. Parte dele não é passível de previsão antecipada. Como saber, por exemplo, a ferramenta exata que o empregado usará amanhã? O legislador só regula o que poderia ter sido previsto (e imposto) pela empresa, não fosse a presença dele - como é o caso, por exemplo, da jornada de trabalho. No mais, o que há são espaços em branco, e é nessa faixa que transita o comando. Note-se que todo ato humano, ao entrar no mundo jurídico, paga uma espécie de tributo - representado pela perda de uma porção de liberdade.7 No contrato de trabalho, porém, há um algo mais: já não se trata apenas de assumir uma obrigação, mas de cumpri-la segando as especificações do outro. Assim, a perda de liberdade prossegue e se acentua para além do momento do ajuste: é por entre as cláusulas pactuadas que o empregador se movimenta. Sob esse ponto de vista, talvez se possa dizer que nem tudo no contrato é contratado: embora fundado num ajuste, o poder diretivo se concretiza onde o ajuste nada previu.8 Note-se que o legislador, aqui, já não se limita a dar força de lei à vontade das partes - e nem a criar conteúdos obrigatórios, como tem feito, por exemplo, nas leis do inquilinato. Ele recua para dentro de suas fronteiras, de certo modo permitindo que um homem ocupe o seu lugar, com poder de definir comportamentos de outros homens. Teoricamente, o empregado cede apenas a sua energia; mas, como disse alguém, não se pode vender um braço: um homem vem sempre junto ... Assim, é ele “pessoalmente atingido”9. Mas há outro dado importante: o empresário quer acumular. E como este objetivo é estranho ao trabalhador, sua vontade deve ser - a cada momento - estimulada. É aí que entram em cena as variadas técnicas de organização empresarial, que fracionam o trabalho, mecanizam os gestos, premiam esforços e castigam falhas, ocupando todos os tempos e espaços disponíveis, Cada braço se torna, então, um prolongamento da máquina; e esse conjunto de carne e ferro passa a trabalhar numa única cadência. Tudo isso faz com que, no campo do trabalho, os conflitos não sejam patológicos, como supõe certa corrente10, mas naturais. Estão no próprio coração do sistema. Além disso, como afetam o grupo, tendem a se expressar coletivamente - o que também aumenta a sua eficácia. Em geral, quando coletivos, não buscam a aplicação, mas 7. ANDRADE, Vasco de. “Atos unilaterais no contrato de trabalho”, Procuradoria do Trabalho, Rio, 1943. 8. Para um estudo mais amplo do tema, cf. o nosso “Direito de Resistência”, LTr, S. Paulo, 1996, págs. 134-135 e 190-234. 9. CATHARINO, J. Martins, “Compêndio de Direito do Trabalho”, vol. 1, Saraiva, S. Paulo, 1982, p. 206. 10. Trata-se da chamada “teoria do consenso”, segundo a qual a estrutura social é uma ordem que tende à estabilidade. 118 Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 DOUTRINA a (re) construção do Direito. Assim, em princípio, rejeitariam a solução pelo juiz11, mas não a do legislador. O problema é que - aberto o conflito - o choque de interesses é tão presente, tão intenso e tão urgente que raras vezes há tempo para que o legislador intervenha; e a conseqüência, inusitada nos outros ramos jurídicos, é a sua substituição pelas partes, que criam, elas próprias, o Direito que lhes convém. Desaparece, assim, a mediação do Estado. Já não há uma separação entre os agentes que produzem a norma e aqueles que a consomem. Na mesma medida, dilui-se a distinção entre o fato que faz a norma nascer (fonte material) e o modo pelo qual esta se revela (fonte formal). Do mesmo modo que a crisálida traz em seu corpo o DNA da borboleta, o conflito carrega nas entranhas os elementos formadores do novo Direito: quando tudo corre bem, ele próprio - o conflito - se transforma em convenção. Os mesmos trabalhadores que, ao se pôr em greve, dizem que “a regra terá de ser esta!”, se vitoriosos dirão, no ajuste com os patrões, que “a regra, agora, é esta". Naturalmente, também a reação patronal pode conter elementos da futura norma. 3. CONFLITOS, CONTROVÉRSIAS, DISSÍDIOS Alguns autores se referem, indistintamente, a conflitos, controvérsias e dissídios coletivos. Mais técnico, MAGANO prefere distinguir: conflito tem sentido amplo de contraste de interesses; controvérsia é o conflito em via de solução; e dissídio o conflito levado a juízo. Assim, a greve seria: um conflito, se analisada em si mesma; uma controvérsia, se levada à arbitragem; um dissídio, se submetida a julgamento.12 4. CONFLITOS ABERTOS E REGULAMENTADOS Os conflitos ou são abertos, ou regulamentados. Dentre os abertos, nem todos são ilícitos, já que a mera omissão da lei não implica proibição. Sob outro aspecto, podemos dividi-los em três grupos, tendo em vista a estratégia usada; a) recusa ao trabalho; b) recusa à subordinação; c) recusa à propriedade.13 Exemplos: de (a), a greve típica; de (b), a prática do “trabalho arbitrário”; de (c), os atos de sabotagem. Voltaremos ao tema mais adiante. 5. CONFLITOS E INTERESSES INDIVIDUAIS E COLETIVOS No início, os conflitos eram caóticos, dispersos, individualizados. Aos poucos, sufocados pela opressão, os operários aprenderam a pensar e a agir em grupo: o capita 11. Como se sabe, o nosso modelo mantém a solução judicial dos conflitos. Sobre o tema falaremos adiante. 12. MAGANO, Octávio Bueno. “Manual de Direito do Trabalho", vol. III (Direito Coletivo do Trabalho), LTr, S. Paulo, 1984, p. 161. 13. VIANA, Márcio Túlio. “Direito de Resistência”, cit., p. 283. Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 119 DOUTRINA lismo forjara uma nova classe, que partilhava angústias e esperanças. Mas ainda hoje, naturalmente, há conflitos individuais, convivendo ao lado dos coletivos. Como distinguir uns dos outros? Do mesmo modo que vários homens isolados não caracterizam um grupo, a existência de múltiplos conflitos individuais não os torna - só por isso - coletivos. As vezes, os interesses de um trabalhador são até opostos aos do grupo, ou seja, podem estar eles próprios em conflito... Costuma-se dizer, por isso, que os interesses coletivos são mais uma síntese do que uma soma de interesses individuais. É verdade que no corpo do grupo pulsam corações de homens, e são estes que provocam a adesão de cada vontade. Por isso, o que se vê, quase sempre, é um movimento de ida e volta: o conflito sobe à esfera coletiva, mas - se resolvido com sucesso - desce ao pequeno mundo de cada um. O caminho de volta se dá através dos contratos de trabalho, que atuam como canais de individuação.14 Outra diferença entre os conflitos coletivos e os individuais é o fato - já observado - de que, em geral, os primeiros buscam renegociar as condições de trabalho, ao passo que os últimos alteram, por si próprios, o modo pelo qual o trabalho se executa. Não é por outra razão que, em regra, aqueles se dirigem à parte ajustada da relação de emprego (ou seja, às cláusulas do contrato), enquanto estes reagem ao comando (unilateral) do empregador. E como esse comando é pontual, o conflito individual tende a repeti-lo: é fragmentado, circunstancial, individualizado. Se o patrão, com o seu ius variandi, modula a prestação do empregado, agora é este que tenta re-modular o próprio ius variandi, sem alterar, no entanto, o próprio contrato - como veremos melhor no item seguinte. Em geral, o conflito coletivo traduz uma luta para o direito - ao contrário do que acontece em nível individual, quando usualmente se combate pelo direito. Naturalmente, por detrás de um conflito coletivo há um interesse do mesmo gênero, e é possível identificá-lo quando a sua realização afeta ao grupo de forma indistinta (por ex., um certo índice de reajuste salarial) ou indivisível (como a melhoria das condições de higiene).15 6. CONFLITOS COLETIVOS ECONÔMICOS E JURÍDICOS Há os conflitos jurídicos, ou de interesse, que discutem a melhor interpretação de uma norma já existente. E há os econômicos, que por assim dizer se insurgem contra a própria existência da norma coletiva, tentando trocá-la por outra. 14. A expressão é de Ribeiro de Vilhena. 15. Na lição de Mazzoni, é coletivo o interesse quando “uma situação favorável não pode determinar-se senão em conjunto com outras idênticas situações favoráveis dos restantes membros de um certo grupo”(Manuale di Diritto del Lavoro”, v. II, 1977, Milão, p. 1080-1081. Para Monteiro Fernandes (op. cit., p. 210), o interesse coletivo é elástico: pode se formar a partir de pretensões individuais. Deduz-se, por isso mesmo, de vários fatores: a via (sindical) escolhida, o método (a negociação), os efeitos (fixação de um padrão geral), etc. 120 Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 DOUTRINA Os conflitos econômicos - que são os mais freqüentes e importantes - podem envolver o ajuste em si (o contrato proclamado), ou a sua subseqüente adequação, por parte do empregador (o contrato executado), Em outras palavras, referem-se a cláusulas contratuais ou a aspectos do poder diretivo - como ritmos de trabalho, faltas disciplinares, etc. Em geral, o que se quer, na primeira hipótese, é excluir do contrato a cláusula antiga, trocando-a por outra; e, na segunda, incluir nele o que estava à parte, tornando bilateral o que era unilateral. Em ambos os casos, porém, é no contrato que se quer tocar e, por isso se tenta pressionar a vontade do outro - ao contrário do que costuma se dar nos conflitos individuais, em que o empregado, como vimos, já realiza - se bem que brevemente - o seu projeto de mudança.16 Só raras vezes este último modo de luta se realiza em nível coletivo. 7. OS CONFLITOS COMO ROTINA Ainda que pouco notados, os conflitos individuais estão presentes na rotina da fábrica. De um lado, o empregador tenta por todos os meios domar a força de trabalho; de outro, os operários aproveitam cada oportunidade para fugir um pouco à dominação. A resistência é muitas vezes oculta; e, tal como a opressão, acompanha o modo de produzir, fracionando-se. Assim é, por exemplo, que os operários tentam inserir pequenas pausas em suas tarefas, enquanto o empregador procura regular ao máximo cada pequeno gesto - seja através da própria máquina, seja instituindo micropenalidades, como censuras ou advertências. De certo modo, cada prestação envolve uma luta- ainda que, muitas vezes, em estado latente. Tal como os conflitos individuais, as lutas coletivas foram se moldando, ao longo dos tempos, às transformações da fábrica - e vice-versa. No início, eram freqüentes as depredações de máquinas, a sabotagem, a contestação radical ao sistema. Pouco a pouco, não só a agressividade como as ambições diminuíram. A própria ordem jurídica absorveu a luta mais importante - a greve - e, ao proclamá-la como direito, de certo modo a domou. No passado, eram comuns os conflitos com objetivo marcadamente político, como a greve geral que ajudou os aliados a reconquistarem Paris. Ainda durante a II Guerra, a CGT da França e os estivadores espanhóis se prepararam para resgatar Olga Benário, mulher de Prestes, caso o navio que a levava à Alemanha tocasse em algum porto; mas o navio atravessou o Atlântico, passou pelo Canal da Mancha, penetrou no Mar do Norte e entrou no Rio Elba, sem escalas. Olga morreu na câmara de gás, na Páscoa de 1942.17 No Brasil, pode-se citar como exemplos as lutas pelo monopólio do petróleo e criação da Petrobrás. 16. Não queremos dizer, com isso, que essa “realização” seja definitiva: como já dissemos, deve ser renovada a cada dia - como, por ex., no caso do empregado que insere frações ocultas de descanso em sua prestação. 17. BRASIL, Murilo e GONÇALVES, Vilma. “3000 anos de sindicalismo”, Ed. Trabalhistas S/A, Rio, 1992, p. 78. Rev. TST, Brasília, vol 66, nº 1, jan/mar 2000 121 DOUTRINA Em geral, mesmo nos conflitos com forte conteúdo político, o interesse de classe está presente: ora se refere ao salário, ora ao trabalho, ou a ambos - como aconteceu em 1978, na Volks, quando os grevistas exigiam, além de reajustes, o direito de suspender os próprios chefes, caso cometessem injustiças...18 Em si mesmos, os conflitos encerram um paradoxo - ou, com o perdão da blague, um conflito... A primeira vista, instabilizam; mas querem re-estabilizar. DAHRENDORF chega a dizer que são “indispensáveis como fator do processo universal de mudança social”.19 E IHERING já ensinava que o próprio Direito é resultado de uma eterna luta. Para CORDEIRO, os conflitos têm até papel psicológico: são válvulas que aliviam o trabalhador da carga constante de subordinação.20 Ainda assim - e apesar da retórica oficial - o Estado não os vê com bons olhos: é que, no fundo, eles questionam a sua autoridade, afirmando a existência de outros centros (difusos) de poder. 8. LUTAS COLETIVAS OPERÁRIAS: SEUS VÁRIOS TIPOS Há lutas preliminares, ou preparatórias, como a panfletagem, as assembléias, o boca-a-boca. Naturalmente, também elas exigem certa organização, seja episódica (como no caso das coalizões), seja perene (como as associações profissionais). Não foi por acaso que por longo tempo, na Europa, os líderes operários eram enviados à guerra, às galés ou à prisão. Entre as formas de luta propriamente ditas temos as greves típicas e atípicas, a sabotagem, o ratterning, as listas negras, o boicote e outras tantas, que estudaremos a seguir. 9. A GREVE 9.1. Etimologia Em Paris, às margens do Sena, havia uma praça onde os operários esperavam ofertas de emprego. Como o rio despejava ali areia e cascalho (= grève, em francês), todos a chamavam de Place de la Grève. Com o tempo, estar naquela praça, vale dizer, em Grève, passou a ter o sentido de ficar sem trabalhar, ou seja, em greve. Em Espanhol, huelga tem a mesma raiz de huelgo, que significa tomar fôlego, respirar. Já em Inglês - decerto refletindo o espírito da época - a greve passou a ser chamada de strike - sinônimo de ataque, assalto, agressão. 18. MARONI, Amnéris. “A estratégia da recusa”, Brasiliense, 1982, p. 108. 19. Apud Palomeque-Lopez. Op. cit, p. 253 20. CORDEIRO, A . Menezes. “Manual de Direito do Trabalho”, Alamedina, Coimbra, 1998, p. 362. 122 Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 DOUTRINA 9.2. As greves através do tempo Dentre as origens mais remotas da greve, alguns lembram a fuga dos hebreus para o Egito. É que eles também escapavam de trabalhos pesados e humilhantes: para Moisés, aquele era o “país da servidão”. Já no próprio Egito, os escultores da tumba de Ramsés III várias vezes pararam, pois o salário - pago in natura - se atrasava. Como eram especializados, não podiam ser substituídos por escravos - daí seu poder de fogo.21 Em 2100 aC, em Tebas, as mulheres dos que construíam o templo de Mut convenceram os maridos a exigir dois pães extras por dia. Como o faraó não os atendeu, resolveram parar... e foram enforcados.22 A Grécia não conheceu greves, nem outros sobressaltos sociais. Em Roma, no Baixo Império, elas não eram raras, especialmente no serviço público; mas os grevistas sofriam punições.23 Antes da concentração operária nas cidades, as greves eram isoladas e desorganizadas. Na França, nasciam de associações clandestinas. Eram chamadas de monopoles ou cabales (= conspirações). A repressão era violenta. E algumas vezes se fez greve... pelo direito de fazer greve. Com o tempo, a própria disciplina da fábrica ajudou a disciplinar as lutas operárias. Na história das greves, papel importante teve o sufrágio universal, ao dar peso político à classe trabalhadora. Mas houve ainda a contribuição marcante da doutrina social da Igreja, dos pensadores socialistas, da Revolução Russa.24 Uma das poucas greves só de mulheres aconteceu em março de 1857, em Nova Iorque, quando as tecelãs exigiam o mesmo salário dos homens e redução da jornada de 14 para 10 horas. A repressão foi violenta. A fábrica se incendiou e 129 tecelãs morreram queimadas. Por decisão da ONU, o 8 de março se tornou o Dia Internacional da Mulher. Não menos famosa foi a greve de 1o de maio de 1886, em Chicago. A jornada usual era de 16 horas diárias, e a pressão operária tinha conseguido reduzi-la para 8. Mas os patrões, em contrapartida, haviam diminuído os salários. Uma central, à época minoritária - a Federation of Organized Trades and Labor—marcou greve geral; houve violenta repressão e dispensas em massa, seguidas de novos protestos e várias mortes. Em nova manifestação, no dia 4, uma bomba matou 8 policiais e mais de 80 operários. Cinco lideres sindicais foram condenados à morte, dois à prisão perpétua e um a 15 anos de reclusão. Em 1889, no centenário da Revolução Francesa, o Congresso Internacional Socialista proclamou o 1o de maio como Dia Internacional do Trabalho, em homenagem aos “mártires de Chicago’’.25 21. SINAY, Hélène. “La grève”, in “Traité de Droit du Travail”, coord. Camerlyinck, G. H., Dalloz, Paris, 1966, p. 13. 22. CASTRO, Pedro. “Greve: fatos e significado”, Ática, S. Paulo, 1986, p. 11. 23. SINAY, Hélène. Op. cit., p. 15. 24. SINAY, Hélène. Op. cit., p. 14. 25. BRASIL, Murilo e GONÇALVES, Vilma. “3000 anos de sindicalismo”, Ed. Trab. S/A, Rio, 1992, p. 25-31. Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 123 DOUTRINA Entre nós, há quem diga que a primeira forma de luta coletiva foram os quilombos. Mas a primeira greve aconteceu em 1791, envolvendo os operários da Fábrica de Armas, no Rio. Em 1858, os gráficos pararam as oficinas do Correio Mercantil e do Jornal do Commercio, e em 1900 os cocheiros cariocas frearam os seus cavalos. Em 1903, também no Rio, houve a primeira greve geral. Naquele tempo, eram comuns espancamentos e prisões.26 Sempre que a política permitiu, houve surtos de greves (em 1917/19, em 1946/53 e em 1959/63). A pior fase de repressão veio com a ditadura militar, quando as fábricas repetiam o autoritarismo oficial. Naqueles anos difíceis, uma conversa inocente ou mesmo uma ida ao banheiro podiam valer punições. O poder disciplinar dos patrões tinha o apoio implícito dos órgãos de repressão, e, segundo relatos da época, “até a palavra greve era difícil de sair”... Falava-se em paralisação, tal como fazem ainda hoje certos setores do funcionalismo. Mas pouco a pouco, aqui e ali, germinou a resistência.27 Em maio de 1978, explodiu a maior onda de greves de nossa História. Integrando-se à luta do povo contra o regime28, elas nasceram a partir de comissões de fábrica, quase sempre clandestinas; seus militantes vinham muitas vezes das oposições sindicais e das pastorais operárias. A onda começou com os operários da Scania- Vabis, logo imitados por outros do ABC e de municípios vizinhos. Depois, alastrou-se. Naquela época, como disse um líder operário, “o ato de fazer greve já era, em si, uma estupenda vitória”.29 As lutas coletivas renasciam “da necessidade que o trabalhador tem de respirar”30. Mais tarde, muitas empresas implodiram as comissões, dispensando os líderes. Outras se institucionalizaram, mas com perda do potencial de luta.31 9.3. Conceito de greve Há um conceito comum e um conceito jurídico de greve. Na acepção popular, fazemos greve toda vez que recusamos a cumprir nossas funções normais - como estudar, comer e, naturalmente, trabalhar, seja por conta própria ou alheia.32 Já o conceito jurídico varia de acordo com a opção legislativa de cada país e a postura política do intérprete. 26. Cf,, por todos, BRASIL, Murilo e GONÇALVES, Vilma. Op. cit., p. 51-52. 27. VIANA, Márcio T. “Direito de Resistência: possibilidades de autodefesa do empregado em face do empregador”, LTr, S. Paulo, 1986, p. 287. No particular, o livro se baseia em anotações de Abramo, L. W., in “Greve metalúrgica em S. Bernardo”, Paz e Terra, S. Paulo, 1991. 28. A propósito, v. o ótimo livro de MARONI, Amnéris: “A estratégia da recusa”, Brasiliense, S. Paulo, 1982, p.8. 29. ANTUNES, Ricardo. Op. cit., p. 36. 30. ANTUNES, Ricardo. “A rebeldia do trabalho: o confronto operário no ABC paulista - as greves de 1968 a 1980”, Unicamp/Ensaio, Campinas, 1988 31. Sobre o tema, cf. o excelente livro de Amnés Maroni, “A estratégia da recusa”, Brasiliense, S. Paulo, 1982. 32. Em algumas regiões do nordeste, por ex., temos a greve do balaio, em que as prostitutas se negam a trabalhar em feriados e dias santos (Castro, Pedro. Op. cit., p. 19). 124 Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 DOUTRINA Em doutrina, costuma-se reduzir a greve à suspensão temporária da prestação de serviços, com o fim de pressionar o empregador a ceder diante de reivindicações profissionais. É o que ensinam juristas como CAEN, OLEA, TREU, MASCARO NASCIMENTO. Mas - como anota PINHO PEDREIRA - este conceito está em crise.33 Já não corresponde à realidade social. Por isso, autores como JAVILLIER e PALOMEQUE LOPEZ tentam aproximá-lo do seu sentido comum, identificando a greve com toda e qualquer ruptura com o cotidiano. Para nós, a lição parece correta, desde que se acrescente que aquele cotidiano rompido é o da prestação de serviços. Assim, o conceito abrange greves como a de zelo, mas não atos como a sabotagem.34 A matéria será melhor examinada adiante. Mas desde logo, para facilitar a nossa exposição, chamaremos de greve típica aquela que importa suspensão da prestação de trabalho; greve atípica a que implica outro tipo de ruptura com o cotidiano da prestação de serviços; e outros meios de luta as demais formas de conflitos coletivos. 9.4. Natureza jurídica Para uns, como CARNELUTTI, a greve é como a guerra: um ato de violência. Por isso, falar em direito de greve é cair em contradição. Outros, como PLANIOL, falam em direito contra direito. Para TRINDADE, a greve é o meio mais eficaz de “denunciar uma dose insuportável de injustiça na lei”.35 Nesse sentido, é também um modo de expressão. Em termos legais, a greve tem sido tratada ora como delito, ora como liberdade, ora como direito36 - e nem sempre nessa seqüência histórica. Nos Estados democráticos modernos, a tendência é considerá-la um direito fundamental. E é natural que assim seja, já que ela dá vida e eficácia a outros direitos (como o salário) tão fundamentais quanto ela. Na lição de DEL CASTILLO, a greve comporta três enfoques: do ponto de vista contratual, é direito que imuniza o trabalhador contra o poder disciplinar; sob a ótica sindical, é mecanismo de pressão contra o empregador; sob o aspecto social, é renúncia do Estado ao monopólio da solução de conflitos.37 9.5. Função e importância Já disse alguém, com razão, que as greves se justificam menos por seus resultados do que pelas apreensões que semeiam... É que as apreensões, por si mesmas, são 33. PEDREIRA, Luiz de P. “A greve com ocupação de locais de trabalho”, S. Paulo, 1993, p. 98. 34. VIANA, Márcio T. “Direito de Resistência”, cit., p. 285. 35. TRINDADE, Washington L. da. “O superdireito nas relações de trabalho”, De Livros, Salvador, 1982. 36. Na Babilônia, o Talmud já reconhecia o direito de greve, em razão da liberdade individual de cada um; mas era preciso levar antes a causa ao tribunal e esperar pela arbitragem. Caso o patrão a recusasse, a greve se tornava lícita. 37. DEL CASTILLO, Santiago P. “O direito de greve”, S. Paulo, LTr, 1994, Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 125 DOUTRINA capazes de gerar resultados, e quase se poderia dizer que os da greve são a própria legislação trabalhista,38 Mais que um direito, é a greve “o mais eficiente processo de conquista de direitos da classe trabalhadora”. E não é só: atuando como verdadeira sanção paralela, reforça a eficácia tanto das convenções coletivas como da própria norma estatal. Para SINAY, é ela “essencialmente inovadora; tende à mutação, à transformação”.39 Nas palavras de LOBO XAVIER, é ação... sem jurisdição. Ensina ROBERTO A. O. SANTOS que, ao contrário das outras mercadorias, que podem ser trocadas de forma estratégica, o trabalho depende de variáveis sem controle - a começar da taxa demográfica. Com a greve, porém, os trabalhadores afirmam sua intenção de armazenar temporariamente a sua própria mercadoria...40. Para RUPRECHT, é ela a conseqüência “dos desequilíbrios econômicos e de seus déficits de justiça”.41 E o que é mais interessante: apesar de sua carga agressiva, leva a uma reaproximação das partes.42 A greve é ao mesmo tempo instrumento de pressão para construir a norma e sanção para que ela se cumpra. Ainda quando não passa de uma simples possibilidade, pode servir ao Direito de três modos sucessivos: primeiro, como fonte material43; em seguida, se transformada em convenção, como fonte formal; por fim, como modo adicional de garantir que as normas ajustadas efetivamente se cumpram. Para GARCIA, “o Direito não pode entender nem desejar a greve. Sempre a teme, e sua consagração é um pretexto para conjurá-la, para atraí-la e enganá-la, para apoderar-se dela e desativá-la. Foi por isso, para torná-la sua e poder comprá-la, que fez a greve entrar no reino dos direitos. Sua consagração, cheia de ardis, a realizou seu pior inimigo. Como tantas outras consagrações...”44 Na verdade, ocupam as greves um lugar tão importante, tão estratégico, que sem elas “não é possível entender a História contemporânea”.45 38. VIANA, Márcio T. “Direito de Resistência”, cit., p. 297. 39. SINAY, Hélène. Op. cit., p. 142. 40. SANTOS, Roberto A . O . “Uma contribuição sociológica à renovação da teoria jurídica da greve”, in “Revista da Academia Nacional de Direito do Trabalho”, ano I, no. 1, Ltr. S. Paulo, 1993, p. 123-124. 41. RUPRECHT, Alfredo. “Conflitos coletivos de trabalho”, LTr, S. Paulo, 1979, p. 57. 42. TREU, Tiziano. “Compiti e strumenti delle relazioni industriali nel mercato globale”, in Lavoro e Diritto, ano XIII, n° 2, 1999, Bolonha. 43. Para o Leitor que não é bacharel em Direito, esclarecemos que fontes materiais são os fatos sociais que fazem nascer a norma, forjando a sua matéria; e fontes formais são as formas pelas quais a norma se revela (lei, convenção coletiva, etc.) 44. MARTINEZ GARCÍA, J. Ignácio. Prefácio in “La Huelga ante el derecho - conflictos, valores y nor mas,” M. Olga Martínez, Dykinson, Madri, 1997 45. MARTINEZ, M. Olga. Op. cit., p. 14. 126 Rev. TST, Brasília, vol 66, nº 1, jan/mar 2000 DOUTRINA 9.6. Caracteres gerais Na lição de TARSO GENRO, a greve se escora num trinômio: “ruptura da normalidade da produção; prejuízo para o capitalista; proposta de restabelecimento da normalidade rompida”.46 Quem faz greve recusa o contrato posto: nega a sua obrigação, como se naquele momento voltasse a ser um simples candidato a emprego.47 Em certo sentido, a greve é uma reavaliação do contrato, feita coletivamente. Por isso, boa parte da doutrina exclui de seu conceito a auto-satisfação (mesmo coletiva) de interesses, como quando os operários, reivindicando a Semana Inglesa, deixam de trabalhamos sábados. Sob essa ótica - e com razão maior - também não seria greve a recusa de cumprir horas extras não contratadas. O mesmo se pode dizer quando o movimento conta com a adesão oculta do próprio empregador - como às vezes acontece com os concessionários de ônibus, quando querem subir as tarifas. É que a greve tem como um de seus elementos o prejuízo; não pode, logicamente, beneficiar a gregos e troianos. Observe-se que o trabalhador individual também pode se recusar ao trabalho, para defender um direito já posto: é o que acontece, por exemplo, quando o patrão não lhe paga o salário, ou lhe nega equipamentos de segurança. Mas a luta para se pôr o direito só imuniza o trabalhador contra o poder disciplinar quando exercida coletivamente. Nesse aspecto, é curioso notar como o ato ilícito, em termos individuais (recusar-se ao trabalho contratado) pode-se tornar lícito, em nível coletivo (participar de greve). Na França, admite-se não só a greve de uma minoria, como a de um só - quando um único trabalhador da empresa adere à luta da categoria. É que não se trata de privilégio sindical, mas de direito individual - ainda que exercido coletivamente. Não há um pré-aviso, exceto no setor público. Os grevistas devem apresentar suas reivindicações, mas não são obrigados a esperar pela resposta patronal.48 9.7. Tipos de greves mais conhecidos 9.7.1. Greve geral Tem, quase sempre, marcante fundo político. Pode-se dizer que nasceu no período heróico do sindicalismo revolucionário, entre 1890 e 1914. O ardor da luta se intensificava: de um lado, a caça aos grevistas, de outro, a caça aos fura-greves. Entre 1906 e 1910, os anos de prisão de líderes sindicais somavam 104 nos tribunais franceses,49 Como escreveu SOREL, os sindicatos revolucionários viam em cada greve “uma imitação reduzida, um ensaio, uma preparação da grande subversão final”.50 LÊNIN 46. GENRO, Tarso F. Op. cit., p. 18. 47. Talvez tenha sido também por isso que a doutrina, no início, costumava ver na greve uma causa de cessação do contrato de trabalho, com vistas a um novo contrato. 48. TEYSSIÉ, Bernard. “Droit du Travail - Relations Collectives de Travail”, Litec, Paris, 1993, p. 419. 49. SINAY, Hélène. Op. cit., p. 21. 50. SOREL, Georges. “Reflexões sobre a violência”, Martins Fontes, S. Paulo, 1992, p. 138. Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 127 DOUTRINA via essas greves como uma “escola de guerra do proletariado”.51 Em 1914 vem a guerra, que, no início, rarefaz os conflitos; mas depois os exarceba, em razão da alta do custo de vida. Aos poucos, depois de sucessivas derrotas, a greve revolucionária vai cedendo passo à reivindicativa. 9.7.2. Greve de solidariedade É a que mostra, com mais força, a identidade e os interesses que unem a classe trabalhadora.52 Aqui, os trabalhadores defendem interesses que são de outros, embora possam estar (e em geral estão) conectados com os seus próprios interesses.53 9.7.3. Greve de ocupação passiva (lock-in) A primeira greve de ocupação parece sido a de Lyon, na I Revolução Industrial, quando os tecelões se apossaram não só das fábricas, mas do próprio governo da cidade. Acabaram derrotados pelas tropas do governo. Ainda na França, em 1936, essa forma de greve envolveu dois milhões de trabalhadores, que tentavam se aproveitar da vitória das esquerdas para afirmar seu direito à co-gestão.54 O objetivo básico dessas greves é impedir que os patrões usem mão-de-obra de reserva; por isso, são mais comuns em tempos de desemprego. Em vez de se usar piquetes para pressionar os não-grevistas, ocupa-se o local onde eles iriam trabalhar. Algumas vezes, usa-se o lock-in para evitar que a empresa se feche - seja em razão de lock-out, seja por outro motivo. De certo modo, os trabalhadores usam a recusa ao trabalho como modo de afirmar o emprego: ao contrário do que ocorre nas greves típicas, manifestam-se “exatamente por sua presença”.55 A ocupação serve também para manter a coesão do movimento coletivo.56 Para SINAY, o lock-in é “o ponto máximo” das lutas coletivas, em termos de organização: além das medidas usualmente adotadas em toda greve, aqui o sindicato tem de exercer poder de polícia, para evitar danos; dirigir todo o ritmo de vida dos grevistas - com repousos, distrações, etc. - e ao mesmo tempo manter alto o moral, já que eles se encontram na situação de “ociosos e voluntariamente prisioneiros”.57 51. CASTRO, Pedro. Op.cit., p. 25. 52. LÓPEZ, M.-Carlos Palomeque. “Derecho sindical español”, Tecnos, Madri, 1994, p. 279. 53. Na Espanha, já decidiu a Corte Constitucional que só é lícita a greve quando o grevista “defende reivindicações que se referem à sua própria relação de trabalho com o patrão e que este possa atender”. 54. A propósito, Simone Weil dizia: “Independentemente das reivindicações, esta greve é, em si mesma, uma alegria. Uma alegria pura. Uma alegria sem mistura(„.) Que alegria, entrar na fábrica com a autorização sorridente de um operário que vigiava a porta. Alegria de encontrar tantos sorrisos, tantas palavras de acolhimento fraterno.” (“A condição operária e outros estudos sobre a opressão”, Paz e Terra, S. Paulo, 1996, p. 127. 55. Idem, p. 37. 56. LÓPEZ, M.-Carlos Palomeque. Op. cit., p. 280. 57. Ibidem, p. 41. 128 Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 DOUTRINA Às vezes, ao ocupar a fábrica, os operários se “apropriam” de seu instrumental, invertendo a sua lógica - como aconteceu há alguns anos, em S. Paulo, quando operários da Volks usaram as sirenes para marcar o horário de suas próprias atividades. Até o espaço - utilizado normalmente pelo empregador, como um apêndice do sistema de dominação - pode passar ao controle operário: numa das greves de julho de 1981, na Ford, uma das praças internas foi rebatizada, simbolicamente, de 1o de maio,..58 9.7.4. Greve de ocupação ativa Ocorre quando “os trabalhadores tomam o processo de produção em suas mãos e continuam trabalhando, à margem de toda vontade empresarial”.59 Assim, não há recusa ao trabalho, mas ao trabalho subordinado. Às vezes, abrange a venda selvagem de produtos, para alimentar os grevistas ou mostrar que a empresa é viável - e, por isso, não deve se fechar. Também chamada de sciopero a rovescio (=greve às avessas) pelos italianos, essa forma de luta tem suas origens na Revolução Russa, como resposta ao fechamento de 820 fábricas, de março a novembro de 1917. Segundo ARSKY, “os trabalhadores, por instinto de conservação, não tinham outro remédio senão se converterem em patrões”.60 Seguiram-se ocupações na Itália, em 1919-1920, quando as indústrias metalúrgicas se recusaram a negociar salários; e na Espanha, durante a guerra civil. Em Portugal, por volta de 1975, quando eram freqüentes as falências e o lock-out, muitos patrões foram expulsos pelos operários, que tentavam assegurar assim a sua própria sobrevivência. Mas pode o trabalho se tornar apenas parcialmente arbitrário: é o que veremos a seguir. 9.7.5. Greves com trabalho parcialmente arbitrário61 Se, na ocupação ativa, os empregados se recusam a trabalhar por conta alheia, apossando-se dos instrumentos de produção, aqui se limitam a ignorar o poder diretivo, ou partes dele. Às vezes, a hipótese se aproxima ou até se confunde com a sabotagem. Outras vezes não chega a isso, como no caso da operação tartaruga. É usada com mais freqüência nas atividades essenciais, exatamente para canalizar a impaciência do público como forma de pressão sobre o empregador. Outros exemplos são a operação-acidente, em que se reduz o ritmo a pretexto de cumprir normas de segurança, e a operação-soluço, quando grupos de trabalhadores se alternam na lentidão. Na França, tem-se entendido que em todas as hipóteses de greves como essas, de rendimento, o empregador pode baixar o salário, tomando por 58. MARONI, Amnés. Op. cit., p. 52-54. 59. Perrote-Escartin, apud Pinho Pedreira, L. de. Op. cit., p. 94. 60. Apud PINHO PEDREIRA, Luiz de. Op. cit., p. 95. 61. Parte deste tópico e dos seguintes foi extraída de nossa obra “Direito de Resistência”, já citada (págs. 312-314). Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 12 9 DOUTRINA base comparativa o rendimento habitual do trabalhador. Às vezes, as próprias partes em conflito firmam acordos provisórios, fixando limites para a quebra do ritmo. Hipótese também curiosa é a greve de zelo. Em regra, acontece nas empresas cujos regulamentos são rígidos em excesso, não se ajustando à realidade. Nesses casos, as coisas só funcionam bem na medida em que os próprios trabalhadores vão reinterpretando pequenas regras, com base em sua experiência diária. O fenômeno revela que o sistema não é capaz de desapropriar todo o saber operário e - paradoxalmente pode ganhar com isso. Assim, em vez de não trabalhar, ou de trabalhar menos, o grevista cumpre o regulamento à risca - o que acaba trazendo problemas, especialmente de atraso, como se dá com o controle de tráfego aéreo. Assim, há uma “recrudescência da atividade”.62 Outras vezes, os trabalhadores passam a executar sistematicamente as tarefas que, segundo o próprio regulamento, podiam ser praticadas com certa discricionariedade - como acontece com o pessoal da alfândega, que passa a revistar todas as malas. A greve de zelo é mais comum no setor público, onde os regulamentos são mais rígidos e o impacto é maior. 9.7.6. Greve das horas extras Serve não só para protestar contra o trabalho suplementar, como para reivindicar pagamento maior. É comum na Europa, nos serviços públicos. 9.7.7. Greve rotativa Em vez de afetar todos de uma vez, é praticada por grupos, de forma sucessiva. De certo modo, é uma réplica ao trabalho parcelado63. Ataca a racionalidade do sistema produtivo, usando a mesma dose de organização: é preciso planejar cada passo, controlar os movimentos. Lembra uma guerrilha ou guerra de desgaste, com ataques curtos e repetidos.64 Os grevistas se alternam no prejuízo (salarial) que sofrem, ao passo que o empregador se vê às voltas com uma desorganização crescente da produção. Nesse tipo de greve, e em outras semelhantes, mantém-se uma aparente (e falsa) disponibilidade para o trabalho, por parte de alguns empregados.65 É como se dissessem: “queremos trabalhar; mas como? ” 9.7.8. Greves intermitentes Os trabalhadores deixam a fábrica antes da hora, ou se atrasam. Às vezes permanecem no local de trabalho: é o que os franceses chamam de débrayage (de débrayer = interromper a ligação entre o motor e as rodas). Grevistas e não-grevistas se 62. Idem, ibidem. 63. SINAY, Hélène. Op. cit., p. 35. 64. SINAY, Hélène. Op. cit., p. 35. Observa Mallet, citado pela autora, que “um, dois ou três meses de ação repetida, coordenada, desenvolvendo-se segundo um plano bem estabelecido, terão uma repercussão mais importante sobre a marcha da empresa que uma greve ilimitada”. 65. MONTEIRO FERNANDES, Antônio. “Direito do Trabalho - II: Relações Colectivas de Trabalho”, Alamedina, Coimbra, 1991, p. 254. 130 Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 DOUTRINA colocam então face a face, ao contrário do que acontece na greve clássica (quando os grevistas ficam em casa, e os outros no trabalho) e na greve com ocupação propriamente dita (quando os não-grevistas ficam em casa, e os outros na fábrica)66. Em relação ao empregador, essa greve chega de surpresa; para os trabalhadores, exige minucioso planejamento.67 9.7.9. Greve-trombose Trabalhadores paralisam um setor-chave da empresa, ou então, alternadamente, setores dos quais dependem os demais: assim, numa empresa de ônibus, um dia param os bilheteiros, outro dia os motoristas, outro dia os cobradores, e assim por diante. Também aqui, a disponibilidade dos que não estão tecnicamente parados pode ser apenas aparente. 9.8.Efeitos jurídicos das greves Como vimos, as greves imunizam o trabalhador contra o poder disciplinar. Tal como as excludentes de criminalidade, transformam um ilícito (contratual) em lícito. Ainda assim, não cabem salários - exceto se há ajuste em contrário, ou (a nosso ver) quando o próprio empregador as provoca, ao descumprir normas. Ensina RUPRECHT que os pagamentos devidos pelo Estado devem continuar. Seria o caso do salário-maternidade, pois, embora o empregador faça os pagamentos, pode depois deduzi-los de seus débitos previdenciários. Conta-se o tempo de serviço? Uns, como ABELLÁN, acham que sim; outros, como RUPRECHT, entendem que é preciso distinguir as greves lícitas das ilícitas, Ora: a suspensão do contrato não gera contagem de tempo; já a interrupção, sim, Assim, quando os salários são devidos, o tempo se contaria. Entre nós, na prática, tem-se computado o tempo. Pergunta-se, ainda: pode a empresa exigir a reposição das horas não trabalhadas? Se não pagou os salários, é negativa a resposta. Se os grevistas impedem o trabalho dos fura-greve, o empregador deve tomar as medidas necessárias, segundo LYON-CAEN. Só se o trabalho se tomar inviável ou muito custoso é que haverá força maior, excluindo aquela obrigação.68 Entre nós, a força maior autoriza a redução geral de salários, até 25%; mas a doutrina o considera inválido, em face do art. 7o, VI, da CF, que só permite a redução via negociação coletiva.69. Assim, são devidos os salários. 66. SINAY, Hélène. Op. cit., p.37. 67. SINAY, Hélène. Op. cit., p. 38. Conta a autora que, na França, uma dessas greves durou 7 meses; as paradas variavam de meia hora a meio dia 68. CAMERLYNCK, G.H. e LYON-CAEN, G. “Derecho del Trabajo”, Aguillar, Madri, 1972, p. 395. 69. Nesse sentido, por ex., OLIVEIRA, J, César de. “Factum principis, força maior e temas correlatos”, in “Curso de Direito do Trabalho - estudos em homenagem a Célio Goiatá”, coord. Alice M. de Barros, vol. II, LTr, S. Paulo, 1997, p. 476. Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 131 DOUTRINA 9.9. Eficácia das greves A eficácia das greves depende do contexto político, jurídico, econômico e social, assim como do apoio (ou desaprovação) da coletividade, quase sempre condicionado pela mídia. Mas há outras variáveis igualmente importantes, como o nível de organização sindical, a homogeneidade da categoria e sobretudo a intensidade do prejuízo que elas podem causar: há alguns anos, por exemplo, 20 trabalhadores de um centro de computação da cidade italiana de Latina atrasaram o pagamento de dois milhões de funcionários públicos... É interessante notar que as empresas tendem a aceitar mais facilmente as greves da categoria do que as chamadas greves “internas”, pois aquelas nivelam os prejuízos, ao passo que estas ajudam a concorrência. 9.10. Peculiaridades e estratégias Como nas guerras, cada greve tem as suas peculiaridades e estratégias, envolvendo as várias fases do movimento: a) deflagração; b) entrada; c) permanência: d) saída. Assim é, por exemplo, que muitas greves surgem à revelia dos sindicatos, como expressão de novas fontes de poder - como comissões ou comitês. Mesmo durante a greve, nem sempre a assembléia geral é o principal foro deliberativo: são comuns as assembléias menores, as decisões de lideranças, etc. Assim, há greves mais ou menos democráticas.70 Por outro lado, quanto mais tempo a greve durar, mais difícil será manter os trabalhadores e suas famílias; assim, têm importância decisiva os fundos de greve. E como um dos efeitos da greve é reforçar a solidariedade, pode ser uma boa estratégia desistir, mesmo sem ganhos concretos, apenas para garantir “o saldo organizativo”71. 10. OUTROS TIPOS DE CONFLITOS 10.1. Meios de luta preliminares São as reuniões, assembléias, distribuição de panfletos, etc. Em geral, esses meios se fazem acompanhar de um clima de insatisfação, com redução da produtividade.72 10.2. ‘‘Label’’ O “label”, ou “selo sindical”, tanto serve para recomendar um produto - quando a empresa cumpre normas coletivas - como para dificultar sua venda.73 70. CASTRO, Pedro. Op. cit., p. 28 e segs. 71. Idem, p. 28 72. A propósito, BELTRAN, Ari P. Op. cit., p. 158. 73. Idem, p. 180. 132 Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 DOUTRINA 10.3. Extorsão sindical (" racketeering" ) Comum nos Estados Unidos. Dá-se quando um sindicato constrange a empresa a celebrar um acordo, em troca de “quota de proteção” - como as velhas quadrilhas da máfia.74 10.4. Bloqueio de mercadorias Com essa forma de luta, descrita por GIUGNI, os trabalhadores tentam evitar a saída dos produtos, seja persuadindo os transportadores, seja impedindo que eles façam o seu trabalho. É lícita na primeira hipótese e ilícita na segunda.75 10.5.Boicotagem A palavra vem de Jaime Boycott, capitão irlandês que cuidava das terras de um lorde, no século XVIII. Boycott tratava tão duramente os seus empregados que eles convenceram os clientes da fazenda a não comprarem os produtos. Em regra, a boicotagem pressupõe três sujeitos: o que a incita, o que a exerce e o que a sofre.76 Pode ser positiva ou negativa: no primeiro caso, quando não se compra o produto; no segundo, quando se induz a não comprar o do concorrente77. 10.6. Sabotagem A palavra vem do francês saboter, derivado de sabot, que por sua vez vem do dialetal bot, espécie de calçado. Mais precisamente, eram tamancos que os trabalhadores lançavam dentro das máquinas, para destruí-las. Em termos amplos, é “tudo aquilo que tende a desacreditar, danificar ou prejudicar a empresa”.78 Entre nós, a lei é omissa, razão pela qual, na lição de GOMES e GOTTSCHALKK, não é ilícita.79 FREDERICO, citado por ANTUNES80, alinha as formas de sabotagem mais usadas no Brasil: “1. dar o tranco na máquina: aumentar a rotação da máquina para quebrá-la com o uso forçado; 74. ABELLAN, J. Garcia. Apud BELTRAN, Ari P. Op. cit., p. 191 75. GIUGNI, Gino. Op. cit., p. 277. 76. RUPRECHT, A. Op. cit., p. 160. 77. Na Itália, o art. 507 do Código Penal pune quem “mediante proganda, valendo-se da força de partidos, ligas ou associações, induza uma ou mais pessoas a não estipular pactos de trabalho ou a não fornecer materiais ou instrumentos necessários ao trabalho ou ainda a não comprar produtos agrícolas ou industriais de outros”. 78. RUPRECHT, Alfredo. Op. cit., p. 159. 79. GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson. “Curso de Direito do Trabalho”, Forense, Rio, 1994, p. 640. 80. ANTUNES, Ricardo. Op. cit., p. 15. Rev. TST, Brasília, vol. 66, n° 1, jan/mar 2000 133 DOUTRINA 2. trombar a máquina: mudar a posição da máquina para provocar uma trombada quando da entrada de materiais, ou então jogar um corpo estranho para forçar um crepe; 3. matar peças: fazer a peça com pequenos defeitos para torná-la imprestável; 4. fazer um gato: roubar peças para vender nas oficinas particulares; 5. desgastar as ferramentas: principalmente as já precárias pelo uso, que poderiam ser utilizadas; 6. desatenção: empilhar mal as peças para que elas caiam no chão “sem querer” e fiquem danificadas; não tomar cuidado com os instrumentos mais delicados, etc. 7. fazer cera: enviar as peças solicitadas para os locais errados, parar o funcionamento da máquina por algum tempo, alegando defeito inexistente; fazer o serviço mal feito para ter que fazer tudo de novo, etc.” 10.7. Ratterning O vocábulo vem do verto to ratten, que significa “privar de ferramentas os trabalhadores, com o objetivo de que as tarefas não se desenvolvam normalmente.”81 10.8. Ludismo O nome lembra um líder sindical - Ned Ludd - que, nos primeiros tempos da Revolução Industrial, pregava a quebra de máquinas. Para MARONI, nesse tipo de reação se expressa a revolta do trabalho vivo contra o trabalho morto: “ao quebrar máquinas, os operários se diferenciam dos objetos mostrando que não aceitam o processo de reificação que visa a transformar tudo em mercadoria”.82 10.9. Formas inominadas Dentre as formas inominadas de resistência, pode-se lembrar o fato descrito por CHAUÍ. Aconteceu na Cosipa, nos anos 70. A empresa era “zona de segurança nacional”, com regras estritas - inclusive crachás. A greve era sempre tida por ilegal. Usando as portas dos banheiros como jornais para divulgar o movimento, os empregados planejaram chegar sem o crachá. Resultado: identificação difícil, filas imensas e altos- fornos ameaçando apagar. Rapidamente, a empresa negociou. O movimento ganhou o nome de Dia da Amnésia... 10.10. Lutas dirigidas contra os colegas Algumas vezes, para viabilizar as lutas coletivas, os trabalhadores se voltam contra os próprios colegas. É o caso, por exemplo, dos piquetes. Pela lei, podem ser 81. RUPRECHT, Alfredo. Op. cit., p. 163 82. MARONI, Amnés. Op. cit., p. 46. 134 Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 DOUTRINA persuasivos, ou de propaganda, mas não coativos. Na Itália, considera-se ilícita a barreira humana. Outro exemplo são as listas negras: os sindicatos divulgam nomes de operários não sindicalizados, para forçá-los à sindicalização. No mesmo sentido, um tipo especial de boicotagem: o sindicato pede aos associados que não se relacionem com os colegas.84 Conta-se que nos EUA, na época da Grande Depressão, líderes sindicais quebraram as mãos de vários músicos que aceitavam tocar a preços vis. 11. TRATAMENTO LEGAL DAS LUTAS COLETIVAS 11.1. Licitude das greves atípicas e de outros meios de luta Entre nós, a CF trata a greve como direito fundamental, cabendo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e os interesses a serem defendidos (art. 9o). Quanto aos servidores públicos, o direito de greve “será exercido nos termos e nos limites definidos em lei complementar” (art. 37, VII). Os militares estão excluídos (art. 42, § 5°) Mas a que tipo de greve se refere a Constituição? À sua forma clássica, de recusa coletiva ao trabalho? Ou também a outros modos de ruptura do cotidiano da prestação de serviços? A maioria prefere a interpretação restritiva - que refutamos.85 É que, como ensina HESSE, a Constituição “não tem existência autônoma em face da realidade (...)”. Sua interpretação se submete ao princípio “da ótima concretização da norma”86. Ora: o que nos diz a realidade? Ela nos diz que o novo modo de acumulação capitalista já não se baseia em fábricas grandes, operários em massa, direitos crescentes e Estado interventor, mas no contrário de tudo isso, o que significa fábricas terceirizadas, direitos esfacelados, Estado fragilizado e trabalhadores dispersos. É assim que a nova empresa consegue baixar os custos e aumentar os lucros; é desse modo que resolve a velha contradição de ter de reunir os trabalhadores em volta da máquina e ao mesmo tempo ter de enfrentar a solidariedade nascida dessa mesma união.87 Com o rompimento do velho pacto social, o 83. BELTRAN, Ari P. “A autotutela nas relações de trabalho”, LTr, S. Paulo, 1996, p. 159. 84. Ibidem, p. 180. 85. É interessante notar que a Constituição portuguesa, que nos inspirou, tem regra expressa impedindo a limitação do direito via legislação ordinária. Em nossa CF, essa regra deve ser considerada implícita. 86. HESSE, Konrad. “A força normativa da Constituiçào”, Sérgio A Fabris, P. Alegre, 1991, p. 14. 87. Dedicaremos mais algumas palavras sobre o tema no tópico sobre os meios de solução dos conflitos. Para um estudo mais detalhado, porém, cf. a 1ª parte de nosso “O novo contrato a prazo” (LTr, S. Paulo, 1998, em coautoria com Fernanda M. Dias e Luiz Otávio L. Renault)e especialmente o artigo: “A proteção social do trabalhador no mundo globalizado - o Direito Trabalho no limiar do séc. XXI”, in Revista LTr de julho/99. “ Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 135 DOUTRINA equilíbrio de forças também se rompeu: hoje, e cada vez mais, fazer greve passa a ser um risco muito maior do que sofrer greve. Para reequilibrar a balança, só abrindo mais espaço à ação coletiva. Note-se que a greve típica é o modo de luta menos elaborado de todos: corresponde a um período histórico em que a própria organização fabril era simples. Os meios mais eficazes são os que se valem da racionalidade crescente do sistema, invertendo-lhe os mecanismos. É verdade que a lei ordinária considera legítimo exercício da greve a suspensão dos serviços (art. 2o), o que parece afastar greves atípicas. Mas a lei diz também que a suspensão pode ser parcial. Logo, aqui se pode encaixar a execução defeituosa, como, por exemplo, a operação-tartaruga. Admitimos que não foi esta a intenção do legislador - mas o que importa? De resto, ainda que assim não se entenda, pode-se apelar para a analogia. Ou, mais simplesmente, para a exegese ampla da Constituição... Em nossa opinião, até a greve de ocupação ativa pode ser excepcionalmente lícita, como resposta ao lock-out, desde que: a) seja pacífica; b) não impeça a eventual retomada do estabelecimento pelo empregador; c) revele-se indispensável para garantir a subsistência imediata dos trabalhadores. Quanto à greve política, será lícita se tiver um componente - ainda que indireto - de natureza trabalhista. Mas ainda que isso não se dê, poderá se encaixar no espectro do direito político de resistência, como na hipótese em que os trabalhadores se unem contra uma ditadura. A propósito das greves políticas, é interessante lembrar ainda que o Direito do Trabalho tem dupla fonte - a norma estatal e a negociada, vale dizer, a autonomia e a heteronomia - o que torna tanto o empregador como o legislador passíveis de pressão. Quanto à boicotagem, apenas a violenta, entre nós, é criminalizada (art. 198 do CP). Em termos trabalhistas, pode-se concluir, com RUPRECHT, que é lícita quando defende interesses profissionais, como na hipótese em que alguns trabalhadores aceitam trabalhar em condições inferiores às previstas em convenção coletiva. Mas também será lícita em caso de solidariedade, quando, por exemplo, toda uma categoria se recusa a adquirir produtos de certa empresa, em protesto contra a falta de equipamentos de segurança. Quanto à sabotagem, o nosso CP pune com reclusão de um a três anos e multa quem, “com o intuito de embaraçar o curso normal do trabalho (...) danificar estabelecimento ou as coisas nele existentes ou delas dispor”(art. 202 do CP). Mesmo sem o dolo específico, às vezes configura crime de dano (art. 163). Ainda assim, em casos raros, pode ser lícita, mesmo em termos trabalhistas, como na hipótese em que os empregados cortam os fios elétricos de uma caldeira que ameaça explodir. Quanto ao ratterning, não é punível criminalmente - pois caracteriza mero furto de uso. Mas como atenta contra o direito de propriedade, só será lícito em casos excepcionais - como na hipótese da ocultação de determinada peça da máquina, que a torna extremamente perigosa, até a chegada da fiscalização. 136 Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 DOUTRINA 11.2. Algumas lições de Direito Comparado Como ensina ROBERTO A. O. SANTOS, o contexto em que vivemos, muito mais desigual que o europeu, reclama a elaboração de uma nova teoria da greve, mais ajustada à nossa realidade. De todo modo, é interessante notar como a doutrina estrangeira, às vezes, consegue ser mais aberta que a nossa... Observa SINAY, por exemplo, que nas greves atípicas o animus é o mesmo que nas greves comuns.88 Por isso, na França, entende-se que, em princípio, toda greve é lícita; mesmo as intermitentes, exceto quando há desorganização grave na produção.. Do mesmo modo, as selvagens. No caso da greve rotativa, a jurisprudência a admite, salvo no setor público ou quando há execução defeituosa do trabalho. A greve com ocupação (" sur le tas”) é admitida, pelo menos durante a jornada de trabalho, pois “não importa o lugar onde os grevistas exercitam o seu movimento”. Mas não pode impedir o trabalho dos não grevistas. Quando a ocupação se prolonga além da jornada usual, a Corte de Cassação às vezes emite uma " ordonnance d'expulsion ”.89 A doutrina francesa considera lícita a greve mesmo na vigência de convenção coletiva, se o seu objetivo é a interpretação de cláusula normativa. Já a greve de zelo tende a ser considerada ilícita: o zelo “é assimilado a uma falta”90. Na Itália, entende-se que o trabalhador não pode ser considerado estranho à fábrica; assim, embora a lei criminalize a ocupação91, a jurisprudência tem entendido que falta o animus. Pouco importa a natureza das reivindicações — desde que sejam profissionais, ainda que indiretamente (como a greve para defender o emprego em geral). Não é preciso que a reivindicação se refira à empresa e sua satisfação dependa do empregador. Por tudo isso, a greve política (inclusive a geral) pode ser lícita, desde que tenha um componente profissional - como no caso em que se luta em favor de políticas de emprego. Quanto à greve de solidariedade, distingue-se a greve interna da externa. Se interna, será ilícita caso não haja reivindicações próprias dos grevistas; e lícita na hipótese contrária. A greve de solidariedade externa já foi julgada lícita, mesmo quando tinha objetivos genéricos, como ampliar o poder de compra ou defender o direito sindical. A jurisprudência tende a excluir da definição de greve a execução das tarefas de forma defeituosa ou em marcha lenta.92 Costuma-se dizer, ali, que “a greve deve ser franca: a perda do salário podendo ser calculada em função da duração da interrupção do trabalho”93. 88. Sinay, Hélène. Op. cit., p. 39. 89, Lyon-Caen, G.; Pélissier, J.; Supiot, A. “Droit du Travail”, Dalloz, Paris, 1996, p. 929 e 943-944. 90, Teyssié, Bernard. Op. cit., p. 417. 91. O código penal italiano pune quem “com o único escopo de impedir ou turbar o normal desenvolvimento do trabalho” invade ou ocupa empresa. 92. Idem, p. 929-930. Assim, por ex., será ilícita se tiver por objetivo a dispensa (normal) de um colega, mas licita se tal dispensa se relacionar, de algum modo, com uma reivindicação coletiva, ou se for ilícita. 93. Ibidem, p. 933. Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 137 DOUTRINA 12. OUTROS ASPECTOS POLÊMICOS DA LEI ORDINÁRIA94: 1. Seja total ou parcial, a greve deve ser pacífica; mas a violência capaz de ilegitimá-la não é a individual, e sim a coletiva, como nota com inteligência MASCARO NASCIMENTO.95 2. A lei exige que os empregados pré-avisem o empregador com antecedência de 48 e de 72 horas nas atividades não essenciais e essenciais, respectivamente (art. 3o). Mas quanto às atividades não essenciais, sua constitucionalidade é discutível - já que, segundo a CF, cabe aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade do movimento. 3. A lei proíbe a contratação de substitutos (art. 7o, parágrafo único), mas ela própria excepciona a regra, quando não se chega a um acordo para manter os serviços cuja inexecução acarreta dano irreparável (art. 9o). 4. A lei considera abusiva a greve em desacordo com as suas regras, bem como a que se mantém após convênio coletivo ou sentença normativa (art. 14), salvo havendo fato novo ou imprevisto, que modifique substancialmente a relação de emprego. Como ensina ROBERTO A. O . SANTOS, porém, a CF não se refere ao abuso do direito de greve, em si, mas aos abusos periféricos (como piquetes violentos, por ex.). Os praticantes desses abusos poderão ser eventualmente punidos, mas isso não afetará a greve, como um todo.96 Para BARBAGELATA, a greve menos sensata é tão legal quanto a mais razoável. Só seria ilícita a greve feita numa empresa por sindicatos marrons, para favorecer a concorrente,97 5. Entende o STF que a simples adesão à greve ilegal não é justa causa (Súmula 316). 6. A lei prescreve o respeito aos outros direitos fundamentais, proibindo ameaça ou dano à propriedade e à pessoa (art. 6o, §§ 1o e 3o) 7. A lei não garante salários aos grevistas - mas deve-se entender que são eles devidos quando a greve decorre do descumprimento do próprio contrato. É que, na verdade, o que haverá na hipótese é o exercício da exceptio non adimpleti contractus. 8. A lei protege o fura-greve (art. 6o, § 3o). Embora a grande maioria justifique essa proteção, há os que entendem - a nosso ver, com razão - que não se pode privilegiar o individual, em detrimento do coletivo, especialmente quando este busca a correção de desigualdades sociais.98 94. Parte das conclusões alinhadas foram extraídas de nosso “Direito de Resistência”, cit., pp. 302 e segs. 95. MASCARO NASCIMENTO, A . “Comentários à lei de greve”, LTr, S. Paulo, 1989, p. 45. 96. Palestra proferida no II Congresso Brasileiro de D. Processual do Trabalho, promoção da LTr, S. Paulo, 1990 97. Apud CAMERLYNCK, G. H. e LYON-CAEN, G. Op. cit., p. 128-129. 98. Nesse sentido, COELHO, Rogério. “A greve, os grevistas e os não grevistas”, in Revista LTr”, 5311/1341. 138 Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 DOUTRINA 13. O QUE HÁ EM COMUM NOS CONFLITOS TRABALHISTAS Em todas as formas de luta examinadas, nota-se um traço comum: elas negam, de alguma forma, o pressuposto básico da relação de emprego, que é a subordinação. Seja na greve, seja no boicote, seja na sabotagem, o trabalhador se coloca fora do contrato, afirmando - ainda que de forma indireta - a sua autonomia. De certo modo, como dizíamos, ele contrata de novo, via sindicato, e para isso acaba nega a própria posição de obrigado - ou de empregado. Liberta a si próprio para que possa lutar por mais liberdade. Outro aspecto interessante é que, ao longo da História, os grupos foram se apropriando de várias espécies de lutas individuais - como a sabotagem. Ao mesmo tempo, nasceram novos objetivos (inclusive gestionários) e os trabalhadores se apropriaram de conquistas de seu tempo - como a racionalização científica, a importância da publicidade, etc.99 Os conflitos foram assumindo também o aspecto de denúncia, de conversa com a sociedade. Note-se que a norma estatal procura enquadrar os conflitos, absorvendo-os. Por outro lado, ao impor conteúdos mínimos, acaba demarcando o seu campo.100 Assim, quanto menores os conteúdos legais, maior a conflitualidade, pelo menos em termos potenciais. 14. AÇÕES E REAÇÕES PATRONAIS 14.1. Pressões Relatos das greves no ABC, em 1978, mostram como as empresas se servem dos mais variados meios de pressão para esvaziar a luta operária. Um desses relatos diz que “os guardas ficavam na porta de cada uma das alas, todos armados, e as chefias na porta perguntando: - Como é, você vai entrar para trabalhar? " Naturalmente, também se pressionava do outro lado, como se percebe desse relato: "O operário parado ao lado da máquina ficou entre dois fogos: levantando a cabeça, via a seção inteira de braços cruzados, os olhos cravados nele, à espera de sua reação. A seu lado, protegido por um guarda de segurança, um gerente da fábrica gritava: ”- Vamos, trabalhe. Você não quer trabalhar? Vamos, trabalhe! O gerente ligava a maquina e mandava o operário trabalhar”. São comuns as perguntas como: “Por que você não está trabalhando?" Também comum é a prática de ligar as máquinas, à revelia dos operários, “quebrando o silêncio”.101 99. SINAY, Hélène. Op. cit., p. 33. 100. MONTEIRO FERNANDES, Antônio de Lemos. Op. cit., p. 244 101. MARONI, Amnéris. Op. cit., p. 100-108. Rev. TST, Brasília, vol. 66, n° 1, jan/mar 2000 139 DOUTRINA 14.2. Meios secundários As formas de reação da empresa variam muito. As vezes, recusa ao diálogo e a qualquer tipo de colaboração com a entidade profissional. Ou se utiliza de ameaças, como a extinção de postos de trabalho. Outras vezes, radicaliza - como na Alemanha em meados do século, quando as fábricas da indústria pesada passaram a investir em outras atividades, para escapar à lei da co-gestão, de 1951; ou nos Estados Unidos, mais recentemente, com a migração das fábricas do norte para o sul102 14.3. “Lock-out" Na definição de GIUGNI, é a “recusa de aceitar a prestação laborativa e, conseqüentemente, de pagar a retribuição”.103 Seus antecedentes remontam a 1890, quando as companhias de navegação alemã reagiram contra os portuários que festejavam o 1o de maio. No início, proclamado o direito de greve, costumava-se justificá-lo pelos princípios (civilistas) de justiça comutativa.104 Hoje, na Europa, só a Alemanha o permite genericamente: é a “paridade de armas”.105 Essa assimetria de tratamento nos mostra que mesmo em nível coletivo não há, em geral, igualdade de forças. O que as torna mais ou menos equilibradas é um conjunto de fatores: um bom nível de emprego, obstáculos legais à despedida e o estabelecimento de patamares mínimos indisponíveis. Ao contrário da greve, o lock-out não fim “progressista”, de criar direitos; ao contrário, quer extingui-los. O lock-out pode ser defensivo, preventivo ou retorsivo. Se defensivo, é usado contra o lock-in. Pode envolver uma ou mais empresas. No primeiro caso, para forçar novas condições de trabalho. No segundo, para pressionar o Estado a adotar ou não certa medida. As vezes, “supõe despedida coletiva, com proposta de reincorporação através de condições impostas pela empresa”.106 Entre nós, não se pode usá-lo para inviabilizar a greve ou a negociação. Se ilícito, como quase sempre acontece, o lock-out dá ao empregado o direito não só aos salários, mas (em princípio) à chamada “despedida indireta” - não tanto pela falta de oferta de trabalho, mas em razão da ausência de pagamento. 14.4. Listas negras e brancas Outro modo usual de luta, já citado, são as listas negras, contendo, nessa hipótese, nomes e/ou fotografias de grevistas. São ilícitas. Menos comuns são as listas brancas, que relacionam os confiáveis. Há empresas que trocam entre si os seus cadas 102. BELTRAN, Ari P. Op. cit., p. 194. 103. GIUGNI, Gino. “Diritto Sindacale”, Cacucci, Bari, 1997, p. 281. 104. RUPRECHT, A . Op. cit., p. 177. 105. O Tratado de Maastrich o menciona, mas só para sinalizar que, a propósito, deve ser respeitado o orde namento jurídico de cada país. 106. MARQUEZ, Hernaínz. Apud RUPRECHT, Alfredo. Op. cit., p. 169. 140 Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 DOUTRINA tros, como já relatava VIANNA.107 Mas o modo mais eficaz de luta patronal talvez seja a terceirização: ela fragmenta a classe operária, criando segmentos de empregados que não se integram aos que trabalham nas empresas-clientes (pois seus problemas e reivindicações são diferentes), e nem sequer entre si (dada a sua alta rotatividade). 14.5. Prêmios antigreve Em regra, nos países mais evoluídos, são tidos como discriminatórios. Na França, são expressamente proibidos108, a não ser quando criados antes da greve e concedidos, indistintamente, aos que não faltam ao trabalho de uma forma geral.109 14.6. Contratações de outros trabalhadores A nossa lei não as permite, durante as greves. Pergunta-se: pode a empresa contratar através de outra, terceirizando? Na França, a lei responde negativamente110. Entre nós, embora a lei seja omissa, a resposta deve ser a mesma, por analogia. 15. MEIOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS Os procedimentos-padrão são a negociação coletiva, a conciliação, a mediação e a arbitragem. Em todos eles, as partes são as mesmas do conflito. Os três primeiros têm por fim alcançar a convenção ou o acordo coletivo.111 Vejamos as características de cada um. O termo negociação coletiva costuma ser usado em acepção ampla, abrangendo também a conciliação e a mediação. Em sentido mais técnico, distingue-se delas por envolver apenas as partes, sem a participação de terceiros. Em regra, tem forma livre. E serve tanto para os conflitos de interesse como para os jurídicos. Como as partes atuam por si, não há órgãos destinados a esse fim. Às vezes, o Estado lhe impõe certas limitações. A negociação pode ser estática ou dinâmica. A primeira, própria dos países continentais europeus, cria regras precisas, bem delineadas; celebrado o convênio, as partes não mais negociam, até o fim de seu prazo. Já a segunda, mais comum na Grã- Bretanha, pressupõe instituições de caráter permanente, que vão adaptando o pacto a cada nova circunstância. É mais um modo de administração coletiva do que propriamente de contratação.112 107. VIANNA, Segadas. Op. cit., p. 86. 108. Art. L.521-1 do Código do Trabalho. 109. JAVILLIER, J. C. “Manual de Direito do Trabalho", LTr, S. Paulo, 1988, p.224. 110. Art. L. 124-2-3 do Código do Trabalho. 111. De acordo com a CLT, as convenções e os acordos se distinguem pelo fato de que as primeiras envolvem sindicatos profissionais e econômicos, ao passo que os últimos têm de um lado um sindicato profissional e de outro uma ou mais empresas. 112. A propósito, cf. PALOMEQUE, Manuel-Carlos. “Derecho Sindical Español”, Madri, 1986, págs. 229/230. Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 141 DOUTRINA Já a conciliação é negociação assistida: tal como a mediação, é meio de aproximação das partes.113 Com ela, elimina-se um processo por meio de outro processo114 O conciliador representa o Estado ou é escolhido livremente. Sua intervenção é variável: pode ir desde o mero apoio procedimental até à formulação de uma ou outra sugestão, com base nos indícios que as partes fornecem quanto a possíveis transigências. A tentativa de conciliação pode ser voluntária ou obrigatória. No Brasil, é indispensável para o dissídio coletivo. A mediação fica a meio caminho. Nela, há também um terceiro, que depois de analisar os fatos e as alegações faz uma proposta. Para DEVEALI, é forma “especialmente intensa de conciliação”, já que o mediador não se limita a ouvir: pode exigir dados e informes e atua com freqüência como um árbitro, só que sem laudo obrigatório.115 Na sua forma mais simples, as partes aceitam ou recusam em bloco sua sugestão; quase sempre, porém, forma-se uma rede de propostas e contrapropostas, envolvendo o mediador e as partes. O mediador não se prende a princípios de equidade ou de conveniência econômica; apenas descobre “o ponto exato de maior aproximação possível entre as posições”.116 Esse sistema é pouco empregado; e seu êxito depende, muitas vezes, do prestígio do mediador. Tal como a conciliação, pode ser voluntária ou obrigatória; pública ou privada. A publicidade tem papel relevante: mobiliza a opinião pública, como instrumento de pressão117. O mediador expõe informe fundamentado e conclui; em alguns países, a resposta deve ser expressa. Na arbitragem, há também um terceiro, mas o objetivo já não é um convênio, e sim uma decisão vinculante - o laudo arbitral, pronunciado com ou sem a audiência das partes e fora de modelos processuais estritos. Como a decisão é por equidade, pode não coincidir inteiramente com qualquer das pretensões. Mas a própria equidade deve ser temperada com razões de viabilidade econômico-social: nesse caso, são introduzidos, no juízo de equidade, “interesses aparentemente exteriores aos que se acham em confronto direto”.118 A arbitragem pode decorrer de lei (como na Austrália), com ou sem a presença do Estado. No direito comparado, outras soluções existem, como as decisões administrativas, as comissões paritárias, o inquérito e a investigação de fatos.119 No sistema da decisão administrativa, são órgãos públicos que decidem o conflito - sempre com o risco de ingerência do poder executivo. No sistema das comissões paritárias, próprio para conflitos de natureza jurídica, essa tarefa fica a cargo de órgãos que representam as partes, criados em convenções coletivas precedentes. Em alguns países, são presididos por autoridade administrativa. O sistema do inquérito, pre 113. RUPRECHT, Alfredo. Op. cit., p. 209. 114. GARCIA, Alonso. Apud Ruprecht, op. cit., p. 206. 115. DEVEALI, Mario. Apud Ruprecht, op. cit., p. 212. 116. Idem, p. 228. 117. DURAND, Paul. “Traité de Droit du Travail”, Dalloz, Paris, vol. III, p. 977. 118. Ibidem, p. 229. 119. A propósito, RUPRECHT, Alfredo. Op. cit., p. 222 e segs. 142 Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº jan/mar 2000 DOUTRINA visto na Lei Taft-Hartley, dos EUA, é usado em países anglo-saxões, nos quais a opinião pública tem peso muito grande. Não depende de autorização ou pedido das partes. O governo toma a iniciativa, convidando-as a fornecer dados. A comissão de inquérito apresenta então um informe com recomendações; e expede uma ordem (injunction), para que a greve não se inicie ou pare, por 80 dias, prazo chamado de “arrefecimento” (cooling off). Caso a trégua seja em vão, a ordem esgota sua eficácia e a greve se torna lícita. Essa intervenção tem ocorrido em média uma vez por ano. No Brasil, o conflito coletivo pode ser mediado ou conciliado tanto na esfera privada como por meio da Procuradoria ou do Ministério do Trabalho. A arbitragem pode se fazer através de árbitros de livre escolha das partes; o Ministério do Trabalho mantém um cadastro de nomes, para esse fim. Se uma das partes se julga incapaz de negociar por si só, pode requerer também a intervenção do Ministério do Trabalho, por meio de seus agentes. Existe ainda a possibilidade de intervenção da Justiça do Trabalho, via sentença normativa. Mas o instituto parece em via de extinção: quando escrevíamos essas páginas, tramitava emenda constitucional que a transformava em arbitragem facultativa.120 16. CONFLITOS E CONVÊNIOS COLETIVOS: UM OLHAR ACADÊMICO Como escrevemos em outras paragens, a convenção coletiva substitui a fragilidade do indivíduo pela força sempre maior do grupo.121 Nos países da common law, é virtualmente o único direito escrito; nos outros, tem função complementar, maior ou menor, conforme o caso. Assim, aqui e ali, é exemplo de pluralismo jurídico. Mas não é só. Ao longo do tempo, tem atuado para além de seus limites formais, seja atuando sobre o legislador122, seja inspirando outras categorias123, seja pressionando empregadores não afetados diretamente por seu raio de ação.124 É o que alguns chamam de efeitos de contágio das lutas coletivas.125 120. Na verdade, os próprios tribunais do trabalho foram minando o seu poder normativo, através da criação de minuciosos precedentes. Em vez de criar a norma para o caso concreto, como deveriam fazer, passaram a julgar quase mecanicamente, aplicando aqueles verdadeiros códigos. 121. LYON-CAEN, G.; PÉLISSIER, J.; SUPIOT, A . “Droit du Travail”, Dalloz, Paris, 1996, pág. 644. 122. É o caso, por exemplo, do nosso banco de horas, que - embora não seja propriamente original - tornou- se texto de lei a partir de (e para respaldar) convenções firmadas por sindicatos da Força Sindical, que (ilicitamente) o previam. 123. A “quebra de caixa” dos bancários, por exemplo, serviu de modelo para várias outras categorias com trabalhadores na mesma situação. 124. É o que acontece com frequência nos Estados Unidos, onde o percentual de trabalhadores alcançados pelos convênios é baixo (18%), mas muitas empresas situadas fora de seu campo de abrangência acabam concedendo os mesmos reajustes, exatamente para impedir que os seus empregados se filiem aos sindicatos. 125. ZAPATERO, Ranz J. “Sindicalismo y Evolucíón: una perspectiva española”, in “El Nuevo Sindicalismo”, de HECKSCHER, Charles C. Ministério de Trabajo e Seguridad Social, Madri, 1993, pág. 96. Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 143 DOUTRINA Qualquer que seja a sua espécie, a convenção coletiva expressa um ajuste entre capital e trabalho. É o fiel da balança; o ponto de equilíbrio entre o interesse do empresário em manter ou aumentar a mais-valia e a luta dos trabalhadores para conservar ou resgatar porções de dignidade. Do ponto de vista de sua estrutura, é contrato. Em termos de substância, é norma.126 Por isso, não se concretiza por si mesma: depende dos ajustes individuais.127 Analisado em conjunto, o convênio coletivo é ambíguo como uma sereia: tem corpo de contrato e alma de lei, na lição de CARNELUTTI. Observa MONTEIRO FERNANDES que, quanto maior o conteúdo das convenções, mais se multiplicam as áreas potencialmente litigiosas.128 Nesse sentido, o convênio coletivo entra em contradição consigo próprio: em vez de superar os conflitos, alimenta as circunstâncias de outros.129 É harmonia que desarmoniza, para de novo harmonizar. 17. CONFLITOS E CONVÊNIOS COLETIVOS: UM OLHAR CRÍTICO Quando o jogo de forças é favorável, os conflitos coletivos têm papel decisivo não só para criar a norma, como para mantê-la viva e atuante. É que o Direito não se completa no momento de sua proclamação: é afirmado, negado e transformado a cada dia, pelas mãos dos homens que o operam. Para que ele tenha eficácia real, as fontes materiais que o fizeram brotar devem continuar atuando. Na mesma hipótese - ou seja, em conjuntura favorável - os conflitos coletivos elevam o contrato mínimo legal130, permitindo a renegociação coletiva de contratos individuais. Tudo aquilo que as partes haviam ajustado individualmente passa a ser objeto de novo olhar, em ambiente oposto. Se o empregado não pôde discutir, o sindicato, agora, discute por ele. A pressão silenciosa que o empregador - pelo simples fato de deter os postos de trabalho - exerceu ao firmar o contrato é agora utilizada contra ele, na medida em que o grupo assume, de certo modo, o controle dos mesmos postos e ameaça negar - ou nega, efetivamente - a prestação de serviços. O problema é que, hoje, aquela correção coletiva dos contratos individuais está virando pelo avesso. Graças à ameaça latente de uma espécie de lock-out disfarçado a migração da unidade produtiva - os empresários já não se limitam a se defender: são 126. Para uns, como Mazzioti, é norma também no sentido de obrigar pessoas diversas das que o firmaram (“Diritto del Lavoro”, Jovene, Napoles, 1983, págs. 420 e segs.). 127. Se pensarmos a lei como resultado de um pacto, ainda que implícito, e observarmos que os parlamentos compõem, quase sempre, interesses em conflito, serão ainda menores as diferenças entre lei e convênio coletivo. 128. MONTEIRO FERNANDES, A. “Direito do Trabalho - III. Relações colectivas de trabalho”, Almedina, Coimbra, 1991, p. 201. 129. WEISS, D. Apud Monteiro Fernandes. Op. cit., p. 202. 130. A expressão é de La Cueva. 144 Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 DOUTRINA eles, agora, que exigem reajustes em suas taxas de lucro, através da precarização crescente dos contratos. Esse novo papel dos convênios coletivos é viabilizado pela ordem jurídica, ao transformar normas imperativas em normas dispositivas em nível coletivo - como é o caso, por exemplo, daquela que permite a redução salarial. Infelizmente - e tal como a greve, que vale mais pelo temor que semeia - reações patronais desse tipo são muito eficazes. Naturalmente, essas transformações não acontecem por acaso. Como dizíamos, elas se encaixam no novo modo de acumulação capitalista, que tem como peça-chave a fragmentação do universo operário, seja desempregando, seja terceirizando, seja reorganizando o trabalho. No limite, esse novo modelo tende a expulsar não só a lei, mas o próprio sindicato e - por conseqüência - todos os meios clássicos de luta coletiva. Note-se que a convenção coletiva é mais do que um processo de conquista de direitos: é meio de adaptar regras. Por isso, suas crises são também “crises de certeza do Direito”131 Se, na Europa, os sindicatos conservam boa parte da força antiga, há pelo menos dois bons motivos para isso. O primeiro é o de que a sociedade, ali, os valoriza: sabe que foram eles os principais construtores de sua estrutura social e de sua própria democracia. O outro é o de que se vai costurando um novo pacto, em que os sindicatos trocam sua própria sobrevivência por dois tipos de concessões: a) quanto aos trabalhadores de baixa qualificação, uma certa dose de precarização dos contratos individuais; b) quanto aos mais qualificados, um grau crescente de envolvimento nas novas técnicas produtivas, como exigem os teóricos do just in time. Assim, a idéia de que a negociação coletiva é sempre mais justa ou adequada do que a lei, tem hoje algo de mito mesmo nos países de ponta. 18. OS CONVÊNIOS TRANSNACIONAIS E OS ACORDOS TRIPARTITES Com a globalização da economia, tem-se tentado globalizar também as convenções coletivas, especialmente em nível de União Européia. O objetivo é reduzir o dumping social. Mas a tarefa não é fácil. De um lado, atuam fatores como a diversidade legislativa, a falta de interesse patronal (quando a convenção transnacional é mais favorável) e a crise que afeta os sindicatos.132 De outro, a dificuldade de se globalizarem os próprios conflitos, exatamente porque as reivindicações se baseiam em realidades diferentes, Assim, o ideal para uma negociação desse porte seria o nivelamento prévio das condições de trabalho - o que nos levaria a um círculo vicioso.133 131. MONTEIRO FERNANDES, Antônio de Lemos. Op. cit„ p. 225. 132. Cf., a propósito, FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. “Globalização & desemprego: mudanças nas relações de trabalho”, LTr, S. Paulo, 1998, p. 65-79. 133. Ainda assim, aqui e ali, há sinais encorajadores - como uma recente ameaça de greve de rendimento de operários alemães, quando a filial de uma multinacional de automóveis ameaçou se deslocar da Espanha para a Alemanha, caso os espanhóis persistissem em greve. Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 145 DOUTRINA Ao mesmo tempo, a União Européia tem tentado valorizar os acordos tripartites. A idéia é fazer com que os atores sociais participem da reconstrução (ou, em certo sentido, da desconstrução) das normas trabalhistas e das políticas públicas. O objetivo é aumentar a dose de legitimidade e o grau de eficácia das reformas, pois elas implicam perdas e sua execução depende de Estados cada vez mais fragilizados pelo poder do capital. Aliás, a própria UE, também às voltas com um certo déficit de legitimidade134, criou para si um interessante mecanismo: antes de emitir uma diretiva,135 consulta os que serão por ela atingidos, através de entidades representativas. Caso o queiram, esses interessados podem suspender e mesmo evitar a diretiva, adotando em seu lugar um convênio.136 Também a OIT tem tentado incentivar os convênios coletivos, mas sem dar grande importância ao conteúdo que possam ter: basta que obedeçam às suas próprias convenções, que em geral comportam uma leitura ampla. Ao mesmo tempo, procura afiar as garras dos líderes sindicais, ensinando-lhes novas técnicas de negociar, e divulgando as experiências mais positivas. Outra preocupação da OIT tem sido a de fomentar o aparecimento de sindicatos no setor informal da economia, já existentes em alguns países.137 19. ALGUMAS IDÉIAS PARA UM MOMENTO DE CRISE Concluiu certa vez a OIT138 que a convenção coletiva exige pré-requisitos fáticos - como instrução básica, certo grau de industrialização e razoável estabilidade da força de trabalho. Hoje, entre nós, esses pré-requisitos parecem cada vez mais distantes. Já não se trata, por isso, de lutar apenas pela liberdade sindical. O grande problema do sindicato já não é a liberdade, mas a igualdade - e igualdade real. Repete-se, no plano coletivo, a hipossuficiência de que nos falava CESARINO JUNIOR, quando se referia ao trabalhador. Como já escrevemos em outras paragens... “...a nova realidade econômica exige, mais uma vez, que o Estado arregace as mangas, mas não para legitimar o trabalho precário (como vem fazen 134. Nesse sentido, dentre outros, Romagnoli, esclarecendo que as diretivas dependem prioritariamente não do Parlamento, eleito pelos europeus, mas do Conselho. 135. Diretivas são normas genéricas, que obrigam os Estados a alcançar certos resultados, deixando a critério deles a escolha dos instrumentos necessários para isso. 136. Se referendado pela UE, este convênio pode: a) ser aplicado, diretamente, em cada Estado, através dos mecanismos que ali existirem; ou b) ser transformado, ele próprio, em diretiva, hipótese em que será mais correto falar em “lei negociada” do que em “convênio” ou “convenção”. 137. Informações prestadas pelo Prof. Tayo Fashoyin, representante do órgão, no último curso para exper tos latinoamericanos sobre negociações coletivas, realizado em setembro/99, em Turim-Bolonha-Toledo. 138. RUPRECHT, A . Op. cit., p. 219. 146 Rev. TST, Brasília, vol. 66, nº 1, jan/mar 2000 DOUTRINA do), nem apenas para libertar o sindicato das amarras legais (como está ensaiando), mas para permitir, efetivamente, a ação coletiva. A lógica é a mesma que justificou, ao longo da História, a tutela individual do trabalhador: quando a balança se desequilibra, é hora de acrescer-lhe alguns pesos. Aliás, é o que tem acontecido até na Europa, especialmente a partir dos anos 80.139 É preciso - dentre outras medidas - garantir ao sindicato liberdade de ação e de acesso no interior da empresa; tirar da Justiça do Trabalho o poder de pôr fim às greves; e disciplinar e punir, com rigor, os atos anti-sindicais140. E é preciso ainda que, ao invés de legislar a torto e a direito por medidas provisórias, eternizando-as com sucessivas reedições, o governo leve a negociação para o centro do poder, discutindo com os sindicatos toda norma que se refira a relações de trabalho. É a solução da lei negociada, também praticada pelos europeus. Em suma: mesmo sendo, como é, coletiva, a negociação deve expressar uma transação, ou seja, concessões recíprocas, e não uma simples renúncia. Se a justificativa ideológica para a nova política legislativa é a de que a norma feita pelo grupo é mais justa e adequada que a do Estado, não se pode utilizá-la às avessas. Nesse sentido - de troca - a convenção coletiva pode vir a ser extremamente útil para garantir melhor qualidade de vida no trabalho, menor instabilidade no emprego e uma dose mínima de democracia na empresa, através de instrumentos de co-gestão. Assim, o importante não é tanto incentivá-la, mas possibilitá-la concretamente.” BIBLIOGRAFIA ANDRADE, Vasco de. “Atos unilaterais no contrato de trabalho”, S. Paulo, Procuradoria do Trabalho, 1943. ANTUNES, R. “A Rebeldia do trabalho”, Unicamp/Ensaio, Campinas, 1988 ABRAMO, L. W. “Greve metalúrgica em S. Bernardo”, Paz e Terra, S. Paulo, 1991. AVILÉS, Antonio Ojeda. “Derecho Sindical”, Tecnos, Madri, 1995. BELTRAN, Ari P. “A autotutela nas relações de trabalho”, LTr, S. Paulo, 1996. BOFF, Leonardo. “O despertar da águia”, Vozes, Petrópolis, 1998. 139. 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