Revista do Tribunal Superior do Trabalho vol. 74 nº 4 out/dez 2008 Revista do Tribunal Superior do Trabalho PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO Revista do Tribunal Superior do Trabalho Ministro Rider Nogueira de Brito Presidente Ministro Milton de Moura França Vice-Presidente Ministro João Oreste Dalazen Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi Ministro Renato de Lacerda Paiva Ministro Lelio Bentes Corrêa Comissão de Documentação Ano 74 – nº 4 – out. a dez. – 2008 Alameda Coelho Neto, 20 / 3º andar – Porto Alegre – RS – 91.340-340 magister@editoramagister.com – www.editoramagister.com ISSN 0103-7978 Revista do Tribunal Superior do Trabalho / Tribunal Superior do Trabalho. – Vol. 21, n. 1 (set./dez. 1946) – Rio de Janeiro : Imprensa Nacional, 1947-. v. Trimestral. Irregular, 1946-1968; suspensa, 1996-1998; trimestral, out. 1999-jun. 2002; semestral, jul. 2002-dez. 2004; quadrimestral, maio 2005-dez. 2006. Continuação de: Revista do Conselho Nacional do Trabalho, 1925-1940 (mai./ago.). Coordenada pelo: Serviço de Jurisprudência e Revista, 1977-1993; pela: Comissão de Documentação, 1994-. Editores: 1946-1947, Imprensa Nacional; 1948-1974, Tribunal Superior do Trabalho; 1975-1995, LTr; out. 1999-mar. 2007, Síntese; abr. 2007- , Magister. ISSN 0103-7978 1. Direito do Trabalho. 2. Processo Trabalhista. 3. Justiça do Trabalho – Brasil. 4. Jurisprudência Trabalhista – Brasil. I. Brasil. Tribunal Superior do Trabalho. CDU 347.998.72(81)(05) Coordenação: Comissão de Documentação Organização e Supervisão: Ana Celi Maia de Miranda Revisão: José Geraldo Pereira Baião Capa: Ivan Salles de Rezende (sobre foto de Marta Crisóstomo) Editoração Eletrônica: Editora Magister Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do Tribunal Superior doTrabalho. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate sobre questões jurídicas relevantes para a sociedade brasileira e de refletir as várias tendências do pensamento jurídico contemporâneo. Veja como publicar artigo no link “Revista do TST” na página www.tst.jus.br. Tribunal Superior do Trabalho Setor de Administração Federal Sul Quadra 8, lote 1, bloco “B”, mezanino 70070-600 – Brasília – DF Fone: (61) 3314-3056 E-mail: revista@tst.jus.br Internet: www.tst.jus.br Editora Magister Alameda Coelho Neto, 20 / 3º andar 91340-340 – Porto Alegre – RS Fone: (51) 3027-1100 Assinaturas: magister@editoramagister.com www.editoramagister.com Composição do Tribunal Superior do Trabalho Tribunal Pleno Ministro Rider Nogueira de Brito, Presidente Ministro Milton de Moura França, Vice-Presidente Ministro João Oreste Dalazen, Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho Ministro Vantuil Abdala Ministro Carlos Alberto Reis de Paula Ministro Antonio José de Barros Levenhagen Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho Ministro João Batista Brito Pereira Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi Ministro José Simpliciano Fontes de Faria Fernandes Ministro Renato de Lacerda Paiva Ministro Emmanoel Pereira Ministro Lelio Bentes Corrêa Ministro Aloysio Silva Corrêa da Veiga Ministro Horácio Raymundo de Senna Pires Ministra Rosa Maria Weber Candiota da Rosa Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira Ministra Maria de Assis Calsing Ministra Dora Maria da Costa Ministro Pedro Paulo Teixeira Manus Ministro Fernando Eizo Ono Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro Ministro Walmir Oliveira da Costa Ministro Mauricio Godinho Delgado Ministra Kátia Magalhães Arruda Órgão Especial Ministro Rider Nogueira de Brito, Presidente Ministro Milton de Moura França, Vice-Presidente Ministro João Oreste Dalazen, Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho Ministro Vantuil Abdala Ministro Carlos Alberto Reis de Paula Ministro Antonio José de Barros Levenhagen Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho Ministro João Batista Brito Pereira Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi Ministro José Simpliciano Fontes de Faria Fernandes Ministro Renato de Lacerda Paiva Ministro Emmanoel Pereira Ministro Lelio Bentes Corrêa Ministro Aloysio Silva Corrêa da Veiga Seção Especializada em Dissídios Coletivos Ministro Rider Nogueira de Brito, Presidente Ministro Milton de Moura França, Vice-Presidente Ministro João Oreste Dalazen, Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho Ministra Dora Maria da Costa Ministro Fernando Eizo Ono Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro Ministro Walmir Oliveira da Costa Ministro Mauricio Godinho Delgado Ministra Kátia Magalhães Arruda Subseção I da Seção Especializada em Dissídios Individuais Ministro Rider Nogueira de Brito, Presidente Ministro Milton de Moura França, Vice-Presidente Ministro João Oreste Dalazen, Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho Ministro Vantuil Abdala Ministro Carlos Alberto Reis de Paula Ministro João Batista Brito Pereira Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi Ministro Lelio Bentes Corrêa Ministro Aloysio Silva Corrêa da Veiga Ministro Horácio Raymundo de Senna Pires Ministra Rosa Maria Weber Candiota da Rosa Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho Ministra Maria de Assis Calsing Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos Subseção II da Seção Especializada em Dissídios Individuais Ministro Rider Nogueira de Brito, Presidente Ministro Milton de Moura França, Vice-Presidente Ministro João Oreste Dalazen, Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho Ministro Antonio José de Barros Levenhagen Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho Ministro José Simpliciano Fontes de Faria Fernandes Ministro Renato de Lacerda Paiva Ministro Emmanoel Pereira Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira Ministro Pedro Paulo Teixeira Manus Primeira Turma Ministro Lelio Bentes Corrêa, Presidente Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho Ministro Walmir Oliveira da Costa Segunda Turma Ministro Vantuil Abdala, Presidente Ministro José Simpliciano Fontes de Faria Fernandes Ministro Renato de Lacerda Paiva Terceira Turma Ministro Carlos Alberto Reis de Paula, Presidente Ministra Rosa Maria Weber Candiota da Rosa Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira Quarta Turma Ministro Antonio José de Barros Levenhagen, Presidente Ministra Maria de Assis Calsing Ministro Fernando Eizo Ono Quinta Turma Ministro João Batista Brito Pereira, Presidente Ministro Emmanoel Pereira Ministra Kátia Magalhães Arruda Sexta Turma Ministro Aloysio Silva Corrêa da Veiga, Presidente Ministro Horácio Raymundo de Senna Pires Ministro Mauricio Godinho Delgado Sétima Turma Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, Presidente Ministro Pedro Paulo Teixeira Manus Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos Oitava Turma Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Presidente Ministra Dora Maria da Costa Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro Ministros do Tribunal Superior do Trabalho RIDER DE BRITO MILTON DE MOURA FRANÇA JOÃO ORESTE DALAZEN Presidente Vice-Presidente Corregedor-Geral VANTUIL ABDALA CARLOS ALBERTO ANTONIO JOSÉ IVES GANDRA FILHO REIS DE PAUL A DE B. LEVENHAGEN BRITO PEREIRA CRISTINA PEDUZZI JOSÉ SIMPLICIANO RENATO PAIVA EMMANOEL PEREIRA FONTES LELIO BENTES ALOYSIO VEIGA HORÁCIO SENNA ROSA MARIA VIEIRA DE MELLO PIRES FILHO ALBERTO BRESCIANI MARIA DE ASSIS DORA COSTA PEDRO PAULO FERNANDO EIZO ONO CALSING TEIXEIRA MANUS GUILHERME MÁRCIO EURICO WALMIR OLIVEIRA MAURICIO JOSÉ KÁTIA MAGALHÃES CAPUTO BASTOS VITRAL AMARO DA COSTA GODINHO DELGADO ARRUDA Sumário TEMA ESPECIAL: TERCEIRIZAÇÃO 1. Terceirização: normatização – questionamentos Vantuil Abdala .......................................................................................... 17 2. Aspectos jurídicos atuais da terceirização trabalhista Alexandre Agra Belmonte ......................................................................... 26 3. Alguns aspectos objetivos da terceirização e da composição industrial no âmbito trabalhista José Luiz Ferreira Prunes ........................................................................ 53 4. A terceirização e a Justiça do Trabalho Magda Barros Biavaschi .......................................................................... 67 5. Terceirização e mundo globalizado: o encadeamento produtivo e a complementaridade de serviços como potencializadores da formalização de contratos Guilherme Mastrichi Basso ...................................................................... 89 6. Terceirização: uma realidade desamparada pela lei José Pastore ............................................................................................ 117 7. Terceirização na atividade-fim. Empresas de telecomunicações e outras concessionárias do serviço público. Novos projetos de lei e inovações de liminar concedida no STF José Alberto Couto Maciel ..................................................................... 136 8. Terceirização e precarização do trabalho humano Paulo Ricardo Silva de Moraes ............................................................. 148 TEMÁTICA CONSTITUCIONAL Súmula Vinculante nº 4: tertius genus no controle da constitucionalidade? Tereza Aparecida Asta Gemignani ......................................................... 171 NOTAS E COMENTÁRIOS STF – Governador do DF pede declaração de constitucionalidade de dispositivo da Lei de Licitações ............................................................. 209 STF – Suspenso julgamento sobre responsabilidade da Administração Pública com encargos trabalhistas de terceirizados ............................... 210 Terceirização – Projetos em tramitação na Câmara dos Deputados (situação em dezembro/2008) ................................................................ 212 JURISPRUDÊNCIA Jurisprudência temática .............................................................................. 221 ÍNDICE TEMÁTICO 1. Índice da Jurisprudência do TST ............................................................ 301 Tema Especial: Terceirização TERCEIRIZAÇÃO: NORMATIZAÇÃO – QUESTIONAMENTOS Vantuil Abdala* I – NORMATIZAÇÃO T odos sofrem as conseqüências da total ausência de normatização no campo dos serviços terceirizados: os trabalhadores, porque vítimas das fraudes por parte de prestadoras de serviço inidôneas; as prestadoras de serviços idôneas, pelas conseqüências à imagem negativa da sua atividade e, ainda, pela concorrência predatória; as tomadoras de serviços de boa-fé, pela indefinição e insegurança jurídicas; e, por fim, o próprio Estado, vítima não só como tomador de serviços, mas, também, como arrecadador do que lhe é devido por contribuições fiscais e previdenciárias. Some-se a isso a questão grave relativa à saúde e à segurança na prestação de serviços terceirizados. Não se trata mais de ser contra ou a favor da terceirização. Está-se diante de uma realidade inexorável: a terceirização não vai acabar. Ninguém, razoavelmente, imagina uma economia saudável no Brasil se a contratação de empresas especializadas na execução de serviços determinados fosse impossibilitada. Estamos, pois, diante da advertência de George Ripert: “quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o direito”. E, de fato, a realidade tem se vingado por essa anomia. Basta verificar que, no Tribunal Superior do Trabalho (TST), existem 9259 processos em que o trabalhador cobra do tomador de serviços os direitos que não conseguiu receber da prestadora. Se considerarmos que chegam à Corte Superior trabalhista menos de dez por cento de todas as ações ajuizadas por empregados no país, podemos ter uma idéia da dimensão da insegurança jurídica e da litigiosidade que tem gerado a ausência de regulamentação desse tipo de contratação. * Ministro Decano; Ex-Presidente do Tribunal Superior do Trabalho; Presidente da Comissão de Jurisprudência e Precedentes Normativos; Professor do Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB). É necessário que se estabeleçam requisitos para a criação e o funcionamento de empresas de prestação de serviços a terceiros, a delimitação do objeto do contrato e a forma de fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias por parte destas. Precisam ser definidos a extensão e o grau da responsabilidade do tomador de serviços quanto ao direito dos empregados da empresa prestadora, quando ela não tem idoneidade econômico-financeira para suportar os respectivos encargos. As questões relativas às condições de segurança, higiene e salubridade no ambiente de trabalho merecem especial atenção, até por respeito à dignidade do trabalhador. Atento a esse princípio fundamental, e, ainda, ao princípio da isonomia, preocupa a situação em que o trabalhador terceirizado executa os mesmos serviços que o empregado da empresa tomadora, mas em condições inferiores. Igualmente, na área estatal, impõe-se a regulamentação desse tipo de contratação, cada vez mais utilizada e deturpada, até como fraude ao mandamento constitucional da admissão no serviço público mediante concurso. Não é demais considerar, ainda, a hipótese da utilização do contrato com empresa de prestação de serviços na área pública para interesses outros, nem sempre confessáveis, como o nepotismo, e até para sub-reptícia fonte de arrecadação de fundos de campanha eleitoral. Juntem-se a isso as questões atinentes a dano moral, discriminação, assédio sexual e pontificação da responsabilidade, tudo a justificar a urgente normatização do instituto. O Direito do Trabalho, nas palavras de Rafael Caldera, “não pode ser inimigo do progresso, porque é fonte e instrumento do progresso. Não pode ser inimigo da riqueza, porque sua aspiração é que ela alcance um número cada vez maior de pessoas. Não pode ser hostil aos avanços tecnológicos, pois eles são efeitos do trabalho. Sua grande responsabilidade atual é conciliar este veloz processo de invenções que, a cada instante, nos apresenta novas maravilhas com o destino próprio de seus resultados, que deve ser não o de enriquecer unicamente uma minoria de inventores, mas o de gerar empregos que possam atender aos demais e oferecer a todos a possibilidade de uma vida melhor”. Não se pode marchar indiferente na contramão da história. A normatização, como expressão do direito, deve se adequar aos novos fatos da vida social, sob o imperativo do resguardo da dignidade do trabalhador, é verdade, mas compatibilizando-se com o econômico legítimo, pois ambos deságuam no mesmo estuário do bem comum. II – QUESTIONAMENTOS À ausência de norma, contrapõe-se apenas a existência da Súmula nº331 desta Corte, de cuja elaboração participei em 1994. É isto mesmo, 1994! E tudo se passa e nada se faz, por quase três lustros, não tão lustrosos, nessa área. Atacado pelos dois francos, nem sempre francamente. É verdade, há aqueles bem intencionados que, por uma ideologia romântica, para não dizer quixotesca, defendem simplesmente a extinção dela, a terceirização. Outros têm uma posição não tão pura, pois motivada por espaço de poder e por interesse econômico. D’outra banda, há aqueles que preferem norma alguma, a facilitar fraudes e precarização de direitos, impunemente. Evidência disso são duas ações diretas de inconstitucionalidade contra a Súmula nº 331 em tramitação no Supremo Tribunal Federal. a) Constitucionalidade do item III da Súmula nº 331 Uma das ações referidas ataca o reconhecimento da relação de emprego com o tomador de serviço quando existente a pessoalidade e a subordinação direta a este. Convém lembrar-se que, segundo nossa legislação, empregador é a empresa que contrata, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços (CLT, art. 2º). E, por sua vez, empregado é aquele que presta serviços não eventuais a outrem, mediante salário e subordinação (CLT, art. 3º). Havendo a prestação de serviços naquelas circunstâncias por parte do obreiro à empresa, configurada está a relação de emprego, e, portanto, o contrato de trabalho (CLT, art. 442), que autoriza a incidência de toda a legislação laboral sobre essa relação. E, em virtude da imperatividade das normas trabalhistas, decorrente da sua natureza de ordem pública, aquela incidência se dará, ainda que não acordada expressamente, ainda que não pretendida pelas partes, pois que inderrogáveis e irrenunciáveis aquelas. Por isso é que o art. 9º da CLT decreta a nulidade de pleno direito dos “atos praticados com objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente consolidação”. Por sua vez, a Constituição Federal estipula que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social que têm como base o primado do trabalho e como objetivos o bem-estar e a justiça social (arts. 170 e 193). Mas, também, porque o próprio art. 170 da Lei Maior dispõe que a ordem econômica se funda na livre iniciativa e assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, especificamente no item III da Súmula em referência consagrou-se que não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta. Buscou-se, pois, admitir a subcontratação sem afrontar os arts. 2º e 3º da CLT, que definem a relação de emprego, nem seu art. 9º, que acoima de nulos os atos que objetivem impedir a aplicação da legislação laboral, bem como os preceitos da Carta Magna que evocam os objetivos de justiça social e da existência digna de todos. Mesmo porque, como ponderam Lyon-Caen e Maillard, o direito do trabalho não pode prescindir da conceituação de seus sujeitos – o empregado e o empregador – nem lhe é dado desvencilhar-se do objetivo de estabelecer um estatuto compatibilizado com a proteção da pessoa do obreiro. Assim, não é sempre e em qualquer circunstância que se tem como legítimo o contrato de prestação de serviços para serem desenvolvidos no âmbito da tomadora e sob as vistas dessa. Foi para se coibir a terceirização generalizada e fraudulenta que, em primeiro lugar, se referiu a serviços especializados. Significa isso que a prestadora de serviços tem que ser empresa especializada naquele tipo de serviço; que tenha capacitação e organização para a realização do serviço a que se propõe. Ou seja, não é uma empresa simplesmente de locação de mão-de-obra, mas sim, efetivamente, uma empresa especializada na execução de determinado serviço. Dessa maneira, não será lícito o contrato com uma empresa para a prestação de serviços de natureza diversa de seu objetivo social, do qual ela não tem nenhuma especialização. Faltaria, aí, a razão maior e primeira que legitima a subcontratação, qual seja, o incremento da qualidade, e a prestadora seria apenas mera intermediária de mão-de-obra. Serviço especializado exige, naturalmente, empresa especializada. Mas, além disso, estabeleceu-se que esses serviços devem estar ligados à atividade-meio do tomador, ou seja, serviços de apoio ou complementares aos de sua finalidade. É verdade que não há parâmetros bem definidos do que sejam atividadefim e atividade-meio e, muitas vezes, se estaria diante de uma zona cinzenta em que muito se aproximam uma da outra. Quando tal fato ocorrer, e a matéria for levada a juízo, caberá ao prudente arbítrio do juiz defini-la. E fa-lo-á, naturalmente, levando em conta as razões mais legítimas do instituto: a especialização; a concentração de esforços naquilo que é a vocação principal da empresa; a busca de maior eficiência na sua finalidade original; e não apenas a diminuição de custos. Embora assim seja, não deixa de ser útil a exemplificação de atividades que normalmente têm sido terceirizadas e aceitas como passíveis de tal, legitimamente: serviços de conservação e limpeza, serviços internos de segurança, preparo de alimentos para fornecimento aos empregados, auditoria, execução de serviços de contabilidade, assistência médica, assistência jurídica, manutenção de máquinas, de elevadores, de equipamento de informática, etc., distribuição de grandes volumes de correspondência, treinamento, digitação, transporte, serviços de mensageiro, serviços de distribuição, propaganda, seleção de pessoal, creche... Cabe advertir que, em situações dúbias, a circunstância de a tomadora ter empregados permanentes exercendo as mesmas funções que os terceirizados é forte elemento de convicção para o juiz não admitir como legítima a subcontratação. Também, conforme o caso, terá pertinência o critério proposto por Henry Blaise, na revista Droit Social, n. 5, maio de 1990, que se funda na natureza da prestação fornecida. E exemplifica: lícita será a hipótese do caso do motorista colocado à disposição de empresa petrolífera, com o guindaste acoplado ao veículo que ele mesmo opera para remover sondas e equipamentos pesados em geral. Esse plus material, associado a uma formação técnica específica, justifica o fornecimento da mão-de-obra. Lembra-se, ainda, outro critério que consiste no modo da contraprestação devida à prestadora de serviços. Se aquela é estabelecida à base de “homemhora” que executa serviço na tomadora, é forte indício de ilegitimidade. Por outro lado, ainda que a prestação de serviços ocorra em atividademeio, é indispensável que não haja a pessoalidade e a subordinação jurídica entre o obreiro que presta serviços e a tomadora de serviços. Isso porque, quando se está realmente diante de um contrato de prestação de serviços, o que interessa ao tomador é pura e simplesmente o resultado do trabalho, e não quem, como e quando o executa. Mas se, ao contrário, o tomador de serviços exige que quem vai executar os trabalhos sejam sempre pessoas certas e determinadas, e comanda, e dirige, e fiscaliza a realização dos serviços, se descaracteriza o contrato de prestação de serviços, para emergir, claramente, o vínculo de emprego entre o obreiro e o tomador de serviços. É que aí, nessa relação, se verifica a presença de todos os elementos da definição de empregador e de empregado, e, portanto, a relação de emprego. Não há, pois, inconstitucionalidade alguma na Súmula sob este aspecto, a não ser que se revoguem os arts. 2º e 3º da CLT e se desconsiderem todos os princípios constitucionais da valorização do trabalho e da dignidade do trabalhador. b) Constitucionalidade da responsabilidade subsidiária de ente público A outra ação de inconstitucionalidade ataca a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, ente público. Esta Corte sempre entendeu haver a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto aos débitos trabalhistas não adimplidos pela empresa contratada para a prestação de serviços, quando essa, em virtude de sua inidoneidade financeira, não é capaz de satisfazer os direitos dos trabalhadores. E essa responsabilidade subsidiária existe igualmente para a Administração Pública, quando contrata a prestação de serviços, apesar do disposto no § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93. Tanto assim é que veio a tornar-se explícito no item IV da Súmula nº 331 desta Corte que “o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666/93)”. A jurisprudência assim se cristalizou por diversas razões. A primeira delas é que a Lei nº 8.666/93 assegura à Administração Pública uma série de cautelas para se evitar a contratação de empresa inidônea e para se garantir quanto a descumprimento de obrigações por parte da empresa prestadora de serviços. Atente-se para os seguintes dispositivos da referida lei, verbis: “Art. 27. Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a: (...) III – qualificação econômico-financeira; (...) Art. 31. A documentação relativa à qualificação econômicofinanceira limitar-se-á a: I – balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e apresentados na forma da lei, que comprovem a boa situação financeira da empresa, (...); (...) § 1º A exigência de indicadores limitar-se-á à demonstração da capacidade financeira do licitante com vistas aos compromissos que terá que assumir caso lhe seja adjudicado o contrato. § 2º A Administração, nas compras para entrega futura e na execução de obras e serviços, poderá estabelecer, no instrumento convocatório da licitação, a exigência de capital mínimo ou de patrimônio líquido mínimo, ou ainda as garantias previstas no § 1º do art. 56 desta Lei, como dado objetivo de comprovação da qualificação econômicofinanceira dos licitantes e para efeito de garantia ao adimplemento do contrato a ser ulteriormente celebrado. (...) § 4º Poderá ser exigida, ainda, a relação dos compromissos assumidos pelo licitante que importem diminuição da capacidade operativa ou absorção de disponibilidade financeira, calculada esta em função do patrimônio líquido atualizado e sua capacidade de rotação. § 5º A comprovação de boa situação financeira da empresa será feita de forma objetiva, através do cálculo de índices contábeis previstos no edital e devidamente justificados no processo administrativo que tenha dado início ao processo licitatório.” Além disso, está a Administração Pública autorizada a exigir a prestação de garantia nesse tipo de contratação por meio de caução em dinheiro ou mesmo de fiança bancária, tal como previsto no § 1º do art. 56 desta Lei. Ora, se a Administração Pública observa todas essas prescrições da lei, não correrá o risco de contratar uma empresa inidônea. Se, no entanto, assim não age, emerge clara a “culpa in eligendo da Administração Pública”. Mas há mais. O art. 58 deste mesmo diploma legal outorga à Administração Pública a prerrogativa de fiscalizar a execução do contrato, e o art. 67 seguinte estabelece que a execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração. Então, pode e deve a Administração fiscalizar continuamente o cumprimento das obrigações trabalhistas por parte da contratada, por intermédio de exame de recibos de pagamento, comprovantes de recolhimentos de depósitos de FGTS, de obrigações fiscais, etc. Aqui, pontifica-se a culpa in vigilando da Administração Pública ao omitir-se nesta fiscalização. Isso tanto mais se agrava, quanto se considere o elevado número de ações trabalhistas contra empresas de prestação de serviços e de execuções frustradas, porque nem pagam espontaneamente nem são encontrados bens delas capazes de satisfazer o valor da condenação. Essas empresas, muitas vezes, se constituem e desaparecem como pormilagre, sem deixar rastros. É que para a constituição de uma empresa de prestação de serviços basta a elaboração de um contrato social, muitas vezes tendo como sócios meros “testas-de-ferro”, sem nenhum bem material a compôla e com capital social irrisório. O sistema da terceirização de mão-de-obra, em sua pureza, é importante para a competitividade das empresas e para o próprio desenvolvimento do país. Exatamente para a subsistência deste sistema de terceirização é que é fundamental estabelecer a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quando a prestadora de serviços é inidônea economicamente. Naturalmente, estabelecendo-se a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, este se acautelará evitando a contratação de empresas que não têm condições de bem cumprir suas obrigações. Isso evitará a proliferação de empresas fantasmas ou que já se constituem mesmo visando ao lucro fácil e imediato à custa de direitos dos trabalhadores, geralmente indispensáveis a sua própria sobrevivência. Ademais, não se pode olvidar que a própria Constituição Federal estabelece o princípio da responsabilidade objetiva das pessoas de direito público em relação aos danos causados por seus agentes, verbis: “Art. 37, § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra a responsável nos casos de dolo ou culpa.” Por outro lado, está consagrado, também, em nossa Lei Maior que “a ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bemestar e a justiça sociais” (art. 193). Bem, pois, seria de se considerar inconstitucional o § 2º do art. 71 da Lei nº 8.666/93 se se entendesse que afastaria a responsabilidade subsidiária das entidades públicas, mesmo que houvesse culpa in eligendo e in vigilando na contratação de empresa inidônea para a prestação de serviços. Assim, bem se pode concluir que o § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93 se refere à responsabilidade direta da Administração Pública, ou mesmo a solidária, mas não à responsabilidade subsidiária, quando se vale dos serviços de trabalhadores por intermédio da contratação de uma empresa inidônea em termos econômico-financeiros, e que, ainda, se omite em bem fiscalizar. Não há, pois, aqui, também, nenhuma inconstitucionalidade, mas, antes, jurisprudência salutar e moralizadora, conforme o ordenamento jurídicotrabalhista e os princípios constitucionais de valorização do trabalho e da dignidade da pessoa humana e do trabalhador. ASPECTOS JURÍDICOS ATUAIS DA TERCEIRIZAÇÃO TRABALHISTA Alexandre Agra Belmonte* 1 – NOÇÕES INICIAIS Terceirização significa a intermediação do trabalho utilizado no desenvolvimento de uma atividade empresarial. A denominação “terceirização” decorre da utilização de um terceiro situado entre o trabalhador e a empresa tomadora, contratado para a prestação de um serviço relacionado à cadeia produtiva, o que provoca a formação de uma relação trilateral. Como a terceirização é suscetível de afastar o vínculo empregatício entre a empresa tomadora e os trabalhadores arregimentados pela empresa prestadora para a realização do objeto do contrato de prestação de serviços, torna-se necessário traçar limites que possam assegurar a livre iniciativa, mas, ao mesmo tempo, valorizar o trabalho e assegurar a dignidade do trabalhador. Este artigo tem por finalidade exatamente investigar os limites já traçados pela lei, doutrina e jurisprudência e sua adequação aos novos tempos. 2 – CASOS EXEMPLIFICATIVOS DE TERCEIRIZAÇÃO A lei prevê alguns casos de terceirização: vigilância bancária (Lei nº 7.102/83), trabalho temporário (Lei nº 6.019/74), subempreitada (art. 455, CLT) e serviços de telecomunicação (Lei nº 9.472/97, art. 94). Outros casos de terceirização podem, no entanto, ser apontados: assistência jurídica, transporte e propaganda, seleção e treinamento de pessoal, auditoria e contabilidade, elaboração de software para empresa de outro ramo, * Desembargador do TRT da 1ª Região; Doutor em Direito; Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho. 26 Rev. TST, Brasília, vol. 74, no 4, out/dez 2008 locação de equipamentos e máquinas com operadores, manutenção de máquinas, elevadores e equipamentos, limpeza e vigilância. 3 – EXCEÇÕES À CARACTERIZAÇÃO DA TERCEIRIZAÇÃO A terceirização não deve ser confundida com o repasse do direito de exploração de certa atividade (por exemplo, a franquia), com a exploração de negócio próprio em bem alheio (arrendamento parcial, estacionamento, cantina e restaurante), com a instalação de equipamentos destinados ao funcionamento de prédio ou do negócio (elevadores, frigoríficos, equipamentos de informática) e com a contratação para construção ou reforma de bem destinado a uso próprio (dono da obra). 4 – HIPÓTESES DE INTERMEDIAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA E LIMITES Em tese, a intermediação da mão-de-obra é passível de ocorrer: a) em atividade-fim, assim entendida a essencial ao desenvolvimento de uma atividade empresarial (por exemplo, no trabalho temporário da Lei nº 6.019/74), e em atividade secundária, significando a que é desenvolvida como meio, apoio ou suporte para o desenvolvimento da atividade principal (como ocorre no transporte, limpeza, vigilância, assistência médica e manutenção de máquinas); b) de forma temporária (caso do trabalho temporário da Lei nº 6.019/ 74) e permanente (casos da vigilância bancária e serviços de limpeza); c) na atividade pública e na atividade privada. Assim, diante das várias possibilidades de intermediação e do risco de precarização das condições de trabalho, a jurisprudência trabalhista editou, em 1986, o então Enunciado nº 256 de sua Súmula de Jurisprudência, restritiva da terceirização, nos seguintes termos: “Contrato de Prestação de Serviços. Legalidade. Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis ns. 6.019, de 03.01.74, e 7.102, de 20.06.83, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços.” Atento, no entanto, às transformações econômicas e às práticas sociais, em 1993 o Tribunal Superior do Trabalho passou a admitir a terceirização por meio da Súmula nº 331, observados os seguintes parâmetros, verbis: “Contrato de Prestação de Serviços. Legalidade. I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.74). II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/88). III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.83), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.93).” Por conseqüência, para a jurisprudência trabalhista, terceirização significa a intermediação do trabalho por pessoa física ou jurídica contratada pelo final tomador de serviços, na exploração de parte não essencial ou principal de uma atividade empresarial, exceto nos casos especificados e autorizados por lei. Enfim, na terceirização autorizada pela jurisprudência, uma empresa contrata pessoa física ou jurídica para a prestação de um serviço não correspondente à sua atividade-fim (a não ser nas hipóteses admitidas por lei, a exemplo do trabalho temporário da Lei nº 6.019/74) e o contratado é quem utiliza, subordina e remunera, embora direcionando o trabalho em proveito final da empresa contratante, o trabalhador intermediado, respondendo a empresa tomadora, subsidiariamente, pelo cumprimento das obrigações trabalhistas. Aí se encontram, em linhas gerais, os limites e efeitos da utilização intermediada do trabalho, que constituem os pressupostos da terceirização lícita. 5 – PRESSUPOSTOS DA TERCEIRIZAÇÃO LÍCITA A licitude da terceirização está, portanto, condicionada: a) salvo nos casos permitidos em lei, à transferência de parcela secundária da atividade desenvolvida pelo tomador final; e b) que o trabalhador mantenha laços trabalhistas diretamente com a entidade interveniente, sem interferência do tomador final. Com efeito, exceto nos casos em que a própria lei admite a terceirização na atividade-fim (a exemplo do trabalho temporário da Lei nº 6.019/74, da subempreitada do art. 455 da CLT e dos serviços de telecomunicação da Lei nº 9.472/97, art. 94), a licitude da intermediação fica adstrita às atividades-meio, ou seja, as referentes a apoio ou suporte para o desenvolvimento da atividade principal. De qualquer sorte, mesmo na terceirização de atividade-fim permitida por lei, deverá verificar-se, para a sua licitude, a ausência de subordinação entre o empregado da empresa intermediadora e o tomador final. Cabe à empresa intermediadora da mão-de-obra dirigir e fiscalizar a prestação de serviços de seus empregados à tomadora, exercendo o poder de comando próprio de sua autonomia. Como corolário, será ilícita ou ineficaz a terceirização que diz respeito ao próprio negócio desenvolvido pela empresa ou quando a empresa terceirizante se utiliza de uma empresa interposta para mascarar o vínculo direto com os trabalhadores. A terceirização ilícita, assim entendida a que não atende aos pressupostos acima destacados, importará na formação de vínculo direto com o tomador final de serviços, além da solidariedade entre as empresas contratante e contratada quanto aos direitos trabalhistas. Observe-se, no entanto, que a contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego diretamente com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional, porque corresponderia ao ingresso, nessas entidades, sem concurso público. O que não afasta a responsabilidade subsidiária da administração. 6 – EFEITOS DA TERCEIRIZAÇÃO LÍCITA São efeitos da terceirização lícita, assim entendida a que atende aos pressupostos antes destacados: a) a exclusão do vínculo de emprego com o tomador final; b) a isonomia de remuneração em relação ao pessoal do tomador final (analogia do art. 12, a, da Lei nº 6.019/74); e c) a responsabilização subsidiária do tomador final pelo descumprimento das obrigações do terceiro em relação aos seus empregados (simples inadimplemento). 7 – FUNDAMENTOS E NATUREZA JURÍDICA DA RESPONSABILIZAÇÃO SUBSIDIÁRIA A responsabilização subsidiária do tomador final decorre de interpretação analógica dos arts. 16 da Lei nº 6.019/74 e 455 da CLT, com base nos princípios da proteção do trabalhador, do risco empresarial e da efetividade e preferência no recebimento dos créditos trabalhistas, consubstanciados nos arts. 2º, caput, da CLT e 100 da CRFB. Realmente, se o novo paradigma de cumulação do capital privilegia a descentralização produtiva, fragmentando o desenvolvimento da atividade como um todo e concretizando-a por meio da terceirização, impõe-se que o tomador final, que se beneficia do trabalho da terceirizada, responda pelo cumprimento dos créditos devidos pelo tomador direto. A teoria do risco empresarial, consubstanciada nos arts. 2º, caput, da CLT e 927 do Código Civil, gera assim a garantia legal do tomador final pelos créditos inadimplidos em relação ao trabalhador utilizado no desenvolvimento da atividade, responsabilidade essa que é objetiva, decorrente do fato da contratação da empresa intermediária da mão-de-obra. Em processo julgado pela 6ª Turma do TRT da 1ª Região, RO 3262004-010-01-00.0, conforme acórdão publicado em 09.03.07, em que se discutia a responsabilização subsidiária decorrente de terceirização na atividade privada e a ausência de culpa do tomador final de serviços, decidiu-se que: “(...) a hipótese é de responsabilidade objetiva do tomador de serviços, porquanto ele responde independentemente de culpa in eligendo e/ou in vigilando. A atribuição de responsabilidade subsidiária ao tomador de serviços nas hipóteses de terceirização tem o escopo de garantir maior solvabilidade do crédito do empregado, de caráter alimentar. Afinal, o tomador de serviços é o grande beneficiário do trabalho do empregado da terceirizada. Se usufrui dos benefícios do trabalho para sua atividade econômica, há que assumir os riscos dela inerentes, a exemplo do que ocorre com o empregador (art. 2º da CLT). Ao contrário da responsabilidade solidária própria, aplicável aos casos de grupo econômico e atos ilícitos, diz-se que a responsabilidade é subsidiária quando quem responde não é o devedor originário, e sim um terceiro obrigado pelo fato do inadimplemento daquele. No Direito do Trabalho, o crédito do trabalhador é protegido contra os riscos do inadimplemento, com fundamento no princípio da solvabilidade, decorrente da proteção conferida ao hipossuficiente. Essa proteção está estampada na lei, a exemplo dos arts. 455 da CLT e 16 da Lei nº 6.019/74, que não deixam dúvidas de que o tomador final de serviços responde objetivamente pelo fato do inadimplemento do prestador em relação aos trabalhadores que contrata. Até no serviço público este princípio vem sendo observado, haja vista a interpretação preconizada pela Súmula nº 331, que afasta a responsabilidade com culpa do Estado em relação às empresas prestadoras de serviços contratadas, para deferir a responsabilidade objetiva, que com mais razão deve ser a observada na iniciativa privada. A interpretação analógica a estes dispositivos legais (art. 455 da CLT e art. 16 da Lei nº 6.019/74) para as hipóteses de terceirização é necessária para adequar a lei à realidade contemporânea, pois se o novo paradigma de cumulação do capital privilegia a descentralização produtiva, que se concretiza através da terceirização, impõe-se exegese que atualize as normas de 1943 de modo a tutelar as novas relações jurídicas, e solucionar novos conflitos daí decorrentes. Evidencia-se, portanto, a situação análoga, pois o tomador de serviços também se beneficia do trabalho do empregado da terceirizada. A teoria do risco, consubstanciada nos arts. 2º, caput, da CLT e 927 do Código Civil, gera como um de seus efeitos a obrigação do tomador final ficar objetivamente responsável pelo inadimplemento dos créditos do trabalhador, como decorrência do fato da contratação de empresa prestadora de serviços para intermediar a mão-de-obra. A responsabilização fundada na culpa, além de inaplicável, seria uma porta aberta para a fraude ao cumprimento do já referido princípio trabalhista, porque permitiria a discussão da existência ou inexistência de culpa in eligendo ou in vigilando, cuja aplicação vem sendo afastada pelo TST, até mesmo nas intermediações da qual o Estado participa como tomador final (vide Súmula nº 331, IV, do TST). Aplico, de forma analógica, o art. 455 da CLT, c/c parágrafo único do art. 927, CC, para concluir pela responsabilidade objetiva do tomador de serviços. Nego provimento.” Questão também interessante diz respeito ao fundamento jurídico e ao pedido, em se tratando de processo em que se discute a subsidiariedade. No RO 297-2004-011-01-00-3, julgado pela 6ª Turma do TRT da 1ª Região, conforme acórdão unânime publicado em 22.08.07, a autora alegou ter sido contratada por uma empresa de recursos humanos para prestar serviço final a uma outra. A primeira delas deixou de implementar as obrigações trabalhistas, vindo, finalmente, a desaparecer. A reclamante então ajuizou reclamação trabalhista em face das duas empresas, expondo os fatos e postulando a condenação de ambas ao pagamento dos haveres contratuais e parcelas resilitórias. O juízo de 1º grau, entendendo ter inexistido pedido de condenação subsidiária quanto à segunda empresa, a tomadora final, a excluiu da lide na própria sentença em que condenou a primeira empresa, a tomadora interposta. As duas empresas foram tidas por revéis, eis que não atenderam à citação. Ora, a revelia fez presumir verdadeiras as alegações da autora, de que trabalhava para a tomadora final de forma interposta. O fato da união entre as empresas em torno da utilização do trabalho remunerado leva ao fundamento jurídico, que é a subsidiariedade, e ambos, somados, ao pedido de condenação ao pagamento das parcelas vindicadas. Logo, a condenação postulada tinha por fundamento a subsidiariedade, que não é pedido, e sim causa de pedir. E na Justiça do Trabalho, ao contrário da Justiça Comum (art. 282 do CPC), basta a exposição do fato (art. 840, § 1º, da CLT) para que o juiz conceda, com base no direito ou fundamento jurídico (responsabilização subsidiária), o pedido, que foi efetivamente feito, de pagamento das parcelas decorrentes desse direito. A sentença foi reformada. 7.1 – Limitação da responsabilidade na substituição de empresas A responsabilidade da tomadora pelos direitos trabalhistas dos trabalhadores da prestadora de serviços fica limitada às obrigações trabalhistas relativas ao período do contrato de terceirização. 7.2 – Limitação da responsabilidade em caso de danos não patrimoniais Nas terceirizações lícitas, em que a empresa contratada não é mera longa manus de outra, a tomadora não responde pelos danos pessoais acaso infligidos ao trabalhador, como ofensas à honra e assédio moral. A responsabilidade a que alude a lei e a jurisprudência são de natureza patrimonial. Evidentemente, a empresa tomadora também não responde pela assinatura da CTPS do trabalhador, posto que não é sua empregadora, embora responda, em face da omissão da CLT e por força da aplicação analógica do art. 16 da Lei nº 6.019/74, pelos recolhimentos previdenciários referentes ao período de vigência da prestação de serviços frente à duração do contrato de terceirização. 7.3 – Extensão de direitos: isonomia com os trabalhadores da tomadora. Normas individuais e coletivas Frente à omissão da CLT, por analogia ao art. 12, a, da Lei nº 6.019/74 (do trabalho temporário), c/c 8º, caput, da CLT, e como decorrência do aproveitamento final da mão-de-obra para a atividade da empresa tomadora, aos trabalhadores da terceirizada devem ser estendidos os direitos pertinentes à categoria econômica principal da tomadora. A solução dada pela lei no caso do trabalho temporário deve ser a mesma das demais hipóteses de terceirização, quer para evitar-se a precarização e discriminação do trabalho, quer pela submissão dos trabalhadores terceirizados às mesmas condições de trabalho decorrentes da atividade econômica principal da empresa tomadora. 8 – A TERCEIRIZAÇÃO EM OUTROS PAÍSES A descentralização da atividade produtiva é um fenômeno mundial. Nesta perspectiva, vale mencionar, a título de comparação, a experiência normativa de outros países. A Espanha atribui responsabilidade solidária a todas as empresas integrantes da cadeia produtiva e estende aos trabalhadores das terceirizadas os mesmos direitos dos trabalhadores inseridos na empresa tomadora (art. 42 do Estatuto dos Trabalhadores), pelo que, em princípio, torna-se desimportante a distinção entre atividade-meio e atividade-fim. A França proíbe a terceirização, exceto no trabalho temporário (art. 125-3 do Código do Trabalho francês). A Colômbia permite a terceirização nos mesmos termos da jurisprudência brasileira (art. 34 do Código do Trabalho). 9 – O ANTEPROJETO DE LEI DE TERCEIRIZAÇÃO DO MTB Está em discussão projeto dispondo sobre a contratação de serviços de terceirizados por pessoas de natureza jurídica de direito privado. O anteprojeto considera pessoa jurídica especializada aquela que possua conhecimento específico e utilize profissionais qualificados para a consecução de sua atividade (art. 1º). Exige, para a validade da terceirização, a existência de contrato de prestação de serviços terceirizados com cláusulas que disponham sobre a especificação dos serviços a serem executados, o prazo de vigência de, no máximo, cinco anos, a comprovação, pela contratada à contratante, do cumprimento das obrigações trabalhistas relativas aos empregados que participarem da execução dos serviços, que devem ser individualmente identificados, e ainda o monitoramento do contrato pela contratante, em conformidade com o regulamento previsto no art. 12 e a resolução do contrato, quando identificado o inadimplemento das obrigações trabalhistas (art. 2º). Imputa nula, de pleno direito, a cláusula contratual que proíba ou imponha condição à contratação de empregados da contratada pela contratante. O anteprojeto considera a contratante solidariamente responsável pelas obrigações e deveres trabalhistas durante o período e nos limites da execução do serviço contratado, inclusive se houver subcontratação de serviços (art. 5º), admitindo a responsabilidade subsidiária se a contratante comprovar que na celebração e durante a vigência do contrato cumpriu o disposto nos arts. 2º, 3º e 7º. Deixa claro que a imputação de responsabilidade solidária ou subsidiária refere-se ao pagamento de direitos e cumprimento de obrigações trabalhistas, sem gerar vínculo empregatício entre a contratante e o empregado da contratada (§ 2º do art. 5º). Admite a quarteirização (art. 6º), ou seja, a subcontratação da realização de parte de serviços terceirizados, desde que previsto no contrato originário firmado com a contratante. Por fim, assegura aos empregados da empresa contratada os direitos instituídos em convenção coletiva celebrada pelo sindicato representativo da categoria profissional respectiva. Destaco a relevância da iniciativa de busca da regulação da prática social, cujos pressupostos para a formação válida foram amadurecidos pela reflexão da jurisprudência. A proposta foi apresentada pelo Ministério do Trabalho após um ano de debates e reuniões com representantes de trabalhadores e empregadores e divulgado no sítio eletrônico do Ministério do Trabalho no dia 13.11.08. Ficou aberta a sugestões até 23.11.08, na promoção de um diálogo social de um tema que interessa aos trabalhadores, na busca de um tratamento digno, e aos empregadores, prejudicados pela concorrência de empresas irregulares, exploradoras da mão-de-obra, e ainda aos consumidores da produção e/ou dos serviços, para quem, além da qualidade, importa manter um padrão civilizatório decente, incompatível com a concorrência selvagem de um mercado sem regras. 10 – AS VÁRIAS HIPÓTESES DA TERCEIRIZAÇÃO 10.1 – Trabalho temporário Regulado pela Lei nº 6.019/74, trabalhador temporário é o trabalhador contratado, mediante intermediação por empresa prestadora de mão-de-obra temporária, para o atendimento de necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente ou de acréscimo extraordinário de serviço (art. 2º, Lei nº 6.019/74). O trabalhador temporário não é empregado da empresa tomadora e nem da intermediária, mas a lei determina a anotação, na CTPS, de sua condição de temporário (art. 9º do Decreto nº 73.841/74) e lhe atribui, por extensão, direitos trabalhistas. O trabalho temporário da Lei nº 6.019/74 distingue-se do contrato por prazo determinado previsto no art. 443 da CLT. Neste, o trabalhador é empregado e trabalha, sem intermediação, para a realização de serviço de natureza transitória, para o atendimento de atividade empresarial de caráter transitório, ou então em caráter experimental. Naquele, trabalha de forma intermediada por empresa fornecedora de mão-de-obra temporária, para suprir a ausência de pessoal regular ou extraordinária demanda de serviço do tomador final. O contrato entre a empresa de trabalho temporário e a empresa tomadora de serviço ou cliente deverá ser obrigatoriamente escrito, dele constando o motivo justificador da demanda de trabalho temporário (art. 9º da Lei nº 6.019/74). O trabalho temporário para um mesmo tomador tem a duração máxima de três meses, podendo, todavia, na condição de temporário, ser intermediado pela mesma empresa sucessivas vezes para tomadores distintos (art. 10). O desatendimento aos requisitos previstos em lei para a configuração do trabalho temporário leva à formação de contrato de emprego. Assim também se a prestação de serviços exceder o prazo legal. Aos trabalhadores temporários são assegurados, nos termos do art. 12 da Lei nº 6.019/74: a) remuneração equivalente à dos empregados da mesma categoria da empresa tomadora; b) jornada máxima diária de 8 horas, mas com respeito à aplicável para o empregado que prestar serviço igual ou equivalente ou para os empregados da mesma categoria na empresa tomadora; c) adicional de horas extras de 50%; d) férias proporcionais de 1/12 por mês de serviço ou fração superior a 15 dias, acrescidas de 1/3, salvo dispensa por justa causa; e) repouso semanal remunerado; f) adicional noturno de 20%; g) FGTS em substituição à inicialmente prevista indenização por dispensa sem justa causa ou término do contrato, correspondente a 1/12 do salário por mês de serviço (Instrução Normativa nº 9 da SNT do MTPS); h) registro da condição de temporário na CTPS; i) seguro contra acidente do trabalho; j) proteção previdenciária. O art. 12, a, impõe, na verdade, a isonomia de tratamento entre os trabalhadores temporários e os empregados da mesma categoria da empresa tomadora. O aviso prévio é incompatível com o contrato de trabalho, que pressupõe a ciência antecipada da data prevista para a sua terminação. A lei não prevê o pagamento de gratificação natalina, mas a jurisprudência, com base no art. 2º, CLT, art. 100, CRFB, e analogia do art. 455 da CLT, c/c 8º, caput, da CLT, interpreta a ampliação da responsabilização a todas as parcelas. Nos termos do art. 13 da Lei, constituem justa causa para a resolução do contrato de trabalho temporário as hipóteses previstas nos arts. 482 e 483 da CLT. No caso de falência da empresa de trabalho temporário, a empresa tomadora ou cliente é solidariamente responsável pelo recolhimento das contribuições previdenciárias, assim como pela remuneração e indenização previstas em lei (art. 16). O dispositivo deve ser interpretado de forma a se considerar subsidiária a responsabilidade ali prevista, mas incluindo, além da falência, o mero fato do inadimplemento das parcelas, desde que o tomador final tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial (vide Súmula nº 331, IV, TST). 10.2 – Responsabilidade do Estado A Súmula nº 331 do TST atribui aos tomadores finais de serviços a responsabilidade subsidiária pelos créditos contraídos pelos terceiros. Não excepciona o Estado, mas apenas a responsabilidade pelo estabelecimento do vínculo empregatício do trabalhador com o Estado. Ora, o § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666 (Lei de Licitações), de 21.06.93, estabelece um privilégio que fere a responsabilidade objetiva do Estado pelos atos de seus agentes, constitucionalmente prevista (art. 37, § 6º, CRFB), pelo que é inaplicável aos créditos trabalhistas. Mesmo que se entenda que a hipótese não é de responsabilidade objetiva, mas sim subjetiva, a má escolha da empresa intermediária caracterizaria culpa in eligendo, e a falta de fiscalização, culpa in vigilando. Entendemos, no entanto, que a responsabilização pela percepção do crédito obreiro é objetiva, decorrente do próprio fato da intermediação, não importando o exame da culpa. No RO 709-2005-511-01-00-7, julgado pela 6ª Turma do TRT da 1ª Região, conforme acórdão publicado no dia 17.05.07, em que se discutiu a responsabilidade subsidiária da administração pública municipal, decidiu-se o seguinte: “Sustenta o Município que o art. 37, II, da CRFB impõe a aprovação prévia em concurso para investidura em cargo ou emprego público; que a inobservância desse requisito torna o ato nulo; que não havendo a contratação regular, não há que se cogitar de condenação em verbas de natureza trabalhista, eis que o ato é nulo. Sem razão. O juízo de primeiro grau reconheceu o vínculo de emprego entre a autora e 1ª ré – Cooperativa de Educação e Trabalho, condenando de forma subsidiária o Município, eis que tomador dos serviços (contrato de prestação de serviços reconhecido pelo Município – defesa fl. 297). Ora, prevê a regra do art. 71 da Lei nº 8.666/93 (in verbis): ‘Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato. § 1º A inadimplência do contratado com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. § 2º A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.’ A regra do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 não é aplicável em sede trabalhista, porque atenta contra o princípio de proteção ao crédito do trabalhador, que é de natureza alimentar e que norteia todo o ordenamento jurídico. Verificando-se a colisão entre os princípios da proteção do interesse público e o da proteção ao trabalhador, prevalece aquele capaz de realizar o Direito no caso concreto. Daí a impertinência de se qualificar como inconstitucional a interpretação do Tribunal Superior do Trabalho expressa na Súmula nº 331. Ao contrário, a referida súmula – cujo inciso IV foi alterado em 18.09.00 – permite a concretização dos princípios constitucionais quando entende pela responsabilização subsidiária dos órgãos da Administração Pública direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que tenham participado das relações jurídico-processual (como no caso em tela) e constem no título executivo judicial. O art. 37, § 6º, da Constituição da República garante a responsabilidade objetiva da Administração Pública aos danos causados direta ou indiretamente a terceiros, pelo que, se houvesse necessidade de discutir a integridade do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, não teríamos dúvida em considerá-lo inconstitucional. Ainda que considerássemos a responsabilidade subjetiva, no mesmo capítulo do art. 71 (Da Execução dos Contratos), o art. 67 da Lei nº 8.666/93 estabelece que é dever da Administração acompanhar e fiscalizar o contrato pactuado com o vencedor do processo licitatório. Se não realiza esta fiscalização e controle, responde pelo inadimplemento dos direitos do empregado da prestadora de serviços. Assim concluímos quando observando o arts. 67 e 70, in fine, da Lei nº 8.666/93. ‘Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiálo de informações pertinentes a essa atribuição. § 1º Omissis. § 2º Omissis.’ ‘Art. 70. O contratado é responsável pelos danos causados diretamente pela Administração ou a terceiros, decorrentes de sua culpa ou dolo na execução do contrato, não excluindo ou reduzindo essa responsabilidade a fiscalização ou o acompanhamento pelo órgão interessado.’ Portanto, mesmo que se entenda que a hipótese não é de responsabilidade objetiva, mas sim subjetiva, a má escolha da empresa intermediária caracteriza culpa in eligendo, e a falta de fiscalização, culpa in vigilando. Esclareço, por fim, que não há qualquer violação à regra do concurso público, expressa no art. 37, II, § 2º, da Constituição da República, pois não se postula vínculo de emprego entre o trabalhador e a Administração, mas tão-somente a responsabilização desta de forma subsidiária. Rel. Des. Agra Belmonte.” 10.3 – Subempreitada Prevista no art. 455 da CLT, a transferência de atividades de construção para outras entidades caracteriza a subempreitada. Na subempreitada, o empreiteiro principal responde, subsidiariamente, pelas obrigações inadimplidas pelos subempreiteiros contratados. Ao contrário da jurisprudência que considerava solidária a responsabilidade, a inserção como terceirização fê-la cair na regra geral, da responsabilização subsidiária. Acionado diretamente, deverá o empreiteiro principal denunciar à lide o verdadeiro empregador, que é o subempreiteiro. Nas falsas subempreitadas, empreiteiro principal e subempreiteiro respondem solidariamente. Poderá o trabalhador acionar o subempreiteiro e o empreiteiro principal, este na qualidade de garante do crédito. Mesmo nos casos de revelia, o empreiteiro principal pode produzir, processualmente, as provas que entender cabíveis à sua defesa. 10.3.1 – Dono da obra O dono da obra não responde, solidária ou subsidiariamente, nos casos em que a obra destina-se a aproveitamento próprio, por exemplo, obras de construção, ampliação e reformas de unidade produtiva. Assim, se o empregador resolve reformar o estabelecimento onde é desenvolvido o seu negócio, não responde pelas obrigações contraídas pelo empreiteiro contratado para o desiderato. No caso, a atividade de reforma não é o negócio desenvolvido pelo empregador, para o qual haveria a necessidade permanente de empregados. Com mais razão, nos casos em que a obra de reforma ou construção é de natureza residencial. No RO 501-2004-068-01-00-7, julgado pela 6ª Turma do TRT da 1ª Região (acórdão publicado em 07.11.06), em que se discutia a responsabilidade do tomador final, restou decidido que ele, vendedor de produtos e prestador de serviços, era dono da obra, verbis: “O contrato realizado entre as rés teve por objeto ‘a reforma dos sanitários do núcleo central, substituição dos forros dos jardins, instalação de sistemas de detecção e sonorização contra incêndios – SDI e substituição dos transformadores e refrigeradores a óleo’ (fl. 80), sob o regime de empreitada e por preço global, por um prazo de três meses que foram prorrogados através de termos aditivos. No mesmo sentido é a jurisprudência do C. Tribunal Superior do Trabalho, expressa na Orientação Jurisprudencial da SBDI-1 nº 191: ‘Diante da inexistência de previsão legal, o contrato de empreitada entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora’. Assim, dou provimento ao recurso para excluir a responsabilidade da recorrente pelo cumprimento das obrigações trabalhistas pela empresa contratada.” 10.4 – Consórcios de empregadores Previsto para o setor rural nas Leis ns. 8.212/91 e 10.256/01, consórcios de empregadores é a união de produtores rurais pessoas físicas, outorgantes de poderes a um deles para a contratação, gestão e dispensa de trabalhadores para a prestação de serviços exclusivamente aos seus integrantes. São solidariamente responsáveis pelas obrigações previdenciárias. Gera solidariedade passiva dos consorciados, mas também a solidariedade ativa em relação aos empregados, como empregador único. A solidariedade decorre da indivisibilidade do vínculo. Nada impede a caracterização do consórcio em atividades urbanas, mas a instituição do consórcio visa incentivar a formalização de contratos de emprego no campo. 10.5 – Cooperativas Cooperativa é a sociedade em que as pessoas reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, sem objetivo de lucro e para prestar serviços aos associados. As cooperativas não estão sujeitas a falência e, por força do art. 442, parágrafo único, da CLT, não é de emprego o vínculo entre a cooperativa e os seus associados, e nem entre estes e os tomadores de serviços daquela. No trabalho prestado através de cooperativa (Lei nº 5.764/71), o trabalhador exclui a figura do intermediário na prestação dos serviços (o empregador), para vincular-se a outros trabalhadores, visando à oferta organizada pela cooperativa, diretamente ao mercado, para a obtenção de um preço melhor pelo trabalho a ser efetuado. É empregado, no entanto, o trabalhador que presta serviços essenciais à cooperativa (atendente, escriturário). As cooperativas de táxis e de prestação de serviços de informática são exemplos de cooperativas. Os princípios aplicáveis às cooperativas são os seguintes: a) princípio da dupla qualidade: o cooperado precisa ser cooperado e cliente. A prestação de serviços deve ser feita pela cooperativa diretamente ao associado, que assim aufere as vantagens da dupla qualidade; b) princípio da retribuição salarial diferenciada: obtenção de retribuição pessoal superior à que obteria se não estivesse associado. A cooperativa visa eliminar o intermediário (o patrão) na prestação de serviços a terceiros; c) princípios da livre integração e da plena participação: o cooperado deve livremente integrar a entidade e ser participante de assembléias para discussão das questões da cooperativa enquanto entidade; d) princípio da eventualidade: o serviço prestado não pode estar diretamente relacionado ao desenvolvimento da atividade e definição de objetivos. A ausência dos referidos princípios leva à utilização da cooperativa como instrumento de fraude à caracterização da relação de emprego, simplesmente precarizando as condições de trabalho. De fato, as verdadeiras cooperativas têm por finalidade afastar o empregador intermediário, proporcionando diretamente ao associado ganhos diferenciados pela prestação de serviços. Tais ganhos, bem como os objetivos, condições da prestação de serviços e problemas do dia-a-dia, são, com autonomia e liberdade, decididos e enfrentados pelos associados em assembléias da cooperativa. Esse vínculo que os une é denominado de affectio societatis. Logo, a inexistência de reuniões, de pauta, de participação dos associados em torno das questões comuns e a supervisão do trabalho pelo tomador final evidenciam a subordinação, incompatível com o vínculo cooperativo. Em nossa experiência na magistratura, temos nos deparado até mesmo com cooperativas multidisciplinares de trabalho, que funcionam como verdadeiras agências de colocação. Diante de uma reclamação trabalhista de vínculo, caberá ao magistrado verificar se estão presentes os elementos caracterizadores do vínculo associativo ou se, ao contrário, trata-se de falso associado de cooperativa que presta, com subordinação e pessoalidade, serviço essencial ou secundário à atividade do tomador final. Caracterizada a fraude, deve declarar a ineficácia da vinculação associativa para os efeitos da relação de emprego (art. 9º da CLT) e, afastando o disposto no art. 442 da CLT, reconhecer a relação de emprego formada diretamente com o tomador final. No RO 1960-2004-282-01-00-0, apreciado pela 6ª Turma do TRT da 1ª Região (publicado em 16.10.06), restou decidido que: “(...) a recorrida não trouxe qualquer ata de assembléia ordinária ou extraordinária, nem mesmo os editais de convocação destas assembléias, bem como a listagem de cooperados ou prova de efetiva participação dos mesmos nas decisões da cooperativa. Ademais disso, conforme o inciso I do art. 2º do estatuto social da recorrida (fl. 60), propõe em seu objeto ‘congregar os integrantes de múltiplas profissões, para a sua defesa econômica e social (...)’. No capítulo III do mesmo estatuto que trata dos associados, dispõe de 4 (quatro) grupos de profissionais diferenciados, tais como: I – Administradores de Empresa, Advogados, Analistas, Arquitetos, Assistentes Sociais, etc.; II – Compradores, Desenhistas, Digitadores, Fotógrafos, Professores, Programadores de computadores, etc.; III – Assistentes de creche, Auxiliares de escritório, Caixas, Carpinteiros, etc.; IV – Coletores de lixo, Faxineiros, Jardineiros, Pedreiros, Pintores, etc. O que demonstra nitidamente tratar-se de ‘cooperativa multidisciplinar de trabalho – várias profissões nos quadros da cooperativa’, que nada mais é, haja vista a falta de especialização, do que agência de colocação de pessoal. A própria razão social da recorrida sugere ser fraudulenta, demonstrando a multiplicidade de profissões em seu quadro de ‘associados’. As verdadeiras cooperativas, quais sejam, aquelas que se encaixam no parágrafo único do art. 442 da CLT e na lei que rege o cooperativismo, têm como escopo elementar e principal servir inicialmente o associado cooperado proporcionando ganhos diferenciados de acordo com a prestação de serviços, não havendo subordinação, devendo se fazer presente a affectio societatis, o que comprovadamente inexistiu na presente relação jurídica. Assim, verifico, de plano, o objetivo nítido e desvendado por esta justiça, da recorrida, em tentar burlar o ordenamento jurídico, se apresentando como verdadeira intermediadora do labor despendido pelo recorrente, evidenciando a fraude trabalhista prevista no art. 9º da CLT. No mesmo sentido, é o parecer do Ministério Público do Trabalho às fls. 111/112. Sendo assim, dou provimento para reformar a r. decisão a quo e reconhecer o vínculo empregatício de 19.09.97 (fl. 81) a 30.06.03 (pedido b de fl. 08), considerando a projeção do aviso prévio, com a recorrida (Coopercampos), na função de Atendente, com salário de R$ 360,00, com a devida anotação na CTPS da recorrente (...). Rel. Alexandre Agra Belmonte.” Em outro processo (RO 323-2006-081-01-00.6, conforme acórdão publicado em 22.08.07), a empresa, uma farmácia, alegou que o demandante era cooperado e que assinou declaração de que a atividade exercida junto à demandada não gerava vínculo empregatício. Acrescentou que fazia vendas de balcão e que a atividade de entregas, que não fazia parte de seu objeto social, era terceirizada, laborando o cooperado exatamente nessas entregas, como motociclista. Analisando-se o contrato social, verificou-se que a circulação de mercadorias fazia parte de seu objeto social. E a prova oral produzida confirmou que a filial em que trabalhava o autor tinha serviço permanente de entregas, com horário e trabalho fiscalizados pelo gerente. Logo, porque o serviço prestado fazia parte da atividade-fim empresarial, a terceirização foi considerada ilícita e o trabalhador foi tido como empregado do tomador final, com os consectários legais. Nas hipóteses em que se verificar que a prestação de serviços é realmente cooperativada, nem por isto deixará de ser da Justiça do Trabalho, por força da Emenda Constitucional nº 45, de 31 de dezembro de 2004, a competência para apreciar as questões trabalhistas decorrentes da prestação de serviços. 10.6 – Empresas seguradoras e corretores de seguros de previdência Atualmente, é possível identificarmos três tipos de trabalhadores: a) os subordinados, que trabalham pessoalmente, de modo não eventual e assalariado, cumprindo ordens emanadas do empregador; b) os autônomos, assim entendidos os que executam, de modo contínuo ou eventual, um trabalho com autodeterminação das condições de sua prestação. Estabelecem o preço e não sofrem ingerência sobre o modo, o tempo e o lugar da execução, tendo assim liberdade de organização do trabalho. Ao contrário do trabalho que autônomos prestam de modo continuado, os autônomos eventuais executam um tipo de trabalho que não guarda relação direta com a atividade desenvolvida pelo tomador de serviços, não fazendo assim parte da necessidade habitual do empreendimento; c) os parassubordinados, que executam o trabalho com pessoalidade e continuidade, mas não atuam de forma subordinada, e sim coordenada, partilhando com o tomador o modus faciendi da prestação. Os parassubordinados não sofrem ingerência sobre o tempo, modo e lugar da execução, mas necessitam observar certas diretrizes, necessárias à realização do trabalho, prestado de modo colaboracional. A representação comercial, o agenciamento e a distribuição civis, quando o serviço é executado pessoalmente, são hipóteses de trabalho parassubordinado. O representante comercial, o agenciador e o distribuidor atuam na prestação de serviço de natureza continuada e coordenada, de caráter exclusi-vamente pessoal, para o atendimento de necessidade ligada à atividade-fim do tomador. O que descaracteriza o vínculo é a ausência de subordinação. Ela é substituída pela de coordenação. Como a relação é de coordenação, são inaplicáveis os atos de admoestação, como advertência e suspensão. Embora siga certas diretrizes do tomador de serviços, o trabalhador parassubordinado conserva a liberdade de organização da própria atividade e assim a autonomia sobre a modalidade, o tempo e o local da execução, podendo trabalhar com ou sem exclusividade. Outra hipótese de parassubordinação é a dos corretores de seguros. Contrato de corretagem é aquele em que uma pessoa se obriga a, mediante instruções, obter para outra, com quem não tem ligação direta em virtude de mandato, de prestação de serviços ou qualquer espécie de relação de dependência, um ou mais negócios com terceiros (art. 722 do CC). Trata-se de um contrato que encerra uma obrigação remunerada de fazer, consistente na intermediação para a obtenção de um ou mais negócios para outrem. Nos termos do art. 722 do CC, entre o comitente e o corretor não pode haver contrato de mandato, de prestação de serviços ou empregatício. Em relação ao corretor de seguros, essa vedação é reafirmada no art. 17 da Lei nº 4.594/64, recepcionada pelo Código Civil de 2002. O contrato de corretagem é bilateral, consensual, oneroso, aleatório, complexo e acessório. O contrato é bilateral, porque impõe direitos e deveres às partes: o corretor obriga-se a buscar um ou mais negócios, conforme instruções recebidas, e efetivamente aproximar o terceiro ao comitente, para a respectiva concretização. Cuida-se de contrato consensual, porque estabelecido sem maiores formalidades, formando-se pelo simples acordo de vontades. O contrato de corretagem é oneroso, porque tanto o comitente como o corretor auferem vantagem ou benefício patrimonial: o corretor, a remuneração correspondente, e o comitente, a realização do negócio principal, objeto da intermediação. Trata-se de contrato acessório e aleatório. Acessório, porque depende da conclusão de outro contrato, que a intermediação tem por objeto; aleatório, porque se o negócio principal não se concretizar, não haverá retribuição devida. Realmente, o contrato de corretagem pressupõe a celebração de um outro contrato, a ser firmado posteriormente por quem contratou inicialmente com o corretor (comitente) e pelo terceiro interessado, identificado e efetivamente aproximado pelo corretor ao comitente. O contrato é complexo porque, na prática, envolve mais de uma relação jurídica: entre o comitente e o corretor e entre este e o cliente, visando, por meio da aproximação que constitui a tarefa do corretor, a realização do negócio principal entre o comitente e o cliente. Nos termos do art. 1º da Lei nº 4.594, de 29 de dezembro de 1964, que regula a profissão do corretor de seguros, é ele o profissional autônomo (pessoa física) ou a pessoa jurídica que atua como intermediário legalmente autorizado a angariar e promover contratos de seguro entre as sociedades seguradoras e as pessoas físicas ou jurídicas de Direito Privado. O exercício da profissão de corretor de seguros depende da prévia obtenção do título de habilitação (art. 2º). Estabelece o art. 17 da Lei nº 4.594/64 vedação para que os corretores de seguros sejam considerados empregados de sociedades seguradoras, verbis: “É vedado aos corretores e aos prepostos: a) aceitarem ou exercerem empregos de pessoa jurídica de direito público, inclusive de entidade paraestatal; b) serem sócios, administradores, procuradores, despachantes ou empregados de empresa de seguros. Parágrafo único. O impedimento previsto neste artigo é extensivo aos sócios e diretores de empresa de corretagem.” O Código Civil brasileiro reafirma o disposto no citado art. 17 da Lei nº 4.594/64, ao definir, no art. 722, como contrato de corretagem aquele em que uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas. Com efeito, além de sublinhar a característica da parassubordinação do corretor ao estabelecer uma obrigação de fazer (obtenção de um ou mais negócios), a alteridade (obtenção para outrem) e a coordenação (prestação do serviço de acordo com as instruções recebidas), a lei civil insiste na vedação do corretor à manutenção de qualquer relação de dependência (art. 722). A independência é indispensável ao relacionamento, eis que o corretor não atua por conta da seguradora, e sim de forma independente, na aproximação do comitente e terceiro, a quem está obrigado a prestar todas as informações, inclusive sobre os riscos do negócio. Assim, ao contrário do trabalhador subordinado, que por força de lei mantém contrato de emprego com os respectivos tomadores do seu labor, o corretor de seguros, trabalhador parassubordinado, por força de lei está impedido de manter vínculo de emprego com as empresas seguradoras. Em se tratando de corretor de seguros de previdência complementar, o chamado supercapitalismo tem propiciado grupos econômicos em que bancos despontam como controladores de seguradores de previdência complementar. Discute-se então a responsabilidade das seguradoras e dos bancos controladores em relação ao trabalho efetuado pelo corretor de seguros. Ora, o trabalho efetuado no interior de agência bancária à qual a empresa seguradora é vinculada, por si só, não é capaz de caracterizar o vínculo. Afinal, ali está, sem a necessidade de correr mundo para encontrá-lo ou bater de porta em porta, o cliente a ser captado. Por outro lado, a observância de diretrizes, próprias do contrato, também não é capaz de levar à configuração do vínculo empregatício. Coordenação não se confunde com subordinação. Até mesmo o representante comercial autônomo precisa, por força de lei, prestar contas detalhadas. Nem mesmo a exclusividade, limitação que pode ser objeto de livre contratação, é elemento configurador de vínculo empregatício. A exclusividade pode se revelar um bom negócio para o corretor que, em troca de ter acesso a toda uma clientela latente e certa à disposição, obriga-se a vender papéis da seguradora ligada ao banco. O que não o impede de procurar outras pessoas fora dali. Finalmente, estar presente no horário de expediente bancário também não significa nada, porque o cliente a ser captado, quando freqüenta o banco o faz exatamente no horário de expediente, sendo de interesse do próprio corretor observá-lo. Tem-se, portanto, que nas verdadeiras relações de corretagem entre a seguradora e o corretor, aplicáveis, em termos de responsabilidade, são as normas do Código Civil, complementadas pela legislação especial aplicável. Nesta hipótese, os bancos controladores serão solidariamente responsáveis pelo implemento dos créditos devidos ao corretor. A solidariedade decorre da existência do grupo econômico, em prol de quem o trabalho é executado. Ocorre que determinadas circunstâncias de fato poderão configurar a fraude das leis civil e trabalhista. Com efeito, caso venha a ficar demonstrado que o corretor é um mero vendedor de um negócio de corretagem destinado à venda de seguros para uma empresa seguradora, estará configurada a relação de emprego. Nesta hipótese, estaremos diante de corretores de uma corretora informal patrocinada por uma seguradora para, com subordinação, exclusividade e cumprimento supervisionado de horário e metas, fazer vendas de seguros. Tal situação fática descaracteriza o enquadramento na lei civil e, ante o princípio da primazia da realidade, leva ao reconhecimento do vínculo de emprego, ante a fraude à lei. Não tem sido outra a solução encontrada pela jurisprudência para a utilização do trabalho subordinado em falsas cooperativas. A lei veda a vinculação empregatícia para a hipótese que ela prevê, ou seja, a relacionada à intermediação na venda de papéis por pessoas registradas como corretoras e que prestam serviços com autonomia ou mesmo de formaempresarial. É evidente que ela não incide nos casos em que, contrariando o princípio da primazia da realidade, buscam-se subterfúgios fraudulentos para esconder a subordinação na prestação do trabalho. Invoca-se, a respeito, o disposto no art. 9º da CLT, verbis: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.” Verificada a fraude e diante da proibição legal, em caráter indenizatório deverão ser implementados os direitos empregatícios do corretor, e a seguradora, juntamente com o banco controlador, responderão solidariamente, quer em razão do grupo econômico, quer em razão do ilícito. 10.7 – Terceirização nos serviços de telecomunicações A Lei nº 9.472/97 – que, nos termos da Emenda Constitucional nº 8/95, dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações –, de fato autoriza às empresas concessionárias a contratação de terceiros para a execução de atividades inerentes, acessórias ou complementares aos serviços de telecomunicações, criando, quanto às primeiras, novas hipóteses de terceirização, relacionada à atividade-fim do tomador, ex vi do art. 94, II, verbis: “Art. 94. No cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá, observadas as condições e limites estabelecidos pela Agência: I – empregar, na execução dos serviços, equipamentos e infraestrutura que não lhe pertençam; II – contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados; § 1º Em qualquer caso, a concessionária continuará sempre responsável perante a Agência e os usuários. § 2º Serão regidas pelo direito comum as relações do concessionário com os terceiros, que não terão direitos frente à Agência, observado o disposto no art. 117 desta Lei.” Trata-se, portanto, de legislação regulamentadora de atividade econômica específica, com eficácia limitada ao âmbito do exercício da concessão pública que disciplina e que, além de não afastar os efeitos da tutela conferida ao trabalhador pelo Direito Laboral, termina por reafirmar a responsabilização subsidiária nas hipóteses de intermediação lícita da sua mão-de-obra. Como o crédito do trabalhador é protegido contra os riscos de inadimplemento, a responsabilidade do tomador final de serviços não decorre da existência de vínculo de emprego, e sim de sua condição de beneficiário final dos serviços prestados pelo trabalhador. Assim, sempre que a concessionária de serviços de telecomunicações contratar empresas para a execução dos serviços inerentes, acessórios ou complementares à prestação dos serviços de telecomunicações, como instalação e reparo de linhas telefônicas, os trabalhadores contratados para o desiderato estarão licitamente vinculados a essas empresas, respondendo, no entanto, de forma subsidiária, pelo implemento das obrigações trabalhistas. A hipótese retratada não se confunde com a atuação dessas concessionárias como donas-da-obra. Nestas hipóteses, em que a obra não for destinada à exploração da atividade, mas sim à própria instalação da concessionária, não responderá pelas obrigações dos trabalhadores arregimentados pelas empresas contratadas. Serão de responsabilidade direta da própria concessionária, todavia, os trabalhadores vinculados às suas condições de funcionamento, caso do serviço de atendimento aos clientes e ampliação da clientela, secretárias dos diretores, atendentes de balcão e demais funcionários da administração. 10.8 – Empresas de call centers e terceirização Call centers são centrais de atendimento que têm por objetivo fazer a interface entre os clientes e a empresa. Cuida-se assim de ferramenta utilizada por empresas como canal de comunicação e vendas. Tanto pode destinar-se a atingir clientes por meio da oferta de produtos e serviços, pesquisa de informações de mercado, formação de cadastro e atendimento de consultas sobre carteira de pedidos, faturamento, crédito e títulos, histórico de compras e disponibilidade de estoque (telemarketing), como versar sobre o teleatendimento, relacionado ao agendamento de serviços ou atendimento de reclamações. Essas atividades, de telemarketing ou teleatendimento, seriam de apoio e poderiam ser terceirizadas ou se apresentariam como longa manus dos empreendimentos aos quais estão relacionadas? Afinal, é trabalhador em empresa de telemarketing ou financiário quem trabalha em call center acessando dados pessoais, autorizando empréstimos e financiamentos, cancelando lançamentos e liberando cartões de crédito? É empregado do setor de reclamações de empresa de telecomunicações ou de telemarketing/teleatendimento quem se ocupa da oferta de produtos, esclarecimento de dúvidas, agendamento de serviços ou atendimento de reclamações? É empregado de empresa de telemarketing ou promotor de vendas quem trabalha no atendimento ao público para o recebimento de oferta de produtos e serviços, pesquisa de informações de mercado, formação de cadastro e atendimento de consultas de clientes sobre carteira de pedidos e verificação de disponibilidade de estoque? Se admitida a distinção entre atividade-meio e atividade-fim, sempre que as empresas de call centers se dedicarem ao desenvolvimento, embora em local destacado da sede, do próprio objeto social das empresas às quais prestam serviços, a terceirização será ilícita, com formação do vínculo diretamente com o tomador final e enquadramento na mesma atividade econômica, tudo com responsabilização solidária das empresas envolvidas na fraude. 11 – CONCLUSÕES Inicialmente restritiva (conforme o então Enunciado nº 256 da Súmula da Jurisprudência do TST), a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, atenta às transformações econômicas e práticas sociais, passou a permitir a intermediação da mão-de-obra, desde que incidente sobre as atividades-meio, salvo quando permitidas por lei sobre as atividades-fim, a exemplo do trabalho temporário da Lei nº 6.019/74 (Súmula nº 331 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho). A referida jurisprudência inclinou-se pela responsabilização subsidiária da empresa tomadora ou contratante da terceirizada, exceto nos casos de fraude, em que é solidária, como corolário da nulidade ou ineficácia da utilização intermediada ilícita do trabalho. A responsabilidade subsidiária, fundada na teoria do risco empresarial e garantidora da percepção dos créditos trabalhistas como decorrência do aproveitamento do trabalhador no desenvolvimento geral da atividade, é de natureza patrimonial, ficando assim, de regra, excluídas a responsabilidade pelos danos morais e outras obrigações puramente pessoais, sempre com limitação aos créditos referentes ao período do contrato de terceirização. Decidiu ainda a jurisprudência da Egrégia Corte Trabalhista que a contratação irregular por meio de empresa interposta (ou seja, para a atividadefim) não gera vínculo de emprego diretamente com a administração direta ou indireta, que responde apenas como garante dos empregados do terceiro. Entendemos que a responsabilidade subsidiária da tomadora é de natureza objetiva, resultando do fato da prestação intermediada de serviços e assim não importando o exame da culpa in vigilando no cumprimento das obrigações ou a culpa in eligendo pela má escolha da empresa intermediária. Por outro lado, frente à omissão da CLT e diante do que dispõe o art. 12 da Lei nº 6.019/74, pensamos que devem ser estendidos aos trabalhadores da prestadora de serviços isonomia de tratamento em relação aos trabalhadores da tomadora. Outra solução estimularia a formação do subemprego, atentatório do princípio da valorização do trabalho. O anteprojeto de lei de terceirização do MTb elimina a distinção entre atividade-meio e atividade-fim como pressuposto da licitude da terceirização. Altera assim a forma de proteção em relação à atual construção jurisprudencial, eis que busca evitar os efeitos de uma possível precarização por outros meios, ou seja, da concessão de igualdade de tratamento entre os trabalhadores da empresa tomadora e da empresa contratada e da variação da responsabilidade: solidária, nas hipóteses de inobservância dos pressupostos que estabelece, e subsidiária, quando cumpre os ditames da lei, incluindo a fiscalização do cumprimento dos direitos trabalhistas pela terceirizada. Ocorre que a revolução tecnológica e a descentralização empresarial trazem constantes e novos desafios para o intérprete. Os call centers ou centrais de atendimento, que têm por objetivo fazer a interface entre os clientes e a empresa, são exemplo significativo. Muitas empresas estão transferindo para esses centros parte de suas atividades essenciais, o que, mesmo se admitida a ampla terceirização, importará em questionamentos sobre enquadramento na atividade econômica principal da empresa tomadora, isonomia de tratamento entre os empregados da terceirizante e da terceirizada e outras tantas problematizações. Se essas questões, exemplificativas das controvérsias que ainda rondam a matéria, impõem a necessidade de ampliação dos debates e maior reflexão na busca de soluções que assegurem um tratamento digno ao trabalhador nas terceirizações, o que dizer então da possibilidade de utilização quarteirizada do trabalho, prevista no anteprojeto do MTb? 12 – BIBLIOGRAFIA CONSULTADA BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Anteprojeto de Terceirização do Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível em: . Acesso em: 2 dez. 2008. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2007. MARTINS, Sérgio Pinto. A terceirização e o direito do trabalho. São Paulo: Atlas, 2003. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. ALGUNS ASPECTOS OBJETIVOS DA TERCEIRIZAÇÃO E DA COMPOSIÇÃO INDUSTRIAL NO ÂMBITO TRABALHISTA José Luiz Ferreira Prunes* I mpõe-se uma análise mais acurada da terceirização e seus reflexos no âmbito trabalhista brasileiro, eis que os tribunais especiais insistem em atribuir ao receptor do trabalho terceirizado a responsabilidade de empregador, afastando – por vezes – o real dador de serviços. Em parte é de se dizer que tendo a Justiça do Trabalho o poder normativo em torno dos dissídios coletivos, indevidamente fez migrar a mesma espécie de entendimento para os dissídios individuais. A isto ainda se soma o empenho do Ministério Público do Trabalho e dos órgãos fiscalizadores no Ministério do Trabalho e Emprego. É de prática milenar tanto o trabalho subordinado – derivado do contrato de emprego (dito “de trabalho”) – como o autônomo, compreendido na empreitada prevista no Código Civil. Já no texto de 1916 tínhamos: “Da Empreitada Art. 1.237. O empreiteiro de uma obra pode contribuir para ela ou só com seu trabalho, ou com ele e os materiais. Art. 1.238. Quando o empreiteiro fornece os materiais, correm por sua conta os riscos até o momento da entrega da obra, a contento de quem a encomendou, se este não estiver em mora de receber. Estando, correrão os riscos por igual contra as duas partes. Art. 1.239. Se o empreiteiro só forneceu a mão-de-obra, todos os riscos, em que não tiver culpa, correrão por conta do dono. Art. 1.240. Sendo a empreitada unicamente de lavor (art. 1.239), se a coisa perecer antes de entregue, sem mora do dono, nem culpa do empreiteiro, este perderá também o salário, a não provar que a perda * Desembargador Aposentado do TRT da 4ª Região e Professor Universitário. resultou de defeito dos materiais, e que em tempo reclamara contra a sua quantidade ou qualidade. Art. 1.241. Se a obra constar de partes distintas, ou for das que se determinam por medida, o empreiteiro terá direito a que também se verifique por medida, ou segundo as partes em que se dividir. Parágrafo único. Tudo o que se pagou, presume-se verificado. Art. 1.242. Concluída a obra de acordo com o ajuste, ou o costume do lugar, o dono é obrigado a recebê-la. Poderá, porém, enjeitá-la, se o empreiteiro se afastou das instruções recebidas e dos planos dados, ou das regras técnicas em trabalhos de tal natureza. Art. 1.243. No caso do artigo antecedente, segunda parte, pode o que encomendou a obra, em vez de enjeitá-la, recebê-la com abatimento no preço. Art. 1.244. O empreiteiro é obrigado a pagar os materiais que recebeu, se por imperícia os inutilizar. Art. 1.245. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante 5 (cinco) anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo, exceto, quanto a este, se, não o achando firme, preveniu em tempo o dono da obra. Art. 1.246. O arquiteto, ou construtor, que, por empreitada, se incumbir de executar uma obra segundo plano aceito por quem a encomenda, não terá direito a exigir acréscimo no preço, ainda que o dos salários, ou o do material, encareça, nem ainda que se altere ou aumente, em relação à planta, a obra ajustada, salvo se se aumentou, ou alterou, por instruções escritas do outro contratante e exibidas pelo empreiteiro. Art. 1.247. O dono da obra que, fora dos casos estabelecidos nos incisos III, IV e V do art. 1.229, rescindir o contrato, apesar de começada sua execução, indenizará o empreiteiro das despesas e do trabalho feito, assim como dos lucros que este poderia ter, se concluísse a obra.” Mais minucioso, o Código Civil atual aponta para as seguintes situações: “Da Empreitada Art. 610. O empreiteiro de uma obra pode contribuir para ela só com seu trabalho ou com ele e os materiais. § 1º A obrigação de fornecer os materiais não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes. § 2º O contrato para elaboração de um projeto não implica a obrigação de executá-lo, ou de fiscalizar-lhe a execução. Art. 611. Quando o empreiteiro fornece os materiais, correm por sua conta os riscos até o momento da entrega da obra, a contento de quem a encomendou, se este não estiver em mora de receber. Mas se estiver, por sua conta correrão os riscos. Art. 612. Se o empreiteiro só forneceu mão-de-obra, todos os riscos em que não tiver culpa correrão à conta do dono. Art. 613. Sendo a empreitada unicamente de lavor (art. 610), se a coisa perecer antes de entregue, sem mora do dono nem culpa do empreiteiro, este perderá a retribuição, se não provar que a perda resultou de defeito dos materiais e que em tempo reclamara contra a sua quantidade ou qualidade. Art. 614. Se a obra constar de partes distintas, ou for de natureza das que se determinam por medida, o empreiteiro terá direito a que também se verifique por medida, ou segundo as partes em que se dividir, podendo exigir o pagamento na proporção da obra executada. § 1º Tudo o que se pagou presume-se verificado. § 2º O que se mediu presume-se verificado se, em trinta dias, a contar da medição, não forem denunciados os vícios ou defeitos pelo dono da obra ou por quem estiver incumbido da sua fiscalização. Art. 615. Concluída a obra de acordo com o ajuste, ou o costume do lugar, o dono é obrigado a recebê-la. Poderá rejeitá-la, se o empreiteiro se afastou das instruções recebidas e dos planos dados, ou das regras técnicas em trabalhos de tal natureza. Art. 616. No caso da segunda parte do artigo antecedente, pode quem encomendou a obra, em vez de enjeitá-la, recebê-la com abatimento no preço. Art. 617. O empreiteiro é obrigado a pagar os materiais que recebeu, se por imperícia ou negligência os inutilizar. Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim como em razão dos materiais e do solo. Parágrafo único. Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito. Art. 619. Salvo estipulação em contrário, o empreiteiro que se incumbir de executar uma obra, segundo plano aceito por quem a encomendou, não terá direito a exigir acréscimo no preço, ainda que sejam introduzidas modificações no projeto, a não ser que estas resultem de instruções escritas do dono da obra. Parágrafo único. Ainda que não tenha havido autorização escrita, o dono da obra é obrigado a pagar ao empreiteiro os aumentos e acréscimos, segundo o que for arbitrado, se, sempre presente à obra, por continuadas visitas, não podia ignorar o que se passava, e nunca protestou. Art. 620. Se ocorrer diminuição no preço do material ou da mãode-obra superior a um décimo do preço global convencionado, poderá este ser revisto, a pedido do dono da obra, para que se lhe assegure a diferença apurada. Art. 621. Sem anuência de seu autor, não pode o proprietário da obra introduzir modificações no projeto por ele aprovado, ainda que a execução seja confiada a terceiros, a não ser que, por motivos supervenientes ou razões de ordem técnica, fique comprovada a inconveniência ou a excessiva onerosidade de execução do projeto em sua forma originária. Parágrafo único. A proibição deste artigo não abrange alterações de pouca monta, ressalvada sempre a unidade estética da obra projetada. Art. 622. Se a execução da obra for confiada a terceiros, a responsabilidade do autor do projeto respectivo, desde que não assuma a direção ou fiscalização daquela, ficará limitada aos danos resultantes de defeitos previstos no art. 618 e seu parágrafo único. Art. 623. Mesmo após iniciada a construção, pode o dono da obra suspendê-la, desde que pague ao empreiteiro as despesas e lucros relativos aos serviços já feitos, mais indenização razoável, calculada em função do que ele teria ganho, se concluída a obra. Art. 624. Suspensa a execução da empreitada sem justa causa, responde o empreiteiro por perdas e danos. Art. 625. Poderá o empreiteiro suspender a obra: I – por culpa do dono, ou por motivo de força maior; II – quando, no decorrer dos serviços, se manifestarem dificuldades imprevisíveis de execução, resultantes de causas geológicas ou hídricas, ou outras semelhantes, de modo que torne a empreitada excessivamente onerosa, e o dono da obra se opuser ao reajuste do preço inerente ao projeto por ele elaborado, observados os preços; III – se as modificações exigidas pelo dono da obra, por seu vulto e natureza, forem desproporcionais ao projeto aprovado, ainda que o dono se disponha a arcar com o acréscimo de preço. Art. 626. Não se extingue o contrato de empreitada pela morte de qualquer das partes, salvo se ajustado em consideração às qualidades pessoais do empreiteiro.” Note-se que o antigo texto, no art. 1.237, aludia duas espécies de empreitada – só de trabalho, ou com ele e os materiais. O mesmo no atual art. 610. Temos assim – no gênero “trabalho” – a primeira visada na empreitada. Esta, saliente-se, não está dentro das normas trabalhistas, mas claramente – e de longa data – nas disposições civilistas. Outra espécie de prestação de trabalho sem as características da relação de emprego encontra-se – justamente – na própria CLT, no único parágrafo do art. 442: “Parágrafo único. Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela.” A expressão “Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa” é absolutamente genérica, abrangendo quaisquer espécies: de trabalho, de consumo, de crédito, habitacional, agropecuárias, saúde. Todas elas, em grau mais ou menos elevado, giram em torno do trabalho dos cooperativados. Têm, contudo, a distribuição de ganhos de forma absolutamente distinta daquela pertinente ao contrato de trabalho (de emprego). Segundo a Lei nº 5.764, de 16.12.71 – que “Define a Política Nacional de Cooperativismo, Institui o Regime Jurídico das Sociedades Cooperativas, e dá outras Providências” –, tem-se como definição dessa espécie de sociedade: “Art. 4º As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características: I – adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços; II – variabilidade do capital social representado por quotas-partes; III – limitação do número de quotas-partes do capital para cada associado, facultado, porém, o estabelecimento de critérios de proporcionalidade, se assim for mais adequado para o cumprimento dos objetivos sociais; IV – incessibilidade das quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade; V – singularidade de voto, podendo as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, com exceção das que exerçam atividade de crédito, optar pelo critério da proporcionalidade; VI – quorum para o funcionamento e deliberação da assembléia geral baseado no número de associados e não no capital; VII – retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da assembléia geral; VIII – indivisibilidade dos Fundos de Reserva e de Assistência Técnica Educacional e Social; IX – neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social; X – prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa; XI – área de admissão de associados limitada às possibilidades de reunião, controle, operações e prestação de serviços.” Note-se que o artigo anterior (art. 3º) já havia estabelecido: “Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.” Este sistema de empreendimento econômico sob a forma de cooperativa não impedia a existência de um ou dois relacionamentos entre a cooperativa e o prestador de trabalho. Tanto é que se encontra entre os registros jurisprudenciais mais antigos: “Sócio de cooperativa de trabalho, que mantém relação de trabalho subordinado para com ela, é empregado. Hipótese em que ocorrem as duas situações jurídicas. (embargos não conhecidos). TST, Ac. 1234, 08.05.80, E RR 1769/78, Pleno, DJU 04.07.80, Rel. Min. Hildebrando Bisaglia.” O julgamento do TST ocorreu em 1980 e reporta uma situação onde determinada pessoa era empregada da cooperativa e, simultaneamente, sócia dessa cooperativa. A definição de contrato de trabalho apontada pela CLT passou a sofrer uma séria restrição (no sentido da proclamação de inexistência de contrato, mesmo com prestação de serviço), tendo isto sido ditado pela Lei nº 7.949, de 09.12.94 (DOU 12.12.94). Temos na atualidade o já citado art. 442 da CLT com seu parágrafo único. Muitas são as considerações que podem ser feitas sobre esta profunda modificação de nosso ordenamento trabalhista, ressaltando-se que afeta um dos pontos mais importantes e decisivos: o da existência de vínculo trabalhista. Em primeiro lugar é de se ressaltar que a cooperativa poderá ser uma forma bastante eficiente de absorver um grande contingente de trabalhadores que se encontram desempregados. Os custos de um empregado são, certamente, bem maiores que os de um “autônomo” e, por isso, as cooperativas poderão servir como ponto de irradiação de trabalho não subordinado. Contudo também tem sido ressaltado que a cooperativa de trabalhadores poderá encobrir apenas uma forma de burlar direitos trabalhistas daqueles que, abrangidos por um sistema rotulado como cooperativado, não passe de marchandage da entidade. A origem do parágrafo único do art. 442 da Consolidação chega a ser pitoresca porque revela uma insensibilidade social e um verdadeiro “egoísmo capitalista” que partiu de “trabalhadores”... Não poucas cooperativas interioranas tinham suas administrações feitas através de empregados burocráticos (cooperativados apenas formalmente e, a seguir, contratados), e como qualquer mau empregador, estas cooperativas não atendiam os direitos trabalhistas de seus assalariados (que não são e não eram verdadeiramente cooperativados). A inexistência de relação de emprego entre as cooperativas e os cooperativados – mesmo que aquelas fossem de prestação de serviços – é um fato facilmente constatável como “não-trabalhista”. Mas, por outro lado, as cooperativas também contratavam empregados, nos moldes da legislação laboral, e estes, quando seus direitos eram sonegados, recorriam às reclamatórias. Estes foram os atingidos pela “reforma” do art. 442. O que se sabia como notícia informal chegou às páginas dos jornais de forma bastante eloqüente. Veja-se a esse propósito o registro feito por Ana Amélia Lemos, onde a Diretora da RBS/Brasília diz na Zero Hora (Porto Alegre, 21.01.98, p. 19): “As cooperativas de trabalho não se transformaram em dor de cabeça apenas do Ministro da Previdência Social. A alteração no art. 442 da CLT pela Câmara Federal eliminou todos os direitos dos trabalhadores que exercem suas atividades através das cooperativas de trabalho, como férias, indenização, repouso remunerado, aposentadoria. Pelos cálculos do governo, hoje já são 2,5 milhões de trabalhadores nessa condição. O surpreendente é que a iniciativa da mudança que sepultou direitos trabalhistas consagrados foi do deputado Adão Pretto (PT-RS), a pedido do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST, como informou, em sua edição de domingo, o jornal Folha de São Paulo. Para se livrar de ações trabalhistas que vinham sendo apresentadas por ex-assentados, o MST decidiu alterar a legislação e teve sucesso. Mas o que deveria se limitar ao trabalho temporário em épocas de colheita ou atividade esporádica na área rural acabou chegando à cidade, e hoje esse sistema de cooperativas de trabalho vem sendo usado por prefeituras e pela maior parte da indústria calçadista do Nordeste que cresce às custas de uma mão-de-obra de custo aviltado. O sistema também está servindo para a hotelaria, em alguns Estados nordestinos. Os operários,nesses casos, não têm qualquer vínculo empregatício. É um tipo de terceirização socialmente injusta. Cria uma categoria inferior de trabalhadores porque estão à margem de qualquer proteção legal.” Não existem dúvidas sobre a origem da modificação legal que foi feita por iniciativa de trabalhadores (empresários = cooperativados) contra os empregados de suas cooperativas, visando claramente à fraude de direitos trabalhistas. Devem ser vistas as afirmativas de Raimundo Simão de Melo (“Cooperativas de Trabalho”, in Síntese Trabalhista, 94, abr./1997, p. 139), em que o Procurador-Chefe do Ministério Público do Trabalho da 15ª Região assegura: “Já dizia o art. 90 da Lei nº 5.764/71 que inexiste vínculo empregatício entre a cooperativa e seus associados. A alteração introduzida no parágrafo único do art. 442 da CLT acrescentou a inexistência do vínculo com relação aos tomadores de serviços. A alteração, segundo se sabe, teve origem no Movimento dos Sem-Terra – MST, que, com objetivos ideais, criou cooperativas de produção e alguns dos associados ao se desligarem das mesmas ajuizavam reclamações trabalhistas, obtendo em alguns casos o reconhecimento de relação de emprego. Como isto inviabilizava o movimento, solicitou-se a alguns membros do Congresso Nacional apresentação de projeto de lei, o qual teve fácil aprovação. Lamentável é que os interessados inicialmente na alteração certamente não tinham a idéia da dimensão e conseqüências nefastas da alteração legislativa no campo do Direito do Trabalho brasileiro.” Certamente nem o mais empedernido lobby de empregadores teria obtido sucesso nesse projeto que se transformou em lei. As situações em que era clara a inexistência de relação trabalhista já tinham sido demarcadas pelos tribunais. Da mesma forma os contratos de trabalho existentes eram respeitados. Hoje há uma situação de tal modo injusta (juridicamente indefensável) que não poucos tribunais vão ignorar a letra da lei, eis que as cooperativas – muitas vezes – servirão apenas como instrumento de fraude. No que se refere aos que trabalham para a cooperativa (servidores não cooperativados) não há qualquer dúvida que são empregados, mas deverão ser analisadas pelos tribunais as situações onde a filiação à cooperativa venha a se mostrar como um prólogo fraudulento de um verdadeiro contrato de trabalho. Sobre esta temática também devem ser vistas as observações de Isabela Fadul de Oliveira (Genesis, fev./1996, nº 38, p. 187 – “Terceirização: breves considerações”): “Aqui, a legalização do processo de terceirização não deverá tardar. É cada vez maior o número dos defensores da flexibilização do direito do trabalho, mesmo que esta comprometa seu caráter tutelar. A lei perderia espaço em prol da autonomia da vontade das partes contratantes, passando a relação de trabalho a ser regulamentada por regras provenientes das negociações coletivas. Prova disto é a recente modificação do art. 442 da CLT pela Lei nº 8.949, de 09.12.94. Inseriu-se no artigo citado o parágrafo único que dispõe: ‘Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela’. Assim, a terceirização de atividades passa a ser admitida independentemente do tipo de serviço terceirizado, desde que a tomadora contrate tais serviços de uma cooperativa. Os cooperativados não possuem vínculos empregatícios com a empresa tomadora do serviço nem com a cooperativa à qual são associados. Para o renomado jurista Octavio Bueno Magano (1995), trata-se, nesse caso, da quebra de quaisquer limites à prática da terceirização, bastando que a sociedade colocadora de mão-de-obra esteja revestida da forma de cooperativa para que possa executar as atividades terceirizadas pela empresa contratante. Sem dúvida, esta é uma grande inovação, importante por ajustar a legislação à realidade, perigosa por ensejar a criação de falsas cooperativas. Caberá ao Direito do Trabalho, como instrumento do progresso e de política de emprego, nivelador das desigualdades sociais, adequar-se a esses novos fatos da vida social e regulá-los de forma a evitar a fraude e a simulação. Essa é a única forma de se proteger o trabalhador e de fazer com que este, economicamente desfavorecido, não fique juridicamente desamparado.” Ainda com ácidas críticas ao surgimento do parágrafo único do art. 442, se manifestou Jorge Luiz Souto Maior (“Trabalho por intermédio de cooperativas”, in Síntese Trabalhista, nº 81, mar./1996), sendo que após admitir que as normas trabalhistas possam sofrer mutações constantes (visando à melhoria das condições de vida do trabalhador). Com efeito, já se tem notícias de que vários segmentos empresariais estão montando cooperativas, com a utilização de “laranjas” (pessoas que se infiltram entre os trabalhadores para difundir idéias de interesse dos empregadores), para a consecução de suas atividades. Após a formação dessas “cooperativas”, que sob o aspecto ideológico equiparam-se aos “bingos” das entidades esportivas, aos empregados é apresentada a “opção” (como ocorria com o Fundo de Garantia) de se associarem à cooperativa, recebendo um salário de 2X, ou, não se associando, serem contratados, como empregados regidos pelas leis trabalhistas, mas recebendo 1/2X. Uma cooperativa, como o próprio nome diz, é a união de esforços de forma coordenada, visando atingir um determinado fim. O pressuposto desse instituto, portanto, é ausência de subordinação entre seus membros, muito embora cada um não faça exatamente aquilo que deseja. As atividades, evidentemente, são direcionadas por uma diretoria, mas sem a subordinação característica da relação de emprego. Em uma cooperativa típica, os associados visualizam um objetivo, que é comum a todos, e trabalham em favor desse escopo e, por isso, não são empregados da entidade. São, isto sim, os donos do negócio. No entanto, quando essa entidade é utilizada para colocar mão-de-obra à disposição de empresas, em substituição à classe de empregados, surge o problema, pois se desnatura o instituto, transformando o Direito do Trabalho em direito renunciável, o que inviabiliza a sua aplicabilidade. Atendidas às devidas proporções, isso significa, de certo modo, um retorno à época das corporações de ofício, “fórmula mais branda de escravização do trabalhador” (Segadas Vianna, Instituições de direito do trabalho, vol. I, São Paulo, LTr, 1991, p. 32), experiência que, nitidamente, faz parte da préhistória do Direito do Trabalho. O parágrafo único do art. 442 da CLT, ao fazer menção a tomadores de serviço das cooperativas, pressupõe válida a existência de uma “cooperativa de trabalho”, conforme menciona Valentin Carrion (Comentários à CLT, São Paulo, Saraiva, 1995, p. 294), reproduzindo regra do Decreto nº 22.239, de 19.12.32). Cabe dizer, a propósito, que referido Decreto encontra-se revogado, tendo à vista a sua nítida incompatibilidade com as regras estabelecidas em 1943 pela CLT (§ 1º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil). Nem se diga, aliás, que a alteração do art. 442 da CLT teria revigorado tal norma legal, uma vez que o efeito repristinatório não é cabível em nosso sistema jurídico (§ 3º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil). Quando muito, a norma citada por Carrion poderia valer como subsídio para conceituação da “cooperativa de trabalho”, de certa forma aludida no preceito comentado. Carece, no entanto, de constitucionalidade o parágrafo único do art. 442 da CLT sob este aspecto, visto que, como dito acima, se consubstancia uma negativa, que se fará plena com o passar dos anos, dos direitos trabalhistas assegurados na Constituição Federal (arts. 7º e 8º). Ora, se as regras trabalhistas estão vigentes e como seus fundamentos são, inegavelmente, atuais – pelo menos em nossa realidade –, não há como visualizar a possibilidade de um infeliz e isolado parágrafo de um artigo de lei jogar por terra todos os direitos que, frise-se, têm sido conquistados à custa de muita luta e conscientização de cunho social. Isso não se justifica nem mesmo sob a óptica do aumento da produtividade, sob pena de repetirmos, analogicamente, a máxima fascista da troca do céu pela manteiga, no caso, da justiça social e da dignidade humana pela eficiência do capital. Entre os que apresentam sérias ressalvas às cooperativas de trabalho está o Ministro Almir Pazzianoto Pinto (“Corporativismo predatório”, in Síntese Trabalhista, nº 89, nov./1996), que com sua autoridade e experiência escreve: “Parece-me nítido que, se determinado grupo de médicos organizase em cooperativa, e a entidade celebra convênio com empresa ou grupo de empresas, inexiste, à toda evidência, vínculo de emprego entre os médicos cooperados e as tomadoras de seus serviços. A mesma situação não se configurará quando determinado grupo de pessoas funda cooperativas para prestação de serviços, por exemplo, de limpeza e conservação ou de colheita de produtos agrícolas, e, para alcançar seus objetivos, admite, dirige, paga e demite trabalhadores, cuja mãode-obra é utilizada por terceiros. Nesse caso, estaremos diante de trabalho assalariado dissimulado e de falsa cooperativa, na realidade empresa terceirizadora idêntica, no essencial, a tantas outras que operam no mercado. É importante destacar que a lei de organização das sociedades cooperativas é detalhada e rigorosa, permitindo o ingresso como associado a todos que desejarem se beneficiar dos seus serviços, ‘desde que adiram aos propósitos sociais e preencham os requisitos estabelecidos no estatuto’ (art. 29). O afastamento, entretanto, ocorrerá unicamente a pedido do cooperado, salvo em caso de eliminação resultante de infração legal ou estatutária ‘ou por fato especial previsto no estatuto, mediante termo firmado por quem de direito no Livro de Matrícula, com os motivos que a determinaram’ (art. 33). Aqueles que, eventualmente, procurarem se valer da parte final do parágrafo único do art. 442, com propósitos fraudulentos, devem se recordar da Lei nº 5.764/71 e do art. 9º da CLT, em que se ordena serem nulos do ‘pleno direito ou atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação’. Quem, mesmo sob a denominação de ‘cooperativa’, contrata, dirige, paga e demite trabalhadores, cooperativa não é, podendo ser fiscalizado pelo Ministério do Trabalho ou da Previdência e acionado na Justiça do Trabalho. O custo final da mão-de-obra brasileira torna-se elevado em razão dos numerosos encargos sociais que nela incidem. A solução para esse problema não será, porém, encontrada apresentando como cooperado quem na verdade é trabalhador empregado e, como tal, se acha amparado pelas leis trabalhistas e previdenciárias.” Mas, independente de qualquer purismo doutrinário, é de se encarar a criação de cooperativas de trabalho como uma solução – provisória ou defini-tiva – para a utilização da mão-de-obra ociosa. Existe um imenso contingente populacional urbano e rural que está sem ocupação porque perdeu o emprego ou porque ainda não obteve seu primeiro emprego. Outros, ainda, não se firmam como capazes de autonomamente promover o sustento próprio ou da família. A cooperativa pode ser uma das soluções possíveis, mormente se se considerar que o custo da mão-de-obra é mais tentador para aqueles que a utilizam. Não mais podemos pensar dentro da ortodoxia trabalhista, com “carteira assinada” e grande parte da população como “empregados”, se o mercado rejeita essa forma de relacionamento. Assinale-se que os meios empresariais do país ainda não estão utilizando as cooperativas de trabalho como forma operacional porque temem se fixar a um relacionamento que posteriormente venha a ser dado – indevidamente – como “de emprego” pelos Tribunais Trabalhistas. Veja-se a elucidativa ementa que se segue: “O sistema da terceirização de mão-de-obra, em sua pureza, é importante para a competitividade das empresas e para o próprio desenvolvimento do país. Exatamente para a subsistência deste sistema de terceirização é que é fundamental estabelecer a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, quando a prestadora de serviços é inidônea economicamente. Naturalmente, estabelecendo-se a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, este se acautelará, evitando a contratação de empresas que não têm condições de bem cumprir suas obrigações. Isto evitará a proliferação de empresas fantasmas ou que já se constituem, mesmo visando a lucro fácil e imediato à custa de direitos dos trabalhadores. Os arts. 27 a 56 da Lei nº 8.666/93 asseguram à Administração Pública uma série de cautelas para evitar a contratação de empresas inidôneas e para se garantir quanto a descumprimento de obrigações por parte da empresa prestadora de serviços, inclusive a caução. Se, no entanto, assim não age, emerge clara a culpa in eligendo e in vigilando da Administração Pública. E, considerando o disposto no § 6º do art. 37 e no art. 193 da Constituição Federal, bem poder-se-ia ter como inconstitucional o § 2º do art. 71 da Lei nº 8.666/93 se se considerasse que afastaria a responsabilidade subsidiária das entidades públicas, mesmo que houvesse culpa in eligendo e in vigilando na contratação de empresa inidônea para a prestação de serviços. Neste sentido se consagrou a jurisprudência desta Corte, tendo o item IV do Enunciado nº 331 explicitado que o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666/93). Recurso conhecido e provido.” (Tribunal Superior do Trabalho, RR 523.658/98.0 – Ac. 2ª T., 06.12.00 – Rel. Min. Vantuil Abdala, in Revista LTr, 65-05/588) Sobre este conjunto de problemas podemos apontar para diversas situações que estão permanentemente nos tribunais trabalhistas: 1. O tão proclamado “fins da empresa”, onde os tribunais não admitem que trabalhos secundários ou complementares sejam realizados por terceiros. Esta mentalidade bem se localiza nos princípios do século XX, onde – por exemplo – os automóveis Ford eram totalmente feitos numa única empresa, desde as menores partes dos motores até os pneumáticos. Compare-se – hoje – com a construção do imenso A-380 onde milhares de fábricas em dez ou doze países fornecem milhões de peças. Curiosamente os próprios tribunais e os doutrinadores, para a indústria automobilística, admitem a terceirização sob a denominação de “montadoras” ou de composição industrial. Informe-se, ainda, que algumas destas “montadoras” não montam um único parafuso do veículo, importando-o completamente do exterior (como da Argentina, por exemplo). 2. A empreitada, como forma de terceirização de “atividades-meio” ou complementação, tem sua extensão e responsabilidade das partes prevista no Código Civil. 3. A falsa cooperativa, sem dúvida, deve ser censurada e impedida de continuar na fraude. Os tratadistas e os juízes de quaisquer tribunais, assim como o Ministério Público, não podem criar enquadramentos jurídicos quando inexistem lacunas legais. A orientação política de alguns grupos, majoritários ou mais salientes, não pode servir de justificativa para impedir novas formas de trabalho no século XXI. Não podemos deixar de lembrar que milhões e milhões de dólares entram diariamente no comércio brasileiro originados em mão-de-obra barata chinesa, coreana ou de outro ponto onde os salários são aviltados. Os rigores da relação de emprego como era vista em 1943 não mais têm validade. Os tribunais, principalmente, devem levar em conta que – através da História – os réus e as causas sobreviveram e os intolerantes e rigorosos julgadores foram sepultados pelo esquecimento. Assim Joana D’Arc, Giordano Bruno, Galileu Galilei, Tiradentes, Dreyfus e tantos outros até hoje são lembrados como pessoas e como portadores de algumas idéias. Ninguém se lembra do nome de um único de seus julgadores. A TERCEIRIZAÇÃO E A JUSTIÇA DO TRABALHO Magda Barros Biavaschi* “(...) deixam-se consumir em nome da integração que desintegra a raiz do ser e do viver.” (Carlos Drummond de Andrade, Entre Noel e os índios) 1 – INTRODUÇÃO O presente texto está fundamentado em pesquisa em andamento no Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho do Instituto de Economia da Unicamp, CESIT/IE/Unicamp – “A Terceirização e a Justiça do Trabalho” – que, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, FAPESP, analisa o papel da Justiça do Trabalho brasileira diante do fenômeno da terceirização, tendo como foco a indústria de papel e celulose e como marco temporal o Enunciado nº 256 e a Súmula nº 3311 do Tribunal Superior do Trabalho – TST, elegendo como fonte primária específica processos judiciais que tramitaram no período. O artigo, em linhas gerais, reproduz a estrutura do Relatório Parcial recentemente encaminhado à FAPESP. Inicia-se apresentando a pesquisa, especificando-se, a seguir, alguns conceitos que nela se adota. Depois, fazemse algumas considerações sobre o movimento mais geral do capitalismo e suas transformações, abordando-se a terceirização a partir dessa óptica, focando-se * Desembargadora Aposentada do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região; Doutora em Economia Aplicada pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp; Pós-Doutoranda em Economia Aplicada, pelo mesmo Instituto, com pesquisa sobre terceirização (CESIT/ IE); Membro da Comissão Coordenadora do Memorial da Justiça do Trabalho no Rio Grande do Sul; Presidente do Fórum Nacional Permanente em Defesa da Preservação da Memória da Justiça do Trabalho. O Enunciado nº 256 do TST, aprovado pela Resolução nº 04/86 (DJ 30.09.86), foi revisto pela Súmula nº 331, em 1993. No inciso IV, essa Súmula atribui responsabilidade subsidiária ao tomador quanto aos direitos trabalhistas dos trabalhadores contratados pelas terceiras. Em 2000, a Resolução nº 96 (DJ 18.09.00) incluiu, no inciso IV, a responsabilidade subsidiária do ente público. o olhar no setor da indústria do papel e celulose. Na seqüência, adiantam-se alguns resultados parciais obtidos na pesquisa, buscando-se, assim, trazer elementos que contribuam para o debate sobre um tema que aflige o mundo do trabalho em tempos de aprofundadas inseguranças e transformações. Por último, as considerações finais. 2 – A TERCEIRIZAÇÃO E A PESQUISA A terceirização é uma das formas de contratação flexível que mais avançou no Brasil a partir dos anos 1990, sendo, hoje, prática corrente em quase todos os seguimentos econômicos das esferas pública e privada. Podendo expressar tanto um fenômeno interno quanto externo ao contrato de trabalho2, vem sendo adotada como estratégia utilizada pelas empresas para reduzir custos, partilhar riscos e aumentar a flexibilidade organizacional3. A partir de 1990, houve maior pressão no sentido flexibilizador do mercado de trabalho, com reflexos nos regimes de contratação. Nesse contexto, ganhou maior dimensão o movimento de terceirização da mão-de-obra. Muitos têm sido os debates em vários setores da sociedade, envolvendo economistas, operadores do direito, empresários, trabalhadores, sociólogos, historiadores, sobre a terceirização, focando-a no cenário das transformações que se têm operado no mundo do trabalho a partir, sobretudo, da década de 1990. Recente trabalho4, elaborado no bojo de pesquisa no Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho – CESIT/IE, que quantifica o serviço terceirizado no país, faz referência à Pesquisa da Atividade Econômica Paulista (PAEP/1996). Esta demonstra que 96% das empresas industriais que desenvolviam serviços especializados de assessoria jurídica contratavam o serviço de terceiros quer de forma parcial ou integral. E, ainda, que 75% das empresas industriais que prestavam serviços de processamento de dados e desenvolvimento de software na Região Metropolitana de São Paulo terceirizavam 2 Cf. VIANA, Márcio Túlio. Terceirização e sindicato: um enfoque para além do Direito, 2006. Mimeo. 3 Cf. KREIN, José Dari. As tendências recentes na relação de emprego no Brasil: 1990-2005. Tese de Doutorado. Campinas: IE/Unicamp, 2007. 4 Márcio Pochmann, professor do IE/Unicamp e pesquisador do CESIT, hoje Presidente do IPEA, foi coordenador da pesquisa sobre os trabalhadores terceirizados. O texto Terceirização e diversificação nos regimes de contratação de mão-de-obra no Brasil (Campinas, ago. 2006, s. ed.) discute os principais aspectos do movimento de terceirização do emprego formal no Brasil, tendo como base de dados primários o IBGE (PNAD), e o Ministério do Trabalho e Emprego (RAIS e CAGED). o serviço. O estudo refere, também, à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, realizada pelo IBGE, entre 1995 e 2004, cujos dados demonstram que, considerado o total da ocupação no período, foram os postos de trabalho terceirizados formais os que mais cresceram5. Esses estudos e debates não têm, no entanto, repercutido em análises mais detalhadas sobre o papel que a Justiça do Trabalho e suas decisões têmdesempenhado nesse campo e, muito menos, sobre sua dinâmica. É uma ausência que a pesquisa sobre “A Terceirização e a Justiça do Trabalho” busca suprir, propondo-se a analisar processos de autos findos6 que tramitaram nas 4ª e 15ª Regiões, tendo no pólo passivo, respectivamente, duas expressivas empresas do setor de papel e celulose, Riocell (hoje Aracruz) e Klabin. O estudo vale-se, ainda, tanto da jurisprudência de alguns Tribunais Regionais e do TST, a partir de pesquisa em suas páginas da Internet, quanto de entrevistas com magistrados de primeiro e segundo graus (nas respectivas regiões investigadas) e com ministros do TST, buscando interagir pensamentos e decisões com a produção jurisprudencial que, do entendimento consubstanciado no Enunciado nº 256 do TST, veio a desembocar na Súmula nº 331. Dessa forma, envolve um conjunto representativo de decisões e de julgadores com atuação destacada em demandas tendo como objeto a terceirização, permitindo que as decisões proferidas sejam observadas em suas dinâmicas específicas, abrindo, assim, um campo de investigação novo. Isto é, um olhar sobre o mundo jurídico por meio de caminhos historiográficos. Do bojo das discussões travadas nesses pleitos, o contexto socioeconômico aparece com seus significados e significantes. E ao se valer dos processos judiciais como fontes primárias prevalentes, a pesquisa acabou por se inserir em outra discussão, muito atual, sobre a necessidade de serem aprofundados estudos sobre preservação dos processos judiciais e dos documentos que estes contêm, compreendendo-se a preservação como direito do cidadão7. A pesquisa iniciou pela análise dos processos de Guaíba/RS, berço importante das práticas de terceirização. Foi na antiga Junta de Conciliação e Julgamento dessa cidade que tramitou paradigmática Ação Civil Pública (Processo nº 1927/91), “carro-chefe”, por assim dizer, da pesquisa em andamento. Em 1991, o Ministério Público do Trabalho (MPT), por meio de 5 A terceirização adicionou 2,3 milhões dos 6,9 milhões de empregos formais gerados no setor privado. 6 São os feitos encerrados por determinação judicial para arquivamento definitivo. 7 Ver, a respeito, as resoluções do I e II Encontros da Memória da Justiça do Trabalho, organizados, respectivamente, pelos Tribunais Regionais da 4ª e da 15ª Regiões, por meio de seus Memorial e Centro de Memória, acessíveis em: . sua Procuradoria Regional, impetrou essa ação contra a empresa Riocell S/A, instalada naquela cidade, visando coibir a prática da terceirização tal como vinha sendo praticada. Julgada procedente pela JCJ – decisão quase integralmente ratificada pelo Regional (TRT 4), com pequena ressalva –, a ação findou em 2001. O caso chegou ao TST, que, modificando a decisão do Regional (Acórdão nº 14.676/928), extinguiu o feito sem exame do mérito por entender que o Ministério Público do Trabalho não tinha legitimidade para propor a ação. Dessa forma, a tese do Regional foi vencida em sede de Recurso Ordinário. Essa ação indica o potencial analítico de todos os processos judiciais ajuizados perante o Poder Judiciário. Potencial esse que transcende o âmbito do jurídico, possibilitando que em fontes primárias de inegável valor histórico sejam encontrados documentos, testemunhos, rastros, que permitam ao pesquisador recuperar, por exemplo, o papel histórico das lutas dos diversos atores sociais estampadas nos pleitos, a dinâmica desses conflitos, o contexto socioeconômico da época e, especificamente para a presente pesquisa, o papel do Judiciário Trabalhista diante do fenômeno da terceirização. Com essa referência sublinha-se a riqueza do estudo da história dos processos judiciais e a relevância do caso Ministério Público do Trabalho X Riocell S/A para a análise do tema em foco, justificando-se a escolha da cidade de Guaíba como ponto de partida para sua realização9. Daí o estudo ter iniciado nesses pleitos, com definição de metodologia que, depois, com algumas adequações, será adotada para os demais processos a serem pesquisados. Há outros elementos, de ordem socioeconômica, que contribuíram para a escolha do acervo e que, em face dos limites deste artigo, não serão analisados. No entanto, é importante destacar que no Brasil, no período pós 64, políticas governamentais voltaram-se à formação de florestas e reflorestamentos, na forma de incentivos fiscais e financiamento a baixo custo. Foi na década de 8 A tese do MPT era a de que as atividades terceirizadas pela Riocell eram-lhe indispensáveis, algumas inseridas em suas finalidades estratégicas. O acórdão concluiu pela: legalidade da contratação dos serviços de conservação e limpeza e dos ligados à atividade-meio da Riocell/RS, desde que ausentes a pessoalidade e a subordinação; ilegalidade das atividades de contador, office boy, telefonista, analista de recursos humanos e recepcionista, executadas no interior da planta industrial e, incontroversamente, de forma pessoal e subordinada; ilegalidade do plantio, corte e descasque de madeira por atenderem à finalidade básica da Riocell S/A. 9 Aliás, esse processo recebeu o Selo Arquivo Histórico do Memorial, estando classificado como de guarda permanente. O Selo do “Acervo Histórico” da Justiça do Trabalho da 4ª Região, regulamentado pela Portaria nº 5.587/07, é uma iniciativa impulsionadora da construção de uma consciência de preservação, contribuindo para que a comunidade jurídica e os cidadãos que buscam justiça sintam-se envolvidos, democratizando-se a política de criação do acervo histórico. 1970 que, em meio a uma nova fase de expansão do setor de celulose, enquadrada nos planos do regime militar – o II Plano Nacional de Desenvolvimento, PND, e, especificamente, o I Plano Nacional de Papel e Celulose –, surgiu a Borregaard (depois Riocell, Klabin e Aracruz), que se tornou expressão econômica em Guaíba e arredores e que, além do impacto econômico, introduziu na pauta de discussões a questão ambiental10. Já os anos 1980, marcados pela crise da dívida externa, levaram a uma política geral de recessão no mercado interno e de maiores incentivos à exportação, atingindo as indústrias do setor, que se adequara a essa nova realidade. Nos anos 1990, a abertura comercial pressionou as empresas nacionais para o que se convencionou chamar de “modernização”, incluindo os temas da redução de custos, aumento de produtividade e qualificação do produto. O tema da terceirização insere-se nessa complexidade. Quanto à 15ª Região, a escolha justifica-se pela presença da empresa Klabin em algumas cidades do Estado de São Paulo que a integram e, também, pelo fato de que essa empresa, no período foco da pesquisa, integrava o KIV – Consórcio Controlador da Riocell, composto pela Klabin, Iochpe e Votorantim. Realidade, aliás, estampada nos autos dos processos historiados que revelam que, por período determinado, a própria razão social da Riocell foi alterada para Klabin-Riocell S/A. Além disso, tanto a 4ª como a 15ª Região contam, respectivamente, com Memorial e Centro de Memória com acervos preservados e em condições que facilitam a pesquisa. Do período foco do estudo – 1985-2000 –, foram 381 os processos que tramitaram em Guaíba/RS contra a empresa Riocell, envolvendo terceirização. Definido o universo a ser pesquisado na Região, procedeu-se a uma tipificação, com três tipos, A, B e C, respectivamente: processos que findaram no primeiro grau; processos que foram ao TRT; e, por fim, os que, pela via do Recurso Ordinário, chegaram ao TST. Quanto à periodização, agruparam-se os processos a partir de três momentos: 1985-1990 – período de construção e vigência do entendimento consagrado pelo então Enunciado nº 256 do TST; 1991-1995 – período de transição entre o Enunciado nº 256 e a formação do novo entendimento pelo TST que se vai expressar na Súmula nº 331, em 1993; e 1996-2000 – período de consagração do entendimento contemplado pela Súmula nº 331 do TST. Para este artigo são focados os processos de Guaíba/RS, já catalogados, micro-filmados, digitalizados, historiados e parcialmente fichados, com dados 10 Em 1973, foi inaugurada a unidade da Klabin em Jundiaí/SP, originada na empresa Igaras Papéis e Embalagens Ltda. A Klabin produz e exporta papéis, recicla, produz e comercializa madeira. Dados sobre a empresa podem ser encontrados em: . tabulados e algumas análises parciais realizadas a partir do contexto em que proferidas as decisões. Já os da 15ª Região (TRT 15) – que, depois de dificuldades na busca e localização, foram selecionados, micro-filmados e digitalizados – estão em fase inicial de fichamento. Daí o artigo centrar-se naqueles de Guaíba/RS. No entanto, os dados até aqui obtidos com a pesquisa nas páginas da Internet dos Tribunais, complementada com as entrevistas realizadas, possibilitam algumas análises que transbordam os limites da 4ª Região, permitindo que se avalie parcialmente a tendência das decisões nos períodos pesquisados. 2.1 – Especificando alguns conceitos Estado e terceirização são compreendidos de formas distintas por diversos autores. Conceituá-los não é tarefa simples. Quanto ao Estado, adota-se a teoria relacional do poder, de Poulantzas11. Para ele, o Estado é uma relação. Não pura e simplesmente a condensação de uma relação, mas uma condensação material de forças, isto é, a condensação material e específica de uma relação de forças entre classes e frações de classe. Como o lugar de cada classe, ou do poder que detém, é delimitado pelo lugar das demais classes, esse poder não é uma qualidade a ela imanente; depende e provém de um sistema relacional de lugares materiais ocupados pelos agentes. O poder político de uma classe e a capacidade de tornar concretos seus interesses políticos dependerá não somente de seu lugar de classe em relação às outras classes, mas, também, de sua posição estratégica relativamente a elas. Quanto à terceirização, uma das dificuldades de conceituá-la reside nas distintas formas por meio das quais se vem apresentando no mundo do trabalho, bem como na multiplicidade de conceitos que lhes são atribuídos por autores de diversas áreas do conhecimento. Com contornos variados e, por vezes, de forma simulada, a terceirização pode ser reconhecida, dentre outras, segundo Krein12: na contratação de redes de fornecedores com produção independente; na contratação de empresas especializadas de prestação de serviços de apoio; na alocação de trabalho temporário por meio de agências de emprego; na contratação de pessoas jurídicas ou de “autônomos” para atividades essenciais; nos trabalhos a 11 POULANTZAS, Nicos. Estado, o poder, o socialismo. Rio de Janeiro: Graal, 1990. 12 Tipologia em José Dari Krein (KREIN, José Dari. As tendências recentes na relação de emprego no Brasil: 1990-2005. Op. cit.). domicílio; pela via das cooperativas de trabalho; ou, ainda, mediante deslocamento de parte da produção ou de setores desta para ex-empregados. Nessa dinâmica, chega-se a presenciar o fenômeno da terceirização da terceirização, quando uma empresa terceirizada subcontrata outras, e o da quarteirização, com a contratação de uma empresa com função específica de gerir contratos com as terceiras e, mais recentemente, os contratos de facção e de parcerias. Por vezes, a adoção de certos mecanismos jurídicos que ocultam a figura do real empregador pode trazer dificuldades para se definir os verdadeiros pólos da relação de trabalho. Daí ser importante um conceito amplo que melhor dê conta dessa complexidade. Do ponto de vista jurídico, segundo Viana, a terceirização desafia não só o princípio protetor, mas o próprio conceito de empregador, provocando ruptura no binômio empregado-empregador (= um sujeito que admite e assalaria e outro que dirige a prestação dos serviços)13. Há um intermediário na relação entre trabalhador e empresa a quem aproveita da força-trabalho14, contratando o tomador dos serviços a força de trabalho de que necessita de forma indireta e descentralizada. Ainda juridicamente, a terceirização pode ser compreendida de forma ampla ou restrita, interna ou externa, correspondendo sempre a uma das hipóteses em que um terceiro entra na relação de emprego15. Em sentido amplo, identifica-se com a tendência empresarial e produtiva de realizar parte de suas atividades por meio de outras unidades, mais ou menos independentes, incluindo toda a operação – econômica ou de organização da atividade empresarial – de terceirização ou descentralização, qualquer que seja o instrumento jurídico ou a forma contratual utilizada. Em sentido estrito, se a identifica como mecanismo descentralizador que envolve uma relação trilateral estabelecida entre a empresa que contrata os serviços de outra empresa, terceira, a qual, por seu turno, contrata trabalhadores cujos serviços prestados destinam-se à tomadora. Em sentido interno, segundo Viana16, a terceirização é usada para expressar uma situação em que alguém se coloca entre o empregado e o tomador dos serviços. Já no sentido externo, expressa fenômeno externo ao contrato de trabalho, evidenciando, por exemplo, a situação em que alguém se coloca entre 13 Cf. VIANA, Márcio Túlio. Terceirização e sindicato: um enfoque para além do direito, 2006. Mimeo. 14 Cf. VIANA, Márcio Túlio et alii. O novo contrato de trabalho: teoria, prática e crítica da Lei nº 9.601/ 98. São Paulo: LTr, 1998. 15 Ver advertência de Márcio Túlio Viana sobre as várias hipóteses em que alguém, terceiro à relação, intromete-se nesta sem que, no entanto, se configure a terceirização (VIANA, Márcio Túlio. Terceirização e sindicato: um enfoque para além do direito, 2006. Mimeo). 16 VIANA, Márcio Túlio. Terceirização e sindicato: um enfoque para além do Direito. Op. cit. o empresário e o consumidor. No entanto, esclarece, uma e outra são faces de um mesmo fenômeno, refletindo-se da mesma maneira nas relações de poder entre capitalistas e trabalhadores. Aborda-se a terceirização de forma ampla para que se possa melhor dar conta de sua complexidade e de suas várias formas de expressão, as quais, por vezes, podem trazer dificuldades à sua caracterização, especialmente em tempos em que se observa um movimento de retorno aos ajustes de natureza civil, como empreitadas, contratos de facção, projetos de fomento. Aliás, esses contratos podem significar formas criativas de ocultamento ou simulação que, no limite, eximem de responsabilidade os verdadeiros beneficiários da força de trabalho. 3 – OS MOVIMENTOS DO CAPITALISMO E O SETOR OBJETO DA PESQUISA Introduzem-se algumas idéias sobre o movimento do capitalismo em tempos de globalização financeira17; depois, deslocando-se o olhar para o Brasil, passa-se a focá-lo no setor objeto da pesquisa para, a partir desse foco, abordar o fenômeno da terceirização. Mas vale ressaltar que, conquanto se compreenda a relevância para o mundo do trabalho desse movimento, tal compreensão não dispensa e, tampouco, elimina outra: a de que o arcabouço jurídico institucional trabalhista contribui para a definição de certos parâmetros sociais básicos, civilizatórios, que assegurem a dignidade humana18. Daí se incluir na pesquisa em andamento tanto o papel que a instituição Justiça do Trabalho desempenhou diante do fenômeno da terceirização no período 1985-2000, como tema prevalente, quanto um balanço da regulação em alguns países da América Latina, incluído o Brasil, e na Espanha sobre essa forma de contratar, balanço esse que não está contemplado nos contornos do presente artigo. Com o esgotamento do padrão de acumulação do pós-guerra, a chamada “Era de Ouro”, o capitalismo ingressou em nova fase, impulsionando, principalmente nos anos 1980 e 1990, um conjunto de transformações que afetaram a estrutura social das mais diversas formas. É no bojo desse movimento que 17 Na pesquisa, as análises sobre o movimento do capitalismo e sobre o setor de papel e celulose brasileiro, aqui parcialmente reproduzidas, são creditadas, respectivamente, a Josiane Fachini Falvo, mestre em Desenvolvimento Econômico e doutoranda em Desenvolvimento Econômico – IE/Unicamp e à economista Marilane Oliveira Teixeira, doutoranda em Economia Social e do Trabalho pelo IE/Unicamp. 18 Cf. NOBRE Jr., Hildeberto; KREIN, José Dari; BIAVASCHI, Magda Barros. A formalização doscontratos e as instituições públicas. In: FAGNANI, Eduardo; HENRIQUES, Wilnês; LÚCIO, Clemente Ganz (Orgs.). Previdência social: como incluir os excluídos?. São Paulo: LTr, 2008 (Debates Contemporâneos 4: economia social e do trabalho. CESIT/IE – Unicamp). p. 119-135. um amplo processo de reestruturação do capital forjou seus espaços, visando acelerar seu desenvolvimento, com fortes conseqüências para o mundo do trabalho e com reflexos importantes na própria organização da classe trabalhadora19. Não se pretende analisar o capitalismo e, tampouco, o processo de mutação no interior de seu padrão de acumulação. Apenas localiza-se esse movimento de transformações, com reflexos em diversas esferas da sociabilidade humana, para que, nele, se busque compreender o fenômeno da terceirização. De resto, uma estratégia do capital no sentido de sua reorganização, movido por um conjunto de ações embasadas em concepções de caráter liberal, no suposto da integração aos circuitos globais no mercado financeiro e de capitais. Mas é importante ressaltar que essas mudanças aparecem inseridas no contexto de um conjunto de transformações em nível mundial, ainda que as especificidades de determinado país ou região sejam relevantes para definir o raio de manobra dos Estados nacionais no estabelecimento de suas próprias políticas. Do ponto de vista da composição dos interesses no interior do Estado americano, por exemplo, segundo Belluzzo, houve importantes alterações na política econômica entre 1970 e 1980. Em resposta às ameaças à hegemonia do dólar e associadas à recuperação do predomínio da alta finança, foram impulsionadas mudanças as quais são um dos fatores que determinaram os movimentos de internacionalização financeira, gestados pela desorganização do sistema monetário de pagamentos20. Ao apagar das luzes dos anos 1970, por meio de elevação sem precedentes nas taxas de juros, os EUA buscaram resgatar a supremacia do dólar como moeda-reserva, questão vital para manter sua liderança do sistema financeiro e bancário, no âmbito da concorrência mundial21. A partir de então, as políticas econômicas dos demais países tiveram que se submeter aos mandamentos do dólar forte. Nas décadas de 1980 e 1990, a livre circulação mundial do capital financeiro tornou-se de tal maneira predominante que foi capaz de afetar as condições de financiamento da economia real. Sem diques, a riqueza financeira passou a se movimentar “livremente” para países garantidores de maior rentabilidade. Controlar esse livre fluxo passou a ser exceção. Essa circulação mundial ganhou tamanha proporção que invadiu a gestão do setor produtivo, 19 Aliás, o enfraquecimento da resistência dos trabalhadores foi relevante para abrir caminhos a esse movimento do capital, em sua nova etapa. Ver CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1994. 20 Cf. BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello. Ensaios sobre o capitalismo no século XX. Seleção e organização de Frederico Mazzuchelli. São Paulo: UNESP; Campinas: Unicamp/IE, 2004. p. 20. 21 Ibidem. sobretudo nas grandes corporações, entrelaçando-se o capital produtivo ao fictício, como destacou Braga22. A articulação entre o sistema financeiro e o produtivo passou a coordenar os investimentos produtivos e os progressos tecnológicos, fundamentais nas estratégias de expansão das grandes empresas mundiais. O conhecimento tecnológico tornou-se cada vez mais restrito aos países avançados, que se especializaram na produção de componentes mais sofisticados. Já os periféricos limitaram-se à produção de itens com baixo valor agregado. Em decorrência, o parque produtivo industrial desses países, em boa parte, se desestruturou. Para atraírem filiais estrangeiras, esses países precisaram realizar severos ajustes institucionais, como a abertura comercial, que expôs o parque produtivo local à agressiva concorrência. As grandes empresas pertencentes a essas localidades foram submetidas às diretrizes mundiais de gestão, como o processo de reorganização e redução dos custos de produção. No âmbito da estrutura produtiva, as mudanças foram profundas. Novos padrões redefiniram a noção de competitividade internacional. Em tempos de abertura comercial e redução das barreiras internacionais, as empresas, de forma geral, ficaram mais expostas ao processo em que se intensificou a competição, aumentando o grau de concorrência entre elas. Segundo Belluzzo, o potencial de conflito não é desprezível, num cenário de grandes instabilidades. No Brasil, a partir dos anos 1990, a economia e a atividade empresarial passaram por um processo significativo de desregulação23, com enxugamento e desverticalização das estruturas organizacionais. No bojo dessas mudanças, a terceirização tornouse uma das formas de contratação atípicas mais significativas, expandindo-se e, também, encadeando a abertura para uma série de outras formas também típicas de trabalho24. Assim, compreende-se a terceirização como expressão desse movimento. O que se deve enfatizar, para os fins deste estudo, é que, na busca por maior lucratividade, o capitalismo encontra constantemente formas criativas, por vezes apresentando “disfarces” múltiplos. 3.1 – O setor de celulose e papel no Brasil: rápida caracterização25 Procede-se a uma caracterização mais geral do setor de celulose e papel, reproduzindo-se, em parte, as análises aprofundadas na pesquisa “A Terceiri 22 BRAGA, José Carlos. Financeirização global. In: FIORI, José Luís. Poder e dinheiro: uma economia política da globalização. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 130. 23 Ver CARNEIRO, Ricardo. Globalização produtiva e estratégias empresariais. Texto para Discussão. IE/Unicamp, n. 132, ago. 2007. 24 Como o teletrabalho, o trabalho em tempo parcial, o trabalho a distância e o trabalho on-call. 25 As análises econômicas da pesquisa, parcialmente reproduzidas, são da economista Marilane Teixeira Oliveira. zação e a Justiça do Trabalho”. Os dados apontam para uma especialização do Brasil na produção de celulose para exportação, com redução da exportação de papel que agrega mais valor ao produto, tendência, aliás, que também se reflete em outros segmentos da produção de commodities. Essa tendência vem provocando deslocamento de grandes grupos internacionais para países como Brasil, Uruguai e Chile, em face de suas vantagens competitivas, especialmente o Brasil, destacando-se, entre elas, o baixo custo do fator trabalho quando comparado aos demais países. Em 2007, a América Latina foi responsável por 4,9% das vendas totais e por 28% do lucro líquido das cem maiores companhias, o que correspondeu a um incremento de 19% e 57% em relação ao ano anterior, respectivamente. Entre as 100 maiores companhias por vendas, o Brasil ocupa a 51ª posição com a Aracruz, seguida da Suzano na 53ª posição, da Klabin na 59ª e da Votorantim na 64ª posição. As vendas das quatro maiores empresas brasileiras representam 1,8% das vendas totais das 100 maiores empresas mundiais em 2007. Na Tabela 1, a seguir, está o resultado das 10 maiores companhias no ano de 2007. Tabela 1 – Principais empresas mundiais do setor de celulose e papel (US$ milhões) Fonte: PricewaterhouseCoopersLLP Elaboração: Marilane Oliveira. Pesquisa “A Terceirização e a Justiça do Trabalho”. A despeito do crescimento do setor e do desempenho de suas exportações, a posição do Brasil no mercado internacional é pequena quando comparada com as grandes companhias dos Estados Unidos, Suécia, Finlândia, Japão e Canadá. As vendas das quatro maiores empresas brasileiras correspondem a 30% das vendas totais da maior companhia, a International Paper. No entanto, o que se observa é que, sobretudo pela localização geográfica e disponibilidade de extensas áreas para plantio, as indústrias de celulose e de pastas não recicladasestão sendo relocalizadas em direção à América Latina (Brasil e Chile) e Ásia (Indonésia e Malásia), rumo às fontes de matéria-prima e papel para o mercado consumidor26. Quanto às exportações, o Brasil foi o país que mais cresceu entre 1989 e 2002. Enquanto Estados Unidos e Canadá cresceram em média 0,3% e 1,6% ao ano, o Brasil, no mesmo período, cresceu 6,4%27. No entanto, enquanto se destaca na produção de celulose, perde espaço na produção de papel. Considerando-se que na cadeia produtiva a etapa de produção de papel agrega mais valor, pode-se afirmar que o Brasil produz celulose barata para exportação, alimentando os parques industriais dos países desenvolvidos. A maior produtora mundial de celulose de eucalipto para mercado é a brasileira Aracruz Celulose S/A. O grupo Klabin, cujo lucro líquido em 2007 cresceu 36%, com o terceiro melhor resultado entre as empresas de celulose e papel, ficando atrás apenas da Aracruz e da Suzano, mantinha, no final de 2007, 7.384 empregados diretos e 6.120 contratados de terceiros – em sua maior parte em serviços gerais, de manutenção e em atividades da área florestal –, totalizando 13.504. Conforme dados obtidos junto à própria Klabin, no ano de 1999 havia 7.983 empregados diretos e 5.460 terceirizados, totalizando 13.443 trabalhadores, ou seja, 59,4% eram empregados diretos e 40,6% contratados de terceiros. Em 2007, esse percentual caiu para 54,6%, de trabalhadores diretos, e para 45,3%, de trabalhadores terceirizados, ampliando-se a terceirização. Em relação à Aracruz, de Guaíba/RS, os dados indicam que, em 2003, havia 2.104 trabalhadores, 26 Segundo dados da Bracelpa, no Brasil, entre 1990 e 2005, o total de área reflorestada saltou de 26.023,6 mil hectares para 224.990 mil hectares, mais de 750%. Já o desempenho brasileiro está associado a um conjunto de fatores: sofisticada tecnologia florestal, com 25 anos de pesquisa que possibilitou desenvolvimento genético alcançado para o eucalipto que permite corte para industrialização em 7 anos, com alta produtividade. As florestas boreais têm ciclo de 30 anos. Além disso, a grande concentração do setor permite economias de escala e acesso a capital de longo prazo. 27 Segundo BNDES, 2006, acaso mantidas essas taxas, as projeções são as de que, em 2009, o Brasil ultrapassará a Suécia; em 2017, os Estados Unidos; e, em 2035, ultrapassará o Canadá, tornando-se o maior exportador de celulose em valor. sendo 77,5% terceiros permanentes e 22,5% empregados próprios. Em 2007, o número de trabalhadores passou para 3.051, sendo que a proporção dos terceirizados (terceiros permanentes) também cresceu, à razão de 84%. Quanto à distribuição das florestas plantadas por tipo de propriedade, se por um lado, de 2006 a 2007, houve redução em propriedades próprias (-2%), por outro houve aumento no plantio em áreas fomentadas e arrendadas de 18% e 14%, respectivamente, segundo dados da ABRAF. Em 2007, a distribuição entre os tipos de propriedade foi de: 75%, em áreas próprias; 15%, em áreas fomentadas; e, 10%, em arrendadas. Em 2005, 81% eram áreas próprias; 11%, fomento florestal; e 8%, arrendamento. Entre 2005 e 2007, o fomento florestal cresceu 47% (a área de fomento cresceu de 258 mil hectares para 401,9 mil hectares); o arrendamento, 29,5%; e a propriedade própria caiu quase 5%, segundo dados da ABRAF de 2007. O Gráfico 1, que segue, estampa essa realidade. Eucalipto Pínus Entre 2005 e 2007, o fomento florestal cresceu 47%: a área de fomento cresceu de 258,0 mil hectares para 401,9 mil hectares; o arrendamento, 29,5%; e a propriedade própria caiu quase 5%, segundo dados da ABRAF de 2007. O que as experiências têm demonstrado é que o fomento florestal tem sido utilizado como alternativa mais viável do ponto de vista econômico para reduzir a verticalização. Com o fomento, as empresas buscam garantir seu suprimento de matérias-primas sem terem de imobilizar recursos em terras e infra-estrutura, transferindo as responsabilidades pela produção de madeira aos produtores. Calcula-se, apenas em relação às empresas associadas à ABRAF, que o número de contratos de fomento seja da ordem de 22.155. Somente em 2007, foram formalizados 4.250 novos contratos. Nos contratos de fomento das empresas florestais, especificamente celulose e papel, são repassados aos produtores mudas, fertilizantes, defensivos, recursos financeiros e assistência técnica28. A indústria de celulose no Brasil vinha, até a atual crise, anunciando investimentos de bilhões de dólares para os próximos anos. Para tanto, será necessário o aumento de áreas de plantios próprios e de terceiros, via fomento industrial ou arrendamento de terras. A cadeia produtiva do setor começa na floresta, onde são plantadas as áreas para a produção da celulose. A madeira obtida segue para as fábricas de celulose que por sua vez destina-se: mercado externo; mercado interno; e, fábricas próprias de papel. A prática de contratar serviços no setor florestal vem da década de 1960, com o início das atividades de reflorestamento no Brasil. As empresas contratavam prestadores de serviços, na forma de “empreitada”, para a execução de diversas atividades, tais como: limpeza do terreno, preparo do solo, plantio, tratamento silvicultural. A partir da metade da década de 1970, o processo se intensificou com a transferência de parte da atividade de transporte da madeira para prestadores de serviços. Na década de 1980, outros setores foram sendo terceirizados: transporte de empregados, a manutenção de máquinas, os serviços de limpeza, a alimentação etc. Já nos anos 1990, o processo de terceirização ampliou-se para atividades-fim como a colheita florestal. Atualmente, até setores considerados essenciais para as empresas (como recursos humanos, contabilidade e outros) são transferidos para prestadores de serviços. No Rio Grande do Sul, no entanto, os processos examinados demonstram que já na década de 1980 tanto o corte como o descasque e o transporte da madeira envolviam trabalho de terceiras, inicialmente contratadas como “empreiteiras”. Esse fenômeno desembocou na terceirização no início da década de 1990, ampliada para vários setores de atividades, inclusive recursos humanos, motivando o ajuizamento da ação civil pública, “carro-chefe” da pesquisa, proposta pelo Ministério Público do Trabalho, já referida. 28 Segundo a ABRAF, 2006, as modalidades mais freqüentes de fomento florestal no Brasil são: doação e venda de mudas de espécies florestais; programa de renda antecipada para o plantio florestal; parcerias, que permitem entre outras combinações, o pagamento antecipado equivalente em madeira pelo produtor pelos serviços oferecidos pela empresa na propriedade; garantia da compra da madeira pela empresa à época da colheita e o arrendamento de terra por empresas florestais, entre outros. Segundo Leite, muitas das empresas que prestam serviços no setor florestal são constituídas por ex-empregados29. Nesse setor, a proporção de trabalhadores terceirizados em relação aos empregados diretos (próprios) é crescente. Os dados de 2005 indicam que, do total de 45.305 trabalhadores, 80% são contratados por terceiras. Os Estados com maior incidência da utilização da mão-de-obra contratada por terceirizadas são: Pará (96%); Espírito Santo (90%); Minas Gerais (90%); e Rio Grande do Sul (90%)30. Há quem defenda a idéia de verticalização das empresas de base florestal, ou seja, maior imobilização de recursos para domínio de toda a cadeia de suprimento, do plantio até o produto final, o que exige das empresas que imobilizem parte de seus recursos em terras e realizem investimentos em atividades desde o preparo das áreas e plantio até a entrega da madeira na fábrica. Outros, porém, afirmam que o modelo concentrador tende a comprometer o crescimento e desenvolvimento do setor, apontando para uma tendência futura de reduzir a verticalização dos processos produtivos. Alinhadas a essa tendência, algumas empresas vêm adotando sistemas parecidos com os praticados nas agroindústrias de aves e suínos, ou seja, um sistema em que a empresa fornece a matéria-prima e os insumos necessários para o plantio das árvores, enquanto a produção passa a ser realizada por terceiros, sob o controle da empresa contratante. Importante ressaltar que esse sistema também pode ser desenvolvido via contratos de natureza civil ou comercial, por meio dos quais a empresa contratante se beneficia da mão-de-obra sem contratá-la tanto direta (por meio do contrato de emprego) quanto indiretamente (via terceirização formal, conceituação restrita). Trata-se de sistema com potencial altamente burlador das normas de proteção social ao trabalho e da própria aplicação do entendimento que a Súmula nº 331 do TST consolida. 4 – OS RESULTADOS PARCIAIS E A JUSTIÇA DO TRABALHO Conforme J. Schumpeter, os capitais estão sempre à busca de lucros extraordinários, numa verdadeira “compulsão”. Para tanto, introduzem inovações na forma de produzir e organizar a empresa e relacioná-la com outras empresas. Movido por um impulso que o mantém em funcionamento, o capitalismo vai engendrando, incessantemente, novas formas de organização31, 29 LEITE, A. M. P. Análise da terceirização na colheita florestal no Brasil. Tese de Doutorado. Programa Pós-Graduação em Ciência Florestal – UFV. Minas Gerais, 2002. Mimeo. 30 A distribuição dos trabalhadores segundo a área de atuação indica que o preparo do solo responde pela maior parte dos serviços terceirizados, em 94%; segue-se a área de manutenção, com 93%; depois, a do plantio, com 87%; e, depois ainda, a da colheita, com 85%. 31 SCHUMPETER, J. Capitalismo, socialismo e democracia. New York: Harper & Row, 1975. p. 82-83. num processo que revoluciona a estrutura econômica por dentro, destruindo a anterior e gerando nova: o processo de “destruição criadora”32. O estudo dos processos de autos findos que tramitaram em Guaíba/RS no período foco da pesquisa confirmam as hipóteses iniciais, em síntese: – 1985-1990. Primeiro período. Inicialmente, a dona do mato (hortos) em que plantados os pínus e os eucaliptos – matéria-prima – contratava para o corte do mato e descasque da madeira empresas sob modalidade formal de empreitada, contrato de natureza civil. Assim, buscava eximir-se das responsabilidades do art. 455 da CLT, ou seja, da condenação solidária. Os trabalhadores, cujos direitos eram lesados, ajuizaram demandas contra as contratantes diretas, “empreiteiras” e, também, contra a tomadora, pretendendo o reconhecimento da responsabilidade das duas frente aos seus créditos trabalhistas. As decisões da então Junta de Conciliação e Julgamento de Guaíba/RS passaram a afastar o óbice invocado pela defesa da tomadora, que pretendia sua exclusão da lide por ser dona da obra e, nessas condições, por não lhe alcançar a responsabilidade solidária, ex vi do art. 455 citado. E o fizeram sob o fundamento de que as atividades de corte de mato e de descasque da madeira, contratada das “empreiteiras”, era essencial e fundamental ao empreendimento econômico da tomadora, dona dos hortos florestais que, com essa fundamentação, passou a ser condenada solidariamente. Nessa démarche, outra empresa, do setor florestal (a seguir referida como Florestal), passou a contratar os trabalhadores para o corte de mato e descasque. Novas demandas foram ajuizadas. E a JCJ, analisando a pretensão da tomadora de sua exclusão da lide sob o argumento de que se tratava de empresa autônoma que, com estrutura e empregados próprios, contratava seus empregados e respondia perante eles, reconheceu (na grande maioria de suas decisões) haver grupo econômico, condenando ambas, tomadora e Florestal, solidariamente, ao pagamento dos créditos dos reclamantes. Essas reclamatórias suscitaram muitas discussões envolvendo vários temas, entre eles o reconhecimento da condição de rurícolas ou de urbanos dos trabalhadores e, por decorrência, qual a prescrição a ser pronunciada. Finalmente, pacificada do ponto de vista jurídico a questão da responsabilidade solidária da tomadora, esta assumiu os contratos com os empregados da Florestal, invocando a figura da sucessão de empregadores. Foi nesse momento que se começou a 32 Ver SILVEIRA, Carlos E. F. Desenvolvimento tecnológico no Brasil: autonomia e dependência num país periférico industrializado. Tese submetida ao Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutor em Economia Aplicada. Campinas, 2001. Mimeo. falar em terceirização. Assumia a defesa da tomadora conhecido escritório de advocacia. Um de seus advogados, Dr. Jerônimo Leiria, um dos entrevistados pela pesquisa, publicava livros e artigos em jornais e em outros veículos, defendendo a nova forma de contratar. Foi intensa sua produção doutrinária no período. A tomadora terceirizou. Despediu empregados seus, muitos, a seguir, contratados como “empresas”. O processo de terceirização ampliou-se para além do corte, descasque de mato e transporte de madeira, sendo adotado nas atividades administrativas e burocráticas. – 1991-1995. Período de transição. Em meio ao processo de terceirização em andamento, em 18 de dezembro de 1991 foi ajuizada a ação civil pública (ACP) pelo Ministério Público do Trabalho, por meio de sua Procuradoria Regional do Rio Grande do Sul, visando ver coibida a terceirização, como vinha sendo praticada na empresa tomadora. Trata-se de um período em que, por vezes, são contraditórias as decisões proferidas. As sentenças e os acórdãos ora reconhecem a condição de empregadora da tomadora, ora afirmam sua responsabilidade solidária, afastando a tese de exclusão da lide da tomadora. Outras, menos freqüentes, reconhecem sua responsabilidade subsidiária. Mas há também as que, em determinas situações, excepcionais, afastam da lide a tomadora. A ACP foi julgada procedente pela JCJ, em decisão unânime. O representante classista dos empregadores consignou voto convergente, expondo suas razões. Interposto recurso ordinário pela tomadora, o feito foi distribuído à 5ª Turma do TRT 4, com julgamento em 29 de setembro de 1994. Provendo em parte o recurso, a Turma praticamente manteve a sentença, ampliando a ressalva para acrescer àquela já prescrita na sentença – a da Lei nº 6.019/74 – a possibilidade de serem contratados, não sob a forma de locação de mão-deobra, mas os serviços de conservação e limpeza, bem como os especializados ligados à atividade-meio, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. Do acórdão, publicado em 14 de novembro de 1994, a tomadora recorreu de Revista para o TST, julgada em 2 de dezembro de 1998, com extinção do feito sem exame do mérito por inexistência de legitimidade do Ministério Público do Trabalho para propor a ação. Nesse interregno, entre chegada da Revista ao TST e seu julgamento, foi alterado o entendimento expresso no Enunciado nº 256 sendo, em dezembro de 1993, construída a Súmula nº 331, que acabou por legitimar a terceirização nas atividades-meio, ressalvando hipóteses de fraude e definindo como subsidiária a responsabilidade da tomadora. – 1996-2000. Período de consolidação do entendimento expresso na Súmula nº 331 do TST. O entendimento consagrado pela Súmula teve reflexos no ajuizamento das demandas, reduzindo o questionamento da terceirização; por outro lado, as condenações apareceram com novo conteúdo. De forma majoritária, passaram a reconhecer a responsabilidade subsidiária da tomadora, ou, mesmo, a excluí-la da lide, isentando-a de responsabilidade. Dessa forma, os processos demonstram a força das decisões sumuladas pelo TST, sobretudo nesse terceiro período, balizando o entendimento dos demais graus de jurisdição. Isso por um lado. No entanto, e comprovando a tese de que o Estado é uma relação, encontram-se nesse período, mesmo que não de forma prevalente, decisões concluindo pela responsabilização solidária da tomadora e, mesmo, pelo reconhecimento de sua condição de empregadora quando evidenciada simulação, instrumento da fraude. Os dados tabulados período a período e em cada grau de jurisdição comprovam o que se afirmara anteriormente, ou seja: a Justiça do Trabalho, mesmo que com movimentos de avanços e recuos, e não de forma monolítica, foi lócus de resistência à terceirização nos dois primeiros períodos33. No terceiro, a situação modifica-se. A tabela a seguir, copiada do Relatório Parcial encaminhado à FAPESP (daí o número 14), é significativa, merecendo ter sua análise complementada com os demais elementos obtidos na pesquisa, estudo que transborda os contornos deste artigo. Tabela 14 Quanto à terceirização das relações de trabalho, a Justiça do Trabalho foi lócus de: número de processos e percentual em relação à cada instância. Subperíodos 1985 - 1990, 1991 - 1995, 1996 - 2000 1985 - 1990 1991 - 1995 1996 - 2000 Nº % Nº % Nº % Resistência 50 64,1 23 46,9 0 - Afirmação 19 24,4 21 42,9 19 90,5 Vara Nenhum 9 11,5 4 8,2 2 9,5 Outros 0 - 1 2,0 0 - Total 78 100,0 49 100,0 21 100,0 Resistência 18 62,1 11 42,3 0 - Afirmação 5 17,2 4 15,4 1 50,0 TRT Nenhum 3 10,3 6 23,1 1 50,0 Outros 3 10,3 5 19,2 0 - Total 29 100,0 26 100,0 2 100,0 Resistência 1 12,5 1 12,5 0 - Afirmação 3 37,5 4 50,0 0 - TST Nenhum 2 25,0 1 12,5 0 - Outros 2 25,0 2 25,0 0 - Total 8 100,0 8 100,0 0 - Fonte: Acervo Memorial /RS. Elaboração Pesquisa Terceirização/CESIT/FAPESP. 33 NOBRE Jr., Hildeberto; KREIN, José Dari; BIAVASCHI, Magda Barros. A formalização dos contratos e as instituições públicas. Op. cit., p. 119-135. 84 Rev. TST, Brasília, vol. 74, no 4, out/dez 2008 De qualquer sorte, oferece elementos que apontam para a premência de se discutir o tema do Estado e a Justiça do Trabalho como espaço fundamental de garantia dos direitos sociais fundamentais. Porém, atentando-se para o fato de que, mesmo que subsidiária a responsabilidade, há freios à terceirização, procedeu-se a dois exercícios: em um, considerou-se que o entendimento consagrado pela Súmula nº 331, importando retrocesso em relação àquele contemplado pelo Enunciado nº 256, afirmou o processo de terceirização; em outro, alterando-se o critério, entendeu-se como de resistência a essa forma atípica de contratar as decisões que condenam subsidiariamente a tomadora (terceiro período). Houve alteração de resultados. No primeiro grau, houve elevação no percentual de resistências. Dos sessenta e oito processos julgados na Junta após a publicação da Súmula nº 331, considerando-se, agora, a responsabilidade subsidiária como resistência, o percentual das sentenças que resistiram, quando comparado com o exercício anterior, aumentou de 36,76% para 45,59% dos processos. Já o das que afirmaram a terceirização reduziu de 52,94% para 42,65%. A Justiça do Trabalho, ao condenar tomadora, ainda que subsidiariamente, a pagar aos trabalhadores os créditos reconhecidos, tanto lhes assegura direitos lesados quanto contribui para o processo de formalização dos contratos de emprego. No TRT a variação não foi significativa. 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS As tensões sociais refletem-se no papel que a Justiça do Trabalho tem desempenhado, reproduzindo a condensação material de forças presentes na sociedade. Daí não serem uniformes as soluções às demandas judiciais, como não é única a visão de mundo dos magistrados que a compõem34. O que se verifica dos dados até aqui levantados é, em síntese, que os processos judiciais e suas decisões se inserem na complexidade das relações sociais em um determinado momento histórico, refletindo a forma pela qual o acontecimento – terceirização – rebate no mundo jurídico trabalhista e como o sentido que o jurídico dá a esse acontecimento acaba repercutindo na vida das relações sociais. Assim: o conteúdo das decisões judiciais não aparece descolado da dinâmica das relações sociais e dos movimentos da economia e da política de um determinado país, no momento em que produzidas; os entendimentos sumulados pelo TST repercutem, com força, nas sentenças e nos acórdãos, conquanto existam resistências; a tendência das decisões é a de coibir a fraude quando evidenciada simulação; o fenômeno da terceirização pode ser compreendido 34 Considerações que estão presentes em KREIN, José Dari, 2007. como uma estratégia de negócio ou, mesmo, um “mecanismo de proteção” do qual as empresas se utilizam na busca de condições que lhes garantam competitividade e lucro; a ausência de uma regulação específica sobre terceirização suscita e aprofunda o debate sobre sua importância e necessidade. Sem dúvida, um desafio que se coloca para que não se deixe consumir em nome da integração que se desintegra a raiz do ser e do viver35. 6 – BIBLIOGRAFIA CONSULTADA BALTAR, Paulo; MORETTO, Amilton; KREIN, José Dari. O emprego formal no Brasil: início do século XXI. In: KREIN, José Dari et alii. As transformações no mundo do trabalho e os direitos dos trabalhadores. São Paulo: LTr, 2006. BELLUZZO, L. G. Prefácio. In: MATTOSO, J.; OLIVEIRA, C. (Orgs.). Crise e trabalho no Brasil: modernidade ou volta ao passado?. São Paulo: Scritta, 1996. ______. Dinheiro e as transformações da riqueza. In: FIORI, J. L. Poder e dinheiro: uma economia política da globalização. Petrópolis: Vozes, 1997. ______. Ensaios sobre o capitalismo no século XX. Seleção e organização de Frederico Mazzuchelli. São Paulo: UNESP; Campinas: Unicamp/IE, 2004. ______; ALMEIDA, J. S. Depois da queda. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. BIAVASCHI, Magda Barros; LÜBBE, Anita; MIRANDA, Maria Guilhermina (Orgs.). 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IKPC (2000) – Indústrias Klabin de Papel e Celulose S/A. Relatório Anual. 35 Em referência à epígrafe que abre este artigo. JUVENAL, T. L.; MATTOS, R. L. O setor de celulose e papel. Rio de Janeiro: BNDES, 2001. KLABIN. Relatório de sustentabilidade. São Paulo: Klabin, 2007. KREIN, J. D. A reforma trabalhista de FHC: análise de sua efetividade. Revista Trabalhista, v. II, Rio de Janeiro, abr. 2002. ______. As tendências recentes na relação de emprego no Brasil: 1990-2005. Tese de Doutorado. Campinas: IE/Unicamp, 2007. LEITE, A. M. P. Análise da terceirização na colheita florestal no Brasil. Tese de Doutorado. Programa Pós-Graduação em Ciência Florestal – UFV. Minas Gerais, 2002. LIMA, G. B.; FILHO, P. T.; NEVES, M. F.; CARVALHO, D. T. Estratégias e organizações. Integração e coordenação vertical na cadeia de papel e celulose: o caso Votorantim. MACEDO, A. R. P.; VALENÇA, A. C. V. O terceiro ciclo de investimentos da indústria brasileira de papel e celulose. In: BNDES Setorial. n. 4. 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Antigamente, havia um modelo em razão do qual toda atividade estava concentrada na empresa, no mesmo local, os trabalhadores com regime de oito horas, etc. Hoje verifica-se o que se chama de descentralização produtiva, em que a empresa transfere parte da sua atividade para outras empresas (...).”1 1 – INTRODUÇÃO O tema terceirização já foi analisado e decantado em prosa e verso em todas as revistas jurídicas do país e vem sendo estudado até mesmo por outros ramos da ciência preocupados com o aumento da produtividade, a diminuição de custos, a otimização de recursos humanos e materiais, a migração da mão-de-obra, as novas tecnologias, aí incluídas a engenharia e a sociologia, dentre outros. Não se cogita, pois, aqui, esgotar o assunto, nem tampouco se tem a pretensão de apontar soluções que possam servir a todas as hipóteses surgidas nas últimas três décadas. O que se pretende é mostrar, a partir do estudo de algumas situações no direito comparado e na legislação nacional, com rápidas incursões pela jurisprudência, fixando-se em quatro áreas principais da ativi * Subprocurador-Geral do Trabalho; Mestre em Direito do Trabalho pela USP; Procurador-Geral do MPT, no período 08/1999 a 08/2003. Texto extraído de destaque da Revista da Anamatra (2º semestre de 2008, p. 54), que se refere à entrevista com o Professor e Juiz Aposentado Luiz de Pinho Pedreira da Silva concedida a Viviane Dias. dade econômica, que o fenômeno afigura-se irreversível – assim como a globalização – e merece, portanto, maior reflexão e sensibilidade por parte dos órgãos incumbidos da fiscalização, com o devido respeito à letra da lei, na busca de soluções para cada caso. Além disto, que procurem contemplar mais os benefícios que o processo pode trazer, verbi gratia, a formalização das relações de trabalho e de emprego, retirando, destarte, milhares de trabalhadores da informalidade, com a segurança da co-responsabilidade civil do tomador dos serviços em caso de inadimplemento de obrigações por parte do empregador direto, do que eventuais embaraços encontrados nas entrelinhas de uma legislação que não acompanhou a evolução pela qual o planeta passou nos últimos 50 anos2. 2 – HISTÓRICO. CONCEITO Segundo relata Márcio Pochmann3, a partir da segunda metade do século XIX, com o avanço da Revolução Industrial e Tecnológica, a grande empresa capitalista estabeleceu as bases para a produção em larga escala nos setores econômicos emergentes, vindo a indústria do automóvel, a química, a siderúrgica, dentre outras, passando-se a investir nos países mais atrasados e fornecedores de matéria-prima à empresa-sede, cujos investimentos, segundo o pesquisador, chegaram a atingir 2/3 do total dirigido ao exterior, com importante impacto na organização do trabalho em nível local. As primeiras experiências de criação de “empresas-espelho” da própria organização matriz, em outras nações, surgiram na década de 1850, com o fito de produzir insumos para a matriz, como os casos da Colt, na Inglaterra, em 1852; da Bayer, nos EUA, em 1865; da Singer, em Glasgow, em 1867. Na França, segundo relato de Casey Harison4, um certo Martin Nadaud, migrante de Creuse, conta em suas memórias a tentativa de se transformar 2 Para uma análise mais aprofundada do enfoque dado pelos autores de outras áreas, ver especialmente “A gestão de projetos como aprimoramento da terceirização”, de Amélia de Lima Guedes, economista, e Renato da Veiga Guadagnin, engenheiro mecânico, in Informática Pública, v. 5 (1): 65-78, 2003; “Tendências da indústria automotiva brasileira: um estudo do caso Fiat”, de Elói Martins Senhoras e Josimara Martins Dias, pesquisadores da Unicamp – disponível em: ; “Contextualização da terceirização e suas perspectivas como prática social”, de José Orlando Gomes, do Departamento de Engenharia Industrial da PUC/RJ, e Mário César Rodriguez Vidal, da UFRJ. Disponível em: . 3 POCHMANN, Márcio. A transnacionalização da terceirização na contratação do trabalho. Campinas. Disponível em: . 4 HARISON, Casey. An organization of labor: laissez-faire and marchandage in the Paris Building Trades through 1848. In: French Historical Studies, v. 20, n. 3, Summer, Duke University Press, 1997. p. 357 380. num tâcheron, ou subcontratante, em Paris, na década de 1840. Sua intenção era tornar-se um entrepreneur – empreiteiro –, retirando das cercanias da Place de Grève trabalhadores desempregados e imigrantes sem ocupação para trabalharem como terceirizados. A façanha durou cerca de dois anos. Na Itália, segundo relato do Doutor Luigi Fiorentino5, “gia dalla fine dell´Ottocento la dottrina pubblicistica aveva prestato attenzione ai casi di esercizio privato di funzioni pubbliche (...)”. Conclui citando Santi Romano, Zanobini e Giannini, no sentido de que a “atribuição ao privado de funções públicas não se constitui uma novidade, mas os enfoques e o objetivo da terceirização de hoje são, em parte, diversos daqueles do passado”. Conceituar a externalização da atividade – ou de parte dela –, também chamada de terceirização, não é tarefa fácil, haja vista as múltiplas facetas do processo de encadeamento produtivo ou de complementaridade de serviços, motivo pelo qual se preferiu recorrer a diversas fontes, primeiro no direito comparado e depois na legislação pátria. Segundo o “Guide to Successful Outsourcing Deals”6, o significado da palavra “outsourcing” – externalização, numa tradução livre – vem a ser “uma simples transação contratual pela qual uma empresa adquire serviços de outra retendo a propriedade e responsabilidade do processo produtivo; o cliente diz ao fornecedor dos serviços o que ele quer e como o trabalho deve ser executado”. Para a Doutora Donatella Rossi: “Oggi, tutte quelle attività fondamentali per il funzionamento dell’azienda e quei processi tradizionalmente interni alla stessa ma che non ne rappresentano il ‘core business’, possono essere ‘affidate’ alla gestione di organizzazioni esterne specializzate, permettendo, così, all’azienda di valorizzare le proprie competenze distintive, concentrandosi sulle attività a maggior valore aggiunto, di contenere i costi e di avere i servizi e i prodotti necessari al proprio sviluppo. Questo processo si chiama ‘outsourcing’.”7 5 FIORENTINO, Luigi apud ZANETTINI, Laura. L’esternalizzazione delle gestioni amministrative: resoconto del convegno organizzato dall’IRPA. Facoltà di giurisprudenza dell’Università degli Studi di Sienna. Disponível em: . 6 Copyright@A-1Technology Pvt. Ltd., an Offshore Outsourcing Company. Meaning of “Outsourcing” is: “A company or person that provides information; to find a supplier or service, to identify a source”. In lay man’s language it is a pure contracting transaction whereby one company purchases services from another while retaining ownership and responsibility for the underlying processes; the clients tell the provider what they want and how they want the work performed. 7 ROSSI, Donatella. Esternalizzazione, terziarizzazione o più semplicemente ‘outsourcing’. Milano: Dirittonet, n. 133/04. Numa tradução livre, todas as atividades fundamentais para o funcionamento de uma empresa e os processos tradicionalmente internos da mesma, mas que não representam o coração do negócio, podem ser terceirizados à gestão de organizações externas especializadas, permitindo, assim, à firma, valorizar sua própria competência distintiva, concentrando-se na atividade de maior valor agregado, contendo os custos e obtendo os serviços e produtos necessários ao seu desenvolvimento. A isto se chama terceirização. No Brasil encontramos na Nota Técnica/CGRT/SRT nº 08/04 do Ministério do Trabalho e Emprego a seguinte definição, verbis: “De todo modo, a terceirização, entendida como a transferência para outrem do encargo de realização de uma ou várias atividades anteriormente realizadas por empregados próprios, está autorizada em nosso ordenamento (...).” 3 – OUTSOURCING, OFFSHORING Podemos classificar a terceirização em dois gêneros, divididos em algumas espécies, a saber: a) o chamado outsourcing – que dá a idéia de uma “fonte externa” – é a terceirização de serviços ou a produção de componentes repassada a outra empresa para executá-los dentro ou fora dos muros da tomadora, mas dentro do território nacional; normalmente, por questão de logística, em prédio contíguo ou próximo da contratante, exceção feita aos serviços de informática que independem de distância. Exemplos típicos são os casos Fiat em Betim/MG, e da GM no ABC Paulista, em que os parceiros diretos estão localizados dentro da planta; b) o segundo grande gênero é o denominado offshoring, ou seja, aquela terceirização feita “fora da praia” do tomador dos serviços, normalmente no exterior. São expressivos os números,hoje em dia, desse tipo de terceirização, tendo como destinos a Índia e a China, principalmente nas áreas de informática e metalurgia, respectivamente. As principais espécies de outsourcing são o full outsourcing ou terceirização integral, pela qual o cliente transfere ao executor dos serviços a plena propriedade de um setor da empresa, como por exemplo, o de informática. Tem-se, também, a terceirização de base, pela qual não se diminui os setores empresariais existentes, mas se procede à mera cessação de determinada atividade por conta própria e a transfere ao terceirizado. Exemplo típico é a da gestão de pessoal. Abrindo um parêntese, no interior do Brasil, há muito tempo, existe a figura do Contador Autônomo, logo seguido dos Escritórios de Contabilidade, incumbidos não apenas de fazerem a “escrita fiscal” de profissionais liberais, micro, pequenas e médias empresas, mas que é, seguramente, o embrião de uma gama maior de terceirização no país, abarcando, inclusive, gestão de pessoal. Há os mais organizados que já oferecem serviços de advocacia empresarial e trabalhista. Quanto a estes serviços não tem havido resistência, historicamente, pelos órgãos de fiscalização. Fechando o parêntese, e ainda segundo a mesma pesquisadora, Dra. Donatella Rossi, supracitada, tem-se, também, a terceirização transformacional, quando a mesma se faz acompanhar de uma reestruturação na área da empresa interessada. Terminada a reestruturação, volta-se à terceirização total do setor. Exemplo típico seria a terceirização do parque informático de determinada empresa, com o upgrade do equipamento e do software, inclusive com obras civis, quando necessário, e posterior continuidade na prestação dos serviços. Segundo essa mesma tipologia tem-se, também, a terceirização funcional, pela qual se delega a terceiro uma inteira função ou, mais freqüentemente, um inteiro processo. Caso típico se dá com a logística, mas acontece igualmente com a produção de determinados produtos ou componentes, com a administração, o completo desenvolvimento organizacional e até com as vendas. Tem-se, ainda, o joint-venture outsourcing, pelo qual se transfere um setor inteiro de determinada empresa a uma terceira, sociedade mista formada entre o capital do tomador e do prestador dos serviços, nos moldes das tradicionais joint-ventures, há muito conhecidas. Por fim, o group outsourcing, ou simplesmente a terceirização feita para uma empresa do mesmo grupo econômico, inteiramente controlada pelo cliente. 4 – ITÁLIA, EUA Na Itália, com a entrada em vigor da Reforma Biagi em outubro de 2003, novos parâmetros foram colocados para a prática do offshoring pelas empresas nacionais. Pode haver transferência de um ramo da empresa ao exterior, mas é necessário demonstrar que a parte transferida goza de autonomia funcional no momento da passagem. Tanto a legislação quanto a jurisprudência da Itália têm pontos comuns com a do Brasil, havendo descompasso e desatualidade entre la legge posta e a prática/realidade, haja vista que as empresas multinacionais italianas há muito se utilizam de mão-de-obra terceirizada, sendo exemplo típico as famosas indústrias de confecção e acessórios, que se utilizam de faccionistas no Brasil,na China, na Índia, na Indonésia e em tantos outros países do mundo. Acresça-se a situação das montadoras de automóveis, que há muito deixaram de ser fábricas e, para sobreviverem, adotaram o modelo toyotista de produção, que compreende a terceirização na fabricação de componentes, inclusive com pré-montagem de partes dos veículos, embora seja a tomadora a dona das patentes e a responsável pela supervisão dos produtos em fase final de montagem, formando o que chamo de encadeamento produtivo. Mas existem outros exemplos interessantes na Itália, nessa área, como a questão da terceirização da gestão administrativa, o que, tendo-se em conta o grau de estatização nas áreas de cultura, educação e saúde naquele país, denota a importância do tema. A respeito do assunto, a jornalista Laura Zanettini8 publicou interessante resenha de reunião havida na Universidade de Siena para discutir a terceirização da gestão administrativa, com vistas a enfrentar as dificuldades com as sucessivas e malogradas tentativas de modernização do direito administrativo naquele país, abarcando diversos exemplos interessantes. Para ficar apenas em dois recentes na área de terceirização das atividades administrativas na Itália, pós-consolidação da Comunidade Européia, basta a citação de dois atos do Banco Central Italiano, baixados para regular a terceirização no controle das moedas em circulação9, e o relativo aos Call Centers, pela Comunicação nº 2073042, de 07.11.02, que estabelece normas para a externalização desse serviço de atendimento às instituições bancárias e financiárias do país. Nos Estados Unidos o outsourcing teve forte impulso durante a Segunda Grande Guerra, com o aumento sem precedentes na produção bélica, e consolidou-se a partir da década de 50, com o virtuoso crescimento da economia do pós-guerra, mormente na indústria, chegando ao século XXI com um nível de terceirização nunca dantes alcançado, incluindo o offshoring, sendo, atualmente, as companhias americanas as maiores clientes das empresas deterceirização da Índia e China, principalmente na área de TI (Tecnologia da Informação). Hoje em dia, até mesmo as declarações de imposto de renda de 8 ZANETTINI, Laura. L’esternalizzazione delle gestioni amministrative: resoconto del convegno organizzato dall’IRPA. Facoltà di giurisprudenza dell’Università degli Studi di Sienna. Disponível em: . 9 Banca D’Italia, Vigilanza Creditizia e Finanziaria, Prov. n. 462765 del 07.05.07, com vigência até 31.10.10. boa parte dos cidadãos norte-americanos são preparadas na Índia a preços competitivos. 5 – FLUXOS: ÍNDIA E CHINA No processo de globalização ocorrido nas últimas décadas do século XX muitos desdobramentos ocorreram, talvez sequer sonhados pelos seus arquitetos. Um deles foi o fluxo de capitais migrantes à caça de oportunidades de investimentos, nem sempre no setor produtivo. O outro – e que interessa mais de perto a este estudo – refere-se aos serviços, sobretudo os prestados a distância. A figura do trabalho como conhecida anteriormente, com o “operário” empregando sua força física – e mesmo mental – de forma presencial, em prol da produção de determinado bem ou serviço, dentro das dependências do empregador ficou relativizada, na medida em que a rede mundial de computadores passou a permitir o contato imediato entre trabalhadores e tomadores de serviços de diversos continentes, em tempo real, com direito, inclusive, à troca de imagens, tendo essa janela tecnológica aberto oportunidades para pessoas do terceiro mundo, antes excluídas dos principais mercados de trabalho e, o que é melhor, sem necessidade de emigração. Um dos primeiros países a perceber essa oportunidade no mercadomundial foi a Índia, sobretudo pelo seu grau de desenvolvimento na área de Tecnologia da Informação, com escolas de excelência no setor. Empresas foram criadas especialmente para atender a essa procura, sempre crescente, de trabalho realizado a distância. Hoje temos call centers de muitas empresas, dos mais diversos paísesdo mundo, baseados na Índia, com trabalhadores falando a língua do cliente e conectados à base de dados do tomador dos serviços, em tempo real. Os serviços de arquitetura e engenharia, sobretudo no que se refere a projetos e cálculos estruturais, também têm sido terceirizados a empresas indianas. Com a China a situação parece ter-se enveredado por outro setor: o industrial. É certo que o preço da mão-de-obra/hora em qualquer país do primeiro mundo chega a ser até quinze ou vinte vezes maior do que o pago a um operário chinês. A China, segundo relatos da Organização Internacional do Trabalho, tem muitos problemas na área de proteção aos direitos mínimos dos trabalhadores – embora avanços venham sendo registrados –, mas tem uma demanda por postos de trabalho cada vez maior, na medida em que se opera, naquele gigante, uma migração considerável da zona rural para a urbana, e que deve se agravar de agora em diante após o anúncio da autorização para que os possuidores de terras possam transferi-las a terceiros e mudarem-se de vez para os grandes centros. Embora distante das grandes cidades do Ocidente, onde estão baseados os maiores clientes da forte indústria metalúrgica chinesa, a China consegue produzir estruturas metálicas para a construção civil, por exemplo, com preços menores que os praticados no Brasil – já incluído o frete –, o que certamente não se restringe ao valor da mão-de-obra, mas de outros fatores como tributação, insumos e produção em larga escala. Esse fluxo quase que unidirecional – excetuados a importação de matériaprima pela China e o pagamento pela importação de algum hardware ou de licença de software pela Índia – dos países do Ocidente para a Índia e China demonstram o aproveitamento das oportunidades surgidas com o processo de mundialização, tão execrado pelos nossos intelectuais. Esses exemplos servem para o Brasil, que ao invés de ficar tentando enquadrar o mundo, tal qual funciona hoje, na CLT, devia despertar para as outras oportunidades que o momento oferece e aumentar sua participação nesse bilionário mercado de trabalho para seus desempregados. Abrir postos de trabalho não significa, hoje, fazê-lo exclusivamente em território nacional, assim entendido no sentido tradicional, de destinação final da mão-de-obra. 6 – BRASIL Infelizmente, no Brasil, a situação, embora a realidade tenha nos colocado dentro da engrenagem mundial, ainda carece de ajustes por parte de nossos legisladores e até mesmo de nossos Tribunais na busca de um ponto de equilíbrio para essa equação. Dois setores da economia são exemplos típicos dessa realidade: a construção civil e a atividade bancária. O encadeamento produtivo no setor da construção civil talvez seja um dos mais antigos. A contratação de uma obra pode envolver apenas mão-deobra especializada, ou serviço e material, ou, ainda, projeto, serviço e fornecimento de insumos. Nas grandes construções civis, sobretudo no setor de infra-estrutura, dificilmente uma única empresa consegue vencer uma licitação sozinha, para tocar a obra toda, haja vista que na construção de uma usina hidrelétrica, por exemplo, o próprio projeto é fatiado entre os escritórios especializados nos diversos ramos da arquitetura e da engenharia, já que envolve cálculos estruturais, elétrica, hidráulica, alvenaria, armação, não raro peças pré-fabricadas em cimento e aço, que demandam parcerias móveis, dependendo do local da obra, da logística disponível, da necessidade do serviço e, sobretudo, da vontade do cliente, ainda que este seja o Estado. No meio urbano a situação não é diferente: na construção de um edifício de apartamentos, a empresa encarregada dos serviços de execução nem sempre é a incorporadora, não raro não fez o projeto arquitetônico e vai necessitar, para sua realização, do concurso de diversos parceiros fornecedores de insumos e peças necessárias à conclusão da obra. Seria impensável que uma construtora fosse obrigada a fabricar as portas, janelas, telhas, tijolos, pisos e outros componentes de um prédio, antes de iniciá-lo. Mesmo que tenha como produzir, através de parcerias, algumas das peças necessárias a atender à sua finalidade – construir edifícios, pontes, barragens etc. –, se poderia imputar a esse processo de encadeamento produtivo a pecha de terceirização fraudulenta. Certamente uma vidraçaria vai poder fazer um serviço melhor de fornecimento e colocação de vidros e congêneres do que uma construtora, embora seja imprescindível à entrega da obra a existência desse serviço, de resto, desde o projeto, previsto. Também não se deve confundir subordinação técnica – ao projeto, a normas internacionais ou mesmo nacionais, a critérios de certificação do tipo ISO – com a subordinação de que trata o art. 3º da CLT. Também no setor bancário a terceirização – complementaridade de serviços – sofreu profundas transformações. Com a informatização do setor, operações que antes levavam dias – como a transferência de recursos para o exterior e vice-versa – hoje são feitas imediatamente, em tempo real. Em qualquer calçada do mundo é possível sacar moeda local com a simples posse de um cartão de crédito ou de débito. Certamente essa operação tão simples para o consumidor – apropriar-se de dinheiro existente em sua conta-corrente no Brasil a partir de uma ilha na Grécia – envolve uma cadeia de procedimentos e operações somente possíveis de serem viabilizadas através de parcerias. Seria impensável imaginar-se que o Banco X pudesse instalar seus próprios caixas automáticos em todas as cidades do planeta visando atender seus clientes viajantes. No entanto, com as parcerias tornou-se possível colocar à disposição do ser humano mais esse conforto, onde quer que esteja. O mesmo ocorre no setor da telefonia, com o sistema do roaming, etc. Voltando ao setor bancário no Brasil, desde que a CLT foi escrita, na década de 1940, houve uma revolução inimaginável pelos seus autores. As operações bancárias que eram lançadas manualmente em grandes livros e fichas hoje são feitas pelos clientes, em grande parte, através da Internet, de seus próprios escritórios ou residências ou mesmo de terminais espalhados em farmácias e supermercados. Essa operação, como já dito, ao alcance de nossos dedos, apenas tornouse possível através da complementaridade de serviços prestados por parceiros diversos, que incluem, além dos provedores de Internet, as companhias telefônicas e as operadoras de TV a cabo, por cujos veios fluem os dados trocados entre os clientes e suas agências bancárias; os programadores dos computadores; os fabricantes de software; os que dão suporte às operações, tanto no Brasil quanto no exterior, sem que se perceba ou se visualize essa interação. Por óbvio esses parceiros empregam mão-de-obra para atender às necessidades que lhe são criadas. Em nota divulgada no site da ITWeb, de 23 de setembro de 2005, a empresa dá notícia de contrato internacional bilionário firmado entre o então ABN Amro Bank e a IBM, visando a terceirização de parte de sua divisão de TI. O contrato de 2,2 bilhões de dólares terá duração de cinco anos e através dele a contratada ficou responsável por servidores e armazenamento de dados, desktops e impressoras. As empresas indianas de TI Infosys e Tata Consultancy são responsáveis por aplicações e suporte. As três empresas trabalham junto com a Accenture e outra empresa indiana de software, Patni Computer Systems, para desenvolver as aplicações para o Banco. Esse contrato não está ao alcance da nossa vetusta CLT nem poderá, s.m.j., o governo brasileiro pretender intervir no pactuado aquelas partes, embora boa parte do processamento de dados – senão todo – de suas agências no Brasil estejam incluídos no acordo. É mais um exemplo claro dos contratos de terceirização offshore, que não vêem fronteiras no mundo globalizado. Além desses dois exemplos, poder-se-ia lembrar dos setores moveleiro e calçadista, igualmente responsáveis por um bom número de parcerias no processo de encadeamento produtivo. Em recente artigo publicado no site do TST intitulado “Terceirização: anomia inadmissível”, o Ministro Vantuil Abdala10, referindo-se a esse descompasso, é enfático, verbatim: “Não se trata mais de ser contra ou a favor da terceirização. Estáse diante de uma realidade inexorável: a terceirização não vai acabar. Ninguém razoavelmente imagina uma economia saudável no Brasil se a contratação de empresas especializadas na execução de serviços determinados fosse impossibilitada. Estamos, pois, diante da advertência de George Ripert: ‘quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o direito’.” Não temos, por enquanto, uma lei específica a regular a terceirização, de modo amplo, não se sabendo, ao certo, até que ponto ela poderia melhorar o quadro atual, principalmente em face do grande número de situações, produtos e serviços terceirizáveis. Há quem defenda uma completa desregulamentação, a fim de que as partes – ou “o mercado” – encontrem, por si só, as hipóteses e condições em que a terceirização deva – e convenha – ser feita. Entre nós as relações entre trabalhadores e empregadores da iniciativa privada são reguladas, via de regra, pela Consolidação das Leis do Trabalho, editada em 1943 e emendada ao longo de seus 65 anos, mas mantendo, quanto à terceirização, em linhas gerais, os mesmos entraves apontados pelos primeiros intérpretes, quais sejam, a falta de previsão expressa e a total ausência de parâmetros que possam diferenciá-la dos elementos caracterizadores da relação de emprego direta, constantes de seu art. 3º, verbis: “Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. 10 ABDALA, Vantuil. Terceirização: anomia inadmissível. Veiculado no site do TST e também transcrito no endereço eletrônico: . Parágrafo único. Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.” Qualquer alegação de vínculo indireto é taxada de nula de pleno direito na forma do art. 9º do mesmo diploma legal. Ao longo dos anos houve a edição de algumas leis, excepcionando situações que o legislador foi encontrando, movido por grupos de pressão, normalmente em favor de categorias (ora profissionais, ora patronais), sem, contudo, alcançar um padrão considerado razoável pelo atual nível de encadeamento produtivo atingido pelo processo de globalização. Dentre elas destacamos a Lei nº 6.019, de 03.01.74, do trabalho temporário, e a Lei nº 7.102, de 20.06.83, do serviço de vigilância, que expressamente previram hipóteses em que a terceirização seria tida como lícita em nosso ordenamento jurídico. A partir dessas exceções e com base na jurisprudência que se consolidava, o Tribunal Superior do Trabalho houve por bem, em 1986, editar a Súmula nº 256 assim redigida, verbis: “Súmula nº 256. Contrato de prestação de serviços. Legalidade. Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis ns. 6.019, de 03.01.74, e 7.102, de 20.06.83, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços.” (Resolução nº 4/86, DJU 30.09.86) Cerca de cinco anos depois, nova modificação foi introduzida na mencionada Súmula, desta vez para atribuir ao tomador dos serviços a responsabilidade subsidiária, culminando com a última modificação em 18.09.00, com o novo texto aprovado para a Súmula nº 331/TST, com a seguinte redação, verbis: “Súmula nº 331. Contrato de prestação de serviços. Legalidade. (Inciso IV alterado pela Resolução nº 96/00, DJ 18.09.00) I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.74). II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/88). III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.83) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividademeio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.93).” Fixado o entendimento do Colendo TST quanto aos limites da terceirização e seus efeitos, inclusive pecuniários, sua SDI-1 houve por bem excepcionar do item IV da Súmula nº 331 retro, a hipótese de contrato por empreitada, desde que não se trate de empresa construtora. Eis o texto, verbis: “Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho – Seção de Dissídios Individuais (Subseção I) 191. Dono da obra. Responsabilidade. (Inserida em 08.11.00) Diante da inexistência de previsão legal, o contrato de empreitada entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora.” (grifou-se) Além dessa normativa e da jurisprudência consolidada, o Governo Federal, quando do processo de privatização das teles – as empresas de telefonia do país, durante o Governo FHC –, depois de uma primeira tentativa frustrada, houve por bem abrandar o rigor da legislação trabalhista para o setor, editando a Lei nº 9.472/97, que autorizou a terceirização ampla, incluindo atividades meio e fim das empresas privatizadas, como forma de possibilitar sua arrematação e saneamento, passando-se de um modelo ineficiente de servidores e/ou empregados públicos para o de mercado, da iniciativa privada, verbis: “Art. 94. No cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá, observadas as condições e limites estabelecidos pela Agência: I – empregar, na execução dos serviços, equipamentos e infraestrutura que não lhe pertençam; II – contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados. § 1º Em qualquer caso, a concessionária continuará sempre responsável perante a Agência e os usuários. § 2º Serão regidas pelo direito comum as relações da concessionária com os terceiros, que não terão direitos frente à Agência, observado o disposto no art. 117 desta Lei.” (grifou-se) No setor elétrico também houve situação semelhante e o principal fundamento utilizado pelos empresários interessados em participar do leilão de ambos os casos era de que, da forma como estava, seria impossível atingirse o patamar desejado pelo Governo Federal, de instalação de linhas telefônicas e de transmissão pelo país, haja vista a carência de mão-de-obra treinada e vinculada às empresas oferecidas à venda, o que acabou demonstrado como verdadeiro, passada pouco mais de uma década desde aquele momento histórico, quando há linhas fixas e celulares em abundância em todo o país. O Banco Central, por sua vez, sensível à problemática da falta de capilaridade da rede bancária em cidades e distritos de baixa densidade demográfica e pouco poder aquisitivo, também editou norma autorizando a terceirização dos serviços bancários através dos chamados “correspondentes”, possibilitando ao cidadão residente nos mais longínquos rincões, o acesso a bens e facilidades, antes reservados apenas aos moradores das médias e grandes cidades. Pela normativa vigente os bancos comerciais podem contratar com pessoas jurídicas não especialmente criadas para tal fim, os serviços de correspondente bancário, ficando responsável perante clientes ou terceiros por quaisquer problemas surgidos com o prestador dos mesmos. Hoje temos padarias, mercados, açougues, farmácias, lotéricas, todos recebendo contas de luz, de IPTU, boletos bancários, etc. Já o Governo Lula vem alardeando os benefícios das PPPs, ou Parcerias Público-Privadas, que embutem em seu conceito a inevitável terceirização na realização de obras de infra-estrutura, tão necessárias ao país. Ainda no ano passado, o Presidente Lula sancionou a Lei nº 11.442, de 5 de janeiro de 2007, que “dispõe sobre o transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros e mediante remuneração”, revogando a Lei nº 6.813, de 10 de julho de 1980, por iniciativa do setor de transporte de cargas, pela qual se regulou a atividade do transportador autônomo de carga e se definiu o que é uma empresa transportadora, declarando expressamente a possibilidade da terceirização e fixando a competência da Justiça Comum Estadual para dirimir quaisquer conflitos oriundos de tal relação, afastando, por completo, a existência de relação de emprego em tais hipóteses. Em junho de 2008 o Congresso aprovou a Lei nº 11.718, através da conversão da MP 410/07, autorizando o produtor rural, pessoa física, a realizar contratação de trabalhador rural por pequeno prazo para a realização de tarefas sazonais, limitando-a a dois meses dentro de um ano, inclusive com a dispensa de anotação em CTPS, não sem antes ter gerado muitos debates e controvérsias. 7 – A TERCEIRIZAÇÃO E O CONGRESSO NACIONAL Todavia, há diversos projetos de lei em andamento no Congresso, dentre eles o PL 4.302/98, aprovado com alterações pela Comissão de Trabalho, no final de outubro de 2008, estando com o texto pronto para votação em Plenário, aguardando, apenas, Parecer da CCJ, projeto esse que já houvera sido aprovado no Senado; PL 3.859/00, autor Coriolano Sales, PMDB/BA, relatora Deputada Dra. Clair, visando o enquadramento do empregado que atue como correspondente bancário no art. 224 da CLT; o PL 1.621/07 do Deputado Vicentinho (PT/SP) e o PL 4.330/04 do Deputado Sandro Mabel (PR/GO). Os dois últimos projetos de lei têm linhas ideológicas antagônicas e dificilmente poderão ser apensados. Do ponto de vista empresarial, o que melhor atende à realidade do mercado é o último, de autoria do Deputado Sandro Mabel e vice-versa. A este foram apresentadas 13 emendas na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio; 11 emendas na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público, já tendo recebido Parecer favorável da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio (Relator Deputado Reinaldo Betão), bem como encerrado o prazo para apresentação de emendas na CTASP em 19.03.07. O primeiro projeto, PL 1.621/07, do Deputado Vicentinho, encontra-se na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, não tendo sido apresentada nenhuma emenda no prazo legal, findo em 11.09.07, tendo sido designado relator o Deputado Nelson Marquezelli (PTB/SP). 8 – A TERCEIRIZAÇÃO E O JUDICIÁRIO Desde a edição da Súmula nº 331, já transcrita, e da Orientação Jurisprudencial referida, nenhuma mudança importante ocorreu no âmbito do Judiciário, mormente do Tribunal Superior do Trabalho. Muitos recursos têm sido trancados com base na mencionada Súmula e outros têm sido excepcionados, ora com base em lei esparsa, ora com base no conjunto fático trazido no acórdão regional. Cite-se, como exemplo, o acórdão proferido no TST-RR-347/2005-00317-00, publicado no DJU de 18.04.08, relator Ministro Brito Pereira, do qual se transcreve pequeno excerto de sua ementa, in verbis: “TELEMAR. VÍNCULO DE EMPREGO. EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÕES. INSTALAÇÃO E RECUPERAÇÃO DE TELEFONES. TERCEIRIZAÇÃO DAS ATIVIDADES. LEI Nº 9.472/97. LICITUDE. (...) II – Quis o legislador, no caso específico das telecomunicações, ampliar o leque das terceirizações, liberando a empresa para a prestação do serviço público precípuo, que é a transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza. Nesse diapasão é que o art. 94 da Lei nº 9.472/97, que, ao estipular os requisitos do contrato de concessão do serviço de telecomunicações, permite a terceirização inclusive em atividades-fim. (...) III – Não pode o intérprete distanciar-se da vontade do legislador, expressa no sentido de permitir as terceirizações de ‘atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados’.” (grifou-se) Outro exemplo interessante, este sem estar baseado em lei esparsa autorizando subcontratação, está estampado no v. acórdão proferido pelo Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro, no processo TST-AIRR-438/2002-08203-00.2, 8ª Turma, sessão de 29.10.08, de onde se extrai o seguinte trecho, colacionado a partir das razões de decidir do v. acórdão regional, ao final referendado pelo TST, in verbis: “2. MÉRITO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRA-BALHO. TERCEIRIZAÇÃO LÍCITA. EMPRESA VINCULADA AO RAMO DA PRODUÇÃO DE FERRO-GUSA. TERCEIRIZAÇÃO DA PRODUÇÃO DE CARVÃO VEGETAL. AUSÊNCIA DE COMPRO-VAÇÃO DA INGERÊNCIA DA TOMADORA DOS SERVIÇOS NA ATIVIDADE TERCEIRIZADA. (...) O que me parece oportuno ponderar é que a eventual cadeia de elementos que se forme para, ao final, se chegar à atividade-fim, nem por isso nela se insere, pois não perde o caráter de meio para alcançar um fim. Não há nos autos fraude nem menoscabo a direito constitucionalmente assegurado.” (grifos do último parágrafo constantes do original) Por fim, um terceiro julgado, da lavra da Ministra Cristina Peduzzi excepcionando do âmbito da Súmula nº 331/TST a hipótese de cooperativa de professores legalmente constituída, verbatim: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRELIMINAR DE NULIDA-DE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. UTILIZA-ÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE ACÓRDÃO DIVERSO COMO RAZÕES DE DECIDIR. (...) COOPERATIVA. REGULARIDADE. TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS. ATIVIDADE-FIM DO TOMADOR. ART. 442, PARÁ-GRAFO ÚNICO, DA CLT. 1. O cooperativismo encerra sistema tradicional de relação de trabalho, inicialmente formado em torno de atividades rurais, como, v.g., as cooperativas agrícolas. O desenvolvimento da sociedade e da economia impeliu, porém, a expansão do cooperativismo para novos ramos, como o da prestação de serviços especializados. 2. Essa difusão do sistema cooperativo restou viabilizada pela Lei nº 8.949/94, que inseriu o parágrafo único no art. 442 da CLT: ‘Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício ente ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela’ (grifei). 3. Trata-se, portanto, de forma diferenciada de relação de trabalho, estabelecendo o dispositivo a presunção iuris tantum de ausência de vínculo de emprego. 4. Diante dessas peculiaridades, não há como aplicar às cooperativas o entendimento consubstanciado na Súmula nº 331 desta Corte, restrito às hipóteses de relação triangular de prestação de serviços, com vínculo empregatício entre a prestadora e o trabalhador. 5. Na espécie, a Corte de origem declarou a regularidade da constituição e do funcionamento da cooperativa de professores, com observância dos requisitos legais. 6. Desse modo, não há como reconhecer o vínculo de emprego entre a Reclamante e o tomador dos serviços. Agravo de Instrumento a que se nega provimento. (AIRR-1857/2003-014-06-40.2; 3ª T.; Relª Minª Maria Cristina Irigoyen Peduzzi; j. 21.06.06; DJ 10.08.06)” (grifos do original) A novidade, talvez, esteja por conta das novas atribuições trazidas pela EC 45/04, relativamente aos processos decorrentes das autuações do Ministério do Trabalho, em matéria de terceirização. Como sabido, as DRTs ou Superintendências, como agora denominadas, têm autuado as empresas que terceirizam seus serviços, na maioria das vezes com base unicamente na Súmula nº 331 do TST, retrotranscrita. O procedimento tem gerado inúmeras ações anulatórias, sob diversos fundamentos e, mais recentemente, mandados de segurança impetrados sob a alegação de violação do princípio da independência dos Poderes, dentre outras teses, com resultados positivos nos Tribunais Regionais do Trabalho da 2ª e da 17ª Regiões. Ignora-se a vigência do art. 39 da CLT e a solenidade ali imposta. Violamse direitos e garantias constitucionais; declaram-se inexistentes empresas vintenárias e as remetem à condição de rés nas execuções da Fazenda Pública. Data venia, não cabe à fiscalização, invocando princípios de hermenêutica e Súmula de Corte Trabalhista, decidir quanto à suposta nulidade dos contratos existentes entre empresas e transmudá-los em vínculo de emprego entre a empresa tomadora e os empregados da terceirizada, quando já devidamente formalizados. Se alguma irregularidade for constatada em relação a tais empregados, quem deve responder por elas é quem os assalaria e exige deles sua força de trabalho, recolhe seus encargos e procede às devidas anotações em suas respectivas carteiras de trabalho. Ademais, cabe aos interessados envolvidos na relação jurídica, se o desejarem, alegar a suposta nulidade do contrato de trabalho existente. Todavia terão que fazê-lo perante o Judiciário. É que, consoante disposto no art. 39 da CLT, verbis: “Art. 39. Verificando-se que as alegações feitas pelo reclamado versam sobre a não existência de relação de emprego ou sendo impossível verificar essa condição pelos meios administrativos, será o processo encaminhado à Justiça do Trabalho, ficando, nesse caso, sobrestado o julgamento do auto de infração que houver sido lavrado. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 229, de 28.02.67)” (g.n.) Ora, se cabe privativamente ao Poder Judiciário conhecer e decidir originariamente de questões que versem sobre vínculo de emprego e não sendo a hipótese do art. 41 da CLT, não há campo de atuação – nem para autuação – pelo Ministério do Trabalho. Ao assim proceder viola-se o art. 114, e seus parágrafos, da Constituição Federal vigente quando estatui, verbis: “Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (...) IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)” Como se não bastasse, usurpa-se de atribuição constitucionalmente atribuída a outro Poder, porquanto não se limitam os AFTs à verificação da existência de formalização dos contratos de trabalho dos operários encontrados em atividade, mas proferem verdadeiras sentenças administrativas desconstituindo ao mesmo tempo um contrato de natureza civil celebrado entre duas ou mais empresas entre si – competência da Justiça Comum Estadual – e outros tantos contratos de trabalho legalmente formalizados. Violam-se, ainda, os incisos II, XXXVI e LIII do art. 5º da Magna Carta, verbis: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (...) XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; (...) LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; (...)” (g.n.) Espera-se, pois, aqui, uma reflexão mais profunda no âmbito das ações anulatórias e outras que venham impugnar esse tipo de sentença administrativa que virou o Auto de Infração em matéria de terceirização, excetuadas as hipóteses de informalidade, como já ressalvado. 9 – SERIA A SÚMULA Nº 331/TST INCONSTITUCIONAL? Para o eminente Professor Luís Roberto Barroso, constitucionalista reverenciado tanto pela Academia quanto pela cúpula do Judiciário, a Súmula nº 331/TST é inconstitucional. Seriam necessárias outras tantas páginas para poder analisar convenientemente a questão colocada neste tópico ou mesmo transcrever aqueles doutos ensinamentos, vazados em dois Pareceres distintos, um de índole processual e outro, meritória. Contudo, talvez esta seja uma oportunidade única para se trazer a lume alguns tópicos do referido estudo focado, exatamente, na Súmula nº 331 do TST. O primeiro trata da questão do eventual cabimento de controle concentrado, pela Suprema Corte, das Súmulas dos Tribunais Superiores. Dele extraem-se dois excertos, verbis: “2. A jurisprudência tradicional do STF sobre a matéria tem negado a possibilidade de impugnação judicial de súmulas, assumindo a premissa de que os enunciados teriam apenas a função de cristalizar entendimentos jurisprudenciais dominantes. Isto é: as súmulas não seriam atos do Poder Público dotados de efeitos autônomos e capazes de causar prejuízo a terceiros. Como se verá, essa orientação restritiva não é mais compatível com o papel que os precedentes assumiram no Direito brasileiro, nem com os efeitos que a legislação tem atribuído às súmulas. Tal circunstância tem sido destacada, inclusive, por alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, que manifestaram a necessidade de rediscussão da matéria11. 3. O item I do Enunciado nº 331 do TST fornece um exemplo bastante ilustrativo da necessidade de revisão do tema do controle de constitucionalidade de súmulas.” E fulmina, na parte final de seu estudo, a mencionada Súmula, nos seguintes termos, verbatim: “V. A hipótese em exame: o item I do Enunciado nº 331, do TST. 35. Demonstrada, em caráter geral, a possibilidade de utilização da ADPF para a impugnação de súmulas, cabe agora abordar de forma 11 Nesse sentido, reconhecendo expressamente a necessidade de que o tema seja objeto de nova análise à luz dos efeitos processuais atribuídos às súmulas, vejam-se as manifestações dos Ministros Sepúlveda Pertence, Gilmar Mendes e Carlos Britto, no AgRg na ADPF 80 (DJU 10.08.06, p. 20, Rel. Min. Eros Grau). De forma especialmente ilustrativa, vale a pena transcrever a seguinte passagem de manifestação do Min. Gilmar Mendes, em aparte ao voto do Min. Sepúlveda Pertence: “Hoje, na verdade, essa tese já encontra dificuldades, como Vossa Excelência já percebeu, porque estamos na seara da súmula obstativa. Na medida em que provê, ou não, recursos a partir da súmula, ela adquire uma força normativa”. específica o caso do item I do Enunciado nº 331 do TST. A invalidade do dispositivo foi examinada em estudo próprio, cabendo aqui apenas destacar, de forma breve, que ele viola um conjunto significativo de preceitos fundamentais, causando-lhes lesão autônoma. 36. Já se destacou que a existência de uma súmula de jurisprudência – com os efeitos que hoje lhe são atribuídos pela legislação – simplifica consideravelmente o devido processo legal, tanto por reduzir o ônus argumentativo imposto aos magistrados, quanto por restringir a utilização de recursos e/ou abreviar seu processamento. Tais restrições destinam-se a incrementar a celeridade processual e mesmo a coerência da ordem jurídica, facilitando a prevalência dos entendimentos jurisprudenciais dominantes e evitando que situações idênticas recebam tratamentos diversos12. O que justifica essa simplificação é justamente o fato de a questão jurídica específica e individualizada – o objeto da súmula – já ter sido objeto de um conjunto de decisões e ter se pacificado determinada compreensão. 37. Não se admite, contudo, que o Judiciário se valha da edição de súmula para instituir um regramento genérico sobre questões que não examinou, mas que lhe pareçam importantes, o que o equipararia ao legislador e fulminaria o preceito fundamental da separação de Poderes. O que legitima as súmulas – e os efeitos processuais relevantes que atualmente lhes são atribuídos – é, repita-se, o fato de cristalizarem entendimento jurisprudencial dominante a respeito de situação-tipo específica. Se o órgão jurisdicional se vale da súmula para disciplinar determinado aspecto da realidade em caráter geral – alcançando situações de fato diversas das que foram objeto de julgamento – produz típico ato legislativo. O nomen juris súmula evidentemente não afasta essa conclusão e a inconstitucionalidade daí decorrente. 12 Embora ainda haja grande controvérsia sobre as exigências que se pode impor ao Poder Público com base no dever de coerência, a sua existência já mereceu reconhecimento explícito por parte do STF. V. DJ 09.06.95, RE 160.486/SP, Rel. Min. Celso de Mello: “Os postulados que informam a teoria do ordenamento jurídico e que lhe dão o necessário substrato doutrinário assentam-se na premissa fundamental de que o sistema de direito positivo, além de caracterizar uma unidade institucional, constitui um complexo de normas que devem manter entre si um vínculo de essencial coerência”. Sobre o princípio da coerência, na doutrina, v. ALEXY, Robert; PECZENIK, Aleksander. The concept of coherence and its significance for discursive rationality. Ratio Juris 3:130-47, 1990; MACCORMICK, Neil. Rethoric and the rule of Law, 2005. p. 189 e ss.; PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a nova retórica, 2002. p. 221 e ss. No Brasil, v. ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário, 2004. p. 27 e ss. GAENSLY, Marina. O princípio da coerência: reflexões de teoria geral do direito contemporâneo. Dissertação de Mestrado apresentada à UERJ, 2005. Mimeo. 38. Além de violar a separação dos Poderes, a edição de súmulas genéricas violaria igualmente os preceitos fundamentais do acesso à justiça e do devido processo legal, com os corolários que lhe são inerentes. O enunciado de súmula está vinculado às decisões que deram origem à sua edição, devendo ser redigido de tal modo que seja aplicável tão-somente às situações equiparáveis àquelas que tenham sido objeto de julgamento específico. A razão é simples. A Constituição assegura aos indivíduos amplo acesso à Justiça, traduzido no direito a uma avaliação dos casos concretos segundo um devido processo legal. Tal garantia evidentemente não se satisfaz com a extensão automática de decisões produzidas diante de um contexto diverso. Ora, admite-se que a súmula abrevie esse devido processo legal porque se assume que a questão já foi objeto de análise exaustiva: a edição de súmula genérica é claramente incompatível com essa premissa. 39. Por fim, uma súmula editada nos termos aqui descritos violaria ainda o princípio da isonomia, igualmente um preceito fundamental, na medida em que se abre espaço para que situações diferentes recebam o mesmo tratamento jurídico de forma praticamente automatizada13. É certo que a parte prejudicada pode tentar demonstrar que, embora a descrição contida na súmula pareça abarcar a situação em exame, ela não deve ser aplicada ao caso concreto, em atenção às suas peculiaridades de fato. Em muitos casos, a especial diligência dos magistrados afastará a aplicação indevida da súmula de conteúdo aberto. Entretanto, não é crível que isso ocorra sempre e, de qualquer forma, não é legítimo que as partes estejam sujeitas ao ônus de superar esse tipo de presunção adversa, baseada na generalização de decisões particulares. O devido processo legal exige um juiz imparcial e uma avaliação isenta do caso concreto, e não a possibilidade – mais ou menos real – de convencer o magistrado de que não deve aplicar uma solução pré-concebida para outro conjunto de fatos. 40. Em suma, é possível concluir afirmando que uma súmula vazada em termos genéricos aproxima-se perigosamente de um ato legislativo e acaba se mostrando potencialmente aplicável também a situações diversas das que originaram a sua edição, impedindo as partes de obter um julgamento adequado e imparcial, nos termos que a 13 Como demonstrado, é da própria lógica das súmulas que elas sejam aplicadas a todos os casos que se incluam, aparentemente, na descrição do seu relato. Embora o afastamento seja possível, apresenta-se como manifestamente excepcional, sob pena de que as súmulas se tornem, no mínimo, inócuas. Constituição exige. O Enunciado nº 331 incorre precisamente nos problemas que se acaba de apontar, e de maneira muito clara. Para encadear o raciocínio, transcreva-se novamente o Enunciado nº 331, com destaque no seu item I: ‘Contrato de prestação de serviços. Legalidade (mantida). (Resolução nº 121/03, DJ 19, 20 e 21.11.03) I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.74). (...)’ 41. Ao contrário do que a assertiva genérica contida no Enunciado faz supor, a prestação de serviços por trabalhadores vinculados à empresa interposta pode ser lícita ou ilícita. Será ilícita nos casos em que haja fraude, servindo a empresa em questão como mera fachada para contratação irregular, fugindo às exigências inerentes ao direito do trabalho. A doutrina especializada e a jurisprudência trabalhista reconhecem que a distinção entre a prestação regular de serviços e as contratações irregulares quase sempre é bastante complexa, demandando a análise das particularidades de cada situação fática. O Enunciado nº 331 não parece capaz de dar conta dessas circunstâncias de forma adequada, potencializando a ocorrência de injustiças contra qualquer uma das partes envolvidas na relação trabalhista14. 42. De fato, os elementos envolvidos nessa análise factual e mencionados no Enunciado nº 331 – pessoalidade, subordinação direta e atividade-meio – constituem, eles mesmos, conceitos jurídicos indeterminados, envolta em controvérsia e sujeitos a grande variação, dada a quantidade incontável de circunstâncias fáticas e regimes trabalhistas possíveis. Por conta de sua textura aberta, o item I do Enunciado nº 331 acaba podendo ser aplicado de forma indiscriminada. 43. O resultado final produzido pelo item I do Enunciado nº 331 do TST é, portanto, nitidamente incompatível com a Constituição: entendimento jurisprudencial produzido à luz de certas situações de fato acaba podendo ser estendido a outras de forma quase automatizada, minimizando os rigores do devido processo legal e dificultando o 14 Nesse sentido, reconhecendo que o Enunciado nº 331 não dá conta de apreender toda a realidade fática, v. MARTINS, Sérgio Pinto. A terceirização e o direito do trabalho, 2005. p. 132: “(...) não pode ser entendido como taxativo, mas podem existir outras atividades que podem ser terceirizadas ou pode existir fraude nas atividades nele indicadas”. cabimento de recursos. Inegável, portanto, a violação aos preceitos fundamentais da separação de Poderes, do acesso à justiça, do devido processo legal e da isonomia.” (grifou-se) Por sua vez, o douto Parecer em que S.Sª analisa a Súmula nº 331 com enfoque meritório está assim ementado, verbatim: “LIMITES CONSTITUCIONAIS À EDIÇÃO DE SÚMULA POR TRIBUNAL SUPERIOR. Ementa: Súmula de enunciado excessivamente genérico e aberto, que inclui conceitos jurídicos indeterminados. Aplicação potencial a inúmeras hipóteses não consideradas nos precedentes que levaram à sua edição. Violação aos princípios da separação de Poderes, devido processo legal e isonomia.” A exemplo do outro Parecer já referido, depois de esmiuçar a matéria com a propriedade e competência que lhe são peculiares, conclui seu veredicto nos seguintes termos: “(e) O item I do Enunciado nº 331 do TST incorre nas violações referidas acima. Produzido a partir da revisão de outro Enunciado do TST – o de nº 256 –, e justamente por conta de seu caráter vago, o novo enunciado conservou o mesmo problema. Em vez de identificar situações-tipo que gerariam contratações regulares ou irregulares, o item I limita-se a enunciar, de forma genérica, que o emprego de trabalhador cedido por empresa interposta seria fraudulento, desconsiderando a variedade de situações encontradas no mundo real. Na tentativa de produzir maior segurança, o Enunciado nº 331 acaba exacerbando os referidos problemas, valendo-se de conceitos jurídicos notoriamente indeterminados, como subordinação direta, pessoalidade e a distinção, não raro tênue, entre atividades-fim e atividades-meio. Na prática, o Enunciado nº 331 equipara-se a um dispositivo de lei: em vez de guardar relação com as situações que motivaram sua edição, assume a forma de um regramento geral, extensível a situações que não tenham sido analisadas de forma específica segundo o devido processo legal. É como me parece. Rio de Janeiro, 13 de junho de 2008.” (grifou-se) Como se não bastasse a contundência da argumentação do ilustre Professor Barroso, o STF estampou notícia em seu site, datada de 13.11.08, dando conta de que o Ministro Ricardo Lewandowski concedeu liminar em Reclamação (RCL 6.970) ajuizada pelo Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (DAESP) para suspender decisão do Tribunal Superior do Trabalho por ter desrespeitado a Súmula Vinculante nº 1015, daquela Excelsa Corte, que trata do princípio constitucional da reserva de plenário. O alvo da reclamação intentada pelo DAESP é nada menos que o item IV da Súmula nº 331/TST, que serviu de supedâneo para o afastamento, pelo TST, da aplicabilidade do § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93. 10 – EXTRAVASAMENTO DO CONCEITO DE ATIVIDADE PREPONDERANTE DA EMPRESA PARA A EMPRESA PREPONDERANTE DENTRO DO GRUPO ECONÔMICO. EQUÍVOCOS Outro problema que tem permeado as difíceis relações entre empresas tomadoras de serviços e empresas fornecedoras de mão-de-obra, com ou sem insumos, é o relativo ao enquadramento sindical pela atividade preponderante da empresa tomadora dos serviços. Como se não bastasse, há, ainda, o enquadramento pela atividade da empresa mais importante dentro do grupo econômico, chegando-se ao ponto de pretender o enquadramento, num caso concreto em que oficiei, de um tratorista, nas benesses da Convenção Coletiva dos Bancários, porque um Banco, então estatal, adjudicou, em execução, uma fazenda, no Estado do Paraná. Com os terceirizados não tem sido diferente. No entanto, o Ministério do Trabalho, através da Nota Técnica/CGRT/ SRT nº 08/04, que tem por assunto “Enquadramento Sindical na Terceirização”, já referida, é enfático ao recomendar, no tópico intitulado “Terceirização e Enquadramento Sindical”, que “como organização distinta e autônoma à do contratante dos serviços, parece certo que a atividade econômica preponderante do terceirizado não se igualará ou não guardará semelhança com a atividade focalizada pela organização do tomador, até porque, na díase atividade-meio e atividade-fim, o que é serviço acessório para o segundo é motivo de ser do primeiro. (...) E mais, cada uma se relacionará com as representações coletivas 15 Súmula Vinculante nº 10. “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.” Fonte de publicação: DJ 117/ 08, p. 1, em 27.06.08; DO 27.06.08, p. 1. dos trabalhadores segundo a conformação econômica de sua particular atividade preponderante” (grifou-se). 11 – SUFOCAMENTO DA ATIVIDADE SINDICAL PELA EXACERBAÇÃO DA ATIVIDADE ESTATAL Agindo de forma diferente da preconizada na Nota Técnica acima referida, a Autoridade do Ministério do Trabalho acaba por sufocar a atividade sindical já dita incipiente no Brasil, pela exacerbação da atividade estatal. Com isso, fortalecem-se sindicatos acomodados que têm no Executivo seu defensor ad doc, contribuindo essa cultura para a perenização do nível de sindicalismo praticado no país – salvo exceções – impedindo-se, na prática, o surgimento de novas entidades, mais representativas e específicas, com inegáveis prejuízos aos milhares, talvez milhões de trabalhadores já vinculados ao setor. 12 – NOVOS RUMOS: SENSIBILIDADE SOCIAL Diante do quadro posto depreende-se que o país não pode fazer de conta de que ainda se está na década de 40 e a CLT seja bálsamo curador para todos os males. É preciso muita sensibilidade social por parte dos Agentes Públicos. O setor de serviços tem sido o grande responsável pelo aumento significativo na formalização de contratos, principalmente pela CLT, pois o sócio de uma empresa parceira de uma construtora ou de uma montadora, que além da sua força de trabalho emprega outros trabalhadores, também tem seu contrato formalizado, embora de natureza civil, recolhendo impostos e contribuições à Previdência, fazendo jus à aposentadoria, no devido tempo, como os demais empregados do setor privado. Não deve haver tolerância alguma quando violado o art. 41 da CLT por qualquer dos parceiros, em relação a seus empregados, bem como no que pertine aos impostos e encargos sociais a que está obrigado, sendo de se manter entendimento segundo o qual a empresa contratante fica subsidiariamente responsável por eventual inadimplência do empregador direto, como corolário da aplicação do princípio do direito civil da culpa in eligendo. Todavia, essa ojeriza, essa aversão que se construiu contra a terceirização – na esteira do combate implacável às cooperativas, sejam elas de que tipo forem – tem impedido o país de crescer, não apenas economicamente, mas como nação, dando segurança jurídica a seus cidadãos e a todos os estrangeiros que aqui vivem, trabalham ou têm negócios produtivos. Nas palavras de Rafael Caldera, apud Ministro Vantuil Abdala, op. cit., “o Direito do Trabalho não pode ser inimigo do progresso, porque é fonte e instrumento do progresso. Não pode ser inimigo da riqueza, porque sua aspiração é que ela alcance um número cada vez maior de pessoas. Não pode ser hostil aos avanços tecnológicos, pois eles são efeitos do trabalho. Sua grande responsabilidade atual é conciliar este veloz processo de invenções que, a cada instante, nos apresenta novas maravilhas com o destino próprio de seus resultados, que deve ser não o de enriquecer unicamente uma minoria de inventores, mas o de gerar empregos que possam atender os demais e oferecer a todos a possibilidade de uma vida melhor”. 13 – CONCLUSÕES – O encadeamento produtivo, quer na indústria, quer no comércio e em outros setores da economia, é irreversível, como o é a globalização, devendo o direito nacional adaptar-se aos novos tempos. Nas palavras do Ministro Ayres Britto16, “o Direito existe para a realidade, para a vida”. – A terceirização (complementaridade) de serviços também é fenômeno tão assimilado pelas empresas e, bem assim, pelos próprios cidadãos, com desdobramentos dentro e fora do país, que seu retorno ao status quo ante é algo impensável. Já faz parte de seu DNA. – Até que haja o esperado aperfeiçoamento nas poucas regras existentes sobre a terceirização, quer a partir dos projetos em andamento, quer pela noticiada nova iniciativa do Poder Executivo, s.m.j., deve o TST rever o texto da Súmula nº 331, mormente o seu item I, ante a sua possível inconstitucionalidade. Acresça-se a recente decisão do Ministro Lewandowski contra o item IV da mesma Súmula, ainda que de forma reflexa. – Enquanto nada disso ocorre devem os aplicadores do direito analisar com maior profundidade as relações existentes entre empresas, envolvendo parcerias e afins, evitando-se demasiado apego a conceitos – e preconceitos – que não estejam expressamente previstos em lei. 16 BRITTO, Carlos Ayres. Entrevista concedida a Viviane Dias. Revista Anamatra, 2º semestre de 2008, p. 4. – O Ministério do Trabalho e Emprego, por seus AFTs, deve abster-se de decidir como se Juízes fossem, acerca da natureza jurídica dos contratos encontrados entre empresas e seus parceiros, desde que devidamente formalizados e observada a ressalva já feita quanto ao art. 41 da CLT em relação aos empregados dos últimos. Havendo dúvida sobre a correção dos contratos deve ser observado o quanto disposto no art. 39 da CLT. – O equilíbrio nas relações capital/trabalho somente será alcançado quando todos puderem se sentir incluídos no processo produtivo do país, seja qual for a natureza da vinculação que os una, respeitados os direitos humanos, as garantias fundamentais, as normas de medicina e segurança, a formalização dos contratos e a segurança jurídica tão necessários à paz social. É o que se deseja na conclusão deste singelo trabalho. TERCEIRIZAÇÃO: UMA REALIDADE DESAMPARADA PELA LEI José Pastore* INTRODUÇÃO O mundo do trabalho vem sofrendo um grande impacto das novas tecnologias. A grande velocidade das mudanças traz consigo novas formas de trabalhar e, sobretudo, a necessidade de mais especialização. Como as inovações tecnológicas são muito rápidas, as empresas não conseguem fazer de tudo e, por isso, precisam utilizar o trabalho de outras empresas e de outras pessoas – especialistas no seu assunto. Com isso, elas passam a produzir em “redes” ou “cadeias de produção”. São verdadeiras constelações de empresas e pessoas que se relacionam nas mais variadas formas de trabalhar. Dessas constelações participam empresas que são contratadas para vender produtos ou prestar serviços, assim como profissionais que prestam serviços especializados sob diferentes formas de relações de trabalho. Alguns como empregados por tempo determinado, outros por projetos que têm começo, meio e fim – acabando um, começa outro, na mesma empresa ou empresas diferentes ou em todas ao mesmo tempo. Há ainda os que prestam serviços de forma intermitente assim como os que o fazem de forma continuada – sem serempregados das empresas contratantes. É a busca incessante da especialização. Quanto mais rápido e mais diversificado é o processo de inovação tecnológica, mais veloz é a formação dessas constelações de empresas, pessoas e tipos de relações de trabalho. Na década de 70, uma novidade industrial durava cerca de dois anos, em média. Depois disso, deixava de ser novidade e era absorvida pela maioria dos produtores. Na década de 80, uma novidade industrial passou a durar apenas um ano e na década de 90, apenas seis meses. Hoje em dia, há novidades que duram uma semana ou alguns dias. Tome o caso de um banco que, pela manhã, lança um CDB atraente, com boa taxa de * Professor de Relações do Trabalho da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo. juros e facilidades para resgate. No final do mesmo dia, outro banco lança um CDB ainda mais atraente o que obrigará o primeiro a mudar o seu produto antes de abrir as portas no dia seguinte. Essa velocidade de mudança exige novas formas de trabalhar. Em certos casos, o primeiro banco consegue, com seu pessoal fixo, acompanhar a concorrência. Em outros, precisa comprar serviços de profissionais especializados para desenvolver um novo produto em tão pouco tempo. Isso exige a contratação de serviços externos – a terceirização. Em outras palavras, a revolução tecnológica está provocando umarevolução nas relações do trabalho. É um processo sem volta. As redes de produção congregam no seu interior uma grande variedade de relações entre empresas e entre pessoas e empresas. E nessa contratação, não há porque limitála a atividades meio, mesmo porque as empresas, para vencer a concorrência, precisam contratar de tudo. Vivemos um tempo em que a história corre muito depressa, o que provoca grandes transformações no modo de trabalhar. A sua velocidade é meteórica e para acompanhá-las e ganhar eficiência, a especialização é imprescindível. Há poucos dias, minha neta de 14 anos me perguntou: – Vô, quantos anos você tem? – Mariana, eu sou do tempo em que não existia avião a jato, nem televisão; e, muito menos, computador. Não havia Internet, nem CD, nem telefone celular e muito menos iPOD. – Nem CD? E como se ouvia música? – Tocando um long play, que era um disco de vinil sobre o qual se colocava uma agulha, que, por meio do atrito, reproduzia a música. – Uma agulha? Como essas de dar injeção? E sem computador, como se escrevia? – Com uma máquina de escrever, letra por letra, linha por linha. Quando se descobria um erro no meio de um texto de 50 páginas era preciso redatilografar todas as páginas a partir da errada. – Não podia deletar? – Não, Mariana, tinha que se retrabalhar horas a fio. Perdia-se muito tempo. Agora tudo é diferente. Ganha-se muito tempo. Mas, vamos lá Mariana, quantos anos você pensa que eu tenho? – Vô, se você nasceu antes do avião a jato, da televisão, do computador, da Internet, do CD, do telefone celular e do iPOD, você deve ter uns 200 anos! – Pois bem, Mariana. Tudo isso aconteceu nos últimos 60 anos. Você já imaginou quantas profissões novas surgiram a partir de cada inovação? Quantos avanços ocorreram? Você já imaginou quantos novos equipamentos surgirampara fazer diagnóstico e curar as doenças? É isso que se chama progresso, que, por sua vez, provocou a revolução no mundo do trabalho. Essa nova realidade do mundo da produção surgiu depois da CLT. As leis trabalhistas do Brasil foram cunhadas antes do aparecimento do computador e antes do surgimento do setor de TI – Tecnologia da Informação – que se baseia fundamentalmente no talento humano e em profissionais que atuam das mais variadas formas. Muitos trabalham em casa, criando sistemas; outros trabalham em empresas implantando programas. Alguns trabalham de forma intermitente; outros de forma contínua. E quase todos fogem do vínculo empregatício porque este não se adapta à sua rotina de trabalho. Em muitos casos, a nova idéia surge no meio de um sonho, acordando o profissional e levando-o para o computador a fim de transformar sua idéia em realidade, das duas às seis da manhã. Como determinar a sua jornada de trabalho? Outros trabalham quando viajam de avião ou de trem. Há aqueles que criam em hotéis, aproveitando o tempo “ocioso”. Em muitos casos eles trabalham para duas ou três empresas e não são empregados de nenhuma. Para eles, não basta entregar o produto. As duas ou três empresas precisam de seu trabalho depois do produto implantado e da manutenção garantida. Esses profissionais não querem ser empregados. Pelo contrário, eles já têm sua própria empresa para prestar serviços especializados. Já formaram uma pequena equipe especializada. Não alocam pessoas, mas vendem idéias. Eles fazem parte do controvertido segmento dos PJs (Pessoas Jurídicas). NOVAS TECNOLOGIAS, NOVOS TRABALHOS No mundo inteiro, as empresas que mais se multiplicam são as que não têm empregados. Nos Estados Unidos, 72% das empresas são desse tipo, com uma ou duas pessoas (sócios) prestando os mais variados serviços dentro de redes de produção. No Brasil, já chegamos à marca de 69% e elas não param de se multiplicar. Se alguém perguntar a uma grande consultora de empresas de que modo se deve montar uma nova fábrica, a primeira resposta será esta: “Não tente fazer de tudo, porque ninguém tem capacidade de dominar todas as tecnologias, todos os produtos e todos os meios de produção. Tudo muda muito depressa. Articule-se com especialistas. Coloque o setor de pesquisa e desenvolvimento perto de uma universidade ou de um instituto de pesquisa e, para fazer melhor, faça o seu pessoal trabalhar bem próximo dos profissionais daquelas instituições. Instale o setor de dados – o banco de dados – em uma empresa especializada e que faça isso com sigilo, presteza e bom preço. Não há porque investir na montagem de um banco de dados que requer equipamento que muda a cada seis meses e um quadro de pessoal de alta especialização. Coloque o setor de produção onde há energia, mão-de-obra qualificada e leis ambientais amigáveis. E assim por diante.” É por isso que as empresas trabalham em redes. Os produtos são montados a partir de muitos especialistas e muitos produtores. Tudo isso para vencer a concorrência e atender o consumidor que, em qualquer parte do mundo, deseja a última novidade, com a melhor qualidade, o menor preço e boa assistência técnica. Para a produção da boneca Barbie, o cabelo é de Taiwan; o plástico é do Japão; o vestido é da China; a montagem é na Malásia; e a exportação é porHong Kong. É isso que permite colocar esse produto nas mãos das crianças por US$ 10. Se a Mattel fosse fazer tudo, custaria US$ 70. Ou seja, ninguém pode fazer tudo. É preciso contar com a colaboração de muitas outras empresas e pessoas, passando para fora atividades meio eatividades fim. É a rede em ação. E isso é essencial. Os consumidores são exigentes e a concorrência é brutal. Só se cria emprego quando se vence a concorrência. A busca da especialização no trabalho, portanto, é uma imposição das novas formas de produzir. O que responder quando se pergunta: a quem pertence o posto de trabalho? No século 19, a resposta era simples: pertence ao dono do negócio, ou seja, ao capital. Em meados do século 20, dizia-se que o posto é propriedade do empresário e do sindicato que, pela via dos contratos coletivos, estipulavam condições para o seu uso. Hoje, o posto de trabalho não pertence nem ao empresário, nem ao sindicato, mas sim ao consumidor. Se o produto não agradar, o consumidor não compra e os empregos definham junto com a empresa. Por isso, as empresas têm de criar as mais variadas formas para sobreviver e, sobretudo, crescer. Tornarem-se competitivas já é difícil. Manterem-secompetitivas é ainda mais difícil. É preciso criar muito, fazer aquilo o que sabe e contratar fora o que não sabe. Ninguém pode trabalhar apenas com empregados fixos e nem mesmo só com empregados. A especialização é imprescindível. Tome o caso de uma novela de TV. Na sua produção há as mais variadas formas de relações do trabalho. Tudo começa com o autor, que não é empregado da produtora: é free lancer, provavelmente, um PJ. Em seguida, vêm os roteiristas que se encarregam de desenvolver os diálogos a partir do texto do autor. Junto com eles, trabalha o diretor. Simultaneamente, há os que produzem o cenário e o figurino que não são empregados da produtora e, provavelmente, de ninguém, pois a maioria são profissionais especializados que trabalham por conta própria em jornadas as mais variadas e, novamente, como PJs. Para o diretor, trabalham vários assistentes, escolhidos por ele e que, às vezes, são empregados da empresa, outras vezes, não. Todos trabalham dia e noite para atender a demanda. Depois vem o elenco formado por atores-celebridades (na maioria PJs) e figurantes (na maioria trabalhadores temporários). Para dar forma em tudo, há uma enorme equipe técnica formada por empregados por tempo indeterminado, empregados por tempo determinado, profissionais autônomos, profissionais liberais, técnicos especializados utilizados para certas tarefas muito específicas, camera men, iluminadores, secretárias, motoristas, office boys e uma infinidade de outros profissionais que trabalham nas mais variadas condições contratuais. Cada um tem sua jornada e forma de remuneração. Ao mesmo tempo, ninguém tem jornada rígida porque, se o diretor não gostou de uma cena, vai repetir quantas vezes forem necessárias. Alguns têm benefícios da convenção coletiva; outros negociam caso a caso.Tudo é variado. Nada é homogêneo. É uma constelação de relações do trabalho de colossal complexidade. A CLT – que nasceu antes da televisão, das novelas e das constelações modernas – rege apenas as relações entre empregados e empregadores, deixando de fora todas as demais formas de trabalhar. Os juízes, em face de tamanha heterogeneidade de relações, tentam incluir todos os trabalhadores na relação de empregados por prazo indeterminado que nada tem a ver com a maioria dos que trabalham numa rede de produção complexa como no exemplo acima. Há uma realidade que não pode ser ignorada: com as novas tecnologias, o trabalho foi fragmentado. É com base nessa fragmentação que se chega à produção de massa, com eficiência e diversificação. Hoje em dia, o consumidor pode comprar um carro pela Internet e estabelecer tudo o que deseja nesse carro, de forma que a fábrica recebe a mais variada demanda de modelos que são montados simultaneamente em uma só linha de produção. Para tanto, conta com equipes especializadas, algumas da fábrica, outras terceirizadas. A revolução tecnológica e a demanda por eficiência estão fazendo emergir novos modelos empresariais1. Produção e venda passaram a ter escalas gigantescas, o que requer uma boa articulação das redes de produção. Sem isso, as escalas não se manteriam. Por exemplo, na época de Natal, a Hewlett-Packard (HP) passou a vender cerca de 400 mil computadores por dia (!) nas lojas do Wall-Mart do mundo. Isso requereu uma reformulação completa da rede de produtores, entregadores, estocagem, comercialização e assistência pós venda. Para tanto, surgiram novas constelações de trabalho com vários tipos derelacionamentos para atender a brutal necessidade de assistência técnica. É uma inter-relação de terceiros com um núcleo coordenador, ilustrada pelo exemplo abaixo. Nos Estados Unidos, por exemplo, a United Parcel Post (UPS), mera transportadora, que antes recolhia uma impressora defeituosa na casa do cliente, levava à fábrica da Hewlett-Packard (HP) para conserto e devolvia ao cliente consertada, nos dias atuais, ela mesma conserta o equipamento e entrega ao cliente e, em certos casos, conserta a máquina no domicílio, sem necessidade de transporte. Para tanto, a UPS se transformou em mantenedora que, por sua vez, é viabilizada por empregados próprios e por empresas subcontratadas onde trabalham os mais variados tipos de profissionais que trabalham sob diversos regimes de trabalho. A maioria não integra os quadros da transportadora, muito menos do fabricante2. A metamorfose das empresas gera uma metamorfose de relações do trabalho. No Brasil, a terceirização também avança a passos largos. As áreas mais terceirizadas são informática, organização e métodos, serviços jurídicos, relações públicas, recrutamento e seleção, treinamento e desenvolvimento, administração de cargos e salários, folha de pagamento, benefícios em geral, restaurante e alimentação, previdência privada, saúde, seguro de vida e acidentes, transporte coletivo, limpeza e conservação, segurança, gráfica, correio externo, malote, frota de veículos, importação e exportação, auditoria de sistemas, marketing, pesquisa de mercado, propaganda, projetos, laboratórios diversos e serviços domésticos3. 1 PASTORE, José. A modernização das instituições do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. 2 FRIEDMAN, Thomas. O mundo é plano: uma breve história do século XXI. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. 3 Cf. GIOSA, Lívio Antonio. Terceirização: uma abordagem estratégica. São Paulo: Pioneira, 1992. LEIRIA, Jerônimo Souto; SARATT, Newton. Terceirização: uma alternativa de flexibilidade empresarial. São Paulo: Gente, 1996. Pelas regras vigentes (Enunciado nº 331 do TST) só podem ser terceirizadas as atividades meio. Ocorre que as empresas precisam terceirizar de tudo. Ademais, o que é meio para uma empresa é fim para outra – se é que alguém consegue distinguir claramente a diferença entre esses dois termos. Na ausência de uma definição legal precisa4, as empresas são sentenciadas de modo oscilante e incerto5. A insegurança jurídica é enorme. A terceirização é um processo irreversível. Faz parte da nova divisão do trabalho. E constitui peça essencial na formação de redes de produção. Nos dias atuais, não são mais as empresas que competem entre si. A verdadeira competição se dá entre as redes de produção. E isso é crucial para a manutenção das empresas e dos empregos. A eficiência das redes é que coloca as empresas no lado perdedor ou ganhador na concorrência mundial. Em 2006, a General Motors, por exemplo, perdeu US$ 1 bilhão por mês – e em 2008 está à beira da falência – enquanto que a Toyota lucrou US$ 1 bilhão por mês, vendendo os mesmos produtos (automóveis) no mesmo mercado (o planeta Terra). A grande diferença esteve na eficiência da rede de produção, inovação, manutenção e vendas das duas empresas. Para que essas redes possam funcionar com eficiência e para que os seus participantes possam gozar das proteções fundamentais nas áreas do trabalho e da previdência social, há que se operarem muitas mudanças no ordenamento jurídico atual. AS LEIS DO TRABALHO E A TERCEIRIZAÇÃO As leis que regulam o trabalho estão em crise. O crescimento do mercado informal e a proliferação de novos modos de trabalhar, além do emprego, colocam em xeque as formas atuais de proteção do trabalho. Há uma crescente demanda para se reformular as leis trabalhistas e para criar novas modalidades de proteção. As tentativas de modificação do atual quadro legal provocam reações em todo o mundo. Os que estão protegidos têm medo de perder a proteção, ignorando que os desprotegidos não têm voz para fazer valer as suas aspirações. Os operadores do direito resistem mudar o conhecido, por temer perder seu 4 Uma definição é precisa quando é inclusiva e exclusiva, ou seja, possui os elementos que estão sempre presentes no objeto definido e nunca nos objetos diferentes. 5 BARROS, Alice Monteiro de. A terceirização e a jurisprudência. In: Revista do Direito do Trabalho, n. 80, 1994. próprio trabalho. Como dizia Keynes, a dificuldade não está no entendimento das novas idéias, mas no abandono das velhas6. A complexidade do mundo do trabalho é caracterizada pela multiplicação de relações triangulares e quadrangulares – todas entrelaçadas entre si. E isso exige mudanças nas leis do trabalho. Tomemos o caso de uma grande grife de confecções (Giorgio Armani, Lacoste ou Hugo Boss) que não possui nenhum empregado produzindo roupas. Todo o trabalho é contratado com pequenas empresas que têm seus próprios empregados e que, por sua vez, subcontratam outras. Uma corta, outra costura, a terceira faz acabamento, a quarta embala, a quinta entrega nas lojas, a sexta dá assistência no pós-venda e assim por diante. A empresa da grife e as suas contratadas formam uma rede que precisa funcionar com precisão na padronagem das roupas, na perfeição das costuras, na apresentação das peças, no uso dos materiais adequados, na pontualidade da entrega, na preservação da imagem da grife e assim por diante. Essa rede encerra inúmeras relações de dependência. As atividades contratadas fazem parte da missão central da empresa da grife. O trabalho é de longa duração. Os contratos podem varar anos, mantendo-se as cláusulas básicas, e renovando-se as específicas. O entrelaçamento das empresas e as relações de subordinação técnica são contínuos. Mas não há subordinação jurídica entre os empregados das contratadas e a contratante. Aqueles têm as suas proteções garantidas pela contratada. A contratante contrata um serviço que é executado pela contratada, com o mesmo quadro de pessoal ou com quadros que variam ao longo do tempo. Mas, para manter a qualidade de acordo com as normas técnicas, a interface e o diálogo entre os participantes da redesão intensos. É uma relação de parceria. Todos trabalham para alcançar o mesmo objetivo. A subordinação técnica é clara e necessária. À luz da legislação atual, muitos auditores fiscais e juízes do trabalho são tentados a imputar relações de emprego no seio das redes de produção, passando para a contratante a responsabilidade de vínculo empregatício para com todos os integrantes da rede. Isso conspira contra a produção e contra o emprego. Na terceirização, o que interessa é a prestação do serviço dentro das normas contratuais. Cada parte tem de cuidar de si no que tange à obediência à lei, embora caiba à KEYNES, John Maynard. The general theory of employment, interest and money (Prefácio). Cambridge: Cambridge University Press, 1935. contratante a observação de preceitos que garantam a proteção à saúde e segurança de todos – naquilo que lhe compete – e construção de um clima saudável de parceria. Falta no Brasil uma lei que regule a prestação de serviços assim contratados (via terceirização) e que leve em conta a necessidade que as pessoas físicas e jurídicas têm de trabalharem de forma integrada dentro das redes. O mesmo acontece com cirurgiões, obstetras, anestesistas, enfermeiros, técnicos em raios-X, tomografia, ressonância magnética, análises químicas, etc., que executam trabalhos dentro de um hospital. Por mais que se insista na especificidade de suas atividades, na prática, a boa qualidade do trabalho só é alcançada quando o relacionamento entre as partes é de parceria, baseado em confiança e em critérios técnicos para a execução das tarefas e aferição dos resultados. Hospitais e profissionais contratados vivem um ambiente de pessoalidade e subordinação operacional contínua que, outra vez, podem ensejar o pleito de vínculos empregatícios ou impedimento de contratação. Muitos desses profissionais, pelos mais diversos motivos, querem trabalhar como autônomos. Alguns possuem empresas e são empregados de si mesmos e, como tal, não têm nada a negociar no campo trabalhista com a emissora de televisão a empresa da grife ou com os hospitais. Outros foram empregados e hoje são demandados como autônomos ou como empresas para participar da rede, por tempos e projetos determinados. Ou seja, a produção moderna se baseia em um sofisticado sistema de parceria entre contratantes e contratados, todos trabalhando de forma sincronizada, com eficiência e pontualidade. “A terceirização ultrapassou os limites de transferência de atividades de serviços e apoio, para ocupar espaço também no fornecimento de itens antes considerados como integrantes essenciais do produto principal. A pintura sempre foi e será fundamental numa linha de montagem de veículos. Há pouco tempo, seria impensável a terceirização do processo da pintura. Hoje, entretanto, é realidade. Há terceiros inseridos na linha de produção, cuidando deste processo.”7 No Brasil a tentação de considerar os profissionais de contratadas como empregados da contratante é grande. São inúmeros os casos em que as contratantes são levadas a isso por força de sentenças judiciais. Em junho de 2007, por exemplo, em decorrência de uma ação civil pública movida pelo SILVA, Ciro Pereira da. A terceirização responsável. São Paulo: LTr, 1997. Ministério Público de Trabalho, e de sentença da Justiça do Trabalho, uma grande empresa de eletricidade foi obrigada a incorporar como seus empregados milhares de trabalhadores que trabalhavam como empregados de suas contratadas em obras de construção, extensão e modificação de rede elétrica; manutenção de iluminação pública; instalação ou substituição de ramal de serviço aéreo e/ou medidores e várias outras tarefas que eram executadas por empresas parceiras dentro de um conceito de rede de produção8. A grande maioria das sentenças judiciais estabelece vínculo empregatício entre os empregados da contratada e a contratante porque a atividade exercida foi classificada como fim. Os juízes não têm saída, pois assim estabelece o Enunciado nº 331 do TST. As condenações são feitas nas três instâncias, como ilustram os casos abaixo que chegaram ao Tribunal Superior do Trabalho: Uma empresa de bebidas foi condenada porque os serviços de rotulação e embalagem das garrafas foram executados por terceiros sob o argumento de que esses serviços fazem parte da atividade fim da empresa9. Um banco foi condenado porque terceirizou serviços ligados à compensação bancária sob o argumento de que tais serviços fazem parte da atividade fim da instituição10. Outra foi condenada a assumir responsabilidade subsidiária porque um auxiliar de cobrança (terceirizado) prestou serviços em suas dependências11. Para cumprir a lei e a jurisprudência, condutas como essas ignoram o papel estratégico das parcerias no mundo moderno. Hoje em dia, os limites das empresas estão se tornando muito porosos. Está cada vez mais difícil saber onde uma empresa termina e onde a outra começa ou quais os limites de cada uma no mercado de trabalho12. Em termos setoriais, o mundo moderno registra uma crescente integração da produção industrial com a de serviços. Há dez anos já se observava que a interdependência entre esses setores se tornava cada vez mais importante. As atividades eram realizadas dentro de uma seqüência complexa de trocas 8 Trata-se do caso da CEMIG – Companhia Energética de Minas Gerais. 9 Acórdão referente ao Processo AIRR-451/2004-103-03-40, decisão de 14.12.07. 10 Processo E-ED-RR-330004, decisão de 15.08.08. 11 Processo AIRR-2331/2003-4333-02-40, decisão de 06.06.08. 12 FUDGE, Judy. The legal boundaries of the employers, precarious workers, and labour protection. In: DAVIDOV, Guy; LANGILLE, Brian. Boundaries and frontiers of labour law: goals and means in the regulation of work. Oxford: Hart Publishing, 2006. materiais e de serviços que envolvia fornecedores e consumidores, incluindo subcontratados e consultores – todos eles trabalhando em regime de parceria13. De lá para cá, o entrelaçamento entre indústria e serviços se acentuou ainda mais. Hoje em dia, as parcerias ocorrem dentro de grandes redes de produção, das quais participam muitas empresas e pessoas, nas mais variadas relações de trabalho, nas quais a busca da especialidade é essencial. Há, na verdade, uma integração virtual que tomou o lugar da tradicional integração vertical. O grande desafio para os administradores é o de como maximizar os resultados de toda a rede e não apenas desta ou daquela empresa14. As atividades vão sendo fragmentadas e repassadas para vários executores por força de inúmeras vantagens comparativas. Por exemplo, várias empresas mineradoras no Brasil desistiram de lidar com explosivos por temer acidentes e por existir no mercado firmas especializadas nesse serviço. Por essa razão, elas pararam de estocar explosivos e até mesmo de detoná-los, tendo terceirizado essas atividades para empresas especializadas que, durante o ano todo, realizam essastarefas. É difícil dizer que a detonação de explosivos não faz parte da atividade fim de uma empresa mineradora que tem por objetivo central minerar. Mas, em vista das restrições apontadas, elas não querem realizar essas tarefas e, por isso, as terceirizam e precisam terceirizar para ter sucesso na competição e na geração de empregos. A integração entre contratantes e contratados não pára de crescer. Há muitas montadoras de automóveis que deixaram de trabalhar com empilhadeiras para transportar peças e produtos acabados por se tratar de atividade perigosa. Existem no mercado empresas especializadas nesse tipo de tarefa que vêm sendo contratadas. Seus funcionários convivem com os funcionários das montadoras e, muitas vezes, integram o mesmo complexo de tarefas. Com isso, as montadoras reduziram os acidentes e os custos. Muitas empresas de petróleo terceirizam a operação de certas bombas possantes para firmas especializadas que trabalham no local da contratante o tempo todo e em íntimo contato com seus empregados. Com isso, a contratante se sente mais segura e reduz as perdas no caso de paralisia de uma das bombas. Assim acontece com inúmeros outros equipamentos ao redor dos quais convivem os empregados da contratante e da contratada. 13 KON, Anita. Reestruturação produtiva e terceirização no Brasil. In: Revista Nova Economia, v. 7, n. 1, 1997. 14 DYER, Jeffrey H. Collaborative advantage. Oxford: Oxford University Press, 2000. Essas mesmas empresas terceirizam serviços de geofísica apesar de possuir em seus quadros inúmeros profissionais com essa especialidade. Os terceirizados dominam tecnologias mais avançadas, estão sempre na fronteira do conhecimento e, de certa forma, são professores dos geofísicos da contratante. Em muitos casos, a contratante passa a contar com informações atualizadas e permanentes no campo da geofísica. O mesmo acontece quando terceirizam serviços para comprar informações sísmicas de empresas especializadas que se dedicam exclusivamente a processamento sísmico. Em muitas empresas, os serviços de manutenção são contratados por prazos longos – de três a dez anos – e, nessa tarefa, são envolvidos empregados da contratante e da contratada. Nesses ambientes não se consegue distinguir o que seja atividade meio de atividade fim. E nem isso é importante, uma vezque as empresas que trabalham em rede precisam terceirizar de tudo. É a marca das redes de produção. As redes de produção se formam dentro de espaços amorfos onde numerosas entidades (legais) separadas são muito bem amarradas para se cumprir os termos de referência das tarefas. As empresas modernas estão se organizando com base em uma série de contratos com outras empresas e pessoas físicas que se incumbem de diferentes aspectos da produção. Isso torna o mercado de trabalho cada vez mais segmentado15, muito longe da situação homogênea estabelecida pela CLT onde há apenas empregados e empregadores dentro da mesma empresa. A segmentação implica no uso de relações atípicas como é o caso do trabalho independente, em tempo parcial, prazo determinado, trabalho casual, trabalho domiciliar, trabalho por projeto, teletrabalho, etc. A mesma empresa mantém contratos diferentes e uma constelação de relacionamentos que muda ao longo do tempo como se fora um caleidoscópio. Estas combinações heterogêneas constituem sérios desafios às leis do trabalho que protegem apenas o relacionamento entre empregados e seus respectivos empregadores. Para as empresas, a integração dessas forças é um desafio que chega a ser mais artístico do que técnico. Isso porque as leis para regular os novos arranjos trabalhistas estão por ser definidas. Tome o caso de uma universidade. Para a realização de sua missão, a instituição conta com administradores e professores fixos, administradores e 15 COLLINS, Hugh. Multi-segmented workforces, comparative fairness, and the capital boundary obstacle. In: DAVIDOV, Guy; LANGILLE, Brian. Boundaries and frontiers of labour law: goals and means in the regulation of work. Oxford: Hart Publishing, 2006. professores subcontratados, centros pedagógicos próprios, consultores subcontratados e prestadores de serviços nas mais diferentes áreas, inclusive, na educacional que é a sua atividade central. Nos Estados Unidos, 78% das empresas privadas utilizam algum tipo de arranjo flexível16. Assim também é na União Européia e no Japão. No Brasil, a montagem desse xadrez é difícil com uma lei (CLT) que trata apenas da relação entre empregados e empregadores. Os mercados de trabalho modernos são muito heterogêneos, interdependentes e ligados entre si. As leis do trabalho estão distantes dessa realidade17. Casos como os citados acima, “afrontam” o ordenamento jurídico atual. Vejam o caso das modernas montadoras de automóveis. As donas da marca planejam o veículo, estudam o mercado, cuidam do estilo e, para produzir, subcontratam um grande conjunto de empresas que trabalham no recinto da montadora – os chamados sistemistas ou prestamistas – como é o caso da empresa que solda, a que pinta, a que coloca o painel de instrumentos, a que fixa as rodas com pneus, a que testa o veículo e tantas outras. A dependência entre elas é estreita e o diálogo é constante. Por um subterfúgio os chefes da montadora não dão ordens diretas aos empregados das contratadas. Mas, na prática, a interface é imensa, a parceria é intensa e a confiança é total. Todas as equipes trabalham nas atividades centrais da montadora. Mais. Muitas delas subcontratam serviços, alguns realizados à distância, outros dentro do recinto da montadora. Esse é o caso, por exemplo, do painel do veículo. Nos dias atuais o painel chega à montadora completamente montado. Cabe a uma empresa colocá-lo no veículo. Mas, a sua montagem coube a várias empresas que trabalharam em parceria para colocar todos os instrumentos de acordo com o padrão exigido pela montadora. A cadeia de contratações e subcontratações é enorme. Cada um tem a sua proteção de acordo com sua condição de trabalho. Os empregados são amparados pela CLT. Os trabalhadores temporários pela Lei nº 6.019/74. Os autônomos pelo Código Civil e assim por diante. 16 HOUSEMAN, S. Why employers use flexible staffing arrangements. Citado por Kaherine V. W. Stone, Rethinking labour law: employment protection for boundaryless workers. In: DAVIDOV, Guy; LANGILLE, Brian. Boundaries and frontiers of labour law: goals and means in the regulation of work. Oxford: Hart Publishing, 2006. 17 PASTORE, José. Atritos entre a lei e a realidade no campo trabalhista. In: VELLOSO, Carlos Mário da Silva; ROSA, Roberto; AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do (Coords.). Princípios constitucionais fundamentais. São Paulo: Lex, 2005. A proibição de subcontratar serviços que dizem respeito às chamadas atividades fim da empresa contratante constitui um sério obstáculo para atender as necessidades da economia moderna e dos trabalhadores. Enquanto uma lei sobre terceirização não estabelecer critérios mais realistas, os juízes são levados a condenar as empresas que contratam serviços que, no seu julgamento, caem dentro das atividades fins da contratante – comprometendo o seu funcionamento e a criação de empregos. As empresas e as pessoas (físicas e jurídicas) precisam de liberdade para fazer a opção que mais lhe convém para garantir seu trabalho, sua sobrevivência e seu progresso. Ao mesmo tempo, os trabalhadores precisam de proteções – cada um na sua condição de trabalho. O que não se pode é querer vincular os trabalhadores das grandes redes à empresa líder que encabeça toda a rede. Isso precisa ser esclarecido por uma boa lei de terceirização. É comum argumentar-se que muitos empregados das contratadas são “obrigados” a trabalhar nessas redes de produção e, por isso, têm condições de trabalho muito inferiores às dos empregados da contratante. Há situações em que isso, de fato, ocorre. Mas há também o inverso: profissionais muito especializados do quadro das contratadas ganham mais do que os empregados da contratante. A questão é a seguinte: será que as leis trabalhistas têm a capacidade de homogeneizar as condições de trabalho de todos os que participam de uma rede de produção? Não. Elas têm seus limites diante das leis do mercado. Em uma grande constelação de atividades, onde cada um participa de um jeito, as diferenças são inevitáveis. O que as leis podem fazer é assegurar proteções para as várias formas de trabalho e, além disso, estabelecer uma divisão de responsabilidades entre contratantes e contratados que assegura as proteções básicas para todos os integrantes da rede, cada um na sua modalidade de trabalho. É o que não existe no Brasil. Até hoje o país clama por uma lei de terceirização que garanta segurança jurídica para as empresas e proteções para os trabalhadores. As leis trabalhistas estão sendo demandadas a conversar com as leis civis. No campo das leis civis, em especial das leis do comércio, o reconhecimento da necessidade de se trabalhar em rede de subcontratações é inquestionável18. 18 FORGIONI, Paula A. Direito concorrencial e restrições verticais. São Paulo: RT, 2007. No campo das leis do trabalho, esse é um desafio mundial. Não há consenso internacional sobre como regular a mescla desses relacionamentos. São áreas de fronteira que estão a demandar estudo e ação19. UMA NOVA DISCIPLINA LEGAL PARA A TERCEIRIZAÇÃO No Brasil, a falta de segurança jurídica para as contratantes e a precária proteção trabalhista aos empregados das contratadas decorrem em grande parte da ausência de uma legislação moderna sobre terceirização. A restrição da terceirização às chamadas atividades meio não se sustenta à luz das necessidades da nova economia. Ademais, não se consegue definir, a contento, o que constitui uma atividade meio ou uma atividade fim. Os próprios magistrados sofrem com isso como ilustra o depoimento abaixo de um Ministro do TST: “Não há ainda um critério científico e apriorístico para delimitar os serviços ou funções que dizem respeito, ou não, à atividade fim da empresa, de modo que, em derradeira análise, salvo nos casos expressamente previstos em lei, a licitude da terceirização dependerá sempre do exame de cada caso concreto. A meu juízo, trata-se de atividade fim se a mão-de-obra destinase ao atendimento da necessidade normal e permanente do empreendimento econômico, à luz do objetivo social da empresa tomadora. Nesta hipótese, é juridicamente inviável a terceirização.”20 Apesar de todo o esforço empreendido, a definição ainda traz dúvidas; O que é normal? O que é permanente? A manutenção permanente de um respirador artificial de uma UTI que é feita por pessoal especializado, não pode ser terceirizada? Será que o permanente de hoje é o mesmo permanente de amanhã? Hoje, a empresa pode querer comprar de fora uma tarefa que faz parte de suas atividades de rotina. Amanhã pode querer internalizá-las novamente. Mais tarde pode passar para fora. Enfim, o ziguezague é próprio da produção e do trabalho moderno. Nos sistemas de produção atuais que são operados no meio de muitas redes – em geral em cascata – é impossível determinar com precisão 19 Em 2006 a OIT organizou um seminário que congregou 50 especialistas de todo o mundo em busca de formas de proteção para o trabalho não convencional. Ver os resumos dos trabalhos apresentados em: e José Pastore, What way forward? no mesmo site. 20 Processo E-ED-RR-330004, decisão de 15.08.08, Relª Minª Maria de Assis Calsing. o que é meio e o que é fim, o que é permanente e o que é temporário, o que é normal e o que é “anormal”. Os operadores do direito tentam diferenciar atividade meio de atividade fim para concluir que isso é inatingível. Entre eles há mais divergência do que convergência, como se vê abaixo. “A definição de atividade meio é excessivamente subjetiva. Em tese são atividades não ligadas ao objetivo social do tomador, como a limpeza de um estabelecimento bancário, por exemplo. Simples? Pelo contrário. Vários setores terão imensa dificuldade de classificação. Serviços de digitação, por exemplo, poderiam ser terceirizados mesmo com os empregados trabalhando dentro do estabelecimento comercial do tomador? Perguntas como essa ainda são uma incógnita em nossa legislação o que leva muitos empresários a arriscar uma contratação terceirizada, mas sem nenhuma garantia de que nosso judiciário não julgue procedente eventual reclamação trabalhista entre funcionário e tomador de serviços.”21 Ao levantar um problema, o autor acaba formulando outro ao mencionar o local da execução do serviço. Faz diferença realizar a tarefa no estabelecimento do tomador ou fora dele? Isso tem alguma coisa a ver com atividade meio e atividade fim? Outro especialista assim se manifesta: “Aparentemente, parece simples estabelecer a distinção entre atividade fim e atividade meio de uma empresa... Muitas vezes, porém, torna-se difícil ou mesmo impossível fazer essa distinção.”22 Nessa mesma obra, o autor cita dezenas de definições adotadas por juristas e magistrados, totalmente desencontradas. A confusão é imensa. A Súmula nº 331 restringe a terceirização às atividades meio sem definilas adequadamente. A interpretação fica a cargo dos magistrados que, com freqüência, atrelam os empregados da contratada a um vínculo empregatícioda contratante com base naquela Súmula. É de estranhar que nenhuma empresa tenha argüido junto ao Supremo Tribunal Federal qual é a base da decisão nesses casos. Afinal, a Súmula nº 331 não é lei e, ademais, a Constituição 21 GONÇALVES, Nilton Oliveira. Terceirização de mão-de-obra. São Paulo: LTr, 2005. 22 FERRAZ, Fernando Basto. Terceirização e demais formas de flexibilização do trabalho. São Paulo: LTr, 2006. Federal não proíbe as empresas de contratar serviços ligados às suas atividades fim. O autor deste ensaio deixa aos juristas a solução desse problema. As decisões estão sendo tomadas com base em uma jurisprudência movediça que não resiste a uma interpelação judicial mais séria. Isso gera uma enorme insegurança jurídica para a empresa. No processo acima citado (E-ED-RR330004, decisão de 15.08.08), lê-se: “Salvo casos expressamente previstos em lei, a licitude da terceirização dependerá sempre do exame de cada caso concreto”. Como fica a segurança jurídica? Qual é a previsibilidade para se contratar licitamente? Mais do que as discussões infindáveis sobre atividade meio e atividade fim, o que interessa é um regramento legal que garanta a boa terceirização, ou seja, a que dê segurança jurídica às contratantes e proteção trabalhista aos empregados das contratadas, assim como a todos os que participam das redes de terceirização, independentemente de serem empregados ou não. Isso é fundamental para a própria eficiência da terceirização. A boa terceirização só funciona quando as empresas contratantes conseguem manter do seu lado, como aliadas, as contratadas. Nessa aliança, confiança é essencial e respeito aos direitos trabalhistas é indispensável. No Brasil, as leis atuais nada fazem para estimular alianças e parcerias. Ao contrário. A prática de alianças e parcerias dentro da mesma empresa, entre empregados da contratante e empregados da contratada é geralmente confundida com similaridade de função, o que leva muitos juízes a ver nisso um vínculo empregatício entre os empregados da contratada e a contratante. Isso tem gerado ações trabalhistas de grande complexidade, com desgastes para todos os lados e comprometimento da eficiência produtiva e da geração de empregos. A realidade de hoje é muito diferente da realidade do passado quando predominavam as empresas verticalizadas e que faziam de tudo. SUMÁRIO E CONCLUSÃO A terceirização continua gerando polêmica. Se de um lado é crescente a necessidade das empresas contratarem serviços de terceiros para serem competitivas, de outro, é imensa a resistência dos que combatem a terceirização por verem esse processo como sinônimo de precarização do trabalho. Os contratos de terceirização têm sido os mais variados. Há bons e ruins. Há empresas contratantes que zelam pela proteção dos empregados das empresas contratadas por meio de uma checagem criteriosa da sua reputação e monitoria constante durante a execução do contrato. Mas há também as que ignoram tudo isso. É aí que ocorre a precarização. Em muitos contratos, a contratada descumpre a legislação, e a contratante fecha os olhos. Em outros casos, esta só vem saber disso quando a contratada quebra ou desaparece na hora de pagar as verbas rescisórias, deixando seus empregados na mão. Eles só receberão tais verbas se a contratante for compreensível ou se tiverem êxito nas demoradas ações trabalhistas. Há ainda os contratos que mantêm os empregados da contratada em condições desumanas. Eu já vi trabalhadores terceirizados fazendo refeições sob sol a pino e sentados numa sarjeta de rua, enquanto os empregados da contratante saboreavam um almoço gostoso em restaurante com ar condicionado. O que rege a terceirização é o Enunciado nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho que proíbe a contratação de serviços ligados à atividade fim da empresa contratante. Ao Enunciado pouco importa se a refeição é tomada na sarjeta ou se as necessidades fisiológicas são feitas em latrinas imundas ou se os terceirizados são expostos a riscos de vida e a doenças profissionais. O Enunciado deixa de focar o que é o essencial – a proteção dos trabalhadores – para se dedicar ao secundário – a distinção entre fim e meio que, aliás, não estão definidos em nenhum lugar – o que gera grande insegurança jurídica para as empresas. Muitas são autuadas e processadas porque o auditorfiscal e o juiz “acharam” que determinada atividade dizia respeito ao fim e não ao meio. Esclareça-se, porém, que uma definição clara de fim e meio tornou-se dispensável porque as empresas da atualidade trabalham em redes de produção e, por isso, precisam contratar de tudo. O importante é que contratem de forma correta e respeitosa. Se há desproteção, a terceirização nada tem a ver com isso. O Brasil se ressente da falta de mecanismos eficientes para coibir os abusos. O importante não é impedir a terceirização ou fazer esgrimas para sedescobrir o que é fim e o que é meio. É premente estabelecer regras claras para dar segurança a todos os participantes dessa nova divisão do trabalho que, aliás, veio para ficar. O Enunciado nº 331 não tem esse alcance. O atual vácuo legal precisa ser preenchido urgentemente. Vários projetos tramitam no Congresso Nacional há mais de dez anos, mas nenhum contempla os objetivos mencionados. Falta a eles uma visão pragmática do processo. Terceirização implica em parceria entre contratantes e contratados. Uma lei inteligente teria de usar essa parceria para dividir responsabilidades entre as empresas. As contratadas precisam aprender a respeitar a lei e as contratantes precisam monitorar a execução dos contratos do começo ao fim. Muitos empresários acham que esse envolvimento tornaria a terceirização muito cara. Ledo engano. São inúmeros os casos em que os passivos trabalhistas decorrentes da insegurança jurídica comprometeram a própria sobrevivência das empresas. Isto sim é caro. Para os trabalhadores, a boa terceirização traria uma vantagem adicional. Estudos recentes têm mostrado que, em regime de parceria, as exigências técnicas das contratantes levam os trabalhadores da contratada a adquirirem novos conhecimentos e a se aperfeiçoarem na profissão, o que lhes traz maiores oportunidades de trabalho e de renda23. Com criatividade e boa vontade pode-se chegar a uma fórmula que atenda os interesses dos dois lados. Está na hora de se fazer uma lei de boa qualidade para acabar com o mito segundo o qual todo contrato de terceirização deságua necessariamente em precarização dos trabalhadores. 23 GERREFI, Gary. The new offshoring of jobs and global development. Genebra: OIT, 2005. TERCEIRIZAÇÃO NA ATIVIDADE-FIM. EMPRESAS DE TELECOMUNICAÇÕES E OUTRAS CONCESSIONÁRIAS DO SERVIÇO PÚBLICO. NOVOS PROJETOS DE LEI E INOVAÇÕES DE LIMINAR CONCEDIDA NO STF José Alberto Couto Maciel* I – INTRODUÇÃO N o momento em que o Governo e o Congresso Nacional cogitam mais uma vez de alterar a legislação trabalhista, especialmente com o objetivo de inclusão do maior número de brasileiros no mercado de trabalho, há que se fazer uma reflexão sobre o que é efetivamente importante para o Direito do Trabalho, bem como a necessidade de atualização da doutrina e da jurisprudência sobre matéria de alta relevância que é a de terceirização das empresas concessionárias de serviço público. Por certo, toda a pressão para a alteração nos rumos do Direito do Trabalho tem origem em uma necessidade que parece ser essencial ao mundo moderno, ao mundo globalizado, à necessidade de redução de custos, devendo esse movimento ser acompanhado de garantias legais dirigindo o desenvolvimento econômico em favor dos trabalhadores, colocando-se sempre o social acima dos interesses mercantis. Assim, da necessidade de redução de custos ante a competitividade com outros mercados, e face ao nosso problema maior, o desemprego, surgem, a cada dia, novas formas de relação de trabalho, como também o crescimento da terceirização em atividades-meio, as quais muitas vezes confundem-se com a própria atividade-fim das empresas. * Advogado; Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho. Logicamente que a terceirização ilegal, mediante a qual o empregador, através de suposta empresa independente, busca fraudar direitos trabalhistas de contratados, tem de ser proibida, e com muita ênfase está o Ministério Público agindo no sentido de moralizar este tipo de ilegalidade, como também o Tribunal Superior do Trabalho tem pacificado jurisprudência no mesmo diapasão, conforme estabelece a Súmula nº 331 que rege a matéria. A terceirização define-se como a contratação feita por uma empresa de serviços, de trabalho a ser prestado por uma pessoa física (profissional autônomo), ou pessoa jurídica, empresa especializada para realizar determinado serviço que não relacionado às atividades-fim da contratante, sem a existência dos elementos que caracterizam a relação de emprego, como subordinação, habitualidade, horário, pessoalidade e salário. Admite-se a terceirização em serviços especiais, tais como os de vigilância, conservação e limpeza, e em outras atividades vinculadas à atividademeio do tomador de serviços. A não ser a Súmula nº 331 do TST, não há propriamente uma legislação regendo a matéria, sendo que, em princípio, e não havendo legislação específica possibilitando a terceirização em determinados tipos de serviços, observa-se estar ela vinculada à atividade-meio, não havendo fraude quanto à figura do empregado e seus elementos caracterizadores. Para tanto, define-se como atividade-meio toda aquela não essencial à empresa, ou seja, a que tem a finalidade de dar suporte às atividades principais constantes em seus objetivos sociais, sendo que atividade-fim é aquela atividade descrita na cláusula-objeto do contrato social da empresa. Está expresso na Súmula nº 331 do TST: “I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.74). (...) III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.83), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.” É interessante que se faça uma análise mais aprimorada sobre a terceirização na atividade-meio e sua viabilidade, pois certamente verificarse-á que a terceirização válida, ao contrário da Súmula nº 331, deveria ser aquela determinada por lei, ou quando exigida para complemento da atividadefim, porque sendo ela necessária, será feita não para fraudar o empregado, com redução de custos e responsabilidades, mas por necessidade da própria empresa tomadora dos serviços. O Tribunal Superior do Trabalho, necessitando dar um “remédio” às inúmeras fraudes quando do início da terceirização, propriamente criou esta diferenciação entre “atividade-meio” e “atividade-fim”, mas se forem as atividades apreciadas com maior profundidade, não há, na verdade, “atividademeio” executando serviços para uma empresa, pois tudo que for lá executado decorre de uma necessidade empresarial. Assim é a segurança para os bancos, a limpeza e conservação para os estabelecimentos, bem como todas as atividades que melhor se qualificariam como complementares e não meios. A fraude, como a solidariedade, não se presume, mas deve ser apreciada caso a caso, sendo que, regras de presunção, na hipótese, punem a generalidade sem apreciação do caso específico, sem realizar, efetivamente, a justiça almejada. II – A ATIVIDADE ADICIONAL NAS TELECOMUNICAÇÕES A Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, que regulamenta a organização dos serviços de telecomunicações, dispõe em seu art. 60 e seus parágrafos o que deve ser definido como telecomunicação e estação de telecomunicação, sendo que em seu art. 61 define o que significa “serviço de valor adicionado”. Diz o referido art. 60: “Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação. § 1º Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza. § 2º Estação de telecomunicações é o conjunto de equipamentos ou aparelhos, dispositivos e demais meios necessários à realização de telecomunicação, seus acessórios e periféricos e, quando for o caso, as instalações que os abrigam e complementam, inclusive terminais portáteis. Art. 61 Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações. § 1º Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição. § 2º É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de telecomunicações.” Da própria lei verifica-se que os serviços de telecomunicações, por definição, são terceirizados, havendo a atividade-fim, que é a transmissão, emissão e a recepção do transmitido, serviços esses que se realizam mediante redes e outros de valor adicionado (não constituindo serviços de telecomunicações), os quais os Tribunais muitas vezes têm confundido com atividade-meio, mas que são, como os demais serviços e a própria rede, inerentes, acessórios, ou serviços complementares usados necessariamente pelas empresas de telecomunicações. E seguindo esse entendimento, a Lei nº 9.472/97 explicita em seu art. 94, § 1º, que as empresas de telecomunicações podem contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados: “Art. 94. No cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá, observadas as condições e limites estabelecidos pela Agência: (...) II – contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados.” III – DO PROCESSO DE TERCEIRIZAÇÃO NAS EMPRESAS DE TELECOMUNICAÇÕES. DA POSSIBILIDADE DA TERCEIRIZAÇÃO NAS ATIVIDADES-MEIO E FIM. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA Nº 331, III, DO TST. INTELIGÊNCIA DA LEI GERAL DE TELECOMUNICAÇÕES A Súmula nº 331 trata apenas de dois ordenamentos jurídicos que regulamentam a possibilidade de terceirização: a Lei nº 6.019/74, que regula o Trabalho Temporário, e a Lei nº 7.102/83, que trata da terceirização dos serviços de vigilância. Não há nenhuma outra legislação que regulamente a terceirização no país, a não ser artigos esparsos, em normas especiais, como a das Telecomunicações e as que regulamentam as empresas concessionárias de serviços públicos, sendo que a inexistência dessa regulamentação levou o Tribunal Superior do Trabalho a editar a citada Súmula nº 331, especialmente com o objetivo de evitar a fraude na contratação irregular que crescia nas empresas, cujo objetivo primordial era fraudar direitos trabalhistas, barateando custos e eximindo-se de responsabilidades. Esse entendimento derivou em inúmeros projetos que tramitam no Congresso Nacional com o intuito de defender o trabalhador da terceirização desenfreada, sendo que o que tem sido objeto de estudos atuais, da autoria do Deputado Vicentinho, propriamente esvazia o direito à terceirização, contrariando todo o progresso, como se fosse possível extinguir as ilicitudes, extinguindo-se com um instituto jurídico da maior validade e de relevante interesse nacional. Como bem evidencia Maria Fernanda Pereira de Oliveira, in LTr Suplemento Trabalhista 063/08, ao tratar da terceirização, a Súmula nº 331 do TST abriu espaço ao intérprete para definir os modelos de contratação lícitos e ilícitos, ou seja, a partir do enquadramento ou não das atividades terceirizantes no núcleo/objeto do empreendimento empregador. E esclarece Maria Fernanda que, o que se verifica no atual cenário mercadológico é que as atividades consideradas essenciais para as empresas, em um passado não muito distante, atualmente são consideradas apenas como meios de execução da cadeia produtiva, razão pela qual mister a constante revisão da definição das atividades-fim empresariais. Isso porque não se pode perder de vista que existem atividades, muito embora necessárias aos fins principais da cadeia produtiva, que são altamente especializadas e não se confundem com o objetivo principal empresarial. Nesses casos, as razões mais elevadas do instituto da terceirização: a especialização; a concentração de esforços naquilo que é vocação principal da empresa; é a busca de maior eficiência na sua atividade original, condição que justifica plenamente a sua aplicação. No caso das empresas de Telecomunicações, a lei conceitua quais são as atividades-fim, as atividades-adicionais e todas se confundem, não havendo atividade-meio que não seja necessária ou inerente à conclusão da atividadefim, como evidenciam seus arts. 60 e 94, este último quando possibilita, em seu § 1º, até mesmo a terceirização de equipamentos e máquinas. No trabalho citado, a Dra. Maria Fernanda alude à obra de J. C. Mariense Escobar, O novo direito de telecomunicações, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1999, que assim discorreu acerca da atividade-fim das empresas de telefonia (p. 24): “A definição é abrangente. Não há serviço de telecomunicações sem o concurso de uma multiplicidade de trabalhos, técnicas e equipamentos, empregados exclusivamente para viabilizar a comunicação a distância. Tampouco se o conjunto desses meios não viabilizar a oferta a terceiros, a eventuais usuários, dessa possibilidade de comunicação.” E também Gabriel Boavista Laender, no artigo “O regime jurídico das redes de telecomunicação e em serviços de telecomunicação”, no livro Direito das telecomunicações: estrutura institucional regulatória e infra-estrutura das telecomunicações no Brasil, organizado por Márcio Iório Aranha, Brasília, JR Gráfica, 2005, p. 205, tem-se que: “Dessa forma, e consultando as definições no direito nacional e internacional, podemos entender telecomunicação como um meio que proporciona comunicação direta mediante o uso de sistemas de elementos técnicos (máquinas) que possibilitem troca instantânea de informações. Nesse sentido, uma vez que a mediatização da comunicação – valendo-se dos citados elementos técnicos – é o item mais relevante na delimitação do que seja ou não telecomunicação, ao regime jurídico das telecomunicações importará mais a regulação dos meios de transmissão da informação – fator determinante para as telecomunicações – do que a da informação propriamente dita. Sendo assim, cumpre agora analisar tanto os meios de transmissão da informação (as redes de telecomunicação), como a atividade econômica de oferecer esses meios (os serviços de telecomunicação).” Neste sentido, a autora prossegue: “Dessa forma, o mero estabelecimento de uma rede não significa prestar serviço de telecomunicação. Por esta razão, serviço de telecomunicação pode ser melhor definido como a atividade econômica de prover acesso a uma rede de telecomunicação. O acesso à rede engloba tanto a necessidade imediata de comunicação como a de estabelecer outra rede. O fato de o ordenamento jurídico brasileiro confundir serviço de telecomunicações com o estabelecimento de redes tem origem na histórica imiscuidade entre o serviço e a rede que lhe dá suporte. De fato, antes da digitalização das telecomunicações, o serviço prestado era dependente da rede que lhe dava suporte.” E é frente a esta nova colocação no que concerne aos direitos à terceirização das empresas de telecomunicações que vêm se manifestando os Tribunais do Trabalho e, em especial, o Tribunal Superior do Trabalho, conforme pode se auferir dos acórdãos abaixo citados: “TELECOMUNICAÇÕES. TERCEIRIZAÇÃO. O art. 94, inciso II, da Lei nº 9.472/97, é expresso ao autorizar a contratação. Violações não configuradas. Agravo de Instrumento a que se nega provimento. (...) O ponto fundamental da matéria é definir se o art. 94, II, da Lei nº 9.472/97 autoriza a concessionária de serviços de telecomunicações a terceirizar sua mão-de-obra, ainda que fora das hipóteses prescritas pelo art. 2º da Lei nº 6.019/74. Referido dispositivo tem a seguinte redação: (...) Como se vê numa exceção à regra geral, as concessionárias dos serviços de telecomunicações estão autorizadas a contratar empresas prestadoras de serviços que lhe forneçam trabalhadores, sendo irrelevante a distinção entre atividade-fim e atividade-meio. Neste sentido, não se justifica a multa aplicada à recorrente, já que lícita, no caso, a terceirização. (...)” (TST-AIRR-299/2005-003-24-40.8, 3ª T., Rel. Min. Carlos Alberto, DJ 27.04.07. Extraído do site oficial: – texto original sem grifos) “RECURSOS DE REVISTA. TERCEIRIZAÇÃO. EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÕES. ATIVIDADE-FIM. AUTORIZAÇÃO LEGAL. SÚMULA Nº 331, III, DO TST. INAPLICABILIDADE. I – A decisão recorrida reveste-se de verdadeiro matiz fático, de remoldura refratária no âmbito de cognição desta Corte, a teor da Súmula nº 126 do TST, pois reconhece a Turma julgadora, com base no laudo pericial, que os serviços prestados pela Telemar se enquadram na atividade-fim, na qualidade de empresa do ramo das telecomunicações, embora entendendo inaplicável a orientação da Súmula nº 331, III, do TST, em face da existência de legislação própria que autoriza a terceirização das atividades essenciais no ramo das telecomunicações, fato que, por si só, infirma a tese de afronta aos arts. 1º, IV, da Constituição Federal e 9º da CLT. II – Não se constata a pretendida contrariedade ao preceito da Súmula nº 331, III, do TST, pois o Regional, após apresentar vasta explanação com o intuito de conceituar o termo atividade-fim, concluiu que as atividades exploradas pela concessionária são essenciais, não adentrando na discussão acerca da ilegalidade da terceirização, afastando a incidência, à hipótese, do item III da citada Súmula, que condiciona a terceirização à realização de serviços ligados à atividade-meio do tomador, declarando a existência de dispositivo legal expresso autorizando a terceirização na atividade-fim dos serviços de telecomunicação, conforme dispõe o art. 94, II, da Lei nº 9.472/97, imprimindo, dessa forma, razoável interpretação à norma legal, a incidir o óbice da Súmula nº 221 do TST ao conhecimento do recurso de revista e a afastar, mais uma vez, a alegada ofensa aos arts. 1º, IV, da Constituição Federal e 9º da CLT. III – Não é discernível, igualmente, violação à literalidade do art. 166, II, do Código Civil, pois, além de a decisão regional estar respaldada no preceito da Lei acima referida, nada se discutiu acerca da invalidade do negócio jurídico, vindo a calhar a orientação da Súmula nº 297 do TST. IV – O recurso não se habilita ao conhecimento, ainda, à luz da alínea a do art. 896 da CLT, porque carece da observância ao disposto na Súmula nº 337, item I, do TST, pois os arestos colacionados ora não trazem a fonte oficial nem o repositório autorizado em que foram publicadas, exigência contida na alínea a, ora deixam de observar a letra b, segundo a qual é imprescindível à comprovação de dissensão pretoriana que a parte transcreva, nas razões recursais, as ementas e/ou trechos dos acórdãos trazidos à configuração do dissídio, comprovando as teses que identifiquem os casos confrontados, ainda que os acórdãos já se encontrem nos autos ou venham a ser juntados com o recurso, afastando-se a alternativa de o Tribunal incursionar pelos termos da decisão recorrida e dos arestos paradigmas com o objetivo de dilucidar a ocorrência da indigitada dissensão. V – Recurso não conhecido.” (TST-RR-4661/2002-921-21-00.4; Recorrente: Ministério Público do Trabalho da 21ª Região; Recorridos: Telemar Norte Leste S.A., S-COMM Serviços e Engenharia de Comunicações Ltda., Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações no Estado do Rio Grande do Norte Sinttel/RN, Asfaltec Construtora e Serviços Ltda., Central Telecomunicações Ltda., Informador de Pernambuco Ltda., Protele Serviços de Telecomunicações Ltda., Rabelo e Barreto Ltda., Asap Serviços de Informações Ltda., LF Produtividade e Desenvolvimento em Recursos Humanos Ltda., Constel Construções e Telefonia Ltda., Instaladora e Refrigeração Ltda., e MMB Rodrigues e Conectron Ltda. Número único RR-4661/2002-921-21-00, 4ª T., Rel. Min. Barros Levenhagen, DJ 08.02.08) “RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA TELEMAR NORTE LESTE S.A. VÍNCULO DE EMPREGO. EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÕES. INSTALAÇÃO E MANUTENÇÃO DE REDES DE TELEFONIA. TERCEIRIZAÇÃO DAS ATIVIDADES. LEI Nº 9.472/97. LICITUDE. I – Nos termos do art. 60 da Lei nº 9.472/97 – Lei Geral das Telecomunicações –, as atividades desenvolvidas pelos cabistas (instalação e reparo de linhas aéreas) não podem ser consideradas atividade-fim de uma empresa de telecomunicações, conquanto sejam a elas estritamente relacionadas. II – Quis o legislador, no caso específico das telecomunicações, ampliar o leque das terceirizações, liberando a empresa para a prestação do serviço público precípuo, que é a transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza. Nesse diapasão é o art. 94 da Lei nº 9.472/97, que, ao estipular os requisitos do contrato de concessão do serviço de telecomunicações, permite a terceirização inclusive em atividades-fim. Assim, mesmo que se entenda que as atividades desenvolvidas pelo reclamante, como cabista, sejam consideradas atividades-fim da empresa de telecomunicações, mesmo assim seria permitida aos olhos da Lei Geral das Telecomunicações a terceirização. III – Não pode o intérprete distanciar-se da vontade do legislador, expressa no sentido de permitir as terceirizações de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados (art. 94 da Lei nº 9.472/97). A expressa disposição de lei impede, no caso, o reconhecimento de fraude na terceirização. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. CABISTA. SISTEMA ELÉTRICO DE POTÊNCIA. ALCANCE DA LEI Nº 7.369/85. É assegurado o adicional de periculosidade apenas aos empregados que trabalham em sistema elétrico de potência em condições de risco, ou que o façam com equipamentos e instalações elétricas similares, que ofereçam risco equivalente, ainda que em unidade consumidora de energia elétrica (Orientação Jurisprudencial nº 324 da SBDI-1). Assim, tendo o Tribunal Regional registrado que o reclamante trabalhava em condições de periculosidade, representada pela proximidade do local em que desenvolvia as suas atividades com a rede de corrente elétrica de alta tensão, é devido o pagamento do adicional de periculosidade, não havendo falar em violação ao art. 1º da Lei nº 7.369/85. Recurso de Revista de que se conhece em parte e a que se dá provimento.” (Número único: RR-1680/2006-140-03-00, 5ª T., Rel. Min. Brito Pereira, DJ 04.04.08) A possibilidade de terceirização na atividade-fim das empresas de telecomunicações, assim como nas demais empresas que atuam no regime de concessão ou permissão, decorre do art. 175 da Constituição, e está devidamente autorizada pela Lei nº 8.987, de 13.02.95, uma vez que tais empresas, exatamente por prestarem serviços públicos, de relevância e segurança nacional, têm de exercer tais serviços de forma que atendam satisfatoriamente todo o país, quer através de rede, ou mediante satélites, ou conforme os sistemas de maior celeridade e economia ora atualizados, o que só pode ser feito mediante a terceirização das próprias atividades inerentes, essenciais ou complementares, inclusive as adicionais. Diz o art. 175 da Constituição da República que: “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão, ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.” Regulamentando o regime das empresas concessionárias, e de acordo com o parágrafo único do referido art. 175, dispõe o art. 25 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995: “Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade. § 1º Sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a concessionária poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados. § 2º Os contratos celebrados entre a concessionária e os terceiros a que se refere o parágrafo anterior reger-se-ão pelo direito privado, não se estabelecendo qualquer relação jurídica entre os terceiros e o poder concedente. § 3º A execução das atividades contratadas com terceiros pressupõe o cumprimento das normas regulamentares da modalidade do serviço concedido.” Assim, proibir a terceirização nos serviços de telecomunicações e em outras concessionárias do serviço público, quer seja em razão da Súmula nº 331 do TST, inaplicável na hipótese, quer seja por razões outras, é violar, de forma flagrante, o art. 175 da Constituição Federal. IV – NOVOS PROJETOS DE LEI SOBRE TERCEIRIZAÇÃO Como não há uma regulamentação legal sobre terceirização, mas apenas artigos esparsos em leis diversas, bem como o Enunciado nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho, e considerando a relevância da questão em termos sociais, existem alguns projetos em tramitação no Congresso Nacional com encaminhamento célere, sendo que o Projeto de Lei nº 4.302-C, de 1998, atualmente com maior destaque, recebeu substitutivo do Senado Federal, mas trata, a meu ver, de forma discriminatória o trabalho temporário e o trabalho de empresa de prestação de serviços, tudo em um só projeto. O projeto altera diversos artigos da Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, dando a responsabilidade subsidiária da empresa contratante, e admite versar o trabalho em atividades-meio e atividades-fim. A partir do art. 4º-B, porém, passa a tratar de empresas prestadoras de serviço, mantendo, como princípio, a solidariedade entre as contratantes e não regulamentando os tipos de atividade. Enfim, trata-se de um projeto que não traz nenhuma novidade no que concerne à estabilidade do instituto, criando, ao contrário, uma polêmica diferenciação entre trabalho temporário e de prestação de serviços, o que em nada auxiliará nos conflitos atuais sobre a matéria. Recentemente o Ministério do Trabalho disponibilizou, para consulta pública, anteprojeto de lei que pretende seja encaminhado ao Congresso Nacional. Defende o Ministério que a terceirização é uma realidade inexorável e uma tendência para o mercado de trabalho em todo o mundo. Considera o anteprojeto que a terceirização será viável quando o contrato for elaborado com empresa especializada e não se caracterizando a fraude decorrente do trabalho subordinado, na forma do art. 3º da CLT. Sendo válido o contrato, válida será a atividade, independente de ser meio ou fim, mas dependendo da especialização da empresa contratada. A responsabilidade do contratante, em princípio, será subsidiária, a não ser que se prove que a empresa tomadora de serviços não exigiu da contratada os documentos exigidos em norma contratual. Parece ser este anteprojeto muito mais objetivo, inserindo-se em um contexto que garante a terceirização, não como sendo uma fraude a ser desvendada pela Justiça, mas sim como um procedimento adotado no mundo moderno, em que a licitude se presume e a fraude deve ser provada. V – DA ATUAL POSIÇÃO DO SUPREMO FRENTE À SÚMULA VINCULANTE Nº 10 E A TERCEIRIZAÇÃO O Supremo Tribunal Federal, mediante liminar concedida pelo Ministro Ricardo Lewandowski na Reclamação nº 6.970, suspendeu decisão do Tribunal Superior do Trabalho, a qual, no seu entender, teria desrespeitado a Súmula Vinculante nº 10 da Corte, que trata do princípio constitucional da reserva de plenário, previsto no art. 97 da Constituição Federal. De acordo com tal regra, a reserva de plenário determina que somente pelo voto da maioria absoluta de seus integrantes, os tribunais podem declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público. Como o TST afastou a aplicabilidade do § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/ 93, invocando o enunciado sumular nº 331, IV, sem a argüição de inconstitucionalidade e a observância do art. 97 da Constituição, teria afrontado a autoridade da Súmula Vinculante nº 10 do STF. A decisão do TST obrigou a administração pública a pagar crédito trabalhista devido a funcionário terceirizado afastando o que dispõe a Lei nº 8.666/93. Este despacho liminar, o qual ainda não foi sufragado pelo colegiado da Suprema Corte, certamente já demonstra uma posição de Ministro do STF, no sentido de que, afastada a incidência de uma lei em vigor, no todo ou em parte, que não seja decisão tomada pela maioria absoluta do plenário da Corte, estará sendo violada a Súmula Vinculante nº 10, abrindo-se um caminho da mais alta relevância para processos nos quais os Juízes e Tribunais não respeitem as normas legais vigentes. Creio mesmo que, se for mantido o entendimento do Ministro Lewandowski, as decisões tomadas pelos Tribunais, que desrespeitem o art. 94 da Lei de Telecomunicações (Lei nº 9.472/97), que possibilita a terceirização em atividades inerentes (atividade-fim), serão certamente passíveis de reclamação ao Supremo Tribunal Federal. TERCEIRIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO Paulo Ricardo Silva de Moraes* 1 – INTRODUÇÃO C omo produto da reestruturação produtiva do capital e impondo a conseqüente reorganização do mercado de trabalho, ascende, emblemática da nova ordem neoliberal globalizante, a “terceirização”, instrumento apto, segundo alguns ideólogos do capital, a baixar os custos de produção e de aumentar a produtividade, sem prejuízo da qualidade do produto final, o que, segundo seus defensores, qualifica-a, indubitavelmente, como uma das ferramentas capazes de implementar as condições necessárias para que as empresas nacionais possam enfrentar o acirramento da competição internacional. Destarte, na direção do desvelar das múltiplas facetas desta técnica de administração que exsurge como das mais importantes na atualidade da vida empresarial e, por conseguinte, da vida do trabalhador contemporâneo, é que se construirão os diversos tópicos deste artigo. Buscando-se, sem o intento de exaurir, evidenciar os aspectos cruciais das mudanças que se operaram, desde o advento das Teorias de Adam Smith, sobre o capital e sobre o trabalho, perpassando por breve análise dos fundamentos do regime de acumulação flexível do capital, e de sua maior conseqüência, a fragmentação sistêmica das empresas. Culminando, por fim, no estudo das razões legais e jurisprudenciais que desautorizam a contratação de trabalhadores por empresa interposta. 2 – A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO: REESTRUTURAÇÃO DA PRODUÇÃO E REORGANIZAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO Tratar-se-á, neste tópico, das teorias que importaram na reestruturação da produção e na reorganização do mercado de trabalho dos países capitalistas, * Advogado; Bacharel em Ciências Contábeis, Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Pós-Graduado Lato Sensu em Finanças e Gestão Corporativa pela Universidade Candido Mendes; Contador e Analista da Comissão de Valores Mobiliários. dando especial ênfase à formação de consciência de classe dos trabalhadores e a resistência por estes imposta, frente à usurpação de seus direitos mais elementares, situação que atentava, e que, em muitos casos, ainda atenta, contra sua própria dignidade. 2.1 – A reestruturação da produção e a reorganização do mercado de trabalho Segundo Arnor Limar Neto1, as teorias de Adam Smith (1723-1790), aperfeiçoadas por Taylor (1856-1915) e levadas à prática por Ford (1863-1947), acabaram por marcar em definitivo as feições do trabalho industrial pelo menos até meados do século XX, quando, então, novas e expressivas mudanças, atribuídas à crise estrutural do capitalismo, começaram a ser sentidas. Faz-se mister, portanto, para uma melhor análise do fenômeno da terceirização, um breve estudo das principais formas de estruturação da produção e, conseqüentemente, das formas de organização do trabalho preponderantes em quase três quartos do século XX. Examinaremos, em seqüência, as idéias de Taylor e Ford, passando, posteriormente, pela análise do método inventado por Taiichi Ohno, engenheiro-chefe das fábricas da Toyota, mais comumente conhecido por Toyotismo ou Ohnismo. E por fim, desembocaremos no estudo das novas formas de trabalho advindas do novo quadro imposto pela reestruturação da produção: A Especialização Flexível. 2.1.1 – Taylorismo O engenheiro norte-americano Frederick Winslow Taylor, nascido em 1856, publicou, em 1911, sua obra Os princípios da administração científica, dando origem a uma forma de organização do trabalho que ficou conhecida como “Taylorismo” ou “Administração Científica do Trabalho”2. Em sua carreira profissional na indústria de aço norte-americana “Midvale Steel Company”, Taylor exerceu as funções de operador de máquina, chefe de turma, chefe de manutenção, chegando, por fim, a engenheiro-chefe, e, dessa forma, conheceu todas as funções operacionais de uma unidade fabril e com esse conhecimento prático, aliado à observação e ao estudo das práticas de trabalho, criou a “Scientific Management Theory”3. 1 LIMA NETO, Arnor. Cooperativas de trabalho. Curitiba: Juruá, 2004. p. 42-43. 2 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Terceirização e intermediação de mão-de-obra: ruptura do sistema trabalhista, precarização do trabalho e exclusão social. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 30. 3 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Op. cit., p. 30. Na formulação de sua teoria, Taylor levou em consideração o fato, por ele observado, de que os trabalhadores desenvolviam o mesmo trabalho de modo diferente, alguns se utilizando de sua força física mais eficientemente do que outros. E assim, segundo Taylor, se o trabalho desenvolvido por cada trabalhador fosse regulado de forma lógica, de modo semelhante aos movimentos das máquinas, obter-se-ia um incremento de produção4. De acordo com o Taylorismo, na busca desse acréscimo de produção, caberia à direção, de qualquer unidade operacional, a individualização do melhor modo de se fazer o trabalho, o fornecimento dos instrumentos adaptados e o treinamento dos trabalhadores, de forma que estes agissem em conformidade com instruções precisas. Nesse ínterim, a decomposição de cada processo de trabalho em movimentos componentes e a organização de tarefas de trabalho fragmentadas segundo padrões rigorosos de tempo e movimento, implicariam, em conjunto, um considerável aumento da produtividade do trabalho5. Além disso, a decomposição de processos permitiria que o trabalho, incumbido a cada obreiro, fosse totalmente predeterminado pela gerência da administração, eliminando toda e qualquer autonomia do trabalhador, que se restringiria, tão-somente, a cumprir os movimentos pré-estabelecidos pelo empregador, tanto em relação à forma quanto ao tempo de cada operação. Em síntese: “Os princípios da administração científica, de F. W. Taylor, consagrou-se num influente tratado que descrevia como a produtividade do trabalho podia ser radicalmente aumentada através da decomposição de cada processo de trabalho em movimentos componentes e da organização de tarefas de trabalho fragmentadas segundo padrões rigorosos de tempo e estudo do movimento (...).”6 No entanto, foram exatamente essas características do Taylorismo, a obsessão pela perfeição dos movimentos dos operários somada à eliminação da discricionariedade do trabalhador na execução de suas tarefas, converteramse, paradoxalmente, nos maiores entraves para a implementação da “gerência científica do trabalho”, na medida em que impulsionaram uma forte resistência dos trabalhadores aliada a uma intensa insatisfação com o trabalho padronizado7. 4 Loc. cit. 5 Ibidem, p. 30-31. 6 HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 9. ed. São Paulo: Loyola, 2000. p. 121. 7 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Op. cit., p. 34. Tem-se, pois, que o Taylorismo, e todo o seu arcabouço teórico, não bastava a si mesmo e não era auto-suficiente à sua própria implantação. Seria necessário um elemento catalisador de sua aceitação por parte dos trabalhadores. Surge, então, a teoria formulada por Henry Ford, nosso próximo ponto de estudo, que, dentre outras coisas, propugnava um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, que passava pela concessão de vantagens aos operários, a fim de induzir-lhes a aceitação das novas formas de organização do trabalho, através do estabelecimento em suas mentes de uma associação entre a concessão dessas vantagens com a eficiência da própria técnica do trabalho8. 2.1.2 – Fordismo Nas palavras de David Harvey: “Em muitos aspectos, as inovações tecnológicas e organizacionais de Ford eram mera extensão de tendências bem-estabelecidas. (...) Ford também fez pouco mais do que racionalizar velhas tecnologias e uma detalhada divisão do trabalho preexistente, embora, ao fazer o trabalho chegar ao trabalhador numa posição fixa, ele tinha conseguido dramáticos ganhos de produtividade.”9 Também segundo Rodrigo de Lacerda Carelli, a principal engenhosidade de Henry Ford, que permanece até hoje, mesmo nas fábricas ditas “toyotizadas”, é a linha de montagem contínua10. O Fordismo, portanto, criou a linha de montagem (moving assembly line), fazendo uso de mecanização associada e parcialmente automatizada. E assim, o controle sobre o operário não precisava ser exercido diretamente pelo gerente, mas, de outro modo, passava a ser realizado automaticamente pela máquina. A esteira rolante (conveyor belt), que levava o trabalho até os homens, resolveu a questão do controle dos tempos e movimentos, que passaram a ser determinados pelo ritmo de funcionamento das máquinas, diversamente do Taylorismo, onde o ritmo era baseado no rendimento individual11. 8 HARVEY, David. Op. cit., p. 121. 9 Loc. cit. 10 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Op. cit., p. 35. 11 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Op. cit., p.35. Nesse sentido, são as seguintes as bases do Fordismo: mecanização da produção; padronização das partes do produto; aplicação de novas formas de energia; e fluxo contínuo dos materiais através de uma série de máquinas, ou seja, a própria linha de montagem semovente12. E tudo isso com o fim de criar a produção em massa. Conforme o intento do próprio modelo Fordista, a linha de montagem aumentava a importância da divisão do trabalho, ou melhor, da organização do inteiro processo laborativo, pois este passava a ser parte integrante e indispensável ao funcionamento da própria fábrica, impondo uma divisão do trabalho total e minuciosamente planejada13. Ressalta-se, por importante, que Henry Ford implantou em sua fábrica a gerência Taylorista e a linha de montagem, acrescentando-lhe, porém, características que tornavam factível a própria Teoria de Taylor, e que, além disso, objetivavam a transformação do capitalismo e da própria sociedade em geral14. Neste aspecto, de acordo com David Harvey, “o que havia de especial em Ford (e que, em última análise, distingue o fordismo do taylorismo) era a sua visão, seu reconhecimento explícito de que produção em massa significava consumo em massa”15. Dessa forma, todos os esforços, inclusive por parte do Estado, deveriam centrar-se no objetivo de “forjar um tipo particular de trabalhador adequado ao novo tipo de trabalho e de processo produtivo”16. Assim, como meio de viabilizar a aceitação e a motivação dos trabalhadores para o novo sistema implantado, Ford limitou a jornada de trabalho diária em oito horas e passou a pagar aos seus empregados um salário dia de cinco dólares, o que, na época, era considerado um ótimo salário17. Pagando bons salários e reduzindo a jornada de trabalho, Ford desejava, além da aceitação e submissão dos trabalhadores, a criação de um novo homem, com bom poder aquisitivo e tempo de lazer suficiente, o que, por conseqüência, impulsionaria o crescimento da economia de consumo. Ford introduziu com a produção em massa, por conseguinte, uma das principais características do capitalismo do século XX, o consumo em massa18. 12 Ibidem, p. 36. 13 Loc. cit. 14 Ibidem, p. 37. 15 HARVEY, David. Op. cit., p. 121. 16 Ibidem, p. 122. 17 Loc. cit. De outro modo, todas essas medidas adotadas por Ford estavam intimamente relacionadas com sua crença no poder corporativo de regulamentação da economia como um todo. Crença segundo a qual a demanda efetiva pelos produtos produzidos em massa poderia ser diretamente influenciada com uma sujeição adequada da sociedade ao mencionado poder corporativo19. Não obstante, o modelo fordista, reinante no século XX, entra em declínio mesmo antes de completar sua expansão mundial, tendo começado a dar sinais de cansaço já em meados da década de 1960, subsistindo, todavia, até 1973, quando eclodiu o choque do petróleo. Surgem, a partir de então, dois movimentos intimamente relacionados, a saber: a globalização e o regime de acumulação flexível do capital, trazendo suas características de reorganização produtiva e remodelação do próprio giro do capital20. Insta mencionar que essa transição do Fordismo para o regime de acumulação flexível, e todas as suas conseqüências, aconteceu sem muita resistência por parte dos trabalhadores, dada a força das mudanças e a perplexidade que elas causaram. E principalmente porque as entidades sindicais nunca tiveram o necessário poder de agregação que tornasse possível barrar ou, pelo menos, frear as mudanças21. Ademais, o surgimento de uma nova forma de organização da produção mais atrativa para o capital: a Especialização Flexível, com suas características e mandamentos, principalmente a terceirização, fragmentou ainda mais as categorias, enfraquecendo, por conseguinte, os sindicatos, sendo, pois, estes fatos nossos próximos itens de estudo. 2.1.3 – Toyotismo Conforme os ensinamentos de Thomas Gounet, o Toyotismo ou Ohnismo22 foi implantado progressivamente nas décadas de 1950 e 1960 na Toyota, e teve uma dupla origem: 18 Loc. cit. 19 Loc. cit. 20 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Op. cit., p. 44-45. 21 Ibidem, p. 47. 22 Neologismo em homenagem a Taiichi Ohno, engenheiro-chefe das fábricas Toyota, o “inventor” do toyotismo e do método “kanban”. “Primeiramente, as empresas japonesas precisavam ser tão competitivas quanto as americanas, e depressa, sob pena de desaparecerem. Em 1945, logo após a derrota japonesa e no momento da ocupação aliada, o presidente da Toyota, Kiichiro Toyoda, declara que é vital ‘alcançar os norte-americanos em três anos, sem o que será o fim da indústria automobilística japonesa’. A segunda origem é a necessidade de aplicar o fordismo no Japão, mas conforme as condições próprias do arquipélago.”23 O Toyotismo, que também ficou conhecido pelo nome de lean production (produção enxuta), combina as vantagens da produção em massa (rigidez e custos baixos) e da produção artesanal (flexibilidade e qualidade), e possui três características ou princípios básicos: o trabalho em equipe e de cooperação; o processo de aperfeiçoamento continuado ou kaizen; e just-in-time24. O primeiro princípio estabelece-se sobre a noção central de equipe, responsável por si mesma, que organiza seu trabalho e se autocontrola, com o fito de obter um melhor acabamento do produto. Erige-se daí uma organização de trabalho horizontalizada e por equipes, com trabalhadores polivalentes e plurifuncionais25. O segundo princípio, o kaizen ou processo de melhoramento contínuo, amplia uma tradição japonesa de aperfeiçoar os produtos, realizando continuamente pequenas modificações nos mesmos. Não obstante, evidenciase que, no Toyotismo, o aperfeiçoamento tem como um dos principais atores o próprio trabalhador, que é quem sugere as modificações do produto26. O terceiro princípio é o just-in-time, que se consubstancia no fundamento do sistema de produção Toyotista. Segundo este princípio, os estoques devem ser reduzidos ao mínimo possível, sendo a produção regida diretamente pela demanda, o mesmo acontecendo com as matérias-primas que, também, devem ser adquiridas conforme as necessidades de produção27. No entanto, o just-in-time vai além do simples controle de estoques, visto que intenciona a contenção de custos ao estritamente necessário, 23 GOUNET, Thomas. Fordismo e Toyotismo na civilização do automóvel. São Paulo: Boitempo, 1999. p. 25. 24 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Op. cit., p. 54. 25 Ibidem, p. 55. 26 Loc. cit. 27 Ibidem, p. 56. alcançando, assim, inclusive o trabalho humano através da redução da mãode-obra ao estritamente necessário à produção, nos estritos limites da demanda. Nesse contexto, tem-se uma flutuação do número de trabalhadores na empresa conforme o aquecimento ou desaquecimento da produção, sendo parte importante, para a sua implementação, a adoção do método kanban ou sistema de informação dos vários estágios da produção e de estoque, que possibilita a verificação da real necessidade de mão-de-obra ou de estoques28. Nesse período, ademais, acresceram os adeptos da tese da flexibilização do Direito do Trabalho sob o argumento falacioso do aumento da competição internacional e do incentivo ao emprego. Falacioso porque o capital não emprega nem mesmo um só trabalhador se não for de sua extrema necessidade e imprescindibilidade. E certamente, não será a redução de direitos sociais ou a queda do nível de salários que impulsionará a contratação de mais pessoas, além daquele ponto estritamente necessário à produção29. Cabe, aqui, ressaltar que a precarização do trabalho humano gera somente precarização da vida humana, e isso, revela-nos a história, tem sido, invariavelmente, fruto derivado e indissociável da força destrutiva do capital. Afinal, ainda que tal associação não possa conformar uma regra, a desvalorização da força de trabalho sempre foi a resposta instintiva dos capitalistas à queda de lucros30. Pode-se definir, assim, o toyotismo, nas palavras de Thomas Gounet, como um sistema de organização da produção baseado em uma resposta imediata às variações da demanda e que exige, portanto, uma organização flexível e integrada do trabalho, podendo, também, ser caracterizada pelos cinco zeros: i) zero atrasos; ii) zero estoques; iii) zero defeitos; iv) zero panes, e v) zero papéis31. Conclui-se, pois, que a reestruturação produtiva e o novo regime de acumulação do capital impuseram profundas mudanças no trabalho humano com o claro objetivo de se reduzir os custos de produção e de subjugar os trabalhadores ao domínio econômico do capital. 28 Ibidem, p. 57. 29 Ibidem, p. 60. 30 HARVEY, David. Op. cit., p. 179. 31 GOUNET, Thomas. Op. cit., p. 29. 2.1.4 – O regime de acumulação flexível Restou patente, no período de 1965 a 1973, a incapacidade do fordismo e do keynesianismo32 de conter as contradições ínsitas ao capitalismo, podendose resumir tal dificuldade numa única palavra: rigidez33. Em meio a esse ambiente, as corporações iniciaram um processo de racionalização, reestruturação e intensificação do controle do trabalho e, assim, a mudança tecnológica, a automação, a busca de novas linhas de produto e nichos de mercado, a dispersão geográfica para zonas de controle do trabalho mais fácil, as fusões e as medidas para acelerar o giro do capital passaram ao primeiro plano das estratégias de sobrevivência das corporações34. Nesse aspecto, as décadas de 70 e 80 se consubstanciaram num conturbado período de reestruturação econômica e de reajustamento social e político, materializando-se numa série de novas experiências no âmbito das organizações industriais e da vida social e política e que, por sua vez, significaram os primeiros passos no caminho de uma transição para um regime de acumulação inteiramente novo e profundamente marcado pelo confronto direto com a rigidez do fordismo, tendo ficado conhecido como acumulação flexível35. Tal regime de acumulação se baseia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo, caracterizando-se, por conseguinte, pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, por novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, por novos mercados e, sobretudo, por taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional36. Além disso, essa flexibilidade e a mobilidade própria do regime permitiram que os empregadores exercessem pressões cada vez mais fortes de controle do trabalho, tendo do outro lado, o que veio a favorecer esse processo, uma força de trabalho já enfraquecida em decorrência dos surtos de deflação e pelo conseqüente aumento do desemprego nos países capitalistas37. 32 [De keynesiano (q.v.) + -ismo.] S.m. Econ. 1. Teoria que enfatiza a importância da demanda agregada (q.v.) na determinação do nível de produto e de emprego da economia, e a conseqüente necessidade de políticas governamentais de estímulo à demanda, em situações de recessão. 33 HARVEY, David. Op. cit., p. 135. 34 Ibidem, p. 139-140. 35 Ibidem, p. 140. 36 Loc. cit. 37 Ibidem, p. 140-141. Assim, todos esses aspectos parecem indicar que a acumulação flexível traz, em si mesma, altos níveis de desemprego estrutural, além de rápida destruição e reconstrução de habilidades, ganhos modestos de salários reais e um retrocesso do poder sindical38. Em decorrência disso, o mercado de trabalho passou por uma forte reestruturação que teve como pano de fundo a forte volatilidade do mercado, o aumento da competição e o estreitamento das margens de lucro, condições estas que implicaram numa reestruturação das próprias corporações e na formação de uma grande quantidade de mão-de-obra excedente e no conseqüente enfraquecimento do poder sindical, como já havia sido acima assinalado, e que permitiu, destarte, aos patrões a imposição de contratos e regimes de trabalho mais flexíveis, além de permitir uma, ao menos aparente, redução do emprego regular em virtude do uso cada vez mais acentuado do trabalho em tempo parcial, temporário, subcontratado ou terceirizado39. Do exposto, tem-se que uma das mais importantes mudanças trazidas pelo novo regime de acumulação diz respeito à fragmentação sistêmica das empresas, através da constituição de empresas-rede, centralizando a atividadefim na empresa central e a reunião de uma série de empresas satélites à sua volta, realizando atividades que antes eram realizadas dentro do próprio negócio, gerando o fenômeno denominado “terceirização” ou “externalização”40. 3 – A TERCEIRIZAÇÃO: ASPECTOS CONCEITUAIS, LEGAIS E JURISPRUDENCIAIS Enfrentar-se-á, agora, os conceitos atinentes aos fenômenos da terceirização e da intermediação de mão-de-obra, seus aspectos teóricos, suas características essenciais, seus reflexos sobre o Direito do Trabalho e sobre os agentes econômicos envolvidos. Além de analisarem-se as implicações sobre a evolução jurisprudencial pátria, advindas da materialização de mera intermediação de mão-de-obra transfigurada em “terceirização”. Por fim, analisaremos os aspectos legais e jurisprudenciais capazes de autorizar ou, de modo contrário, de negar completamente a mera intermediação de mão-deobra. 38 Loc. cit. 39 Ibidem, p. 143. 40 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Op. cit., p. 57-58. 3.1 – O fenômeno da terceirização O termo “terceirização”, originariamente brasileiro, revela em sua acepção a real intenção do empresariado brasileiro de transferir a “terceiro”, no sentido de outro, a posição de empregador na relação empregatícia, com o objetivo claro de redução dos custos de produção, através do afastamento da responsabilidade sobre os encargos e obrigações trabalhistas, e, também, como instrumento apto a viabilizar a rápida substituição de trabalhadores conforme o sobe-e-desce da demanda, consoante o princípio do just-in-time. Todavia, apenas a título de esclarecimento, deve-se salientar que em âmbito mundial, não é desta forma que o fenômeno é designado. Nos Estados Unidos, por exemplo, é conhecido como outsourcing; já na França, por soustraitance ou extériorisation; na Itália, por subcontrattazione; na Espanha, por subcontratación, e assim por diante. Todas essas denominações, excetuandose a brasileira, terceirização, demonstram a existência de um contrato civil de entrega de atividades a outra empresa41. Nota-se, outrossim, que a terceirização não é fenômeno recente. Robert Castel narra, em As metamorfoses da questão social, que na Europa, entre os séculos XVI e XVII, já se praticava o putting-out system, sistema de subcontratação em que o comerciante fornecia a lã, o tecido de lã ou o metal, e, às vezes, até as ferramentas, a trabalhadores habitantes da zona rural, retornando estes o material acabado ou semi-acabado. Castel ainda revela que a subcontratação, naquele período, tinha como objetivo contornar as regras de organização tradicional das profissões, tais como as Corporações de Ofício, uma vez que os subcontratados eram camponeses e estavam, portanto, fora do âmbito da estruturação urbana das Guildas42. Por outro lado, ainda que de origem remota, a amplitude de sua utilização é algo recente, e principalmente decorrente da reestruturação do capital, já discutida no tópico precedente. Além disso, a terceirização não é um fenômeno do Direito do Trabalho, não se constituindo nem mesmo num instituto jurídico, mas, diversamente, consubstanciando-se em fenômeno emergente de outras áreas do conhecimento, tais como da Administração e da Economia. 41 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Op. cit., p. 74. 42 CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 162-163 apud CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Op. cit., p. 74-75. Tal assertiva pode ser inclusive melhor verificada quando da análise do conceito de terceirização, como se segue: “A terceirização é o processo de repasse para a realização de complexo de atividades por empresa especializada, sendo que estas atividades poderiam ser desenvolvidas pela própria empresa”43. Para Wilson Alves Polonio, por sua vez, a terceirização é o “processo de gestão empresarial consistente na transferência para terceiros (pessoas físicas ou jurídicas) de serviços que originariamente seriam executados dentro da própria empresa”44. Por sua vez, Ciro Pereira da Silva entende terceirização como: “A transferência de atividades para fornecedores especializados, detentores de tecnologia própria e moderna, que tenham esta atividade terceirizada como sua atividade-fim, liberando a tomadora para concentrar seus esforços gerenciais em seu negócio principal, preservando e evoluindo em qualidade e produtividade, reduzindo custos e gerando competitividade.”45 Ademais, segundo Gerard Couturier, a terceirização se refere aos “procedimentos de gestão que consistem em confiar a outras empresas tarefas que estão dentro da atividade da empresa principal ou que são acessórias a esta atividade (manutenção, limpeza etc.)”46. Por fim, mas não exaustivamente, temos que de acordo com a clássica obra francesa Précis Droit du Travail47, a terceirização seria um contrato “pelo qual um empreendedor se compromete a realizar uma tarefa precisa por conta de um terceiro, mediante remuneração”. Como se pode observar do exposto, os conceitos de terceirização, em momento algum, abarcam a questão do repasse de trabalhadores ou do fornecimento de mão-de-obra. 43 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Op. cit., p. 75. 44 POLONIO, Wilson Alves. Terceirização: aspectos legais, trabalhistas e tributários. São Paulo: Atlas, 2000. p. 97. 45 SILVA, Ciro Pereira da. A terceirização responsável: modernidade e modismo. São Paulo: LTr, 1997, p. 30 apud CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Op. cit., p. 76. 46 COUTURIER, Gerard. Droit du travail: 1/Les relations individuelles de travail. 3. ed. Paris: PUF, 1996, p. 119 apud CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Op. cit., p. 77. 47 JEAMMAUD, Antoine; SUPIOT, Alain; PÉLISSIER, Jean. Précis droit du travail. 20. ed. Paris: Dalloz, 2000, p. 312 apud CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Op. cit., p. 77. A terceirização é, pois, técnica de administração, e não de gestão de pessoal48. Nesse sentido, o conceito de terceirização apenas indiretamente atinge o Direito do Trabalho, analogamente como ocorre com os conceitos de empresa e estabelecimento, que pertencem tanto à Ciência da Administração e à Economia quanto ao Direito Comercial, mas que são tomados pelo Direito do Trabalho, por imprescindíveis que se tornaram à sua aplicação49. Ainda na trilha dos conceitos trazidos a lume, pode-se aduzir que a terceirização está intimamente relacionada com as idéias de especialização e concentração, e assim se circunscreve ao repasse, a empresas tecnicamente especializadas, de atividades consideradas acessórias e periféricas pela empresa principal, objetivando o aperfeiçoamento de seu produto, seja pela sua própria concentração em sua área de especialização, seja pela prestação especializada das empresas contratadas. Vê-se que os conceitos de terceirização afastam, completa e irremediavelmente, a possibilidade da existência de terceirização na atividade central da empresa, mais comumente conhecida por atividade-fim. E caso isso ocorra, ou seja, caso atinja a atividade-fim, estar-se-á diante de mera intermediação, que com aquela não se confunde. Isto porque o controle de execução da atividade central será sempre realizado pela empresa, atraindo, a partir daí, o Direito do Trabalho, através do instituto da subordinação jurídica. Destarte, quando se tratar de repasse de atividade-fim, ou central, da empresa, não estaremos diante de terceirização, mas sim de fraude trabalhista, pois, em qualquer caso, ver-se-á materializada intermediação de mão-de-obra. 3.2 – A terceirização, a intermediação de mão-de-obra e o direito do trabalho O Direito do Trabalho existe efetivamente para impor normas cogentes ou de ordem pública, inafastáveis até mesmo por acordo mútuo entre os atores da relação trabalhista, com o fim único de equilibrar as forças em jogo, que se mostram, cada vez mais, pendendo para o lado do economicamente mais forte50. Daí dizer-se que o Direito do Trabalho se apóia em dois pilares ou princípios principais, dos quais se irradiam todos os demais, quais sejam: o princípio protetor (ou princípio tutelar ou de proteção do trabalhador) e o princípio da determinação legal da identidade do empregado e empregador. 48 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Op. cit., p. 77. 49 Ibidem, p. 78. 50 Ibidem, p. 83. Do primeiro, extrai-se que o Direito do Trabalho é um direito especial, que o distingue do direito comum, posto que enquanto este pressupõe a igualdade das partes, aquele pressupõe uma situação de desigualdade, que ele propende a corrigir por seus outros princípios e normas. Do segundo princípio, por seu turno, advém a imprescindibilidade do Direito do Trabalho para a proteção do trabalhador, visto que norteia a legislação trabalhista no sentido da efetiva determinação de quem e quando se é empregador ou empregado. Convergente com este preceito, tem-se que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) conceitua, em seus arts. 2º e 3º, as figuras do empregador e empregado. Vejamos: “Art. 2º Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.” Por esta forma, e sempre tendo em vista o caso concreto, quem se enquadrar nos conceitos acima citados será empregado ou empregador, mesmo que contra a vontade dos contratantes ou das disposições contratuais. Daí, exsurge outro princípio ínsito ao Direito do Trabalho, o Princípio da Primazia da Realidade, insculpido no art. 9º da CLT, e segundo o qual prevalece a realidade fática da relação, em detrimento da forma jurídica que ela assume. Então vejamos: “Art. 9º Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.” Nota-se, ainda, que a partir dos conceitos que se extraem da legislação trabalhista brasileira e, em especial, dos arts. 2º e 3º da CLT, a doutrina convencionou, ainda que não de forma unânime, como elementos51 fáticojurídicos caracterizadores da relação de emprego, os seguintes: prestação de trabalho por pessoa física a um tomador qualquer; prestação efetuada com 51 De acordo com Rodrigo de Lacerda Carelli, esses requisitos divergem bem pouco de autor para autor, e estão em geral relacionados com os seguintes: pessoalidade, alheabilidade, não-eventualidade, onerosidade e subordinação. (CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Op. cit., p. 86.) pessoalidade pelo trabalhador; efetuada com não-eventualidade; efetuada ainda sob subordinação ao tomador de serviços; e prestação de trabalho efetuada com onerosidade. Além disso, cabe mencionar que, ao Direito do Trabalho, interessa somente verificar a legalidade ou ilegalidade, ou melhor, a adequação ao sistema jurídico vigente das condutas dos entes integrantes de uma relação trabalhista52. De outro modo, não pretende o Direito do Trabalho regular, em qualquer aspecto, as atividades econômico-empresariais. Não lhe facultando, outrossim, a declaração da legalidade ou ilegalidade de uma terceirização de serviços, competindo-lhe, porém, concluir pela existência (ou não) de burla à legislação trabalhista, o que acontecerá quando ao invés de verdadeira terceirização, verificar-se simples intermediação de mão-de-obra, a objetivar, de forma reprovável, o lucro sobre o trabalho de outras pessoas53. Dessa forma, o cerne do problema para o Direito do Trabalho e para a parcela mais lúcida da doutrina está na eleição de critérios técnicos que permitam a diferenciação precisa entre uma terceirização lícita, de prestação de serviços, e a mera intermediação de mão-de-obra. Daí nasce a premente necessidade de se compreender as particularidades dos institutos, impulsionando-nos à análise do posicionamento de parte da doutrina brasileira que, em suas linhas, tendem a nos fornecer os instrumentos indispensáveis à verificação da autêntica terceirização. Então vejamos: De acordo com Arnaldo Süssekind, em Instituições de Direito do Trabalho, é: “Fundamental, destarte, perquirir se o enlace contratual é consistente na forma e na essência ou se apresenta distorções que, na execução do pactuado, desvendem autêntico contrato de trabalho sob capa de negócio jurídico admitido pelo Código Civil. Tal é a hipótese quando comprovado que o trabalhador, prestando serviços pessoais e permanentes, não recebe ordens de seu empregador (empreiteiro ou empresa de prestação de serviços), e sim do contratante do bem ou serviço, o qual, de fato, o estipendia e assume os riscos da atividade econômica que explora.”54 52 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Op. cit., p. 92. 53 Ibidem, p. 92 e 94. 54 SÜSSEKIND, Arnaldo et alii. Instituições de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: LTr, 2000, v. 1, p. 280-291 apud CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Op. cit., p. 103. Na mesma direção, Souto Maior afirma que: “Somente deve-se considerar válida a terceirização, sob aspecto de desviar a formação da relação de emprego da empresa tomadora dos serviços, quando a empresa prestadora tenha uma atividade empresarial específica, ou seja, não se constitua apenas como intermediadora de mão-de-obra e quando a contratação se efetive por tempo determinado, para realização, portanto, de serviços que não sejam contínuos, na empresa tomadora, independentemente de se considerá-los atividademeio ou atividade-fim. Fora desses contornos a terceirização deve gerar a formação do vínculo de emprego diretamente entre os trabalhadores e a empresa tomadora.”55 Todavia, além do aspecto doutrinário, outro merece nossa atenção e análise, o posicionamento dos tribunais pátrios frente ao fenômeno da terceirização, conduzindo-nos, inevitavelmente, ao estudo da evolução jurisprudencial brasileira, com especial atenção à Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), e que foi motivado principalmente pelo crescimento dos casos de terceirização no Brasil, durante a década de 1980, e pela necessidade de conformação de um grande acervo de decisões, nem sempre concordantes, mas que no geral sempre se opuseram a qualquer tipo de terceirização. Inicialmente, teve-se a Súmula nº 239 (Bancário. Empregado de Empresa de Processamento de Dados), aprovada pela Resolução Administrativa do TST de nº 15/85, que foi a primeira súmula relativa à matéria. Já no ano seguinte, foi aprovada a Súmula nº 256 (Contrato de Prestação de Serviços. Legalidade. Cancelada. Resolução nº 121/03, DJ 19, 20 e 21.11.03), pela Resolução Administrativa nº 04/86, segundo a qual “salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis ns. 6.019, de 03.01.74, e 7.102, de 20.06.83, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços”. Deve-se observar, contudo, que a Súmula nº 256 não tratou da terceirização com o necessário rigor científico, vez que usou da expressão “contratação de trabalhadores”, que é atinente ao fenômeno da intermediação de mão-de-obra, já que na terceirização genuína não se contrata trabalhador, mas sim serviços especializados a serem realizados autonomamente56. 55 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O direito do trabalho como instrumento de justiça social. São Paulo: LTr, 2000, p. 319 apud SÜSSEKIND, Arnaldo et alii. Instituições de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: LTr, 2000, v. 1, p. 280-291 apud CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Op. cit., p. 104. 56 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Op. cit., p. 106. Seguiram-se, no entanto, outros julgados do TST no sentido de que a Súmula antecedente era somente exemplificativa e que jamais subsistiu nela proibição à verdadeira terceirização, e que sempre existiu, por este mesmo motivo, possibilidade de terceirização lícita. Entendimento esse que, tempos depois, viu-se ratificado através da Resolução Administrativa nº 23/93, que aprovou a Súmula nº 331 do TST, que assim dispõe: “Súmula nº 331 do TST. Contrato de prestação de serviços. Legalidade (mantida). (Resolução nº 121/03, DJ 19, 20 e 21.11.03) I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.74). II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/88). III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.83) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividademeio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.93).” Nada obstante, uma análise mais detalhada dos incisos que compõem a Súmula nº 331 concede-nos melhor clareza no que tange aos objetivos propostos pelo verbete. Desta forma, vejamos: O inciso I, da mesma forma que a Súmula nº 256, dispõe que é proibida a intermediação de mão-de-obra, de qualquer forma, sob qualquer circunstância, com exceção da única possibilidade existente na lei de intermediação lícita de mão-de-obra (Lei nº 6.019/74), que é aquela realizada por empresa de trabalho temporário, e mesmo assim seguindo os rigorosos requisitos impostos pela lei57. 57 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Op. cit., p. 110. O inciso II traz uma exceção à geração de vínculo automático de emprego com o tomador de serviços em caso de intermediação de mão-de-obra em órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional, em consonância com a regra do inciso II do art. 37 da Constituição Federal de 1988, que prevê o ingresso no serviço público somente mediante a aprovação em concurso público58. O inciso III trata da terceirização de serviços, discorrendo que não há formação de vínculo de emprego, com o tomador, na contratação de serviços de vigilância (terceirização regulamentada pela Lei nº 7.102/83) e de conservação e limpeza, além de serviços especializados ligados à atividademeio do tomador. Todavia, não será sempre que não se materializará o vínculo de emprego na atividade-meio, mas desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. Mais uma vez, reafirma-se, aqui, a impossibilidade de intermediação de mão-de-obra, em observância ao Princípio da Primazia da Realidade que privilegia a situação de fato em oposição à forma jurídica59. Acrescenta-se ao exposto que o TST, na formalização do inciso III, partiu da premissa de que a prestação de serviços em atividade-fim ou principal da empresa, dentro de estabelecimento da própria, jamais poderia ser realizada sem pessoalidade e subordinação direta ao tomador dos serviços, configurandose, nesta hipótese, verdadeira fraude à lei através da transfiguração da intermediação de mão-de-obra em terceirização, sendo, contudo, esta discussão considerada secundária no que se refere ao enfrentamento do problema da terceirização ilícita, posto que a linha mestra para o reconhecimento da verdadeira terceirização está na existência de contrato de prestação de serviços especializados dirigidos pela própria empresa terceirizada, que assume todos os riscos do negócio. Por outro lado, e indiferente à discussão supra, firmou-se entendimento jurisprudencial no sentido de que a contratação de empresa diversa para a realização de serviços em atividade relacionada diretamente com o objeto social da empresa contratante gera, sob o amparo e nos limites do direito do trabalho, presunção juris et de jure de fraude, não admitindo, pois, prova em contrário. Sem se olvidar, contudo, que não subsiste qualquer norma proibindo a terceirização, seja em atividade-fim, seja em atividade-meio, o que nem mesmo seria razoável, dado que a escolha de em quais setores a empresa pretende 58 Ibidem, p. 111. 59 Loc. cit. atuar e de qual a melhor forma de gerenciar o negócio, cabe tão-somente a própria administração da empresa60. Entretanto, se a terceirização for utilizada para a intermediação de mãode-obra, com o claro objetivo de impedir a formação de vínculo de emprego entre a tomadora de serviços e o trabalhador subcontratado não-eventual e subordinado, será a mesma tida como nula, nos termos do art. 9º da CLT (consoante o Princípio da Primazia da Realidade), tomando-se o vínculo diretamente com o beneficiário do trabalho. Quanto ao inciso IV, por sua vez, tem-se que a lei não prevê expressamente a responsabilidade subsidiária que dele decorre, no entanto, como não é possível determinar o retorno do empregado ao status quo ante, porque não pode ser devolvida sua energia de trabalho, e como a tomadora foi beneficiada pela prestação dos serviços, cabe a esta, na superveniência de não pagamento das verbas trabalhistas pela empresa prestadora de serviços, o pagamento das verbas devidas ao empregado61. Isto porque o não pagamento das verbas trabalhistas sobreditas demonstra a inidoneidade financeira da empresa prestadora de serviços e realça, por conseguinte, a culpa in eligendo e in vigilando, da tomadora dos serviços, pela escolha inadequada de empresa inidônea e por não a fiscalizar pelo cumprimento das obrigações trabalhistas62. Não obstante, a empresa tomadora dos serviços que paga as verbas trabalhistas de real responsabilidade do prestador dos serviços terá direito de regresso contra esta, o que se verifica, aliás, do teor do parágrafo único do art. 455 da CLT. Ademais, no que alude especificamente à administração pública e em decorrência da supervenção de várias distorções interpretativas quanto ao alcance e à finalidade do Decreto-Lei nº 200/67, que, em virtude destas mesmas distorções, foi, em diversos momentos, utilizado para legitimar a locação de mão-de-obra por intermédio de contratos de prestação de serviços, culminando, bem assim, na publicação do Decreto nº 2.271/97 (incisos II e IV do seu art. 4º), que objetivou tornar nítida a diferenciação entre terceirização de serviços e intermediação de mão-de-obra, além de apresentar claras disposições 60 Ibidem, p. 114. 61 MARTINS, Sergio Pinto. A terceirização e o direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 134. 62 MARTINS, Sergio Pinto. Op. cit., p. 134-135. que tencionam evitar o desvirtuamento da contratação de serviços pela admi nistração pública. Resta, por fim, patente que fica proibida a intermediação de mão-deobra na administração pública, caracterizando-se o desrespeito a este preceito como fraude ao princípio constitucional do concurso público como único meio apto a promover a admissão ao serviço público. 4 – CONCLUSÃO Do exposto, observa-se que a terceirização, cujos pilares eclodem da “moderna” ordem neoliberal globalizante (mormente do que se convencionou denominar Especialização Flexível), encontra na sua versão distorcida, na “intermediação de mão-de-obra”, o seu lado mais obscuro. Obscuro porque a intermediação de mão-de-obra transfigurada em terceirização transmuta o trabalho humano em simples mercadoria, submetendo o homem à exploração pelo próprio homem através da precarização das condições de trabalho e, por conseguinte, com a exclusão social dos agentes sociais a ela submetidos, ou, em outras palavras, porque conduz à exploração do homem pelo homem através da completa submissão dos trabalhadores ao domínio econômico do capital. No entanto, óbices legais e jurisprudenciais já foram oportunamente erigidos em face dessa ideologia neoliberal dominante, sobrelevando-se, no ordenamento jurídico pátrio, o art. 9º da CLT e a Súmula nº 331 do TST, que alertam e orientam os operadores justrabalhistas, e porque não dizer toda sociedade, acerca das diretrizes sobre as quais repousam a terceirização lícita e, em contraposição, quando se afigura a terceirização ilícita que se materializa na mera intermediação de mão-de-obra com os seus nefastos efeitos sobre as condições de vida do trabalhador. Assim sendo, subsistirá a legítima terceirização quando esta se opere sobre as atividades-meio das entidades contratantes e, por sua vez, existirá intermediação lícita, única e exclusivamente, sob as condicionantes impostas pela Lei nº 6.019/74 (Lei do Trabalho Temporário). REFERÊNCIAS CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Terceirização e intermediação de mão-de-obra: ruptura do sistema trabalhista, precarização do trabalho e exclusão social. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. GOUNET, Thomas. Fordismo e Toyotismo na civilização do automóvel. São Paulo: Boitempo, 1999. HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 9. ed. São Paulo: Loyola, 2000. LIMA NETO, Arnor. Cooperativas de trabalho. Curitiba: Juruá, 2004. MARTINS, Sergio Pinto. A terceirização e o direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2003. POLONIO, Wilson Alves. Terceirização: aspectos legais, trabalhistas e tributários. São Paulo: Atlas, 2000. Temática Constitucional SÚMULA VINCULANTE Nº 4: TERTIUS GENUS NO CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE? Tereza Aparecida Asta Gemignani* “Aprendi com a primavera a deixar-me cortar e voltar sempre inteira.” Cecília Meirelles 1 – INTRODUÇÃO U ma das características de nossa contemporaneidade, por alguns denominada de pós-modernidade, é que não há mais espaço para um discurso excludente entre progresso econômico e padrão normativo constitucional. Ambos têm que correr juntos, pois estão imbricados, e assim devem ser considerados quando se trata de assegurar o desenvolvimento sustentável da nação. Vinte anos depois de sua promulgação, se apresenta cada vez mais explícita a impressionante sintonia da Constituição de 1988 a essa nova perspectiva trazida pela realidade fática, tornando incabível a leitura reducionista dos que pretenderam relegá-la à menoridade. Editada num momento de transição, entre a ordem autoritária que estava em vigor há mais de duas décadas e o regime democrático, a nova Carta fez mais do que isso ao construir vias de acesso à obtenção da maturidade institucional. Entre essas vias, o elenco de direitos trabalhistas se reveste de significativa relevância, pois ante uma realidade fática tão complexa e plural, que caracteriza um país com dimensão continental, aponta as diretrizes necessárias para preservação dos direitos fundamentais, notadamente os que se referem à preservação da saúde e higidez física do trabalhador, para tanto exigindo a manutenção da salubridade no local de trabalho. * Desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas e Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo. Por isso, sem esquecer as idas e vindas, não se pode negar a importância da Carta Constitucional como garantidora da normalidade democrática assentada sobre o Estado de Direito. Neste cenário, se revela paradigmática a grande celeuma desencadeada pela edição da Súmula Vinculante nº 4, notadamente em face da extensão dos seus efeitos em relação ao marco normativo posto pelo sistema jurídico, como passarei a demonstrar. Trata-se de empreitada de risco, pois encetada no calor dos acontecimentos, já que este artigo está sendo escrito em outubro de 2008, quando toda a matéria ainda constitui objeto de intensa discussão. Entretanto, não me furtarei à tarefa, porque é precisamente neste momento que se deve contribuir para o debate. 2 – NOVOS TEMPOS, NOVOS DESAFIOS Nesta fase peculiar que estamos vivendo, em que novas técnicas laborais vêm sendo implementadas e a atividade é exigida num ritmo acelerado, o que aumenta consideravelmente os riscos, mais do que nunca se torna necessário compreender que o desenvolvimento sustentável da nação só pode ser atingido se houver investimento na melhoria das condições de trabalho, a fim de se obter maiores índices de produtividade sadia. Como explica Carlos Eduardo Soares Gonçalves1, “mais produtividade gera mais investimentos, ou, dito de outro modo, a direção da causalidade corre da produtividade para o investimento, e não o contrário. Por isso, mais frutífero do que defender maiores taxas de investimento é defender melhoras institucionais que aumentem a produtividade econômica e, conseqüentemente, o investimento e o PIB. Para quem acha essa inversão de causalidade estranha, chamamos atenção para o fato de que a correlação estatística entre crescimento e investimento futuro é, nos dados, mais forte que a correlação entre crescimento e investimento passado”. Daí se pode concluir como insustentável a tese de que os gastos despendidos na melhoria das condições de trabalho redundariam num custo insuportável para a atividade econômica, pois na verdade atuam como investimento propulsor do desenvolvimento da nação como um todo, além de equalizar as condições de concorrência entre os segmentos que exploram atividade produtiva. GONÇALVES, Carlos Eduardo. Produtividade e instituições no Brasil e no mundo: ensinamentos teóricos e empíricos. In: GIAMBIAGI, Fábio Giambiagi; BARROS, Octávio de Barros (Orgs.). Brasil globalizado: o Brasil em um mundo surpreendente. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 197-223. 3 – A AMBIVALÊNCIA Discorrendo sobre a sociedade contemporânea, Zygmunt Bauman2 ressalta que, ao contrário da modernidade, pautada por marcos unívocos e bem definidos, a atualidade se concretiza como um estado de ambivalência, em que tudo vale e ao mesmo tempo nada vale, o que causa uma crise de valores entre as alternativas, que se apresentam em número cada vez mais elevado. Na área jurídica a questão da ambivalência se torna particularmente relevante quando o marco normativo, posto para disciplinar comportamentos, entra em xeque e passa para a sociedade uma sensação de impotência e perda de controle. Neste contexto, ressalta Bauman, as conseqüências “se tornam imprevisíveis, enquanto o acaso, de que supostamente nos livramos com o esforço estruturador, parece empreender um retorno indesejável”, com o aumento do nível de contingência, que pode levar o grupo social à desagregação. Por isso, quando há ambivalência de valores em situação de conflito, a aplicação singela da regra se torna insuficiente para apresentar soluções, o que leva à necessidade de se guiar pelos princípios constitucionais postos pelo ordenamento maior, que, ademais, também terão que ser interpretados de forma concomitante e não excludente, e sem perder a percepção de que sua aplicação deve ser pautada pela máxima eficiência em debelar a insegurança, um dos fenômenos mais angustiantes de nosso tempo. Como bem define Bauman, a luta “pela ordem não é a luta de uma definição contra outra, de uma maneira de articular a realidade contra uma proposta concorrente. É a luta da determinação contra a ambigüidade, da precisão semântica contra a ambivalência, da transparência contra a obscuridade, da clareza contra a confusão”. Ademais, quando os níveis de ambivalência são aumentados, como ocorre na contemporaneidade, o Parlamento, sozinho, se torna incapaz de fixar a completude dos parâmetros de um padrão ordinatório, pois o modelo unívoco não oferece mais respostas satisfatórias num ambiente de multiplicidade crescente, abrindo espaço para um acentuado protagonismo do Poder Judiciário. Ou seja, o Parlamento estabelece as regras gerais e traça as diretrizes, porém o faz em cláusulas abertas, não mais em numerus clausus, abrindo BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. p. 10-15. caminho para uma atuação jurisdicional mais ampla, não apenas para interpretar, mas também para complementar o próprio enunciado da norma. Entretanto, esta atuação só terá legitimidade se for pautada pela aplicação dos princípios constitucionais. 4 – A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO A constitucionalização dos direitos se revela imprescindível, portanto, para garantir a funcionalidade do próprio sistema e, para que se revista de eficácia, deve observar determinados princípios, entre os quais merecem destaque: 4.1 – Princípio da unidade da Constituição O ordenamento é constituído por preceitos integrados num sistema unitário, e não um feixe de normas isoladas. O sentido de cada norma é intercambiante com o sentido do todo, como enfatiza Gilmar Mendes, ressaltando que sob tal perspectiva a Constituição “só pode ser compreendida e interpretada corretamente se nós a entendermos como unidade, do que resulta (...) que em nenhuma hipótese devemos separar uma norma do conjunto em que ela se integra, até porque – relembre-se o círculo hermenêutico – o sentido da parte e o sentido do todo são interdependentes”3, de modo que a vedação estabelecida no inciso IV do art. 7º da CF/88 não pode ser interpretada sem considerar o disposto nos incisos XXII e XXIII do mesmo artigo. 4.2 – Princípio da concordância prática ou harmonização Em caso de aparente diversidade entre normas constitucionais deve ser adotada a solução que as harmonize de tal modo que resulte na otimização de ambas e no menor sacrifício possível dos bens e valores envolvidos. 4.3 – Princípio da correção funcional Tem por finalidade orientar o intérprete no sentido de que o ordenamento coerente e previamente ponderado não pode levar a um resultado que desatenda tais parâmetros. A aplicação deste princípio tem especial relevo no controle da MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 114-121. constitucionalidade, a fim de resguardar a estrita fidelidade à Constituição. Neste contexto, insistir na utilização do salário-mínimo, como base de cálculo do adicional de insalubridade, leva ao descumprimento do preceituado nos incisos XXII e XXIII do art. 7º da CF/88, prejudicando a funcionalidade do sistema, que fica travado pela indefinição, como estamos verificando no caso concreto. 4.4 – Princípio da máxima efetividade Tem o escopo de otimizar a eficácia da norma constitucional, preservando sua inteireza a fim de garantir a utilidade do ordenamento para regrar os atos/ fatos concretos da vida. A interpretação da norma deve evitar que a aplicação de uma redunde em negativa de outra. Se a norma constitucional institui um direito, o sistema deve garantir sua efetividade. 4.5 – Princípio da eficácia integradora Orienta o intérprete no sentido de que, ao construir soluções, procure dar preferência àqueles critérios que favoreçam a integração social e a unidade, porque ao atuar como coluna vertebral que sustenta a ordem jurídica, a observância da Constituição deve produzir e manter a coesão social, prérequisito e condição de viabilidade do próprio sistema, a fim de conduzir a soluções “pluralisticamente integradoras”, como ressalta Canotilho4. Assim, a interpretação dos incisos IV, XXII e XXIII do art. 7º da CF/88 deve ser pautada pela eficácia integradora, que resulta na preservação do direito à saúde e higidez física, porque é o bem maior a ser protegido. A finalidade do Direito consiste em ser propositivo e atuar como balizador de conduta, cuja importância cresce num ambiente de ambivalência. Na era contemporânea a Constituição se tornou o “centro em torno do qual giram várias ordens normativas fragmentadas, (...) estraçalhadas, envolvendo inclusiveum processo de inflação normativa. É exatamente essa gravidade que consegue fazer com que nós possamos compreender o papel da Constituição (...) dando unidade a um direito dilacerado que haverá de ser construído pelo operador jurídico (...) como uma espécie de fio de ouro capaz de costurar os fragmentos”, como explica Clémerson Mérlin Cléve5. 4 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, p. 1208. 5 CLÉVE, Clémerson Mérlin. O controle da constitucionalidade e a efetividade dos direitos fundamentais. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (Coord.). Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. Ademais, nessa “renovada ciência todas as normas constitucionais possuem uma utilidade no ordenamento, estando vedada a interpretação que culmine numa supressão ou transmudação constitucional indevida, seja pela omissão estatal, seja pela ação contrária aos direitos fundamentais”, como bem enfatiza Luciano Arlindo Carlesso6. Considerando tais parâmetros, ante o disposto nos incisos IV, XXII e XXIII do art. 7º e XXXV do art. 5º da CF/88, como interpretar os dispositivos que regem a questão referente ao adicional de insalubridade, tendo os princípios supra referidos como bússola? 5 – A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS HUMANOS Neste contexto, é possível considerar o pagamento do adicional de insalubridade apenas como verba de natureza contratual, atrelada ao vínculo empregatício existente entre as partes? Penso que não. O direito à saúde desborda os estreitos limites da contratualidade, e se constitui numa autêntica garantia institucional que se espraia por todo o sistema. Neste sentido se posicionou a Carta de Manaus, expedida no XIV CONAMAT – Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho7, ao consignar em seu item 4 o reconhecimento de que “o direito a um meio ambiente de trabalho saudável e seguro se constitui em direito fundamental do trabalhador, assegurado pela Constituição Federal”. Além disso, mesmo em se considerando que a questão surge numa relação de natureza privada, o conceito de eficácia horizontal dos direitos fundamentais, de matriz alemã, é matéria já amadurecida na doutrina e detém inequívoca aplicabilidade no sistema brasileiro. Como bem salienta Virgílio Afonso da Silva8, a aplicação dos direitos fundamentais extrapola “o âmbito da relação entre Estado e indivíduo para irradiar efeitos, direta ou indiretamente, por todo 6 CARLESSO, Luciano Arlindo. Direito humano a um meio ambiente de trabalho ecologicamente equilibrado: um direito de todos os seres humanos trabalhadores. Revista LTr, v. 72, n. 2, fev. 2008. p. 209-220. 7 Carta de Manaus expedida no XIV CONAMAT – Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, abr./maio 2008 – Amazonas. 8 SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do Direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 10-146. o ordenamento jurídico”, atingindo também as relações entre particulares, assim atuando em cumprimento aos princípios constitucionais, que devem ser realizados “na maior medida possível”, diante das situações fáticas e jurídicas existentes, operando nas “relações entre particulares com base na idéia de otimização”. Ademais, “é na atividade judiciária, especialmente na aplicação, na interpretação e no controle dos atos entre particulares que envolvam direitos fundamentais, que todas as dificuldades e peculiaridades da constitucionalização do direito se revelam com clareza e profundidade”. O pensamento de Jorge Reis Novais9 também caminha nesta direção, enfatizando os benefícios sociais proporcionados pela “segurança jurídica que resulta da proteção dos direitos fundamentais”. Tal ocorre porque o feixe de direitos fundamentais postos pela Constituição atua não só como limite, mas constitui verdadeira bússola, traçando marcos orientadores da ordem jurídica que assim “se expandem para todo o direito positivo”. Esta dimensão objetiva “decorre do reconhecimento de que os direitos fundamentais consagram os mais importantes valores partilhados numa comunidade política”, de modo que não se referem apenas ao Estado, mas a toda a sociedade, como explica Daniel Sarmento10. É preciso reconhecer que há um anseio social crescente por segurança e repúdio à existência de decisões conflitantes sobre a mesma matéria, que redundam em situações de injustiça em que uns obtêm o bem da vida e outros não, embora esteja em jogo o mesmo direito, de modo que pouco importa a natureza jurídica do autor do ato ilícito, quando perpetrado com violação dos direitos fundamentais. 6 – DA INSALUBRIDADE A prestação laboral em condições de insalubridade tem se revelado, cada vez mais, como a grande responsável pelo número crescente de afastamentos/ faltas ao trabalho, bem como concessão de licenças e aposentadorias por invalidez, comprometendo a empregabilidade futura do trabalhador e precarizando a qualidade de vida de toda sua família, pois reduz as chances 9 NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria do estado de direito. Coimbra: Almedina, 2006. p. 210. 10 SARMENTO, Daniel. A dimensão objetiva dos direitos fundamentais: fragmentos de uma teoria. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (Org.). Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 254 e 308. dos filhos serem mantidos na escola por mais tempo, chamados que são para completar a baixa renda familiar. Ademais, aquele que fica incapacitado de trabalhar tem grandes chances de desenvolver quadros de depressão, com aumento do consumo de álcool, que via de regra leva aos fatos notórios de violência doméstica e desagregação familiar. Como uma bola de neve os fatos vão se sucedendo, com sensível aumento da gravidade das conseqüências, que poderiam ter sido evitadas com atitudes de prevenção. Ao analisar o tempo perdido com doença e o impacto que isso causa ao país, em recente pesquisa11 Milko Matijascic, do IPEA, apurou em 13,5 anos o período que os homens passam doentes e 11,5 as mulheres, explicando que as “pessoas passam mais de uma década em condição de vida precária, o que tem impacto nas finanças públicas, com perda de produtividade e custos hospitalares”, sendo que na comparação com outros países “a situação só épior na Índia, Rússia e África do Sul”. Ressalta que investir na “prevenção é mais barato do que tratar os pacientes depois da doença instalada” e os “investimentos sociais podem mudar o atual quadro, que tem reflexos diretos na capacidade produtiva e na competitividade do país”, ressaltando que a “desigualdade é diminuída não só com programas de transferência de renda, mas com investimentos em serviços sociais, como saúde”. Em recente artigo, o prof. José Pastore12 noticia que além dos 300 mil casos de pessoas que adoecem, acidentam-se ou morrem, o “número dos não notificados é maior, podendo chegar à casa de 1 milhão”. Menciona que, de conformidade com dados por ele levantados em 2004, os “acidentes e as doenças profissionais custam quase 25 bilhões por ano”. Explica que as “campanhas de prevenção de acidentes dão resultado, sem dúvida. Mas o que mais funciona é a premiação da empresa que tem pouco e a penalização da empresa que tem muito acidente e doença profissional” (g.n.). Entretanto, o que se tem percebido é que a adoção desta conduta de prevenção vem sendo desestimulada, pois o que se paga como adicional de insalubridade é muito pouco, tendo um custo menor do que os gastos que seriam necessários para reduzir os níveis de insalubridade nos locais de trabalho. Tal situação se revela insustentável. 11 O Estado de São Paulo, 29 set. 2008. p. A20. 12 O Estado de São Paulo, 23 jul. 2008, p. B2. Cabe ao Judiciário, como poder estatal, proferir decisões que atuem como indutoras à realização dos investimentos necessários para a redução dos níveis de insalubridade nos locais de trabalho. Não se pode desconsiderar que o que está em jogo é a saúde e a higidez física do homem que trabalha, bem como que o número elevado de afastamentos por licença saúde e aposentadorias por invalidez se constitui num custo suportado por toda a sociedade, provocado muitas vezes pela falta de manutenção no maquinário existente, ou falta de instalação de equipamentos mais adequados ao exercício da atividade que é exigida do trabalhador, o que pode redundar em benefício econômico imediato ao empregador, que deixa de desembolsar as respectivas despesas necessárias para a adoção destas providências. Ora, não há amparo no direito posto e nos princípios constitucionais para admitir que a privatização dos lucros em benefício de alguns seja sustentada pela socialização dos prejuízos, suportados não só pelo trabalhador e sua família, mas também pela sociedade como um todo, mediante a concessão de um volume significativo de benefícios previdenciários (auxílio doença e aposentadoria por invalidez), custos hospitalares e custos sociais supra referidos, de modo que a questão desborda os restritos limites de um contrato de trabalho, gerando efeitos em toda a sociedade. Ensina Luiz Edson Fachin13 que não “se trata, tão-só, de permear o estatuto jurídico das pessoas, dos bens e dos interesses à luz dos direitos fundamentais como direitos à proteção, mas também de apreender direitos de organização e de participação, aptos a exigir condutas públicas ou privadas, delineando de forma nítida um movimento que supera o viés patrimonialista e alça um novo patamar, marcado pela repersonalização das relações jurídicas”. Destarte, não há como reduzir a insalubridade a simples questão patrimonialista/ contratual quando se trata de garantir condições de saúde e higidez física no local de trabalho, direito que a Constituição Federal em vigor albergou como fundamental. 7 – DO ADICIONAL O art. 192 da CLT dispõe que o trabalho insalubre, assim considerado o que é executado em condições que extrapolam os níveis de tolerância, assegura 13 FACHIN, Luiz Edson. Aspectos da racionalidade histórico-cultural do arquétipo inserido no Código Civil brasileiro de 2002. In: Novo Código Civil: cinco anos de vigência. Revista da AASp, ano XXVIII, n. 98, jul. 2008. p. 148-150. o recebimento de um adicional variável de 40%, 20% e 10%, conforme a gravidade do grau (máximo, médio e mínimo), a ser calculado sobre o “saláriomínimo da região”. Ao ser promulgada a Constituição Federal em 1988, a redação constante dos incisos IV e XXIII do art. 7º veio provocar intensa controvérsia quanto à base de cálculo deste adicional. Alguns defendiam a manutenção do saláriomínimo. Outros pugnavam pela utilização do salário-base e muitos pretendiam considerar para tanto a remuneração. Ante tal celeuma, o Tribunal Superior do Trabalho passou a considerar em inúmeros julgados que não teria ocorrido qualquer alteração, assim dispondo de forma expressa em sua jurisprudência dominante, consignada na Súmula nº 228 e OJ 2 da SDI-1, ao expressamente aduzir que tal entendimento continuava “mesmo na vigência da CF/88”, diretriz que passou a nortear os julgamentos nesta Justiça Especializada. 8 – DA SÚMULA VINCULANTE Nº 4 Entretanto, tal quadro jurídico sofreu alteração significativa. A Emenda Constitucional nº 45/04 inseriu o art. 103-A na Carta Constitucional, conferindo ao STF a atribuição de “aprovar súmula que, a partir de sua publicação, na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário”. Em relação à presente matéria editou o STF a Súmula Vinculante nº 4, estabelecendo expressamente que “o salário-mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado”, nestes termos interpretando o disposto no inciso IV do art. 7º da Lei Maior, que levou ao cancelamento da OJ 2 da SDI-1 pelo C. TST, de sorte que o supra referido entendimento não pode mais ser sustentado. Da parte final da Súmula constou também que o salário-mínimo não pode “ser substituído por decisão judicial”, assim vedando a criação autônoma de um novo indexador, o que veio fulminar a validade da Súmula nº 17 do C. TST, eis que o parâmetro ali estabelecido quanto à utilização do “salário-profissional” decorria exclusivamente de uma construção judicial, declarada pelo STF como insuficiente e assim deve ser cumprida em decorrência de sua força vinculante, como considerou o próprio TST quando procedeu ao seu cancelamento. Na mesma sessão o TST procedeu à revisão da Súmula nº 228, que passou a adotar a seguinte redação: “A partir de 9 de maio de 2008, data da publicação da Súmula Vinculante nº 4 do STF, o adicional de insalubridade será calculado sobre o salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo.” Tal alteração provocou acirrada celeuma, que levou ao ajuizamento de três reclamações junto ao STF, questionando a validade do novo texto da Súmula nº 228 do C. TST. 9 – DA RECLAMAÇÃO E DA LIMINAR O ajuizamento de reclamação junto ao STF está previsto no ordenamento, quando se trata de controle concentrado da constitucionalidade. Seria cabível também em relação à súmula vinculante? Dispõe o art. 102, I, l, da CF/88 que compete ao STF a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar originariamente “a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões”. Como explica Fábio Victor da Fonte Monnerat14, a “reclamação parte de uma premissa simples, qual seja, se é dado ao Tribunal competência para decidir determinada matéria, deve existir um mecanismo processual que garanta a observância desta competência, bem como a autoridade da decisão proferida”. Ensina Hely Lopes Meirelles15 que inicialmente o STF considerava inadmissível a reclamação em relação às decisões proferidas em controle concentrado, tendência que aos poucos foi alterada no sentido de que tal posicionamento deveria ser revisto. Em julgados proferidos nos anos de 1992 e 1993, o STF passou a reconhecer a legitimidade daqueles “entes e órgãos que, apesar de não terem sido parte na ação direta de inconstitucionalidade”, pudessem proceder ao ajuizamento da reclamação, o que também foi reconhecido em relação à ação declaratória de constitucionalidade e argüição de descumprimento de preceito fundamental nos termos do art. 13 da Lei nº 9.882/99. Nestes termos, nada impede que a reclamação, admitida em relação a um ato administrativo ou judicial, proferido em contrariedade a decisão exara 14 MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. Reclamação. STF. Legitimação ativa. Atingidos por ADIn. Revista de Processo, ano 31, n. 142, dez. 2006 (Publicação oficial do IBDP – Instituto Brasileiro de Direito Processual, p. 185-205). 15 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 1990. p. 640 e ss. da em uma ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade ou argüição de descumprimento de preceito fundamental, também passe a ser cabível quando ocorrer contrariedade à Súmula Vinculante editada pelo STF, pois esta se constitui também numa ferramenta de controle da constitucionalidade. Em relação à Súmula Vinculante nº 4 foram ajuizadas 3 (três) reclamações: 1ª – nº 6.266 – pela Confederação Nacional da Indústria; 2ª – nº 6.275 – pela Unimed Ribeirão Preto – Cooperativa de Trabalho Médico; 3ª – nº 6.277 – pela Confederação Nacional da Saúde – Hospitais, Estabelecimentos e Serviços. Ao apreciar o pedido, o presidente do E. STF deferiu liminar para “suspender a aplicação da Súmula nº 228 do C. TST na parte em que permite a utilização do salário básico para calcular o adicional de insalubridade”. Neste contexto, quais os parâmetros do efeito vinculante? 10 – DA EXTENSÃO DO EFEITO VINCULANTE Embora seja possível o ajuizamento de Reclamação junto ao STF, em relação à matéria tratada na Súmula Vinculante, há questões peculiares em aberto que precisam ser enfrentadas. No caso do controle concentrado, em que há uma ação específica, é possível entender que o efeito vinculante também se estenda aos fundamentos determinantes desta decisão. Entretanto, a súmula vinculante não se refere a uma ação específica, constituindo-se num resumo da tese reiterada em diversas decisões, que podem deter especificidades outras inerentes a cada caso, embora ensejem convergência quanto a um determinado ponto comum, que resultou na edição da súmula. Por tais razões, o efeito vinculante se restringe exclusivamente ao enunciado da súmula, não podendo ser ampliado para abranger as diversas fundamentações das diferentes ações em que a mesma tese foi anteriormente apreciada, nem há amparo constitucional para atrelar o enunciado à fundamentação exarada num único julgamento, nem que seja o último, como vem defendendo certa corrente doutrinária, pois tal interpretação viola a natureza jurídica da própria súmula e compromete sua eficácia, como está revelando toda a celeuma suscitada em relação à questão da base de cálculo do adicional de insalubridade. Importante ressaltar que a liminar deferida não decorre de um provimento recursal, pois a reclamação tem natureza de ação, e não de recurso. Destarte a liminar só pode ser lida, e interpretada, sob o balizamento dos critérios estabelecidos na própria súmula. Por isso, não há como atribuir à liminar, concedida por juiz singular, efeitos mais amplos do que os traçados pelo enunciado da súmula, estabelecido por uma decisão colegiada do Tribunal, proferida nos termos do art. 103-A da CF/88, que exige expressamente a “decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional”. Não há como interpretar uma súmula da mesma forma como se procede em relação a uma decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade ou ação declaratória de constitucionalidade. A intensa controvérsia suscitada em relação à Súmula Vinculante nº 4 evidencia isso. A partir do momento em que, inadvertidamente, se pretendeu ampliar o efeito vinculante além dos limites estabelecidos no art. 103-A da CF/88, indevidamente incluindo os fundamentos específicos da última decisão proferida em RE, que versa sobre matéria colateral, desatrelada do foco principal, tudo desandou... Ora, o efeito não poderia ser outro. A edição de uma súmula vinculante, pela sua própria natureza, se concentra na tese reiterada nos diversos casos submetidos à apreciação do Tribunal, passando ao largo, portanto, das peculiaridades de cada caso e procurando condensar apenas a tese uniforme que se repete em todos eles que, no caso, corresponde a vedação de utilização do salário-mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade. É isso. Desbordar destes contornos levaria a controvérsia a tal nível que implodiria a eficácia do instituto da súmula vinculante, intensificando o conflito ao invés de reduzi-lo, como seria seu escopo. Considerar como vinculantes os diferentes fundamentos das diversas decisões, quando a razão de ser da súmula é exatamente o contrário, ou seja, um resumo da tese convergente em todos eles, se afigura insustentável por redundar numa impossibilidade lógica, como as recentes ocorrências vêm demonstrando em relação à Súmula Vinculante nº 4. 11 – DOS DIFERENTES CRITÉRIOS A Súmula Vinculante estabeleceu expressamente que o disposto no art. 192 da CLT deixou de ser exigível no que se refere à base de cálculo, pois “o salário-mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial”. A constitucionalização da matéria evidencia um acentuado movimento de despatrimonialização, ou seja, de superação do paradigma patrimonialista. Neste contexto, o pagamento do adicional de insalubridade não se restringe à natureza de singela contraprestação, devendo ser considerado também como um inibidor das práticas lesivas à saúde e integridade física daquele que trabalha, assim conferindo funcionalidade à diretriz traçada no art. 1º da Constituição Federal ao erigir o trabalho como valor fundante da República. “Daí porque as Cortes não são apenas guardiãs da Constituição (...) mas, sim, veículos de justificação e fundamentação material dos direitos que devem ser protegidos pelo Judiciário”, conforme ressalta com maestria Luiz Edson Fachin16, alertando para a necessidade de se precaver de duas armadilhas: “de um lado, o senso comum; e de outro, o arbítrio das razões subjetivas”. Ante as razões supra referidas, quais critérios devem ser considerados para solucionar a questão? 11.1 – Da remuneração Não há nenhuma lei fixando a remuneração como base de cálculo dos adicionais referidos no inciso XXIII do art. 7º da CF/88, entre os quais se insere a insalubridade. Acrescente-se que em nenhum momento o referido inciso assim determinou, tendo se limitado a estabelecer o pagamento de um adicional de remuneração, para fixar a natureza salarial deste título. Se o objetivo fosse estipular a remuneração como base de cálculo, teria sido adotada terminologia distinta, com a estipulação de um adicional sobre a remuneração, o que é bem diferente. Neste sentido tem se posicionado a doutrina e a jurisprudência, de modo que não há amparo para a utilização da remuneração como base de cálculo deste adicional. 11.2 – Do salário contratual Salário contratual é aquele estipulado no contrato de trabalho, ao ser celebrado de forma escrita ou verbal. Entretanto, além de não estar estipulado em nenhum texto legal, trata-se de expressão que pode gerar controvérsias e 16 FACHIN, Luiz Edson. Aspectos da racionalidade histórico-cultural do arquétipo inserido no Código Civil brasileiro de 2002. Revista do Advogado, n. 98, jul. 2008. p. 143-151. dar margem a diferentes interpretações. Seria assim considerado aquele estipulado no ato da contratação, ou o último valor pago? Em caso de salários variáveis, como seria aferido o contratado? A fim de evitar a ampliação dos pontos em conflito, nada aconselha a utilização de tal critério. 11.3 – Do piso normativo da categoria Piso normativo é aquele estabelecido em convenção ou acordo coletivo, como o menor valor a ser pago para o trabalhador que integra determinada categoria. Geralmente se constitui em “salário de ingresso”, diferenciado por função, não havendo a menor possibilidade de o salário-base recebido ser inferior ao piso normativo da categoria. Geralmente é pago no primeiro ano de trabalho. Por ocasião do segundo ano, na data base o trabalhador passa a ser beneficiado por índices de reajuste sobre o salário anteriormente recebido, de modo que quando tem mais de um ano de serviço via de regra seus salários são superiores ao piso, o que desautoriza a utilização deste critério, pois levaria a um nivelamento por baixo do adicional. 11.4 – Salário profissional Salário profissional é aquele estabelecido em lei em relação a determinada profissão como, por exemplo, o estipulado nas Leis ns. 3.999/61 e 4.950-A/ 66, que fixam o salário dos médicos e engenheiros, de modo que se trata apenas de casos específicos, o que impede a generalização do critério. Ademais, o salário-base não pode ser inferior a tais valores, de modo que sua utilização como base de cálculo em nada viola ou altera o disposto nas leis especiais. 11.5 – Do salário básico A expressão “salário básico” também não consta de texto legal previsto no § 1º do art. 193 da CLT, que disciplina o cálculo do adicional previsto no inciso XXIII do art. 7º da CF/88. Além disso, constitui expressão sem tradição no direito trabalhista, que peca pelo sentido indefinido, dando margem a muita controvérsia. O critério a ser utilizado, para aferir o que seria salário básico, pode dar margem a vários questionamentos, pois em decorrência das condições especiais de certas categorias, o básico para uns, não seria básico para outros. Destarte, é preciso evitar um novo foco de discussão, que certamente causará tumulto processual, dificultando ainda mais a solução da controvérsia e prolongando indevidamente a duração do processo, assim colidindo com o estabelecido no inciso LXXVIII do art. 5º, que erigiu como direito fundamental a “razoável duração”, além de frustrar o escopo da súmula vinculante. Trata-se de interpretação questionável como evidenciaram as recentes ocorrências, notadamente as reclamações ajuizadas, qual seja, 6.266/08 pela CNI, 6.275/08 pela Unimed Ribeirão Preto e 6.277/08 pela Confederação Nacional da Saúde, em que o presidente do E. STF concedeu liminar decidindo “suspender a aplicação da Súmula nº 228/TST na parte em que permite a utilização do salário básico para calcular o adicional de insalubridade”, de modo que não há amparo para escolher este critério. 11.6 – Do salário-base O termo “salário-base” tem sido de uso corrente pela doutrina e jurisprudência de longa data, conceito de fácil compreensão e extensão genérica, que não suscita controvérsias. Explica José Martins Catharino17 que saláriobase “é a retribuição dos serviços prestados pelo empregado, por força do contrato de trabalho, sendo pago pelo empregador, que deles se utiliza para a realização dos fins colimados pela empresa”. Neste contexto, pelas razões acima elencadas, é o único que pode ser utilizado de forma genérica e servir de parâmetro a todo o universo de trabalhadores, urbanos e rurais, independentemente das especificidades de cada categoria, por ser facilmente aferível, já que não existe trabalhador que não tenha um salário-base. Em obra clássica sobre o tema, Amauri Mascaro Nascimento18 explica que salário-base é a “parte principal da totalidade das percepções econômicas do empregado (...) toda retribuição que possa ser forma única de ganho do trabalhador (...) vincula-se a obrigação principal (...) é indispensável e essencial, não podendo haver relação de emprego que não o tenha”, o que facilita a sua adoção também com respeito ao princípio da isonomia por se tratar de critério que pode ser observado para todos. 12 – O CÁLCULO DO ADICIONAL Ante a intensa celeuma provocada pela questão, duas correntes principais vêm direcionando a interpretação da matéria: 17 CATHARINO, José Martins. Tratado jurídico do salário. São Paulo: LTr/Edusp, 1994. p. 21. 18 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Teoria jurídica do salário. São Paulo: LTr, 1994. p. 57, 58, 132, 236. 12.1 – Tudo como dantes no quartel de Abrantes? A primeira corrente entende que o efeito vinculante da súmula se restringe apenas à parte final do enunciado, que veda a substituição do salário-mínimo “por decisão judicial”, concluindo que, por isso, mesmo após a edição da Súmula Vinculante nº 4 continuaria a ser adotado o salário-mínimo. Será? Primeiramente é preciso ponderar que ante os princípios da eficiência e da utilidade dos atos processuais, e sob a perspectiva da lógica jurídica, tal conclusão se revela insustentável. Com efeito, não seria preciso uma súmula vinculante para dizer o que a Súmula nº 228 (em sua redação anterior) e a OJ 2 da SDI-1, ambas do TST, já fixavam como diretriz jurisprudencial dominante nesta Especializada. Se era para ficar tudo como dantes, para que súmula vinculante se já havia jurisprudência consolidada? Ademais, esta interpretação leva à conclusão de que a atuação judicial não pode suprir a lacuna da norma, o que se revela absurdo por violar direito constitucional fundamental, referente à inafastabilidade da jurisdição, além de abrir precedente perigoso, que pode solapar a atuação do próprio Judiciário, como um dos poderes da República. Com efeito, se nosso sistema jurídico veda a justiça pelas próprias mãos e assim deve permanecer para que seja mantido o Estado de Direito, como corolário lógico da atribuição do monopólio estatal deve preservar o princípio da inafastabilidade da jurisdição (non liquet) em sua integralidade, que assim foi estabelecido como direito fundamental no inciso XXXV do art. 5º da CF/88. Nesta mesma esteira caminham as normas infraconstitucionais. O art. 126 do CPC prevê que o “juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais, não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”, enquanto o art. 4º da LICC estabelece que “o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” e o art. 8º da CLT, que rege a questão na Justiça Especializada, determina que na falta das disposições legais ou contratuais o juiz deverá decidir “conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho”. Todo o padrão normativo do sistema jurídico nacional legitima, portanto, a ratio juris, ou seja, a interpretação por juris prudentia, quando necessária para complementar a insuficiência do texto legal, de modo que a conclusão que aponta para a anulação da atuação judicial não encontra amparo na Carta Constitucional, nem no ordenamento jurídico nacional. 12.2 – O gravame deve conter a intensidade necessária para desestimular a conduta lesiva A segunda corrente entende que o efeito vinculante se refere à vedação de utilização do salário-mínimo como indexador da base de cálculo do adicional de insalubridade. Considera que o escopo da súmula vinculante, ao atuar como um tertius genus no controle da constitucionalidade, consistiu em interpretar as normas postas pela Lei Maior no sentido de que o gravame deve conter a intensidade necessária para desestimular a conduta lesiva. Sob tal perspectiva, o cálculo do adicional de insalubridade sobre o salário-mínimo representa um custo muito pequeno, que por isso desestimula o empregador a adotar as providências necessárias à redução da insalubridade no local de trabalho. Ora, a súmula vinculante não veio para confundir, mas para esclarecer. Foi instituída com o escopo de conferir segurança jurídica num ambiente de instabilidade, apontando a solução que seria mais consonante com os princípios constitucionais que regem determinada matéria e, portanto, assim deve ser interpretada, o que vem conferir maior legitimidade ao entendimento esposado pela 2ª corrente, por conferir equilíbrio harmônico e unidade integradora ao sistema, além de aumentar seu nível de funcionalidade e eficácia. Deste modo, preserva a sintonia que deve existir entre o marco normativo posto e a realidade fática que visa regular, atento aos desafios do momento atual. Como bem pondera Zygmunt Bauman19, a “celebração pós-moderna da diferença e da contingência não deslocou a ânsia moderna de uniformidade e certeza” que persiste, agora num ambiente de complexidade mais acentuada, o que exige a explicitação de marcos claros de normatividade a fim de dirimir o nível de incerteza, razão justificadora da instituição de súmula com efeito vinculante, de modo que sua interpretação não pode gerar efeito contrário a tal escopo. Neste caminhar, e considerando os diferentes critérios para estipulação da base de cálculo anteriormente referidos, a utilização do salário-base se 19 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. p. 270 e ss. apresenta como a mais indicada, pois a integração analógica se faz por mediação legislativa, com a aplicação de um conceito que já está expressamente previsto em lei. Com efeito, é preciso considerar que em relação ao adicional de periculosidade, albergado no mesmo inciso XXIII do art. 7º da CF/88, o § 1º do art. 193 da CLT estabeleceu o cálculo sobre o salário-base, critério assim instituído por lei, e não por decisão judicial, de sorte que o mesmo critério legal deve ser aplicado em relação ao adicional de insalubridade, o que também possibilita o correto exercício da opção prevista no § 2º do mesmo artigo, assim preservando a ratio decidendi que ensejou a edição da súmula com efeito vinculante. Não há como sustentar que adicionais albergados no mesmo inciso constitucional (XXIII do art. 7º) tenham base de cálculo diferente, notadamente quando a intensidade do gravame não ampara tal diferenciação. Com efeito, enquanto nas situações de periculosidade há um risco, no caso de insalubridade a lesão é efetiva, causada pela exposição do trabalhador a níveis superiores aos estabelecidos pelo limite legal. Enquanto na periculosidade o nível de risco nem sempre pode ser reduzido, no caso da insalubridade existe a possibilidade de redução e até mesmo de reversão. Por isso, quanto maior o custo patronal em arcar com a manutenção dos níveis de insalubridade, maior será o estímulo para sua redução a patamares mínimos. Neste contexto, a adoção do salário como base de cálculo do adicional atua como fator inibidor da conduta lesiva e estímulo à adoção de providências que tornem mais saudável o ambiente de trabalho, o que redundará em maior efetividade na preservação da integridade física do trabalhador e de sua empregabilidade, além de reduzir sensivelmente os custos sociais e previdenciários suportados por toda a sociedade. 13 – DA EFICÁCIA Importante acrescentar que a súmula vinculante se constitui numa diretriz de julgamento, assim detendo critérios próprios de eficácia. A Lei nº 11.417/06 admite em seu art. 4º que o STF, por decisão de 2/3 de seus membros, considere as “razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público”, para restringir os efeitos da súmula ou balizar sua eficácia para outro momento. Esta “modulação” constitui ferramenta importante para evitar o ajuizamento de uma enxurrada de ações, após a edição de súmula vinculante que escolheu um dos caminhos até então controvertidos, assim contribuindo para implementar a segurança jurídica. Tal possibilidade se justifica porque há questões cuja complexidade impede a solução de inopino, sem considerar os efeitos que provoca na realidade da vida. Deste modo, se o escopo é proporcionar segurança, tal deve ser garantido em sua integralidade, com os balizamentos devidos para que a aplicação da súmula se revista da necessária eficácia. Entretanto, esta estipulação tem que ser votada pelo Colegiado e assim constar expressamente do enunciado. Ora, não consta da Súmula Vinculante nº 4 nenhuma decisão dispondo sua eficácia diferida, inexistindo amparo constitucional para sustentar que tal teria ocorrido de forma tácita, quando a norma exige não só disposição expressa mas, também, quorum qualificado para tanto. Além disso, critérios de eficácia e atribuição de efeito vinculante às especificidades que marcaram o julgamento do último recurso extraordinário, em que o tema foi questionado, são questões distintas que não podem ser confundidas, sob pena de provocar efeitos danosos. Entre os questionamentos mais relevantes está o que propõe a seguinte indagação: o efeito vinculante da Súmula nº 4 poderia extrapolar seu enunciado e abranger também os fundamentos determinantes de um único julgado? Penso que não. Insustentável a posição dos que trazem à colação excertos de doutrina extraída do direito constitucional alemão, para concluir que o efeito vinculante abrangeria também os “fundamentos determinantes” do último recurso extraordinário julgado em que a matéria foi debatida. Não há em nosso ordenamento jurídico nenhum dispositivo que legitime a atribuição de efeito vinculante a uma decisão proferida num recurso extraordinário! A doutrina alemã se refere aos casos clássicos de controle concentrado da constitucionalidade, em que há uma ação com rito próprio e específico, que visa expungir do ordenamento lei ou ato normativo federal/estadual que contrarie a Constituição. Diversamente ocorre com as súmulas vinculantes, que constituem baliza de julgamento e também podem ser decretadas pelo STF de ofício, independentemente de qualquer provocação, dotadas de conteúdo “pedagógico-institucional”, destinadas a orientar as instâncias ordinárias e a administração pública em geral, como explicita Hely Lopes Meirelles20. 20 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 1990. p. 655. Não se podem confundir institutos diferentes que detêm natureza jurídica distinta. A súmula vinculante não está atrelada a uma ação específica e se constitui numa diretriz jurisprudencial formatada em face de uma determinada tese jurídica, examinada em vários e diferentes processos, de modo que o efeito vinculante se restringe a essa tese jurídica determinada, e não às peculiaridades que distinguem os diferentes processos e que não constaram do enunciado da súmula. Ademais, para que se revista de legitimidade a edição de uma súmula vinculante prevê o atendimento de determinados requisitos. Neste sentido, o art. 103-A da CF/88 exige a decisão de 2/3 de seus membros, “após reiteradas decisões sobre matéria constitucional”, de modo que a ratio decidendi não pode ser extraída de apenas um caso julgado, nem que seja o último. Com efeito, as especificidades inerentes a cada processo, explicitadas nas respectivas fundamentações, não podem ser assim consideradas para efeito de súmula vinculante, pois como evidencia o próprio nome trata-se de uma “súmula”, ou seja, de uma condensação do ponto que é convergente em todos os julgamentos que lhe deram suporte, que no caso consistiu no reconhecimento da inconstitucionalidade da utilização do salário-mínimo como critério de cálculo. Como ensina Eduardo Arruda Alvim21, súmula é vocábulo que vem do latim summula e tem o significado de sumário, resumo. Consiste num enunciado que se extrai de decisões jurisprudenciais reiteradas, não se atendo aos restritos limites de cada caso concreto a fim de ostentar a generalidade necessária para atuar como balizador de julgamento. Insustentável, portanto, atrelar sua fundamentação à especificidade de cada caso, sob pena de reduzi-la a uma colcha de retalhos confusa e ininteligível, assim invalidando sua utilização, cujo escopo está direcionado para garantir maior certeza normativa e, por conseqüência, aumentar os níveis de segurança jurídica, bem da vida tão buscado em nossa contemporaneidade, para que o Direito atinja sua finalidade de proporcionar estabilidade social nas situações de conflito. Por isso, todas as demais peculiaridades dos anteriores recursos extraordinários em que a questão do adicional de insalubridade foi discutida pelo STF, inclusive as referentes ao último (RE 565.714), no que concerne aos oficiais da reserva e reformados da polícia militar e a aplicação de lei estadual específica, não constituem parte integrante da súmula, atuando apenas como obter dictum, ou seja, questão periférica, que não pode ser considerada no 21 ALVIM, Eduardo Arruda. Do cabimento de reclamação pelo descumprimento de súmula vinculante à luz da Lei nº 11.417/2006. Revista Forense, ano 103, v. 394, nov./dez. 2007. p. 45-70. balizamento do efeito vinculante, cuja ratio decidendi consiste na assertiva de que “o salário-mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado”, assim dispondo por considerar que se trata de proceder a “interpretação conforme a Constituição” no que se refere à base de cálculo do adicional de insalubridade. Deste modo, se afigura insustentável o raciocínio que pretende atribuir às razões de decidir exaradas apenas ao último recurso extraordinário o balizamento do efeito vinculante, pela simples e boa razão de que por sua própria natureza a súmula vinculante não pode ser pautada por um único caso. Assim, os fundamentos determinantes de uma súmula vinculante devem ser aferidos pelo denominador comum dos vários julgados que vieram embasar o núcleo da diretriz firmada, qual seja, o de que o salário-mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo, nem ser substituído por decisão judicial. 14 – DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE Seria cabível a aplicação da “declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade” no que se refere à interpretação do enunciado da Súmula Vinculante nº 4? Discorrendo doutrinariamente sobre a matéria, Gilmar Mendes22, hoje Presidente do STF, explica que esta modalidade de decisão foi adotada pelo legislador em 1970 – Lei Bundesverfassungsgericht, parágrafo 31 (2) 2º e 3º períodos e parágrafo 79 (1). Menciona que há casos em que a inconstitucionalidade “não pode ser superada, em princípio, mediante decisão de índole cassatória, pois esta ou não atingiria os benefícios pretendidos ou acabaria por suprimir algo mais do que a ofensa constitucional que se pretende eliminar”. Assim, embora “exista uma lei que poderia ser declarada nula, abstém-se o Tribunal de proferir a nulidade sob a alegação de que a ofensa constitucional decorre não da regulação, mas de sua incompletude, seja porque o legislador foi omisso em proceder à complementação do complexo normativo, seja porque não contemplou determinado grupo na regra impugnada”. Refere-se “às chamadas lacunas jurídicas ameaçadoras (...) que poderiam, em caso de uma pronúncia de nulidade, ter sérias conseqüências, ensejando 22 MENDES, Gilmar Ferreira. Declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade da lei na jurisprudência da Corte Constitucional alemã. Revista Trimestral de Direito Público, n. 9/1995, São Paulo, Malheiros, p. 61-77. mesmo eventual caos jurídico. Esses casos têm o seu ponto comum na chamada inexeqüibilidade da decisão cassatória”, de modo que a declaração da “nulidade levaria a uma minimização, ao invés de ensejar a busca da otimização” na concretização da vontade constitucional. A lacuna resultante da declaração de nulidade poderia fazer surgir uma situação ainda mais afastada da vontade constitucional, resultando num “vácuo jurídico intolerável para a ordem constitucional”. Deste modo, é possível a aplicação “provisória da lei declarada inconstitucional se razões de índole constitucional, em particular, motivos de segurança jurídica, tornam imperiosa a vigência temporária da lei inconstitucional, a fim de que não surja, nesta fase intermediária, situação ainda mais distante da vontade constitucional do que a anteriormente existente”, o que só pode ser justificado quando se trata de fazer valer a completude da Constituição (g.n.). Fora disso, encontra óbice considerável na própria doutrina e jurisprudência alemãs, pois é “difícil encontrar fundamento constitucional que empreste sustentáculo às opiniões que defendem a aplicação da norma inconstitucional”, notadamente porque “qualquer ato praticado com base na norma inconstitucional é ilegítimo”. Ademais, como se poderia juridicamente sustentar que a decretação de nulidade de uma norma constitucional ficaria suspensa até o atendimento de certas providências protraídas no tempo? Trata-se, portanto, de situação especialíssima, não configurada no caso da Súmula Vinculante nº 4, que aponta exatamente para o sentido contrário. Com efeito, a vedação da aplicação do salário-mínimo como base de cálculo é que está em consonância com vontade constitucional expressa nos incisos IV, XXII e XXIII do art. 7º, sendo que o afastamento deste critério, tido por inconstitucional, é que contribui para otimizar as condutas assecuratórias da integridade física e higidez no local de trabalho, além de reduzir os custos com benefícios previdenciários e atendimentos hospitalares suportados por toda a sociedade. Destarte, razões de ordem constitucional que resguardam a segurança jurídica como valor, apontam justamente para o caminho inverso, ou seja, para a necessidade de imediato reconhecimento da nulidade da norma declarada inconstitucional. Neste contexto, a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, cabível em alguns casos de controle concentrado como ocorre na ADI, ADC e ADPF, revela-se incompatível com o instituto da Súmula Vinculante nº 4, que não se constitui num tipo de controle concentrado ou difuso da constitucionalidade, surgindo como um tertius genus. Necessário pontuar que no modelo político alemão o parlamento tem uma situação de ascendência sobre o judiciário. Assim, o reconhecimento da inconstitucionalidade sem declaração de nulidade se baseia no conceito de “liberdade de conformação do legislador”, sendo que muitos doutrinadores também justificam a adoção desta providência sob o argumento de que ante a ausência de ato normativo, não se pode declarar a “nulidade da lacuna”, de modo que a adoção de tal diretriz seria aceitável se da declaração de inconstitucionalidade pudesse resultar vácuo jurídico intolerável para a ordem constitucional. Entretanto, isso não ocorre no caso da Súmula Vinculante nº 4, pois o sistema jurídico nacional é dotado de regras próprias, notadamente quanto ao non liquet e o princípio da inafastabilidade da jurisdição, o que exclui a possibilidade de adoção de modelo alienígena, destinado a regular situação jurídica diversa. Como esclarece Mendes, a “renúncia à declaração de nulidade somente poderia ser entendida dogmaticamente como uma opção para que o legislador encontre diretamente a solução para o caso, uma vez que a tarefa de concretização da vontade constitucional foi, em primeira linha, confiada a ele”. Entretanto, trata-se de solução adotada em decisão que aprecia a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma determinada norma mediante o manejo do controle concentrado, o que é bem diferente do escopo de uma súmula vinculante. Ao discorrer sobre esta questão em outro artigo de sua autoria, o Ministro Gilmar Mendes23 explica que esta doutrina tem destinação específica quando o Tribunal atua mais como Corte Constitucional, em questões que envolvem “o binômio direito e política”, exigindo a adoção de técnicas específicas de decisão, à “aplicação de um sistema de controle jurídico do poder político”, o que evidentemente não ocorre no caso da base de cálculo do adicional de insalubridade. Trata-se, portanto, de técnica cujo manejo é indicado para matérias que envolvem questões políticas, pois, como explica em obra anteriormente citada24, quanto mais política for “determinada questão submetida a jurisdição constitucional, mais pareceria inadequada a adoção do processo judicial ordinário. Quanto menos se falar de processo, de ação, de condenação e de cassação dos atos estatais – ressaltava Triepel – mais fácil será a resolução, na via judicial, das questões políticas, que, ao mesmo tempo, são questões jurídicas”. 23 MENDES, Gilmar Ferreira. O apelo ao legislador – appellentscheidung – na práxis da Corte Constitucional Federal alemã. Revista do Ministério Público do Trabalho, Brasília, n. 3, 1º semestre, mar. 1992. p. 69-96. 24 Declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade. Op. cit., p. 61 e 63. Destaca que “já no início deste século existia alguma preocupação com o perigo da adoção pura e simples, pela jurisdição constitucional, das formas de decisão consagrada pela jurisdição extraordinária”. Daí, porque, ao lado da declaração de nulidade, o Tribunal alemão desenvolveu “outra variante de decisão, a declaração de incompatibilidade ou declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade”. Entretanto, enfatiza o risco de adoção desta práxis pela insegurança jurídica que provoca, pois a lei não explicita “quando o Tribunal deverá absterse de decretar a nulidade”, o que poderá redundar em discricionariedade. Tal situação jurídica é completamente diferente da que é enfrentada no caso da Súmula Vinculante nº 4. Deste modo, a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade é instituto alienígena incompatível com aplicação no presente caso. O argumento de que, embora declarado inconstitucional, o salário-mínimo continuaria a ser utilizado como indexador até que uma lei venha dispor de outra forma também não se revela sustentável, pois viria neutralizar a razão de ser da própria súmula. Com efeito, não seria preciso a edição de uma súmula vinculante para estabelecer que tal critério, fixado no art. 192 da CLT, deveria ser mantido até a promulgação de uma nova lei que viesse fixar outra base de cálculo, pela simples e boa razão de que o efeito revogatório se opera ex legis, já que a “lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior” (art. 2º, § 1º, da LICCivil). Assim, se afigura evidente que o escopo da Súmula Vinculante não foi “chover no molhado”, como defende esse raciocínio, tendo sido instituída com propósito bem diverso e específico, qual seja, conferir eficácia rápida e preventiva ao controle da constitucionalidade, desestimulando o ingresso em juízo para postular direito contrário a sua diretriz, além de evitar a interposição de inúmeros recursos, assim propiciando a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, como prevê o inciso LXXVIII do art. 7º da Lei Maior, a fim de preservar a eficácia integradora e a supremacia da Constituição. 15 – A SÚMULA VINCULANTE COMO TERTIUS GENUS NO CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE A edição de uma súmula vinculante independe da propositura de uma ação pelos entes legitimados como ocorre no controle concentrado, ou da suscitação da matéria como questão incidental num conflito que já está posto como no caso do controle difuso. Tem efeitos mais imediatos e uma forte conotação preventiva, pois atua como sinalizador de diretriz para os demais casos, impedindo o ajuizamento de ações cujo resultado já se conhece, ou a desnecessária interposição de recursos inúteis, que indevidamente procrastinam o andamento processual e assoberbam o judiciário, criando obstáculos à razoável duração do feito exigida pelo inciso LXXVIII do art. 5º da CF/88. Tal conseqüência se revela importante, pois o controle da constitucionalidade detém íntima relação com a defesa do Estado Constitucional Democrático, encurtando os caminhos na implementação da efetividade da norma, além de fazer valer o princípio da unidade da Constituição. A questão que envolve a hermenêutica da súmula vinculante leva, portanto, a uma releitura do positivismo, pois provoca fissura na sua couragem dogmática. Por outro lado, não se trata de dar uma guinada de 360 graus e proceder a uma análise pós-positivista, fora do sistema normativo posto. Pelo contrário, a peculiaridade da matéria que ora se examina é que a mudança se processa no coração do próprio sistema, notadamente ao trazer para a perspectiva constitucional questão que, aparentemente, se refere apenas a um adicional trabalhista. Supera, portanto, o antigo viés reducionista e segmentado, que fatiava as diferentes áreas jurídicas em compartimentos estanques, que gravitavam como círculos separados e independentes entre si. Cria fissuras em uns e outros, abre portas e passa a atravessar esses círculos alinhavando-os um a um através de um fio condutor, que vai possibilitar o inter-relacionamento de todos entre si. Neste sentido, demonstra que não se trata apenas de um “singelo adicional trabalhista”, mas de enxergar que a questão extrapola vínculos contratuais e se insere num âmbito muito mais abrangente, envolvendo a preservação da saúde, do meio ambiente de trabalho, dos custos das políticas públicas, da violência doméstica, da desagregação familiar, da perda da empregabilidade, ou seja, perda do potencial humano de trabalhar e estar inserido na sociedade como sujeito capaz. Há toda uma teia de interesses e direitos que gravitam em torno da questão, de modo que ao torná-la objeto de uma súmula vinculante o STF traz todo este enfoque que lhe é subjacente. Neste contexto, como têm evidenciado os debates sobre a matéria, o manejo de súmula vinculante provoca inequívoca tensão entre o político e o jurídico, em relação aos quais não é possível traçar uma linha demarcatória clara, pois, como bem destaca Jorge Miranda25, a “Constituição é tanto 25 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 2003. t. I. p. 15. Constituição política como Constituição social, não se cinge à ordenação da vida estatal (em sentido estrito) (...). E, como se reconhece à vista desarmada, as constituições atuais contemplam larguíssimos aspectos e áreas de dinâmica econômica, social e cultural em interação com o Estado”. Precisamente por isso, é preciso deixar bem claro quais são os valores que devem ser preservados com prioridade. No presente caso, ao interpretar os incisos IV e XXII do art. 7º da CF/88, a Súmula Vinculante nº 4 pretendeu ressaltar que um ambiente de trabalho saudável é requisito indispensável para garantir a preservação da saúde e da integridade física do homem que trabalha, não como valor individual, mas como benefício da sociedade como um todo, no sentido de preservar a empregabilidade e a higidez, com a conseqüente redução dos gastos com políticas de saúde pública e previdência. Como tertius genus no controle da constitucionalidade, a súmula vinculante se constitui numa ponte, construindo caminhos de aproximação entre o controle concentrado e o difuso, com o escopo de focar na prevenção e redução da conflitualidade, assim conferindo maior grau de segurança jurídica, objetivo que não pode ser frustrado, sob pena de implodir sua própria razão de ser. 16 – UMA NOVA HERMENÊUTICA Ao surgir como um tertius genus no controle da constitucionalidade, a súmula vinculante torna necessária a construção de uma nova hermenêutica. Trazendo à colação o pensamento de Gadamer26, é necessário ressaltar que “quando o juiz intenta adequar a lei às necessidades atuais – precisamente para preservar sua força normativa –, o que ele tem em vista, obviamente, é resolver um problema ou desempenhar uma tarefa prática: por isso é que, olhos postos no presente, ele procurará reconhecer o significado jurídico da lei, que só pode ser o seu significado atual, e não o significado histórico, aquele que lhe foi atribuído ao tempo da promulgação”, pois, conforme já observava Carlos Cossio27, “toda valoração jurídica, enquanto fato, é necessariamente um fato do presente, porque um sentido só pode existir no presente”. A constitucionalização dos direitos trabalhistas implica no reconhecimento não só da supremacia material, mas também axiológica da Constituição, 26 GADAMER, Hans-Georg. Verdad y método. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 400. 27 COSSIO, Carlos. El substrato filosófico de los métodos interpretativos. Revista Universidad, Universidad Nacional del Litoral, Santa Fe, Argentina, n. 6, 1940. p. 103 e 107. assim norteando a edificação desta nova hermenêutica, trazendo a análise para uma perspectiva mais abrangente. Trata-se, portanto, de preservar a atuação estabilizadora do direito na garantia da segurança, construindo novos padrões de normatividade. Como acertadamente pontua Bonavides, um “constitucionalismo de resistência”, em que o poder não é mais limitado por outro poder, mas também por um direito fundamental. Neste contexto, assevera com percuciência Herbert Hart28 que a “característica geral mais proeminente do direito, em todos os tempos e lugares, consiste em que a sua existência significa que certas espécies de conduta humana já não são facultativas, mas obrigatórias em certo sentido”. As Constituições promulgadas na segunda metade do século XX tornaram-se o eixo em torno do qual gravitam diferentes sistemas jurídicos. Neste universo, a súmula vinculante se apresenta como um instrumento de diálogo entre esses diferentes microssistemas, atuando na intersecção do direito trabalhista, administrativo, constitucional e previdenciário, assim otimizando a função promocional do Direito como bem ressalta Norberto Bobbio. Destarte, não há “uma Constituição dos direitos fundamentais independente da Constituição do poder, o Estado de Direito impõe precisamente uma determinada conformação recíproca”, conforme ensina Jorge Miranda29. Explica Alexy30 que a “irradiação das normas de direitos fundamentais a todos os ramos do direito” limita os conteúdos do direito ordinário, excluindo os que forem “constitucionalmente impossíveis e exigem alguns conteúdos como constitucionalmente necessários”, de modo que o sistema jurídico passa a ser “substancialmente” determinado pela Constituição. Neste sentido também caminha o pensamento de Canotilho31, ao ressaltar que existe uma “teoria republicana dos direitos fundamentais, que não pode deixar de tomar como ponto de partida o caráter consciente e racional”, chamando atenção para o ascendente movimento de “constitucionalização da ordem jurídica privada”. Importante ressaltar que o princípio da eficiência, fixado no art. 37 da CF/88, foi estabelecido em relação a “todos os poderes”, de modo que também 28 HART, Herbert. O conceito de direito. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007. p. 10. 29 MIRANDA, Jorge. A constituição da educação e as propinas no ensino superior. In: Estudos em memória do Prof. Doutor João de Castro Mendes, Lisboa, p. 480. 30 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, p. 543 e ss. 31 CANOTILHO, J.J. Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2004. p. 9, 85 e ss. é aplicável ao Judiciário. Assim sendo, a hermenêutica não pode ficar restrita a uma conotação teórica estando concretamente atrelada à utilidade e efetividade da jurisdição. Trata-se de uma nova ordem. Ao analisar as diferentes perspectivas da interpretação jurídica, e as armadilhas que se escondem em suas entrelinhas, Radbruch32 esclarece que a “interpretação jurídica não é pura e simplesmente um pensar de novo aquilo que já começou a ser pensado, mas, pelo contrário, um saber pensar até o fim aquilo que já começou a ser pensado por um outro”. Assim, “não uma estéril e circular repetição do que já foi dito, mas um dialético levar adiante – preservado, transformado e, por esta forma, enriquecido”. Portanto, ponderam os constitucionalistas Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio M. Coelho e Paulo Gustavo Gonet33 que incumbe “essencialmente aos intérpretes-aplicadores – e não aos legisladores – encontrar as primeiras respostas para os novos problemas sociais, uma tarefa da qual só poderão desincumbir-se a tempo e modo se forem capazes de olhar para o futuro e trilhar caminhos ainda não demarcados; se tiverem a coragem de enfrentar a opinião dominante, em vez de se resignarem a seguir a jurisprudência estabelecida; se, finalmente, se dispuserem a assumir o ônus redobrado de combater as idéias cristalizadas, até porque, via de regra, longe de traduzirem verdadeiros consensos, essas falsas unanimidades não passam de preconceitos coletivos, frutos dos argumentos de autoridade, que sabidamente esterilizam o pensamento e impedem os vôos mais arrojados”. Apesar de compreensível, a rejeição à inovação só se justifica quandohá motivos para isso. É claro que uma inovação importante, como a edição de súmulas vinculantes, pode ser mal direcionada. Entretanto, é preciso reconhecer que ela representa uma importante tentativa de solução para questões significativas, no que se refere à busca de estabilidade e segurança jurídica. Não se pode olvidar que o direito é um balizador de conduta, e como tal deve atuar como bússola, sinalizando qual o comportamento exigido para possibilitar a vida em sociedade. Quanto mais claros os parâmetros sinalizadores, mais eficazes os efeitos preventivos e a estabilidade social. 32 RADBRUCH. Filosofia do direito. Coimbra: Coimbra Editora, v. 1, 1961. p. 66 e 274. 33 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 66. O rigor científico, na identificação das peculiaridades de institutos jurídicos diferentes, não existe como um fim em si mesmo. Visa evitar a confusão de alhos com bugalhos que, ao invés de aprimorar, cria obstáculos à prestação jurisdicional, tornando-a obscura e pouco compreensível, como está acontecendo com a questão que ora se examina, o que está deixando a comunidade jurídica perplexa. O escopo da ciência jurídica é evitar que se ande em círculos, apontando caminhos de solução concreta, que devem ser aplicados para otimizar a efetividade da jurisdição e fazer valer o princípio da eficiência. Para tanto, é preciso que se deixem fluir as mudanças adequadas para implementar a operacionalidade da jurisdição, necessárias para garantir o Estado Constitucional de Direito, como bem ressalta Luigi Ferrajoli34. 17 – O RISCO DO RETROCESSO A necessidade de enfrentar uma nova realidade exige a implementação de novas ferramentas hermenêuticas a fim de se preservar a supremacia da Constituição. Num ambiente de ambivalência, em que navega a contemporaneidade, explica Barroso35 que “a Constituição institui um conjunto de normas que deverão orientar sua escolha entre as alternativas possíveis: princípios, fins públicos, programas de ação”. Neste contexto, ao estabelecer a possibilidade de edição de súmula vinculante “após reiteradas decisões sobre matéria constitucional”, o art. 103-A da Constituição Federal de 1988 pretendeu valorar qualitativamente a decisão que se repete nestes julgamentos, e não as especificidades próprias de cada um, que são obviamente diferentes. Deste modo, não há amparo constitucional para atrelar a interpretação da Súmula Vinculante nº 4 às especificidades do último julgamento, quanto à matéria peculiar ali retratada no que se refere à remuneração de servidores estatais, pois o enunciado da súmula em nenhum momento evidenciou tratar desta questão específica, o que desautoriza tal conclusão, porque o que vincula é a decisão reiterada que acaba constituindo uma tese jurídica, e não os questionamentos peculiares que envolvem cada caso concreto, sob pena da súmula vinculante ser totalmente desfigurada e perder sua razão de ser. 34 FERRAJOLI, Luigi. Pasado y futuro del estado de derecho. In: Neoconstitucionalismo. Madrid: Editorial Trotta, 2003. 35 BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro: pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. In: A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 1-48. Com efeito, qual o amparo legal e constitucional para concluir que uma súmula, que por natureza se extrai de vários julgados, seja interpretada apenas pelas especificidades do último recurso extraordinário em que a matéria foi apreciada? Como sustentar que uma situação peculiar de servidores estaduais, cuja organização salarial é atípica, seja utilizada como critério genérico e balizador dos demais trabalhadores, que têm regime salarial totalmente distinto? Como conferir efeito vinculante ao que não consta do enunciado da súmula? Como conferir interpretação que acirra o conflito e multiplica as situações de confronto, se a súmula vinculante foi instituída exatamente com escopo contrário, ou seja, de pacificação social apontando uma diretriz segura para a solução dos julgados? Ora, se a Súmula nº 4 diz claramente que o “salário-mínimo não pode ser utilizado como indexador”, como concluir teratologicamente o contrário, ou seja, de que o salário-mínimo continua a ser utilizado como indexador? Embora compreensível a força do conservadorismo tradicional na interpretação dos novos conceitos, é absolutamente indispensável que o direito abra suas janelas para deixar entrar o oxigênio da vida real que pulsa lá fora. Manter as cortinas fechadas só contribuirá para o apequenamento e descrédito da atividade judicial, cujo compromisso é com a vida real de homens e mulheres de carne e osso, não com teorias e arquétipos estéreis, que neutralizam os princípios constitucionais, implodindo a unidade e harmonia do sistema. Não há ciência jurídica se não for pautada por uma ética de responsabilidade pelos efeitos que determinadas interpretações provocam no dia-a-dia das pessoas que estão envolvidas nos conflitos. Não se decide para defender uma idéia, mas para apresentar soluções para um problema real de um ser humano concreto. A teorização só se justifica quando tiver compromisso com a solução, e não apenas com o diletantismo discursivo, pois quem detém o monopólio da jurisdição não pode se dar ao luxo de ficar enredado numa discussão que gira em círculos. É preciso estancar, portanto, esse movimento de retorno à perspectiva exclusivamente patrimonialista, que vem ocorrendo num ritmo preocupante, implodindo “os mais rudimentares fundamentos do Direito”, que devem estar comprometidos com a dignidade do trabalhador e preservação de sua saúde, mas que sub-repticiamente procuram enveredar pelo caminho contrário, desconstruindo a civilização como “constituição de um esquema praxeológico a que se dá o nome de ethos”, como explica Oswaldo Giacoia Junior36. Lamentando que a “humanização dos bárbaros primitivos acabou por resultar no surgimento de novos bárbaros, fazendo o jogo começar de novo”, o que poderá levar ao retorno às relações de domínio, com a vitória “da enfermidade e da escravidão”, que se manifesta ao “privar o trabalhador do sentido de seu trabalho, ao transformá-lo em peça na engrenagem da produção e do consumo; ao promover a administração econômica global da terra e transformar o indivíduo em espécime de uma coletividade degradada, que tem as características de um rebanho uniforme – de facto preserva uma modalidade de escravidão que ela mesma, genericamente proscreve de Direito, de acordo com um cândido credo humanitário, inconsciente de sua má-fé”. Neste contexto, é preciso impedir a disseminação das situações contemporâneas de barbárie, em que um ser humano, para poder garantir o seu sustento, se vê obrigado a trabalhar em condições de insalubridade, que insidiosamente minam sua saúde. O desafio consiste, portanto, em permitir que o homem volte a “tomar posse de si mesmo”, atuando o Direito como muro de resistência para evitar a instalação de uma insidiosa “barbárie civilizada”, que acabará para anular o seu significado. 18 – CONCLUSÃO Na contemporaneidade não há mais espaço para sustentar um discurso excludente entre progresso econômico e padrão normativo constitucional. A preservação dos direitos fundamentais, mesmo nas relações entre particulares, supera a perspectiva meramente patrimonialista/contratual e se revela imprescindível para possibilitar o desenvolvimento sustentado da nação brasileira. Por referir-se à garantia de melhoria nas condições de saúde e segurança no local de trabalho, a questão do adicional de insalubridade extrapola os estreitos limites da contratualidade privada e deve ser analisada sob uma perspectiva mais abrangente. Neste contexto, a validade da Súmula Vinculante nº 4 depende do preenchimento dos critérios estabelecidos pelo art. 103-A da CF/88. Diferentemente 36 GIACOIA Jr., Oswaldo. Antigos e novos bárbaros. In: LINS, Daniel; PELBART, Peter Pál (Orgs.). Nietzsche e Deleuze: bárbaros, civilizados. São Paulo: Annablume, 2004. p. 189-203. do que ocorre nos casos de controle difuso e concentrado, não está atrelada a um processo específico e determinado, constituindo-se num tertius genus no controle da constitucionalidade, cuja legitimidade está pautada pela observância de reiterados julgados e quorum qualificado, de modo que seu efeito vinculante está restrito ao que consta de seu enunciado, existindo impossibilidade lógica de estendê-lo às diferentes fundamentações dos diversos julgados, ou de atrelá-lo ao último. O enunciado da supra referida súmula estabelece expressamente que “o salário-mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado”, nestes termos interpretando o disposto no inciso IV do art. 7º da Lei Maior e assim fixando os parâmetros de seu comando vinculante. A referência final, quanto à impossibilidade de “ser substituído por decisão judicial”, veda a criação autônoma de novo indexador, como ocorria anteriormente com o critério estabelecido na Súmula nº 17, mas não impede a aplicação da analogia legal, de sorte que insustentável a interpretação que colide com a viga mestra de nosso sistema jurídico, assentado sobre a inafastabilidade da jurisdição e o non liquet, em que o juiz não pode eximir-se de sentenciar, devendo, para tanto, valer-se das demais normas legais, principalmente de direito do trabalho. Ao vedar a utilização do salário-mínimo e considerar o salário recebido como base de cálculo, tornando mais gravosa a prestação laboral em ambiente insalubre, a hermenêutica se escora no eixo constitucional. Ao surgir como um tertius genus no controle da constitucionalidade, a Súmula Vinculante nº 4 implementa novas vias de acesso aos marcos constitucionais, que não se restringem à perspectiva dogmática de um positivismo estático, nem autorizam o extremo oposto de uma leitura pós-positivista, porque nascem num movimento endógeno, e não exógeno, em que as forças que levam a esta autocorreção são geradas no coração do sistema positivado, e não fora dele, a fim de manter a integridade do ordenamento. Trata-se de aplicar a analogia legal posta pelo próprio sistema, com a utilização do mesmo critério fixado em texto expresso de lei (art. 193, § 1º, da CLT) editada para disciplinar adicional de periculosidade, instituído no mesmo inciso da Lei Maior (XXIII do art. 7º da CF/88), assim preservando a ratio decidendi e o princípio da eficácia integradora da norma constitucional, notadamente a que erigiu a exigência de redução dos riscos inerentes ao trabalho como direito fundamental do trabalhador. Num momento de risco ao retrocesso, como estamos vivendo, é necessário não só oferecer respostas, mas também nos livrarmos das falsas perguntas que tanto tem dificultado a busca de solução, pautando a análise da questão pela perspectiva da utilidade e eficácia, de uma jurisdição comprometida com as diretrizes traçadas pela Lei Maior. Neste ano, em que se comemoram os 20 anos da Constituição Federal, a filtragem constitucional dos direitos trabalhistas se revela imprescindível para que a Carta, promulgada na primavera de 1988, apesar de cortada e recortada por mais de 60 emendas, possa voltar sempre inteira, como a coluna vertebral de um sistema normativo, que tem o escopo de implementar a maturidade institucional fundada no trabalho como valor axial. 19 – BIBLIOGRAFIA ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. ALVIM, Eduardo Arruda. Do cabimento de reclamação pelo descumprimento de súmula vinculante à luz da Lei nº 11.417/2006. Revista Forense, ano 103, v. 394, nov./dez. 2007. BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In: A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. BAUMAN, Zygmunt. 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Notas e Comentários STF – GOVERNADOR DO DF PEDE DECLARAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE DE DISPOSITIVO DA LEI DE LICITAÇÕES* O governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 16, com pedido de liminar, em relação ao § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações). Consta nos autos que o dispositivo a ser declarado constitucional determina que a administração pública não é responsável pelos débitos trabalhistas dos terceirizados. Para o governador, esta norma “tem sofrido ampla retaliação por parte dos órgãos do poder judiciário, em especial o Tribunal Superior do Trabalho (TST)”. A ação ressalta que o TST editou a Súmula nº 331, “em entendimento diametralmente oposto ao da norma transcrita, responsabilizando subsidiariamente tanto a administração direta quanto a indireta em relação aos débitos trabalhistas, quanto atuar como contratante de qualquer serviço de terceirizado especializado”. Este enunciado fez com que o § 1º do art. 71 da Lei de Licitações fique “com a presunção de constitucionalidade relativizada, diante das negativas de vigência que a norma tem sofrido por parte da magistratura laboral”. A ADC relata a existência de decisões conflitantes sobre o tema no judiciário brasileiro. “De um lado, são proferidas decisões judiciais no sentido de que o art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 apenas responsabiliza a empresa contratada pela administração pelos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, de maneira que o poder público estaria isento de qualquer responsabilidade”. Por outro lado, ainda conforme a ADC, “diversos juízes e tribunais passaram a afirmar em suas decisões e acórdãos a responsabilidade subsidiária da administração pública quanto ao inadimplemento das obrigações trabalhistas”. O governador afirma que a norma constante na Lei de Licitações objetiva resguardar a administração pública, que não pode ser responsabilizada pelo dano que não produziu “e em relação ao qual, diligentemente e nos termos da lei, tentou evitar”. A Súmula nº 331 do TST, principalmente em seu inciso IV, ofende a norma prevista no § 6º, art. 37 da Constituição Federal, já que a adoção da * Notícias do STF, 12.03.2007. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2008. responsabilidade objetiva do Estado deriva da teoria do direito administrativo, em que existem algumas excludentes de responsabilidade, como a culpa exclusiva da vítima e a constatação de força maior e caso fortuito, diz José Roberto Arruda. Para ele, “na hipótese, a excludente da responsabilidade se faz imperiosa porquanto as obrigações trabalhistas deverão incidir apenas para as empresas contratadas pela administração, que terão toda a culpa pela sua inadimplência”. O governador do DF afirma que a argumentação desenvolvida na ADC demonstra a presença do fumus boni iuris (fumaça do bom direito) e que a tramitação de milhares de ações judiciais sobre a aplicação da responsabilidade subsidiária do poder público em relação aos débitos trabalhistas das empresas contratadas demonstra o periculum in mora (perigo na demora). Isto porque “o cumprimento de decisões judiciais tem gerado gravíssimos prejuízos para a administração pública local”. Dessa forma, José Roberto Arruda pede a declaração liminar de constitucionalidade do § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93, para determinar que juízes e tribunais suspendam os processos que envolvam a aplicação do inciso IV da Súmula nº 331 do TST, e também para suspender, com eficácia ex tunc (retroativo), os efeitos de quaisquer decisões que tenham afastado a aplicação do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93. No mérito, pede que se declare a constitucionalidade, em definitivo, com eficácia erga omnes (sobre todos) e efeito vinculante, desse dispositivo. O relator da ADC é o Ministro Cezar Peluso. STF – SUSPENSO JULGAMENTO SOBRE RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA COM ENCARGOS TRABALHISTAS DE TERCEIRIZADOS* Pedido de vista do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito suspendeu nesta quarta-feira (10.09.08) o julgamento de ação que pede que o Supremo * Notícias do STF, 10.09.2008. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2008. Tribunal Federal (STF) declare a constitucionalidade de dispositivo da Lei de Licitações que impede a responsabilização da Administração Pública pela inadimplência de encargos trabalhistas de empresas terceirizadas. O julgamento foi suspenso após o relator da ação, Ministro Cezar Peluso, defender o arquivamento do processo, e o Ministro Marco Aurélio, por outro lado, votar pela análise de mérito da matéria. O pedido chegou ao STF em março do ano passado e foi feito pelo governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda. Ele ajuizou uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 16) argumentando que o inciso IV da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) equivale a uma declaração de inconstitucionalidade da regra, expressa no § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93, a Lei de Licitações. Ao defender o arquivamento da ação, o Ministro Peluso alegou que não há, no caso, um requisito imprescindível para o ajuizamento de ação declaratória de constitucionalidade: a existência de controvérsia judicial que coloque em xeque a presunção de constitucionalidade da lei. Ele afirmou, inclusive, que o autor da ação não demonstra no pedido que haja no meio jurídico dúvida relevante sobre a legitimidade da norma. Segundo Peluso, a Súmula do TST não declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 71 da Lei de Licitações. Somente diz que sua aplicação a contratos de terceirização também deve se submeter a outros dispositivos legais e constitucionais, admitindo a responsabilização da administração pública a partir da análise caso a caso. O inciso IV da Súmula nº 331 determina a responsabilidade da Administração Pública quanto a obrigações trabalhistas desde que o órgão tenha “participado da relação processual” e conste também “do título executivo judicial”. Ou seja, desde que a Administração Pública tenha participado do processo trabalhista, tenha se defendido e tenha sido condenada. “É inútil para o tribunal perder-se aqui neste caso e reconhecer uma constitucionalidade que jamais esteve em dúvida em lugar nenhum”, argumentou Peluso. O Ministro Marco Aurélio rebateu afirmando que “a utilidade do julgamento é enorme”. Segundo ele, há uma “multiplicação de conflitos” judiciais sobre a matéria, e o interesse em ver a questão analisada pelo STF não é somente do Distrito Federal, mas de várias unidades da Federação e da União, que pediram para ingressar na ação. “Não podemos ser tão ortodoxos”, disse, ao defender o julgamento do mérito do pedido. O Ministro acrescentou que o TST editou a Súmula exatamente para orientar as decisões da Justiça Trabalhista e que o verbete “implicitamente” projetou o dispositivo da Lei de Licitações para “o campo da inconstitucionalidade”. TERCEIRIZAÇÃO – PROJETOS EM TRAMITAÇÃO NA CÂMARA DOS DEPUTADOS (SITUAÇÃO EM DEZEMBRO/2008) Projeto de Lei nº 4.302/98: Altera dispositivos da Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências, e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros. Autor: Poder Executivo. Comentários: Entre os principais pontos da proposta, está a proibição de contratação de trabalho temporário para a substituição de trabalhadores em greve e a exigência de que a empresa de trabalho temporário possua capital social de no mínimo R$ 100 mil. No dia 15 de novembro de 2008 foi aprovado pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público o substitutivo do Senado, com modificações. Ele resgata alguns dispositivos aprovados na Câmara em 2000 que tinham sido modificados pelos senadores, como o que estabelece a responsabilidade solidária da empresa contratante quanto aos direitos trabalhistas. O substitutivo aprovado no Senado estabelecia que a empresa contratante respondia subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas referentes ao período da prestação de serviço. Na prática, a empresa contratante só poderia ser executada para pagamentos de direitos após esgotada tentativa de fazer a prestadora de serviço pagar. Com a responsabilidade solidária, o trabalhador pode entrar na Justiça para receber diretamente da empresa contratante. Outra mudança que a comissão fez no substitutivo do Senado foi acabar com a permissão de que trabalhadores temporários sejam contratados para substituir os empregados em greve, nos casos previstos em lei – greve declarada abusiva e paralisação de serviços essenciais. A comissão acabou também com a anistia para débitos, penalidades e multas impostas com base na legislação trabalhista concedida às empresas que contratavam serviços de terceirização. Apesar das mudanças aprovadas, a Comissão do Trabalho manteve a versão do Senado, que incorpora alguns benefícios não previstos no texto anterior da Câmara. Por exemplo, são de responsabilidade da empresa contratante as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou em local por eladesignado. É também garantido ao trabalhador o mesmo atendimento médico, ambulatorial e de refeição disponível para os empregados da empresa contratante. O projeto estabelece também que a subordinação dos trabalhadores é à empresa prestadora de serviço que os contrata, remunera e dirige o trabalho. O substitutivo ainda proíbe que a empresa contratante use o terceirizado em atividades distintas daquelas que foram o motivo da contratação. Em relação ao trabalho temporário, a proposta determina que terá prazo máximo de seis meses, mas existe possibilidade de prorrogação. A matéria tramita no Congresso desde 20 de março de 1998 e divide opiniões de parlamentares e entidades representativas dos empresários e trabalhadores. Segundo o relator da Subcomissão Permanente de Serviços Terceirizados da Comissão de Trabalho, Deputado Roberto Santiago (PV/SP), as centrais sindicais, os empresários e o governo negociam um outro projeto de lei, mais moderno, a fim de atualizar a solução para vários problemas que atingem hoje os trabalhadores temporários e terceirizados. A proposta, que tramita em regime de urgência, aguarda parecer da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, onde foi distribuída ao Deputado Colbert Martins (PMDB/BA) para relatar. Posteriormente será submetida à análise do Plenário da Câmara. Projeto de Lei nº 3.132/04: Altera o art. 455 da Consolidação das Leis do Trabalho e dá outras providências (estabelece a responsabilidade solidária da empresa contratante de serviços de mão-de-obra, na hipótese de violação das obrigações trabalhistas pela empresa prestadora dos serviços). Autor: Deputado Eduardo Valverde (PT/RO). Comentários: O projeto altera o art. 455 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), segundo o qual a responsabilidade do contratante é apenas subsidiária, e não solidária. Na responsabilidade solidária, duas ou mais pessoas respondem pelo mesmo débito. Na responsabilidade subsidiária, há uma preferência na ordem de execução da dívida. Primeiro, o débito é cobrado do devedor, e, se não houver bens, ou eles forem insuficientes, o responsável em caráter subsidiário terá que pagar a dívida. A proposta foi aprovada na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público na forma do substitutivo do relator, Deputado Edgar Moury (PMDB/PE), que só altera a técnica legislativa do texto original, criando um novo artigo para tratar exclusivamente da responsabilidade no contrato de prestação de serviços. Segundo o relator, a nova redação é inspirada na Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que já define a responsabilidade solidária do contratante, em vez da responsabilidade subsidiária. A experiência, acrescenta o parlamentar, tem mostrado que a responsabilidade subsidiária do contratante do serviço não é suficiente para garantir os direitos trabalhistas. “São cada vez mais comuns as notícias a respeito de prestadores de serviços que fecham as portas e somem, deixando para trás as dívidas com os seus empregados”, observa o relator. A proposta garante ainda à empresa contratante o direito a ingressar com ação judicial regressiva contra a empresa prestadora e mantém a responsabilidade solidária do empreiteiro principal em relação às obrigações trabalhistas não cumpridas pelo subempreiteiro. A matéria, que tramita em caráter conclusivo, encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, aguardando parecer do relator, Deputado Sandro Mabel (PR/GO). Projeto de Lei nº 4.330/04: Dispõe sobre o contrato de prestação de serviço a terceiros e as relações de trabalho dele decorrentes. Autor: Deputado Sandro Mabel (PR/GO). Comentários: Regula o contrato de prestação de serviço a terceiros e as relações de trabalho dele decorrentes. O objetivo do projeto é regulamentar o trabalho terceirizado para reduzir os custos provocados pela incerteza jurídica que atualmente envolve essas relações. Entre as normas propostas, está a previsão de responsabilidade subsidiária – que estabelece o cumprimento de obrigações trabalhistas no que se refere à segurança e à saúde do trabalhador. Outro dispositivo prevê a inscrição obrigatória da empresa prestadora de serviços no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica e na Junta Comercial. Além disso, ela deve apresentar capital social compatível com o número de empregados. Fica proibido o uso dos trabalhadores em atividades distintas das estipuladas em contrato. A Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio aprovou relatório do Deputado Reinaldo Betão (PL/RJ), pela aprovação, com quatro emendas. Uma delas, do Deputado Paulo Delgado (PT-MG), inclui as empresas de vigilância e de transporte de valores na regulamentação. O projeto original exclui essas empresas. As outras três emendas, todas do Deputado Armando Monteiro (PTB/PE), fazem ajustes conceituais no texto. Uma delas modifica a redação do art. 1º para, segundo Monteiro, permitir uma definição mais clara da abrangência. Outra emenda aproveitada substitui o termo “sociedade empresária” por “pessoa jurídica”. O parlamentar argumenta que “pessoa jurídica constitui termo juridicamente consolidado”. Com a última emenda aprovada, o contrato de prestação de serviços, ao invés de versar sobre o desenvolvimento de “atividades inerentes, acessórias ou complementares”, como no projeto original, passa a versar sobre o “desenvolvimento de atividades-meio e atividades-fim”. Armando Monteiro justifica dizendo que os termos atividade “fim” e “meio” são juridicamente mais consolidados. Sujeito à apreciação em caráter conclusivo, o projeto encontra-se na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, distribuído ao Deputado Pedro Henry (PP/MT) para relatar. Depois, será encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, inclusive para análise de mérito. Projeto de Lei nº 1.621/07: Dispõe sobre as relações de trabalho em atos de terceirização e na prestação de serviços a terceiros no setor privado e nas sociedades de economia mista. Autor: Deputado Vicentinho (PT/SP). Comentários: Regulamenta as relações de trabalho nos casos de terceirização de serviços prestados no setor privado e nas sociedades de economia mista. A proposta proíbe a terceirização da atividade-fim da empresa, que só poderá ser desenvolvida por funcionários diretamente contratados, com vínculo de emprego. Em relação às outras atividades, a empresa interessada em contratar serviços terceirizados deverá repassar ao sindicato da categoria profissional, com no mínimo seis meses de antecedência, as seguintes informações: – os motivos da terceirização; – os serviços que pretende terceirizar; – o número de trabalhadores diretos e indiretos envolvidos na terceirização; – a redução de custos pretendida; – os locais de prestação dos serviços; – os nomes das prestadoras que pretende contratar para executar os serviços, exceto empresas de economia mista, por terem regulamentação própria. Dependendo da natureza do serviço contratado, a sua prestação poderá ocorrer nas instalações da empresa contratante ou em outro local, sendo responsabilidade da contratante os gastos com deslocamento e acomodações do trabalhador. O local diferenciado não permite qualquer distinção entre as garantias econômicas e sociais dos funcionários terceirizados. A proposta estabelece a responsabilidade solidária entre a tomadora e a prestadora do serviço pelas obrigações trabalhistas, previdenciárias e quaisquer outras decorrentes do contrato de prestação de serviço. A medida vale, inclusive, para o caso de falência da prestadora, que é obrigada a fornecer mensalmente à tomadora comprovação do pagamento dos salários, do recolhimento das contribuições previdenciárias e do FGTS, entre outros documentos. O desrespeito às normas sujeita os infratores (tomador e prestador) ao pagamento de multa de 10% sobre o valor do contrato de terceirização em favor do trabalhador prejudicado. Esse percentual é aumentado para 15% em caso de reincidência. No caso de ações coletivas, a multa será cobrada por trabalhador prejudicado e revertida ao Fundo de Amparo do Trabalhador. O projeto, que tramita em caráter conclusivo, encontra-se na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, distribuído ao Deputado José Guimarães (PT/CE) para relatar e, posteriormente, será encaminhado às Comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público, e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Anteprojeto de Lei – Ministério do Trabalho e Emprego Assunto: Contratação de serviços terceirizados no setor privado. Comentários: Por não haver regulamentação legal que trate da terceirização, há mais de um ano o Ministério vem se reunindo com representantes de trabalhadores e empregadores para poder apresentar essa proposta de forma que seja consensual e atenda aos interesses de ambas as partes. Frisa-se que o MTE não pretende regularizar a terceirização de mão-deobra, mas sim a contratação de serviços terceirizados. Atualmente, existe um tomador de serviços, uma empresa intermediadora e um trabalhador. Esta é a primeira premissa do projeto: a diferença entre contratação de serviços e intermediação de mão-de-obra. A atual proposta determina que a contratada tenha seus próprios empregados, que estes sejam regulares, registrados e que tenham todos os direitos trabalhistas assegurados. Para garantir o correto cumprimento da legislação, o texto aborda a questão da responsabilidade mútua da contratante e da contratada. A primeira será responsável pela verificação de que a empresa contratada cumpre com suas obrigações como pagamento de salários, de fundo de garantia e questões previdenciárias. A coordenadora informa que se a contratante não monitorar ou o fizer de forma inadequada, será responsabilizada pelo pagamento de todos os direitos desses trabalhadores, podendo o empregado requerer seus benefícios a qualquer uma das empresas, a qualquer tempo. O nome disso é responsabilidade solidária. Por outro lado, se for mantido um controle efetivo, a contratante será responsabilizada subsidiariamente. “Nesse caso o trabalhador vai pedir primeiro para a empresa contratada, se esta não fizer o pagamento, tiver dificuldade financeira ou estiver em falência, aí a responsabilidade recai sobre a empresa contratante”. Esse compromisso mútuo impulsiona a contratação de empresas idôneas. Para alcançar tais metas o projeto prevê cláusulas obrigatórias que dizem respeito ao cumprimento de contrato, à especificação de serviço, a não contratação aleatória; e ao prazo de vigência. O texto prevê também a apresentação de documentos que comprovem idoneidade financeira, fiscal e até questão de instalação do local de funcionamento da contratada. Decisão das contratantes: Outro ponto crucial do anteprojeto é a garantia de lastro da contratada, ou seja, se tem condições de cumprir com o serviço a ser prestado e com o pagamento dos direitos do trabalhador. Quem vai decidir isso é a contratante por meio do Termo de Contrato, que determinará o acordo social com o capital que garanta a execução do mesmo. A contratante deverá observar o tamanho de sua demanda e o que necessita para sua conclusão, e a partir daí, observar a condição financeira da contratada. “O que significa isso a curto, médio e longo prazo? Aprimoramento dos serviços prestados. Cada vez mais só vão ficar no mercado as empresas que realmente podem prestar um serviço de qualidade, que tenham especialização e condição de produtividade”. Fiscalização: Por não haver leis que tratem da terceirização, tanto a fiscalização do Ministério Público como do Ministério do Trabalho e Emprego são levadas a trabalhar de forma subjetiva. O projeto do MTE acaba com isso, pois estabelece mecanismos para o trabalho de fiscalização, com previsão de multa de R$ 1.000 por trabalhador encontrado em situação irregular quando não forem cumpridos os requisitos do contrato. E de R$ 500 quando houver qualquer tipo de discriminação do trabalhador. Sugestões: O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) encerrou no último domingo (23) a consulta pública da minuta do texto do anteprojeto de lei para a regularização da contratação de serviços terceirizados. Desde o dia 13 de novembro, data que o texto do anteprojeto ficou disponível no sítio do MTE, foram enviadas 102 mensagens com sugestões para mudanças e inclusões no texto. Todas foram lidas e respondidas pelos técnicos da Secretaria de Relações do Trabalho (SRT). A partir de agora, as sugestões serão cuidadosamente analisadas e servirão de base para o novo texto que será encaminhado ao Ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi. As sugestões e opiniões foram encaminhadas ao MTE pela sociedade em geral: confederações, federações, sindicatos, empresas de tecnologia, de recursos humanos, advogados, servidores públicos, representantes de condomínios, acadêmicos, associações, deputados federais, auditores fiscais e cidadãos contribuíram para a nova redação. Jurisprudência Temática AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TERCEIRIZAÇÃO RECURSO DE EMBARGOS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TERCEIRIZA-ÇÃO DE ATIVIDADE-FIM. TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE-MEIO COM SUBORDINAÇÃO E PESSOALIDADE. INDÚSTRIA DE MINÉRIO. CONTRA-TAÇÃO POR MEIO DE COOPERATIVAS. ILEGALIDADE. FRAUDE. RECURSO DE REVISTA NÃO CONHECIDO. VIOLAÇÃO DO ART. 896 DA CLT NÃO VERIFICADA. A Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho decorre da tutela de direitos e interesses difusos e coletivos, lato sensu, que provenientes de causa comum, atingem uniformemente um número de trabalhadores. O órgão do judiciário, consciente da relevância social do tema relacionado à utilização de mão-de-obra terceirizada com o fim de atender a atividade-fim da empresa, deve recepcionar a tutela pretendida pelo Douto Ministério Público, cuja legitimidade para o ajuizamento de Ação Civil Pública está prevista tanto na Constituição Federal, art. 127 c/c 129, inciso II, quanto na LC 75/93, que lhe conferiu legitimação para a defesa desses interesses. Constatando-se que a atividade dos empregados, por intermédio de cooperativas, seja para realização de atividade-fim, lavra de minério de ferro com escavação do solo e movimentação da matéria-prima, seja para atividade-meio, preparo e distribuição de refeições, e transporte dos funcionários e maquinário, se dava com pessoalidade, em fraude à relação de trabalho, sendo apenas e tão-somente determinada obrigação de fazer e não fazer, não merece reforma as decisões que prestigiaram a atuação do parquet no presente caso. Embargos não conhecidos. (Processo nº TST-E-ED-RR-738.714/2001 – Ac. SBDI 1) Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Embargos de Declaração em Recurso de Revista nº TST-E-ED-RR-738.714/2001.0, em que é Embargante Companhia Vale do Rio Doce – CVRD e Embargado Ministério Público do Trabalho da 3ª Região. A C. Quarta Turma, mediante o v. acórdão de fls. 1202-1214 (restauração de autos), da lavra do Exmo. Sr. Ministro Barros Levenhagen, não conheceu do recurso de revista da CVRD quanto à “preliminar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional”, à “preliminar de carência de ação: ilegitimidade ad causam do MPT; ilegitimidade passiva e falta de interesse de agir. Inconstitucionalidade do art. 83, III, da LC 75/93” e quanto ao tema de mérito, “contratações: CNAP, AGENCO e SERMINAS. Irregularidade”. Embargos de declaração opostos pela CVRD, fls. 1216-1222 (restauração de autos) e fls. 1270-1276 (originais), rejeitados mediante o v. acórdão de fls. 1292-1296. Inconformada, a reclamada opõe recurso de embargos, às fls. 1300-1324. Suscita preliminar de nulidade do acórdão embargado por negativa de prestação jurisdicional, por violação dos arts. 832 e 897-A da CLT; 458 e 535 do CPC; 5º, II, XXXV, XXXVI e LV, e 93, IX, da Constituição Federal. Renova argüição das preliminares de nulidade por negativa de prestação jurisdicional e de carência de ação: ilegitimidade ad causam do MPT; ilegitimidade passiva e falta de interesse de agir – inconstitucionalidade do art. 83, III, da LC 75/93, por afronta aos arts. 832 e 896 da CLT; 267, VI, 458 e 535 do CPC; 81 da Lei nº 8.078/90; 83, III, da Lei Complementar nº 74/93; 25 da Lei nº 8.987/95; 3º da Lei nº 7.347/85; 81, II, do CDC; 5º, II, XXXV, LIV e LV, e 93, IX, da Constituição Federal. No mérito, aponta violação dos arts. 5º, II, XIII, XVIII, XXXV, LIV e LV, da Constituição Federal; 442, parágrafo único, e 896 da CLT; 16 da Lei nº 7.347/85; 25 da Lei nº 8.987/95; 5º e 86 da Lei nº 5.764/71; e contrariedade à Súmula nº 331, III, TST. Impugnação apresentada pelo Ministério Público do Trabalho da 3ª Região, às fls. 1333-1344. É o relatório. VOTO I – PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO DA C. TURMA POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL RAZÕES DE NÃO-CONHECIMENTO A C. Turma não conheceu do recurso de revista da CVRD, dentre outros temas, quanto à “preliminar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional”, à “preliminar de carência de ação: ilegitimidade ad causam do MPT; ilegitimidade passiva e falta de interesse de agir. Inconstitucionalidade do art. 83, III, da LC 75/93” e quanto ao tema de mérito, “contratações: CNAP, AGENCO e SERMINAS. Irregularidade”. Embargos de declaração opostos pela CVRD foram rejeitados, nos termos da seguinte fundamentação: “A embargante insiste que a condenação à obrigação de fazer – registrar os empregados que lhe prestaram serviços – e ao pagamento dos direitos trabalhistas, previdenciários e fundiários necessita, teoricamente, de ampla fase probatória, considerando que cada um dos trabalhadores possui particularidades específicas, o que extrapola o conceito de interesses homogêneos. Acrescenta que a determinação do reconhecimento do vínculo empregatício entre a tomadora dos serviços, CVRD, e os trabalhadores cooperados das empresas CNAP, GENCO e SERMINAS, bem como o pagamento de parcelas não se inserem no conceito de interesses difusos e coletivos defendidos pelo Ministério Público do Trabalho. Registre-se, de início, não ter havido, pelas instâncias ordinárias, decisão condenatória específica ao pagamento de obrigações trabalhistas, previdenciárias e fundiárias – que, com efeito, não constitui objeto de ação civil pública – mas apenas a determinação de que a CVRD garanta a seus empregados os direitos assegurados nos arts. 7º e 8º da Constituição Federal, como mero corolário do reconhecimento do vínculo empregatício com o registro na CTPS, o qual, conforme exaustivamente assinalado no acórdão embargado, configura direito individual homogêneo revestido de interesse social relevante, pois decorrente de situação de sociedades cooperativas, em que se denuncia a fraude no propósito de intermediação de mão-de-obra, com o desrespeito a direitos sociais constitucionalmente garantidos. Essas questões, indiscutivelmente, inserem-se no âmbito de atuação do Ministério Público do Trabalho, consoante se constata na decisão embargada: ‘(...) a Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da CF/88). Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, I e II, da CF/88). No campo das relações de trabalho, ao parquet compete promover a ação civil pública no âmbito desta Justiça para a defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos, bem assim outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos (arts. 6º, VII, d, e 83, III, da LC 75/93). A conceituação desses institutos se encontra no art. 81 da Lei nº 8.078/90, em que por interesses difusos entendem-se os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, ao passo que os interesses coletivos podem ser tanto os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base, como os interesses individuais homogêneos, subespécie daquele, decorrentes de origem comum no tocante aos fatos geradores de tais direitos, origem idêntica essa que recomenda a defesa de todos a um só tempo. Assim, a indeterminação é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinação é a daqueles interesses que envolvem os coletivos. Nesse passo, na hipótese dos autos, em que se verifica sociedade cooperativa com denúncia de fraude no propósito de intermediação de mão-de-obra, com a não-formação do vínculo empregatício, pleiteandose obrigação de fazer e não fazer, os interesses são individuais, mas a origem única recomenda a sua defesa coletiva em um só processo, pela relevância social atribuída aos interesses homogêneos, equiparados aos coletivos, não se perseguindo aqui a reparação de interesse puramente individual. No que respeita à invocação de ilegitimidade passiva da recorrente, tendo sido a ela atribuída a lesão a direitos coletivos por estar se valendo de intermediação ilegal para contratação de empregados, é ululante a sua legitimidade para figurar no pólo passivo da demanda, não havendo cogitar em afronta ao art. 267, VI, do CPC (fls. 1210/1211).’ Descarta-se também a ocorrência de omissão quanto à alegação da embargante de não estar contemplada nas atribuições do Ministério Público do Trabalho a verificação da regularidade, da constituição e do funcionamento de entidades de natureza civil. Isso porque, além de os termos da petição inicial do parquet, que a embargante denuncia conter o reconhecimento de sua ilegitimidade para atuar nesses feitos, não terem sido objeto de registro pelo Regional, muito menos pela recorrente em sua revista, a hipótese dos autos diz respeito à fraude no propósito de intermediação de mão-de-obra, com o desrespeito a direitos sociais constitucionalmente garantidos, questão de indiscutível índole trabalhista e inserida nas atribuições do Ministério Público do Trabalho. Convém aqui remontar à decisão embargada: ‘Para que seja de natureza civil a relação jurídica entre o trabalhador e a cooperativa, ou entre o trabalhador e o tomador de serviços, é necessário que: a constituição da cooperativa seja regular; haja ânimo dos trabalhadores no sentido de efetivamente integrarem uma sociedade com o intuito de alcançar determinado objetivo ou realizar determinadas atividades; os trabalhadores sejam verdadeiramente sócios na cooperativa, assumam os riscos da atividade econômica, sejam autônomos, não subordinados. Se, ao revés, a realidade demonstra, como no caso dos autos, que as cooperativas e determinada empresa foram criadas apenas com o intuito de fraudar a legislação trabalhista, a teor do art. 9º da CLT, intermediando mão-de-obra com o intuito de exonerar-se dos ônus trabalhistas e previdenciários decorrentes da relação de emprego, em evidente afronta aos direitos coletivos dos trabalhadores, não há como vislumbrar a ofensa aos dispositivos legais e constitucionais apontados, bem como a higidez dos arestos colacionados, que partem da regularidade da contratação, estando a atuação do Ministério Público em estreita consonância com a legislação vigente e com o seu munus público de defesa dos interesses sociais garantidos na Constituição. Destarte, as obrigações impostas pelo Regional encontram-se em conformidade com o art. 3º da Lei nº 7.347/85 que dispõe que a ação civil pública poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, salientando-se que a norma do art. 2º da Lei nº 6.019/74 restringe-se à hipótese de necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços, o que não foi negado pelo Regional, já que permitiu a contratação de trabalho temporário, na forma do diploma legal citado (fls. 983).’ (fls. 1213/1214) Por conta disso, não atino igualmente com a denúncia de que o acórdão turmário fora omisso quanto ao fato de a determinação de registro dos empregados implicar a invalidação dos contratos celebrados com cada uma das empresas (CNAP, AGENCO e SERMINAS) e a conseqüente afronta aos arts. 5º, II, da Constituição e 25 da Lei nº 8.987/ 95. Isso porque as afrontas legais foram expressamente refutadas, conforme se verifica do trecho retrotranscrito, do qual se extrai a ilação de o Regional não ter invalidado os contratos celebrados entre as empresas, mas apenas retirado sua eficácia jurídica naquilo que contrapunha a legislação trabalhista, tanto que permitiu a continuidade da contratação de trabalho temporário, desde que atendesse as determinações legais. Por fim, requer a reforma do acórdão embargado no que respeita à aplicação da Súmula nº 297 aos limites da jurisdição, argumentando, para tanto, que o art. 16 da Lei nº 7.347/85 cuida de imposição legal. Desse trecho já se constata que a pretensão da embargante não é suprir omissão, mas atribuir efeitos infringentes ao julgado, pois reconhece que a decisão examinara seu recurso com amparo em súmula desta Corte, o que extrapola os lindes estreitos do art. 535 do CPC. Acresça-se a isso o fato de o prequestionamento ser pressuposto de recorribilidade em apelo de natureza extraordinária, sendo necessário ainda que a matéria seja de incompetência absoluta, a teor da OJ 62 da SBDI-1. Assim, não se ressentindo o acórdão embargado dos vícios contidos nos arts. 535 do CPC e 897-A da CLT, é de rigor rejeitá-los por conta da sua proverbial inaptidão como instrumento para veiculação de mero inconformismo com o decidido alhures. Do exposto, rejeito os embargos.” (fls. 1292-1296) Inconformada, a reclamada opõe recurso de embargos. Suscita preliminar de nulidade do acórdão embargado por negativa de prestação jurisdicional, por violação dos arts. 832 e 897-A da CLT; 458 e 535 do CPC; 5º, II, XXXV, XXXVI e LV, e 93, IX, da Constituição Federal. Alega que a C. Turma foi omissa no exame dos embargos de declaração, porque requereu apreciação e pronunciamento explícito acerca de que a efetivação do registro da CTPS de cada um dos trabalhadores que lhe prestaram serviços e o reconhecimento de vínculo de emprego com direitos assegurados pelos arts. 7º e 8º da CF/88, envolvem particularidades como data de início da prestação de serviços, salários, cargo, verbas devidas, e, teoricamente, haveria necessidade de ampla fase probatória e análise de cada caso concreto, pois tal condenação, como posta pelo Tribunal Regional, está a extrapolar o conceito de “interesses homogêneos, equiparados aos coletivos” e, dessa forma, violando os arts. 81 da Lei nº 8.078/ 90 e 83, III, da LC 74/93, pois estaria sendo efetivada a “reparação de interesse puramente individual”. Requer, ainda, seja sanada omissão quanto à apreciação da violação do art. 25 da Lei nº 8.987/95 e 5º, II, da CF/88 e o pronunciamento a respeito da ilegitimidade de figurar no pólo passivo da presente Ação Civil Pública. Não se vislumbra nulidade do julgado. A C. Turma foi instada a se manifestar acerca dos temas trazidos nos embargos de declaração da empresa, quanto à condenação de obrigação de fazer da CVRD, de registrar todos os empregados que lhe prestaram serviços oriundos do CNAP, GENCO e SERMINAS, bem como de pagar direitos trabalhistas, previdenciários e fundiários, quando a v. decisão respondeu que não houve tal obrigação de pagar, mas apenas de garantir aos empregados os direitos assegurados nos arts. 7º e 8º da CF. Quanto à alegação de que a determinação de reconhecimento de vínculo empregatício entre a tomadora do serviço e os trabalhadores cooperados das empresas CNAP, GENCO e SERMINAS, em face dos quais também foi entregue devidamente a jurisdição. Destaque-se que nas razões de recurso de revista a empresa aduziu que a condenação objeto da ação, de obrigação de fazer, no sentido de somente proceder à contratação de mão-de-obra terceirizada nos casos de trabalhadores temporários e de serviço de vigilância e segurança, deveria ser apreciada pela C. Turma, pois não está impedida de contratar trabalhadores para executar outros serviços especializados ligados a sua atividade-meio, a possibilitar. E a C. Turma, em resposta, destacou que a questão é de intermediação fraudulenta que foi objeto da ação civil pública e que as questões relativas à efetividade do julgado não foram prequestionadas, fazendo incidir o óbice da Súmula nº 297 do C. TST. Assim sendo, não há se falar em nulidade do julgado por negativa de prestação jurisdicional, restando ilesos os arts. 93, IX, da CF, 458 do CPC e 832 da CLT, nos estritos termos da Orientação Jurisprudencial nº 115 da C. SDI. Não conheço. II – NULIDADE DO ACÓRDÃO REGIONAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. RECURSO DE REVISTA NÃO CONHECIDO. VIOLAÇÃO DO ART. 896 DA CLT NÃO VERIFICADA. RAZÕES DE NÃO-CONHECIMENTO A C. Turma não conheceu do recurso de revista da CVRD quanto à “preliminar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional”, em decisão assim ementada: “PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRES-TAÇÃO JURISDICIONAL. É sabido que os embargos de declaração não se prestam a exigir do Judiciário resposta a listas de questionamentos, pois não é órgão consultivo, bastando que dilucide o fundamento em que firmara sua convicção. Nesse passo, é ilativo das razões expendidas pelo Regional o afastamento das teses suscitadas pela recorrente, não havendo motivos que conduzissem às explicitações requeridas, a revelar absolutamente indiscerníveis as violações apontadas. Avulta, ainda, a inocuidade dos arestos trazidos para confronto, tendo em vista que a preliminar irrogada o deve ser necessariamente à guisa da ofensa a dispositivo de lei, visto que os julgados colacionados só são inteligíveis dentro do respectivo contexto probatório em que foram proferidos, impedindo esta Corte de firmar posição conclusiva sobre a sua especificidade.” (fl. 1202) Inconformada, a reclamada opõe recurso de embargos. Suscita preliminar de nulidade do acórdão embargado por negativa de prestação jurisdicional. Renova argüição da preliminar de nulidade do acórdão regional por negativa de prestação jurisdicional, por violação dos arts. 832 e 896 da CLT; 458 e 535 do CPC; 5º, II, XXXV, XXXVI e LV, e 93, IX, da Constituição Federal. Alega que a C. Turma, ao negar conhecimento ao recurso de revista e rejeitar os competentes embargos de declaração, negou-lhe prestação jurisdicional, no particular, pois ainda em sede de embargos de declaração pretendeu a manifestação do Eg. Tribunal Regional sobre a análise da controvérsia à luz da legislação efetivamente em vigor com relação à legitimidade do Ministério Público e quanto à legalidade das contratações. Acrescenta que o recurso de revista, no tema, reunia todos os requisitos para sua apreciação e regular conhecimento. Não se verifica a ofensa do art. 896 da CLT, na medida em que registrou a C. Turma que as conclusões contidas na decisão do Eg. Tribunal Regional permitem a apreciação do tema em instância recursal. Registrou a C. Turma que a matéria trazida, relativa às razões do afastamento da incompetência da Justiça do Trabalho, à legitimidade do Ministério Público, à carência de ação e à questão da garantia de contratação da empresa de empregados temporários, foi devidamente apreciada, conforme se lê das razões acima transcritas. Também na conclusão do exame da nulidade do julgado regional por negativa de prestação jurisdicional a C. Turma explicita que a Corte de origem deixou de apreciar o tema no que se refere à efetividade do julgado, em razão da ausência de prequestionamento, pois a matéria não fora trazida nas razões do recurso ordinário. Correta a decisão da C. Turma, sequer buscando o reclamado demonstrar que a ausência de exame do tema não decorreu do não prequestionamento da matéria na instância a quo, quando da interposição do recurso ordinário. Ileso o art. 896 da CLT, bem como os arts. 93, IX, da CF, 458 do CPC e 832 da CLT, nos termos da já citada Orientação Jurisprudencial nº 115 da C. SDI. Não conheço. III – PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO: ILEGITIMIDADE AD CAUSAM DO MPT; ILEGITIMIDADE PASSIVA E FALTA DE INTERESSE DE AGIR. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 83, III, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 75/93. RECURSO DE REVISTANÃO CONHECIDO. VIOLAÇÃO DO ART. 896 DA CLT NÃO VERIFICADA. RAZÕES DE NÃO-CONHECIMENTO A C. Quarta Turma não conheceu do recurso de revista da CVRD quanto ao tema, em decisão assim ementada: “PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO: ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, ILEGITIMIDADE PASSIVA E FALTA DE INTERESSE DE AGIR. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 83, III, DA LEI COMPLE-MENTAR Nº 75/93. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da CF/88). Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, I e II, da CF/88). No campo das relações de trabalho, ao parquet compete promover a ação civil pública no âmbito desta Justiça para a defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos, bem assim outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos (arts. 6º, VII, d, e 83, III, da LC 75/93). A conceituação desses institutos se encontra no art. 81 da Lei nº 8.078/90, em que por interesses difusos entende-se os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, ao passo que os interesses coletivos podem ser tanto os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base, como os interesses individuais homogêneos, subespécie daquele, decorrentes de origem comum no tocante aos fatos geradores de tais direitos, origem idêntica essa que recomenda a defesa de todos a um só tempo. Assim, a indeterminação é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinação é a daqueles interesses que envolvem os coletivos. Nesse passo, na hipótese dos autos, em que se verifica sociedade cooperativa com denúncia de fraude no propósito de intermediação de mão-de-obra, com a não-formação do vínculo empregatício, pleiteando-se obrigação de fazer e não fazer, os interesses são individuais, mas a origem única recomenda a sua defesa coletiva em um só processo, pela relevância social atribuída aos interesses homogêneos, equiparados aos coletivos, não se perseguindo aqui a reparação de interesse puramente individual. No que respeita à invocação de ilegitimidade passiva da recorrente, tendo sido a ela atribuída a lesão a direitos coletivos por estar se valendo de intermediação ilegal para contratação de empregados, é ululante a sua legitimidade para figurar no pólo passivo da demanda, não havendo cogitar em afronta ao art. 267, VI, do CPC.” (fls. 1203-1204) A reclamada CVRD opõe recurso de embargos, apontado violação dos arts. 896 da CLT; 267, VI, do CPC; 81 da Lei nº 8.078/90; 83, III, da Lei Complementar nº 74/93; 25 da Lei nº 8.987/95; 3º da Lei nº 7.347/85; 81, II, do CDC. Argumenta que não se trata de mera anotação da CTPS dos trabalhadores oriundos das cooperativas CNAP e AGENCO e da empresa SERMINAS, mas sim que passará a qualidade de empregadora principal com obrigação de garantir os direitos previstos nos arts. 7º e 8º da Constituição Federal. Assim, patente a ilegitimidade do Ministério Público, posto que cada trabalhador tem particularidades que necessitam de ampla fase probatória e análise de cada caso concreto. Alega que a verificação de pretensas irregularidades das cooperativas e da empresa SERMINAS não está contemplada dentro das atribuições do Ministério Público. Afirma que é parte ilegítima para responder por eventuais irregularidades praticadas pelas prestadoras de serviços, sobretudo em via de Ação Civil Pública, que foi intentada exclusivamente contra a tomadora de serviços. Quanto à legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento da ação civil pública no presente caso, é de se assegurar que não se verifica qualquer base para a alegação da empresa de que se propôs a ação com o fim de tutelar direitos individuais, particulares, restando claro que se trata de ação que tem como objeto direitos individuais de origem coletiva, que afetou com homogeneidade, grupo de trabalhadores que prestam serviços à empresa, sendo que a conduta da empresa se encontra dentre aquelas passíveis de tutela pelo parquet, nos termos dos arts. 83, III, da LC 75/93 e 129, III, da CF. O dispositivo aludido, qual seja, o art. 83, III, da LC 75/93, não viola de forma alguma nenhum preceito constitucional. Na esteira do entendimento trilhado pelo Eg. Tribunal Regional, o art. 129, III, da Carta Magna, atribui ao Ministério Público competência para ajuizamento de ação civil pública para a proteção de interesses difusos e coletivos, além da proteção do patrimônio público e social e defesa do meio ambiente. Dessa forma, o referido dispositivo nada mais fez do que regulamentar a proteção dos interesses difusos e coletivos resguardados pela Norma Maior, e não colidir com ela. Nesse sentido, não se vislumbra a inconstitucionalidade pretendida, devendo ser mantido o acórdão, no particular, pois intacto o art. 129, III e IX, da Constituição Federal. Cabe destacar, quanto à legitimidade do parquet, a Carta Magna ao disciplinar o Ministério Público como guardião dos interesses difusos e coletivos, deixou reservado à lei regulamentar a forma de tal proteção. A Lei Complementar nº 75/93 trouxe em seu art. 83, III, uma das formas de exercer a referida proteção, qual seja, a ação civil pública. Não há nenhuma norma no ordenamento jurídico pátrio condizente com o interesse da recorrente no sentido de que o Ministério Público só poderia exercer tal papel como custus legis, e não como autor da ação. Pelo contrário, a Constituição estabeleceu a importante proteção e a lei veio trazer os meios necessários para exercitá-la. É de se ressaltar que a iniciativa do parquet encontra-se calcada na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, não sendo, portanto, caso de extinção do processo sem julgamento do mérito, nem de aplicação dos arts. 3º, 6º e 267, VI, do CPC, eis que a legitimação extraordinária do Ministério Público está inserida na Constituição Federal, que prevê a promoção da ação civil pública pelo Ministério Público, no inciso III do art. 129, que trata das funções institucionais do parquet, como se transcreve: “III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.” É de se verificar que a Lei Complementar nº 75/93, que regulamenta as atribuições do Ministério Público da União, trata especificamente acerca das atribuições do Ministério Público do Trabalho, a teor do inciso III do art. 83 da norma citada, que determina a competência do órgão para propor: “(...) ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos.” Não pode ser deixado de lado, ainda, o dispositivo constitucional que prevê, no seu art. 127, que: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” Ressalte-se que a Corte a quo realça que o Ministério Público pretende tutelar duas das espécies de interesses metaindividuais, difusos e coletivos, visto que o potencial lesivo é indeterminável, porque pode afetar todos que venham a ser seus empregados da empresa e sejam colocados na posição de contratados por meio de cooperativa, com o fim de fraudar a relação de trabalho. A matéria tutelada tem respaldo na garantia social inscrita no art. 7º da Constituição Federal, restando assegurada a defesa dos direitos sociais dos trabalhadores pelo Ministério Público do Trabalho, por meio da cabível ação civil pública. Resta ileso, portanto, o art. 896 da CLT, bem como os arts. 267, VI, do CPC, 81 da Lei nº 8.078/90, 83, III, da Lei Complementar nº 74/93, 25 da Lei nº 8.987/95, 3º da Lei nº 7.347/85 e 81, II, do CDC. Dessa forma, não conheço. IV – CONTRATAÇÕES: CNAP (COOPERATIVA NACIONAL DEPROFISSIONAIS AUTÔNOMOS LTDA.), AGENCO (COOPERATIVA DEADMINISTRAÇÃO, GERENCIAMENTO E CONSULTORIA DE EMPREENDIMENTOS) E SERMINAS (SERVIÇOS DE MINA LTDA.).IRREGULARIDADE. ILICITUDE DA TERCEIRIZAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER E DE NÃO-FAZER. VIOLAÇÃO DO ART. 896 DA CLT NÃO RECONHECIDA. RAZÕES DE NÃO-CONHECIMENTO A C. Turma não conheceu do recurso de revista da CVRD quanto ao tema de mérito, “contratações: CNAP, AGENCO e SERMINAS. Irregularidade”. Eis o teor do v. acórdão embargado, no particular: “Argumenta a recorrente que sendo concessionária de serviços públicos está legalmente autorizada a contratar os serviços objeto dos instrumentos contratuais invalidados pelo Regional, nos termos dos arts. 25 da Lei nº 8.987/95 e 4º, do Decreto nº 5/91. Além disso, assevera que a empresa SERMINAS presta serviços não ligados à atividade-fim da CVRD, estando, portanto, a decisão regional em dissonância com o Enunciado nº 331/TST, que dispõe não formar vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços especializados ligados à atividade-meio. Expõe que o autor não provou a irregularidade e a fraude da empresa SERMINAS, e mesmo que o fizesse, não poderia a recorrente ser responsabilizada por isso, bem como que o posicionamento adotado pelo Tribunal representa interferência no funcionamento das cooperativas, entidades de natureza civil, consoante art. 4º da Lei nº 5.764/71, esquecendo-se que o cooperativismo encontra amparo na Constituição Federal e na CLT, e que qualquer que seja o tipo de cooperativa, não existe relação de emprego entre ela e seus associados, tampouco com a reclamada. Menciona que a determinação para que seja compelida a contratar serviços terceirizados apenas nos casos de trabalho temporário (Lei nº 6.019/74) e de vigilância e segurança (Lei nº 7.102/83) é ilegal, porquanto não há óbice para que possa contratar serviços especializados ligados à sua atividade-meio, nem mesmo à sua atividade-fim, quando temporária a utilização, conforme art. 2º da Lei nº 6.019/74, assim como a garantia dos direitos trabalhistas incumbe ao empregador, que no caso é a prestadora de serviços. Por fim, pleiteia que a decisão seja limitada à unidade da reclamada em Timbopeba, nos limites da jurisdição de Ouro Preto/Minas Gerais, na esteira do art. 16 da Lei nº 7.347/85. Veicula afronta aos arts. 5º, II, XIII e XVIII, 170, parágrafo único, e 174, § 2º, da Constituição Federal; 442, parágrafo único, e 818 da CLT; 333 do CPC; 5º, 86 e 90 da Lei nº 5.764; 3º e 16 da Lei nº 7.347/85 e 2º da Lei nº 6.019/74, bem assim apresenta divergência jurisprudencial. Verifica-se o seguinte da decisão regional: ‘O relatório de fiscalização de fls. 85/88, do Ministério do Trabalho e Emprego, em que se baseou o recorrido para iniciar o Procedimento Investigatório nº 302/97 contra a recorrente, informou que prestam serviços para a CVRD duas cooperativas denominadas, respectivamente, CNAP – Cooperativa Nacional de Profissionais Autônomos Ltda. e AGENCO – Cooperativa de Administração, Gerenciamento e Consultoria de Empreendimentos, as quais vêm atuando como meras intermediadoras de mão-de-obra. A CNAP disponibilizou para a CVRD 48 supostos cooperados que, quando por nós entrevistados, informaram que nunca participaram de qualquer assembléia promovida por aquela e o pouco que conhecem da citada cooperativa foi o obtido por meio de boletins informativos que a mesma cuida de fornecer-lhes periodicamente. Já a AGENCO, colocou à disposição da CVRD 18 supostos cooperados que, apesar de executarem tarefas ligadas à atividade-meio da tomadora – preparo e distribuição de refeições – firmaram compromisso de laborar mediante contratos de prestação de serviços por prazo determinado, desvirtuando, desta forma, o caráter cooperativista. Quanto à SERMINAS – Serviço de Mina Ltda., realiza trabalhos ligados ao transporte de pessoas e materiais na mina de Timbopeba. Esta empresa possui uma característica atípica, qual seja, a de constituída na forma de sociedade por cotas de responsabilidade limitada, sendo que iniciou sua atividade com cinco sócios e atualmente conta com a participação de 50 sócios (e nenhum empregado), com capital social integralizado de R$ 3.000,00, dividido em 6.000 cotas (60 cotas para cada sócio). Outro ponto relevante é o fato de a empresa ter se constituído pouco antes da assinatura do contrato com a CVRD. Além do acima exposto, os sócios percebem, a título de pró-labore, valores que representam salário (horas extras, adicional noturno e de periculosidade, 13º salário, férias e adicional de 1/3). E todos os fatos relacionados naquele Relatório de Fiscalização foram confirmados no Procedimento Investigatório nº 302/97, em que a recorrente apresentou ampla defesa (fls. 33/52).’ (fls. 982) Para que seja de natureza civil a relação jurídica entre o trabalhador e a cooperativa, ou entre o trabalhador e o tomador de serviços, é necessário que: a constituição da cooperativa seja regular; haja ânimo dos trabalhadores no sentido de efetivamente integrarem uma sociedade com o intuito de alcançar determinado objetivo ou realizar determinadas atividades; os trabalhadores sejam verdadeiramente sócios na cooperativa, assumam os riscos da atividade econômica, sejam autônomos, não subordinados. Se, ao revés, a realidade demonstra, como no caso dos autos, que as cooperativas e determinada empresa foram criadas apenas com o intuito de fraudar a legislação trabalhista, a teor do art. 9º da CLT, intermediando mão-de-obra com o intuito de exonerar-se dos ônus trabalhistas e previdenciários decorrentes da relação de emprego, em evidente afronta aos direitos coletivos dos trabalhadores, não há como vislumbrar a ofensa aos dispositivos legais e constitucionais apontados, bem como a higidez dos arestos colacionados, que partem da regularidade da contratação, estando a atuação do Ministério Público em estreita consonância com a legislação vigente e com o seu munus público de defesa dos interesses sociais garantidos na Constituição. Destarte, as obrigações impostas pelo Regional encontram-se em conformidade com o art. 3º da Lei nº 7.347/85 que dispõe que a ação civil pública poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, salientado-se que a norma do art. 2º da Lei nº 6.019/74 restringe-se à hipótese de necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços, o que não foi negado pelo Regional, já que permitiu a contratação de trabalho temporário, na forma do diploma legal citado (fls. 983). Quanto à efetividade do julgado, à míngua de prequestionamento por parte da reclamada em seu recurso ordinário, o Regional não se manifestou a respeito, considerando imerecida a análise na via estreita dos embargos de declaração, a atrair a incidência do Enunciado nº 297/ TST. Não conheço.” (fls. 1211-1214) Embargos de declaração foram opostos pela CVRD e rejeitados. A reclamada, em razões de embargos, aponta violação dos arts. 5º, II, XIII, XVIII, XXXV, LIV e LV, da Constituição Federal; 442, parágrafo único, e 896 da CLT; 16 da Lei nº 7.347/85; 25 da Lei nº 8.987/95; 5º e 86 da Lei nº 5.764/71; bem como contrariedade à Súmula nº 331, III, do TST. Alega que não há como atribuir-lhe as conseqüências pela apuração de irregularidades na empresa SERMINAS porque: apenas os sócios prestam serviços, sem empregados registrados; porque não possui qualquer ingerência sobre a constituição e gestão da SERMINAS; e porque a Súmula nº 331, I, desta C. Corte permite a contratação sem o reconhecimento do vínculo, principalmente por se tratar de atividade-meio. Quanto às cooperativas, alega que sua formação está garantida pela Constituição Federal, e que a lei assevera que inexiste vínculo entre cooperado e cooperativa, tampouco poderia haver entre cooperado e tomador de serviços. Caso mantido o entendimento, requer o reconhecimento de vínculo entre os cooperados e a cooperativa, pois a condenação, na forma em que está, parece indicar fraude da CVRD, quando apenas celebrou contratos com cooperativa e empresas já constituídas. Requer, ainda, a limitação da competência territorial para que a condenação alcance apenas os trabalhadores no Município de Ouro Preto e das cooperativas e empresas citadas. A Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho decorreu de denúncia do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Extração de Ferro e Metais Básicos de Antônio Pereira/MG, em Ouro Preto/MG, de que a empresa estaria pressionando os empregados a desistirem de ação ajuizada por substituição processual, que pleiteava cumprimento de cláusula de Acordo Coletivo de Trabalho. Durante a investigação, verificou-se relatório de fiscalização da DRT/ MG, de que a empresa estava mantendo empregados sem registros, de duas cooperativas de trabalho, com subordinação direta com a CVRD, para realização de atividade-fim, ou seja, os empregados realizavam, para lavra de minério de ferro, escavação do solo e movimentação da matéria-prima, sendo elas a CNAP – Cooperativa Nacional dos Trabalhadores Autônomos Ltda. e AGENCO – Cooperativa de Administração Gerenciamento e Consultoria de Empreendimentos. A AGENCO, segundo a denúncia apurada pelo parquet, não fornecia mão-de-obra para atividade-fim, e sim distribuição de refeições, sendo denunciada a conduta da CVRD, porque os empregados estavam a ela subordinados. Quanto à SERMINAS, explicitou que se trata de empresa que não tem empregados e sim cinqüenta sócios, mas que no plano material recebiam, a título de pro labore, verbas similares às de natureza trabalhistas, e que promove o transporte de pessoas e materiais à CVRD. Diante do exposto, a r. sentença foi prolatada no sentido de que a empresa cumprisse as obrigações de fazer, relativas a registrar todos os empregados contratados em fraude, garantindo os direitos assegurados nos arts. 7º e 8º da CF, direitos trabalhistas, previdenciários e fundiários, limitar-se a contratar apenas mão-de-obra terceirizada em caso de trabalho temporário e para serviço de vigilância e segurança, verificar e fazer cumprir o registro dos trabalhadores temporários contratados pelas empresas prestadoras de serviços. Também determinou as seguintes obrigações de não-fazer: não contratar empregados ou trabalhadores temporários para executarem serviços ligados a sua atividade-fim, em relação às empresas intituladas, ou por meio de outras pessoas interpostas senão as constituídas para o fim específico. O Eg. Tribunal Regional manteve a r. sentença, explicitando que não se nega a legalidade de constituição de cooperativa de trabalhadores, mas que no caso em exame é ilegal a atitude da empresa, sendo legítima e oportuna a ação civil pública, e que todas as obrigações de fazer e não fazer, bem como a multa cominatória são necessárias. Destaque-se trecho do v. acórdão regional: “O deferimento do pedido feito em B.3 (fl. 31) não tem o alcance de impedir à recorrente contratar trabalhadores temporários. Só não poderá fazê-lo através de empresa que não seja de trabalho temporário, constituída na forma da Lei nº 6.019/74. E quanto ao pedido A-3 (fl. 30) estão especificados os únicos casos em que a legislação e a jurisprudência admitem a intermediação da mão-de-obra. Porque expressamente mencionado o Enunciado nº 331/TST, não impediu a sentença e contratação de trabalhador para executar serviço especializado ligado à atividade-meio da recorrente. E ao determinar à recorrente garantir todos os direitos previstos nas mencionadas leis, inclusive a 6.019/74, evidentemente não declarou a sentença serem os trabalhadores, no caso específicos, seus empregados. A mencionada lei impõe obrigações à empregadora e à empresa tomadora. Só os direitos decorrentes daquelas obrigações deve a recorrente garantir aos trabalhadores colocados à sua disposição pela empresa fornecedora de mão-de-obra. Não existe a generalização alegada pela recorrente.” (fl. 983) Ao embargar de declaração, a fl. 991, a empresa trouxe o tema “outras questões quanto à efetividade do julgado”, que não foi apreciado, em face de não terem sido abordadas as alegações no recurso ordinário. O tema foi devolvido à apreciação da C. Turma, que também não pode apreciá-lo, em face do óbice da Súmula nº 297 do C. TST. Nesse ponto, destaque-se, sequer há impugnação pelo embargante quanto à incidência da Súmula nº 297 do C. TST, não havendo como apreciar a questão relativa aos efeitos da condenação, como pretendido, inclusive quanto à limitação da competência territorial para que a condenação alcance apenas os trabalhadores no Município de Ouro Preto e das cooperativas e empresas citadas. Registre-se, por fim, que a pretensão da empresa de ser examinada a matéria, sob prisma da impossibilidade da responsabilidade imposta de anotação da CTPS e garantias asseguradas nas normas trabalhistas, é conseqüência lógica da procedência da ação civil pública, diante do que dispõe o art. 3º da Lei nº 7.347/85, da possibilidade de imputar à ré o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Não se verifica a violação dos arts. 5º, II, XIII, XVIII, XXXV, LIV e LV, da Constituição Federal; 442, parágrafo único, e 896 da CLT; 16 da Lei nº 7.347/85; 25 da Lei nº 8.987/95; 5º e 86 da Lei nº 5.764/71; bem como contrariedade à Súmula nº 331, III, TST, diante do teor dos julgados, cujo aspecto fático-probatório explicita fraude na contratação de empregados, por meio de cooperativas ilegais, com o fim de negar direitos aos trabalhadores. Não é possível nesta instância recursal se distanciar do contorno que foi dado à matéria, com o fim de afastar a responsabilidade da empresa, pois não cabe reexaminar a prova nesta Corte Superior, a teor da Súmula nº 126/TST. Não conheço dos embargos. Isto posto, Acordam os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, não conhecer dos embargos no tocante aos tópicos “preliminar de nulidade da decisão da C. Turma por negativa de prestação jurisdicional” e “preliminar de carência de ação”. Por maioria, não conhecer dos embargos quanto à “nulidade do acórdão regional por negativa de prestação jurisdicional”, vencidos os Exmos. Ministros Carlos Alberto Reis de Paula, Vantuil Abdala, Guilherme Caputo Bastos, João Batista Brito Pereira e Maria Cristina Irigoyen Peduzzi. Por maioria, não conhecer do recurso de embargos quanto ao tema “contratações: CNAP (Cooperativa Nacional de Profissionais Autônomos Ltda.), AGENCO (Cooperativa de Administração, Gerenciamento e Consultoria de Empreendimentos) e SERMINAS (Serviços de Mina Ltda.) – irregularidade – ilicitude da terceirização – obrigação de fazer e de não-fazer”, vencidos os Exmos. Ministros João Batista Brito Pereira, Vantuil Abdala e Maria Cristina Irigoyen Peduzzi. Brasília, 08 de setembro de 2008. Aloysio Corrêa da Veiga, relator. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS. LOCAÇÃO DE SERVIÇOS. RESPONSABILIDADE SUBSI-DIÁRIA. CABIMENTO. A potencial contrariedade ao item IV da Súmula nº 331 do TST encoraja o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido. RECURSO DE REVISTA. CONTRATO DE GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS. LOCAÇÃO DE SERVIÇOS. RESPON-SABILIDADE SUBSIDIÁRIA. SÚMULA Nº 331, IV, DO TST. CABIMENTO. 1. O item IV da Súmula nº 331 do TST, ao impor ao tomador de serviços a responsabilidade pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas do efetivo empregador, não se apega a modelo jurídico determinado, buscando, antes, resguardar o trabalhador que se vê atrelado a relação triangular, vinculado a duas empresas que se beneficiam de sua força de trabalho. A desvinculação da forma que se possa dar à contratação efetuada pelas empresas – infensa, por óbvio, à participação do empregado – atende aos princípios da realidade e da proteção, regentes genuínos do Direito do Trabalho. Evidenciando-se que o trabalhador, por força de negócio jurídico a ele estranho, viu-se a prestar serviços a empresa outra, ao mesmo tempo em que conservado o liame com a sua original empregadora, não se poderá negar a responsabilidade subsidiária daquela primeira, que assume a condição de tomadora de serviços, nos termos exatos da Súmula. 2. Os fatos não são estáticos, mas caminham unidos ao tempo; conformam outras realidades, às quais o Direito e seus aplicadores – com ênfase para o Poder Judiciário – não podem estar alheios. Novos paradigmas surgem; novas soluções são necessárias. Recurso de revista conhecido e provido. (Processo nº TST-RR-9/2002-055-03-00 – Ac. 3ª Turma) Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TSTRR-9/2002-055-03-00.2, em que é recorrente Francisco Soares da Silva e recorridas Trans Sistemas de Transportes S/A e Companhia Industrial Santa Matilde. Pelo despacho recorrido, originário do Eg. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, denegou-se seguimento ao recurso de revista interposto (fls. 200/201). Inconformado, o reclamante agrava de instrumento, sustentando, em resumo, que o recurso merece regular processamento (fls. 202/207). Contraminuta a fls. 209/213 e contra-razões a fls. 214/219. Os autos não foram encaminhados ao D. Ministério Público do Trabalho (RI/TST, art. 82). É o relatório. VOTO ADMISSIBILIDADE Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço do agravo de instrumento. MÉRITO CONTRATO DE GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS – LOCAÇÃO DE SERVIÇOS – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – SÚMULA Nº 331, IV, DO TST – CABIMENTO O caso sob exame é importante e emblemático. Para a exata compreensão da controvérsia, transcrevo o acórdão regional (fls. 173/180): “2.2. Responsabilidade subsidiária Colho dos autos que o autor foi admitido pela primeira reclamada, Companhia Industrial Santa Matilde, em 02.01.98, tendo sido dispensado, sem justa causa, em 22.10.01. A empregadora, desde os idos de 1990, quiçá antes (as peças coligidas não permitem maior precisão), já se encontrava em situação de reconhecida insolvência, com expansão acelerada da massa creditícia, circunstância que acabou por conduzir o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Três Rios e Paraíba do Sul ao usufruto do parque fabril, mediante decisão judicial. Tudo indica que o usufruto judicial foi mantido com o decurso do tempo, assim como as próprias atividades produtivas, até que, em 24 de julho de 1998, a Companhia Industrial, representada pelo administrador judicial designado, e a ora recorrente, Trans Sistemas de Transportes S/A, firmaram contrato de ‘locação de serviços de gerenciamento e outras avenças’, tendo como intervenientes anuentes os acionistas detentores de ações correspondentes a quase 32% do capital social da primeira e o próprio Ente sindical representante dos empregados, visando à prestação de serviços de gerenciamento do parque industrial pela contratada, com o objetivo de viabilizar o denominado ‘Plano de Ação’, ou seja, todas as metas para a realização do usufruto, com a continuidade do desenvolvimento do objetivo social da empresa insolvente (contrato às fls. 89-98). Os motivos ensejadores da contratação foram minudentemente detalhados na avença, passando pela constatação de que a Companhia empregadora era dotada de todos os fatores de produção necessários ao prosseguimento das atividades, mas não detinha os recursos financeiros para tanto e nem o apoio de instituições de crédito, além de estar impossibilitada de participar de concorrências e licitações, tudo a inviabilizar o prosseguimento normal de suas atividades. Considerando, assim, a larga experiência da contratada no gerenciamento de operações no setor ferroviário, concluíram os envolvidos, sintetizando os predicados de cada parte, que ‘(...) descortinam-se [com a medida] novas oportunidades para que Santa Matilde resgate seus compromissos trabalhistas, cumprindo o objetivo pelo qual foi instituído o usufruto, e retorne às suas atividades regulares.’ Pelo gerenciamento, a Trans Sistemas de Transportes S/A deveria ser remunerada com 4% dos valores recebidos pela Companhia em decorrência dos contratos que viriam a ser celebrados, bem assim com 2% do valor dos serviços que, àquela altura, já estavam em andamento (f. 88). Pois bem. Foi nessa ambientação que o reclamante prestou seus serviços durante significativa parte do período contratual, vinculado à empregadora, mas fiscalizado pela recorrente, a quem coube o gerenciamento da atividade produtiva. E foi justa e exclusivamente esta função gerencial o fator invocado com fundamento da r. sentença recorrida para firmar a responsabilização subsidiária da contratada pelos direitos inadimplidos do empregado: ‘Em outros processos, com o mesmo objeto, emerge iniludivelmente a conclusão de que a segunda reclamada, Trans Sistemas de Transportes S/A gerenciava, supervisionando, fiscalizando a produção de vagões efetuada na Companhia Santa Matilde, ora primeira reclamada, utilizando-se da mão-de-obra dos empregados, com o escopo de garantir a qualidade dos produtos, destinadas que eram as vendas, das quais a segunda ré, agindo em seu próprio nome e proveito, possuía uma participação direta. A despeito da situação financeira atual da primeira reclamada, inadmissível, no entender deste Juízo, que a 2ª reclamada, após explorar a parte boa da primeira, tente simplesmente sair ilesa de eventuais reclamações de empregados, já que as vantagens econômicas advindas do contrato firmado entre as empresas foram alcançadas, sendo inegável o esforço dos trabalhadores, ao executar seus misteres, o que beneficiou aquelas... Nessa esteira, a segunda reclamada não pode pretender isentar-se de obrigações trabalhistas descumpridas pela primeira, tentando, em vão, transferir todos os ônus à empregadora.’ (f. 150) O recurso pugna por reforma, argumentando, em síntese, que a exclusiva responsabilidade da Companhia empregadora em relação às obrigações trabalhistas foi prevista na avença e deveria ter sido observada; que jamais se beneficiou, direta ou indiretamente, dos serviços do autor, que era fiscalizado e remunerado pela própria Santa Matilde; que não existe amparo legal para a responsabilidade que lhe foi imputada; que é parte ilegítima para figurar no pólo passivo da presente ação; que apenas prestou serviços de apoio à gestão do administrador do usufruto (fls. 153-161). Entendo que a razão está com a recorrente. Quando se fala em responsabilidade subsidiária, há que se apreender que o conteúdo dessa imputação, que o entendimento pretoriano trabalhista sedimentou no verbete enunciado da Súmula nº 331, aliás evolução daquele que foi o de nº 256, do Tribunal Superior do Trabalho, é a de que o empregado de terceirizante, prestando seus serviços a outrem, deste recebe garantia adicional para resguardar os direitos que adquiriu nesse trabalho e que foram inadimplidos pelo empregador. Objetivamente, pois, é aplicável nos casos em que o empregado que trabalha cumprindo seu contrato em proveito de terceiro (assim, o terceirizado). Nos direitos aí adquiridos e que não sejam honrados pelo empregador, tem reforço de garantia da correspondente reparação, esta enlaçando o tomador da mão-de-obra. Não é esse, no entanto, o quadro dos autos, em que a demandada tão-somente prestou serviços de gerenciamento da produção, recebendo comissionamento sobre o valor dos contratos firmados e concluídos com êxito, pelo que a invocação do item IV do Enunciado nº 331 não tem cabimento na espécie. De outro lado, percebe-se que a lei civil estatui que a solidariedade provém da lei ou do contrato, não podendo ser presumida. O legislador trabalhista, de seu turno, grafou a solidariedade em face de empresas de um mesmo grupo econômico, mas esta hipótese também é estranha ao caso presente. Significa isso que a recorrente também não poderia ser arrolada ao alcance da prescrição contida no art. 2º, § 2º, da CLT. Afastadas tais vertentes, poder-se-ia, de resto, invocar a responsabilidade subsidiária como forma de proteção ao hipossuficiente, quer pelo simples concurso de culpa, resultante de negligência da empresa gerenciadora do empreendimento frente às obrigações trabalhistas, quer por se considerar que qualquer empresa deve arcar com os riscos da atividade econômica e, por conseguinte, resguardar os interesses dos trabalhadores utilizados na busca do lucro. Parece ter sido esta, aliás, a orientação adotada pelo D. Juízo a quo. Todavia, sequer sobre essas delgadas óticas o garante adicional pleiteado e reconhecido na origem seria justificável, o que sustento por razões bem singelas. Em relação à primeira delas, deve-se apreender que o administrador somente é chamado a responder pelos atos que pratica em prol do administrado quando atua dolosamente na condução dos negócios, causando prejuízos a terceiros. Tal postura, todavia, sequer foi cogitada na lide e, menos, ainda, provada, pelo que não se pode laborar em contrário à regra natural da intangibilidade. Pelo segundo vezo, devo salientar, inicialmente, a peculiar circunstância de que a recorrente somente foi contratada para o gerenciamento da Santa Matilde em face das reduzidas chances de êxito do usufruto judicial, considerado o seu objetivo maior, sendo certo que tal se deu por iniciativa do mesmo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Três Rios e Paraíba do Sul, dos acionistas da Companhia e, enfim, da própria Associação dos empregados, entidade esta que, inclusive, contribuiu para a escolha do administrador judicial. Vale dizer, as partes altamente interessadas na manutenção daquela louvável medida, adotada com fulcro no art. 716 do CPC, principalmente os empregadores credores, é que, em decisão conjunta, optaram pela contratação da recorrente para fazer frente às inúmeras dificuldades que se revelaram ao longo do tempo de eficácia do usufruto, o que foi alegado por esta e não contestado pelo reclamante. Daí, não se me afigura sequer razoável a pretensa imputação de responsabilidade subsidiária à recorrente, já que convocada pelos próprios trabalhadores para viabilizar o sucesso da medida judicial e, por conseguinte, permitir a integral satisfação de seus créditos. Secundariamente, deveria ter sido visto que os rendimentos auferidos pela Trans Sistemas de Transportes S/A estavam condicionados à existência de resultado positivo na gestão, pelo que é inconcebível a hipótese de fraude. Segundo as condições ajustadas, com a inteira anuência – volto a repetir – do Sindicato profissional, o pagamento da remuneração pelos serviços prestados somente seria exigível quando evidenciado: ‘a) que a operação em desenvolvimento, desprezados os resultados, encargos e obrigações, acumulados até esta data pela Santa Matilde, é lucrativa; b) que esse resultado lucrativo não seja transformado em prejuízo em face da própria remuneração; c) que a lucratividade mencionada seja aferida segundo os termos da Lei nº 6.404/76, as normas expedidas pela Comissão de Valores Imobiliários e os princípios de contabilidade geralmente aceitos no Brasil; e d) que não reste sacrificado o pagamento dos salários, tributos e honorários de profissionais contratados, correspondentes às receitas que serviram como base para cálculo da remuneração.’ (f. 88, item 15.2) Quer dizer, se a recorrente obteve resultados como enfaticamente sugeriu o recorrido é porque a contratação rendeu bons frutos para a empregadora, suficientes, inclusive, para a satisfação dos créditos alimentares. O contrário carecia de prova e esta não se fez presente nos autos. Diante de todo o exposto, o afastamento da responsabilidade imputada à recorrente é medida de rigor, como, aliás, já pronunciou a Egrégia 5ª Turma em caso idêntico, acompanhando, sem divergência, o voto do Exmo. Juiz Relator, do qual extraio os seguintes trechos: ‘(...) A questão destes autos não é a mesma disposta no Enunciado nº 331, do C. TST, não havendo motivo para se avocar o pensamento e entendimento do inciso IV deste referido verbete, isto para se impor à recorrente a condição de devedora subsidiária. (...) O que se vê, portanto, é a aplicação do disposto na subseção IV, Seção II, Capítulo IV, Título II, do Livro II, do CPC (arts. 716 e ss., ‘Do usufruto de imóvel ou de empresa’), tendo esta medida como justificativa, como ressaltado alhures, o estado de insolvência pela qual passava (e ao que parece, ainda passa) a 1ª reclamada, tendo os seus usufrutuários obtido, perante o Poder Judiciário, o direito de manter a exploração de seus negócios, tudo na tentativa de alavancá-la, com o que poderiam dar solvabilidade aos débitos desta, evitando um mal maior, qual seja, a decretação de sua falência e, conseqüentemente, a eliminação de diversos postos de trabalho e descumprimento de diversos compromissos financeiros da empresa para com seus empregados e demais credores. Não se pode, então, dizer estarem presentes aqui as situações fáticas que dão suporte ao Enunciado nº 331/TST. A se adotar raciocínio diverso, seria de se permitir que todos os usufrutuários, indistintamente, pudessem vir a ser convocados para responder pelos créditos dos empregados da 1ª reclamada, inclusive o administrador (art. 719/CPC) indicado inicialmente pelos próprios usufrutuários; todos estes mesmos usufrutuários (e aqui teríamos a situação esdrúxula de se ter o Sindicato dos Trabalhadores, os acionistas e a associação dos empregados da 1ª reclamada também como co-devedores ou co-responsáveis), pois, na mesma linha da atuação da 2ª reclamada, ora recorrente, participaram todos eles, ativa ou passivamente, da gestão da empresa. Não se tem aqui, então, e como dito acima, intermediação de mãode-obra, ou mesmo contratação irregular de trabalhadores, e, da mesma forma, apenas com o intuito de alargar o campo de nossa visão, não se presencia, no caso, formação de grupo econômico entre as reclamadas, muito embora se tenha utilizado no decorrer do processado, da locução ‘parceria’ entre as empresas. Serviu-se de instituto previsto no direito processual para dar oportunidade de dar-se satisfação e solvabilidade a diversos credores da 1ª reclamada, e a recorrente nada mais atuou, mediante autorização judicial (homologação), da gestão do usufruto judicial constituído para este mister. Por tudo isso, provejo o apelo da recorrente, para julgar improcedente o pedido contra ela ajuizado.’ (ROPS-3.050/01, 5ª T., Rel. Juiz Emerson José Alves Lage, pub. 25.08.01) Dou provimento ao recurso, para absolver a recorrente da condenação que lhe foi imposta, prejudicado o exame da matéria residual versada no apelo.” Em recurso de revista, o reclamante combate a decisão, apontando o seu descabimento, “uma vez que se a recorrida (2ª reclamada) já sabia da situação falimentar da 1ª reclamada (Companhia Industrial Santa Matilde) e aceitou o pacto de gestão judicial de negócios, com base em tecnologia de ponta, para soerguer a falida, inclusive para possibilitar a participação desta em licitações e concorrências, inevitável a sua responsabilidade subsidiária, nos termos da Súmula nº 331, IV, do TST, sendo mero formalismo jurídico a circunstância de a contratação da empresa interposta ter sido realizada através de usufruto judicial de um contrato de locação de serviços de gerenciamento, haja vista a incidência da culpa in vigilando e in eligendo do referido negócio jurídico” (fl. 184). Prossegue, afirmando que, “tendo havido comunhão de interesse entre as empresas no aproveitamento de mão-de-obra do reclamante, é natural que elas comunguem nos deveres daí decorrentes” (fl. 185). Conclui o recorrente por afirmar contrariedade à atual Súmula nº 331, IV, do TST, além de ofertar arestos a confronto. Os arestos de fls. 186/189 não oferecem condições de impulsionar o recurso de revista, eis que pertinentes a hipóteses de terceirização estrita, de fornecimento de mão-de-obra (Súmula nº 296, I, do TST). As peculiaridades do caso presente fazem praticamente impossível o impulso do apelo pela via do dissenso pretoriano. Estou certo, no entanto, de que a decisão regional contraria a Súmula a que se apega a parte. Com efeito, assim está posto o verbete: “331. (...) IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.93).” Como se percebe, o texto do verbete biparte-se em duas frentes de atuação, buscando, em primeiro plano, de forma genérica, alcançar os relacionamentos travados na esfera do direito privado e, depois, aqueles desenvolvidos no âmbito da Administração Pública. O item IV da Súmula nº 331 do TST, ao impor ao tomador de serviços a responsabilidade pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas do efetivo empregador, não se apega a modelo jurídico determinado, buscando, antes, resguardar o trabalhador que se vê atrelado à relação triangular, vinculado a duas empresas que se beneficiam de sua força de trabalho. A desvinculação da forma que se possa dar à contratação efetuada pelas empresas – infensa, por óbvio, à participação do empregado – atende aos princípios da realidade e da proteção, regentes genuínos do Direito do Trabalho. Evidenciando-se que o trabalhador, por força de negócio jurídico a ele estranho, viu-se a prestar serviços a empresa outra, ao mesmo tempo em que conservado o liame com a sua original empregadora, não se poderá negar a responsabilidade subsidiária daquela primeira, que assume a condição de tomadora de serviços, nos termos exatos da Súmula. O acórdão regional deixa claro que “a segunda reclamada, Trans Sistemas de Transportes S/A gerenciava, supervisionando, fiscalizando a produção de vagões efetuada na Companhia Santa Matilde, ora primeira reclamada, utilizando-se de mão-de-obra dos empregados, com escopo de garantir a qualidade dos produtos, destinados que eram às vendas, das quais a segunda ré, agindo em seu próprio nome e proveito, possuía uma participação direta” (fls. 174/175). Prossegue o Relator, asseverando que “as vantagens econômicas advindas do contrato firmado entre as empresas foram alcançadas, sendo inegável o esforço dos trabalhadores, ao executar seus misteres, o que beneficiou aquelas (...)” (fl. 175). A recorrida tomou para si o gerenciamento dos negócios da efetiva empregadora – Companhia Industrial Santa Matilde – assumindo usufruto judicial, com participação em todos os afazeres da empresa gerida. O modelo de gestão – a teor do acórdão – alcançava todos os setores da empresa, assim restando patente que se o recorrente não prestou serviços diretamente à primeira (porque não foi por ela contratado), não há dúvidas de que o fez, no mínimo, indiretamente, nos mesmos moldes que todos os demais trabalhadores vinculados à segunda. Este aspecto é confirmado pelas contra-razões, quando a litigante assume que o reclamante não “lhe prestou serviços diretamente” (fl. 216, último parágrafo), deixando de negar que o fizesse indiretamente, como afirmei. De qualquer sorte, a distinção somente recebe valor no plano formal, pois, em verdade, se a empresa gerente assumiu os negócios da empregadora, é visível que se aproveitou – diretamente – da força de trabalho do reclamante. O princípio da realidade desconsiderará os ajustes que possam ter feito as duas empresas, na medida em que a Trans Sistemas de Transportes S/A, sem sombra de dúvidas, aproveitou-se dos serviços do recorrente, assumindo a posição de tomadora de serviços. Não há como se negar esta conclusão, aqui valendo relembrar que os fatos não são estáticos, mas caminham unidos ao tempo; conformam outras realidades, às quais o Direito e seus aplicadores – com ênfase para o Poder Judiciário – não podem estar alheios. Novos paradigmas surgem; novas soluções são necessárias. Sob tal vetor é que, exemplificativamente, editou-se a OJ 225 da SBDI-1, a qual, sob premissas parcialmente diversas – calcadas em contrato de arrendamento –, alcança as conseqüências da Súmula nº 331, IV, do TST. No caso, a recorrida aproveitou-se do trabalho do reclamante, deve responsabilizar-se pelas obrigações contrapostas. É de suma relevância observar que, a despeito de toda a nomenclatura evocada, não há gestão de negócios, pois – como estão todos os envolvidos de acordo – a intervenção da recorrida se dá por força de contrato. Na gestão, inexiste “ajuste prévio; a intervenção do gestor verifica-se espontaneamente, sem a ciência antecipada ou sem o consentimento do dono do negócio” (Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil: direito das obrigações. 2ª parte. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 426). O contrato de gerenciamento de serviços pode ser assimilado ao contrato de prestação de serviços, à locação de serviços, aspecto que, mais uma vez, faz apropriada a recordação do verbete sumular em foco. Fazendo-se gerente da empresa empregadora, a recorrida assumiu também a gerência do contrato individual de trabalho titularizado pelo autor. Reporto-me, pela excelência de fundo e de forma, ao quanto posto pelo eminente Juiz Luiz Ronan Neves Koury, no julgamento do RO 000763-2001-055-0300-1, perante a 7ª Turma do 3º Regional (DJMG 05.12.02), onde era parte a recorrida, em acórdão assim ementado: “RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. Impõe-se o reconhecimento da responsabilidade subsidiária da recorrente, uma vez que na condição de gestora de negócios da primeira reclamada, recebendo percentual sobre o valor dos contratos, beneficiou-se do trabalho prestado pelos empregados da empresa por ela gerida.” As razões de decidir expostas naquele caso exigem transcrição: “RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. Insurge-se a recorrente contra a responsabilidade subsidiária que lhe foi imputada. Sustenta que não houve terceirização de serviços, mas sim Contrato de Gestão de Usufruto Judicial entre as empresas reclamadas, não incidindo na hipótese o entendimento contido no Enunciado nº 331, IV, do TST. Afirma também que o contrato firmado entre as empresas contém cláusula isentando a recorrente de qualquer responsabilidade para com os empregados da primeira reclamada. Alega que não existem os requisitos necessários para propositura da ação, eis que o reclamante nunca foi seu empregado e o contrato de gestão foi mantido até novembro de 2000, razão pela qual a condenação não pode se estender até 07.03.01, como determinado pela sentença. Aduz que jamais agiu em seu próprio proveito como erroneamente entendeu o juízo a quo, tendo havido entre ela e a primeira reclamada um contrato assinado pelos detentores do usufruto judicial para gerenciamento, implantação do plano de apoio de soerguimento e aplicação de tecnologia de ponta. Inicialmente cumpre esclarecer que a circunstância de a relação jurídica havida entre as reclamadas não se enquadrar no formato clássico da terceirização não é suficiente para eximir a responsabilidade da recorrente pelos créditos trabalhistas. Restando comprovado que a recorrente se beneficiou dos serviços do reclamante ainda que indiretamente emerge a sua responsabilidade subsidiária pelo pagamento dos haveres trabalhistas, na hipótese de inadimplência da primeira reclamada. Confirmou o preposto da recorrente que figura no pólo passivo como segunda reclamada, à fl. 138, que ‘a 2ª reclamada possui uma participação na venda dos vagões produzidos na Santa Matilde, a qual se utiliza unicamente de funcionários seus’ (da Santa Matilde). De seu turno, o preposto da primeira reclamada declarou que ‘a 2ª reclamada supervisiona e fiscaliza o controle de qualidade dos vagões produzidos na 1ª ré, já que a T’Trans, diante da impossibilidade da Santa Matilde, passou a participar do processo de venda dos vagões da Santa Matilde, fazendo-o em seu nome (da T’trans)’ (fl. 138). Outro aspecto a ser ressaltado é que se torna irrelevante se o reclamante foi contratado pela primeira reclamada, mantendo com esta o liame empregatício, fato que é incontroverso nos autos. O cerne da controvérsia se assenta na verificação do grau de ingerência da recorrente a ponto de se colocar como verdadeira administradora dos negócios da empresa contratante e como condutora de seus destinos. Portanto, a assertiva recursal a respeito da ausência de relação de emprego restou esvaziada porquanto restou constatado que a recorrente de fato assumiu parte da unidade produtiva da primeira reclamada, auferindo com esse procedimento lucros em prejuízo dos trabalhadores, não havendo, portanto, como afastar a sua responsabilidade pela inadimplência da empregadora do reclamante. Ademais, o entendimento contido no Enunciado nº 331, IV, do TST, conquanto a hipótese vertente não se enquadre também como prestação de serviços na forma inserida no aludido verbete, é no sentido de que por mais anômala que seja a relação havida entre as partes não se pode conceber que haja prejuízo para o empregado que não teve condições de inserir cláusulas no contrato firmado entre as empresas como forma de resguardar os seus direitos. Registre-se, por outro lado, que não há qualquer impedimento para que o juízo invoque o conhecimento em relação a outros processos com a mesma matéria como subsídio para a solução da lide. Ao revés, a invocação do conhecimento de outras causas é medida salutar e de rotina nos julgamentos. Realizados esses esclarecimentos, entendo que a prova dos autos conduz à ilação da responsabilidade da recorrente, visto que se beneficiou dos serviços do reclamante. Consoante o Termo de Distrato de fls. 89/90, constata-se que a recorrente mantinha equipamentos de sua propriedade e de terceiros que lhe foram confiados, inclusive matérias primas (fl. 89, item 1), no parque industrial da primeira reclamada, restando evidenciado que assumiu parte da sua unidade produtiva, não se limitando apenas a gerir os seus negócios, como tenta fazer crer em seu recurso. Prova disso é a petição protocolada junto à Vara de Três Rios na qual é apresentada proposta de solução para o usufruto judicial que não havia ainda surtido efeito em sua plenitude (fls. 93/98). Consta desse documento que a empresa ‘Trans Sistemas de Transportes S/A, cuja apresentação encontra-se em anexo, documentos II e III, a qual se dispõe a prestar serviços de gerenciamento; participar das licitações, usando o parque industrial da Santa Matilde a viabilizar a obtenção de capital de giro que se fizer necessário, recebendo, em contrapartida, um percentual sobre o valor dos contratos, percentual que só será devido, na sua totalidade, se o resultado desses contratos, depois de pagas todas as despesas, for positivo’ (fl. 96). Mais adiante, procurando demonstrar as vantagens do contrato, os subscritores da petição denominam tal avença de parceria (fl. 96, in fine), o que somado aos demais elementos probatórios serve para confirmar a condenação subsidiária da recorrente, tendo em vista a assunção de parte da unidade produtiva da reclamada principal. Além disso, conforme item 10 (I) do contrato de locação de serviços de gerenciamento e outras avenças (fl. 107), o plano de ação traçado, para se colocar em prática o contrato, compreendia o conjunto de perspectivas e metas para a atuação da recorrente, T’Trans, e da 1ª reclamada, Santa Matilde, inclusive quanto ao ‘gerenciamento do sistema de pessoal e recursos humanos’ (fl. 107, in fine), além do gerenciamento da prospecção comercial, vendas, subcontratações, compras e negociações diversas de produtos e serviços afins. Verifica-se ainda, conforme item 14.3 daquele contrato (fl. 109), que a administração financeira era procedida pela recorrente em conjunto com a reclamada, inclusive com a permissão de abertura de conta corrente para ‘movimentação de todo o numerário relacionado aos contratos e serviços por ela gerenciados’ (letra a), evidenciando que o multicitado contrato reservava à recorrente autonomia no gerenciamento da reclamada mediante a participação nos contratos celebrados (fls. 109/110). Cumpre salientar que a cláusula que desonera a recorrente da responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações para com os empregados (item VI, 18, letra e, fl. 112) não tem o condão de afastar a sua responsabilidade na esfera trabalhista, sendo apenas uma garantia para uma eventual ação regressiva entre as empresas. Tampouco afastam a responsabilidade da recorrente as disposições que regem o usufruto de imóvel ou empresa (art. 716 e seguintes do CPC), pois independente desse fato deve-se levar em consideração os benefícios auferidos pela recorrente. Desse modo, a documentação acostada aos autos leva à conclusão, como fez a Vara de origem, da responsabilização subsidiária da recorrente que, na condição de gerenciadora dos serviços da primeira reclamada, foi beneficiária do trabalho prestado. Deve ser mantida a limitação da responsabilidade da recorrente a 07.03.01, na forma fixada na sentença, considerando ser esta a data do término do contrato havido entre as reclamadas, conforme faz prova o termo de distrato de fls. 89/90. Quanto à dobra de salários, esta não foi objeto da condenação (conclusão, fl. 71), não havendo portanto interesse em recorrer, remanescendo a responsabilidade da recorrente até a data fixada na sentença. Diante do exposto, restando provado que a recorrente auferiu benefícios com a exploração da primeira reclamada bem como dos serviços de seus empregados, incluindo-se o reclamante, deve responder pelos haveres trabalhistas na forma prevista na decisão recorrida. Nego provimento.” Por todo o exposto, divisando contrariedade à Súmula nº 331, item IV, do TST, dou provimento ao agravo de instrumento, para dar processamento ao recurso de revista. RECURSO DE REVISTA ADMISSIBILIDADE Tempestivo o apelo (fls. 181 e 182) e regular a representação (fl. 10), estão preenchidos os pressupostos genéricos de admissibilidade. 1. CONTRATO DE GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS – LOCAÇÃO DE SERVIÇOS – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – SÚMULA Nº 331, IV, DO TST – CABIMENTO 1.1. CONHECIMENTO Reporto-me aos fundamentos lançados quando do julgamento do agravo de instrumento, para conhecer do recurso de revista por contrariedade ao item IV da Súmula nº 331 do TST. 1.2. MÉRITO Sob os mesmos argumentos, havendo contrariedade ao item IV da Súmula nº 331 do TST, dou provimento ao recurso de revista para, reconhecendo a responsabilidade subsidiária da recorrida, restabelecer a r. sentença. Isto posto, Acordam os Ministros da Egrégia Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do agravo de instrumento e, no mérito, dar-lhe provimento. Por unanimidade, conhecer do recurso de revista, por contrariedade ao item IV da Súmula nº 331 do TST e, no mérito, dar-lhe provimento, para restabelecer a r. sentença. Brasília, 17 de maio de 2006. Alberto Bresciani, relator. CONVÊNIO ENTRE MUNICÍPIO E ENTIDADE SEM FINS LUCRATIVOS. INADIMPLEMENTO DE VERBAS TRABALHISTAS RECURSO DE Nº 11.496/07. IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMASAÚDE DA FAMÍLIA. CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIO ENTRE O MUNICÍ-PIO DE BELÉM E ENTIDADE SEM FINS LUCRATIVOS. INADIMPLEMEN-TO DE VERBAS TRABALHISTAS. CULPA IN ELIGENDO E IN VIGILANDO DA EDILIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 331, IV, DO TST. Presente o dever de a Administração controlar e avaliar a execução do convênio firmado na área de saúde, tal mandamento, densificado no inciso X do art. 18 da Lei nº 8.080/90 e decorrente dos próprios princípios insculpidos no art. 37, caput, da Magna Carta, espraia-se em direção à dignidade da pessoa humana e ao valor social do trabalho, fundamentos da República Federativa do Brasil, tudo a indicar que, longe do mero controle dos resultados, faz-se igualmente relevante o controle dos meios utilizados para a consecução das finalidades do convênio. Daí o motivo pelo qual a subvenção da atividade privada de interesse público, prestada por entidade sem fins lucrativos, condiciona-se à exigência de que a subvencionada observe os direitos previstos no art. 7º da Carta de 1988, não se podendo tolerar que o ente público repasse verbas a entidade que não cumpre com suas obrigações trabalhistas. Ipso facto, se a edilidade, responsável pela fiscalização do convênio firmado com a Comissão de Bairros de Belém, não atenta para o fato de que esta descumpre deveres trabalhistas, resta configurada a culpa in vigilando. De outro lado, ainda que lícita a celebração de convênio sem prévia realização de procedimento licitatório, a escolha da entidade conveniada, justamente porque jungida à discricionariedade do administrador municipal, a quem cabe dizer sobre sua oportunidade e conveniência, delineia nítida a responsabilidade do ente público, na modalidade da culpa in eligendo, no caso de inadimplemento das verbas trabalhistas por parte da entidade eleita. Incidência do item IV da Súmula nº 331 do TST. Precedente da SDI-I. Recurso de embargos provido. (Processo nº TST-E-RR-77/2006-014-08-00 – Ac. SBDI 1) Vistos, relatados e discutidos estes autos de embargos em Recurso deRevista nº TST-E-RR-77/2006-014-08-00.2, em que é embargante Ângela Cristina dos Reis Maia de Souza e são embargados Município de Belém e Comissão dos Bairros de Belém – CBB. Contra acórdão da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (fls. 267-72), da lavra do Exmo. Ministro Lelio Bentes Corrêa, em que provido o recurso de revista do Município de Belém, em processo oriundo do TRT da 8ª Região, para excluí-lo da relação processual, interpõe o presente recurso de embargos a reclamante (fls. 274-84). Não há impugnação. O Ministério Público do Trabalho, mediante o parecer das fls. 291-2, emitido pelo Dr. Edson Braz da Silva, opina pelo conhecimento e provimento dos embargos. É o relatório. VOTO I – CONHECIMENTO 1. PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS O recurso de embargos está subscrito por advogado regularmente constituído nos autos (fl. 11) e foi interposto dentro do octódio previsto nos arts. 6º da Lei nº 5.584/70 e 894, caput, da CLT (fls. 273 e 274). Passo, pois, ao exame dos pressupostos intrínsecos de admissibilidade. 2. PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA. CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIO ENTRE O MUNICÍPIO DE BELÉM E ENTIDADE SEM FINS LUCRATIVOS. INADIMPLEMENTO DE VERBAS TRABALHISTAS. CULPA IN ELIGENDO E IN VIGILANDO DA EDILIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 331, IV, DO TST Ao exame da controvérsia sobre a possibilidade de responsabilizar subsidiariamente o Município de Belém, segundo reclamado, pelas verbas trabalhistas inadimplidas pela Comissão dos Bairros de Belém – entidade sem fins lucrativos com a qual a edilidade celebrou convênio, com vistas à implementação do Programa Saúde da Família –, a Primeira Turma desta Corte houve por bem reformar o acórdão regional, louvando-se nos seguintes fundamentos: “Cinge-se a controvérsia a definir se o convênio firmado entre o Município de Belém e a Comissão dos Bairros de Belém com o objetivo de implementar as diretrizes de programa federal de abrangência nacional denominado Saúde da Família acarreta ou não, para o ente público, a responsabilidade subsidiária pelas obrigações não adimplidas pelo ente conveniado. Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto, convênio é o ato administrativo complexo em que uma entidade pública acorda com outra ou com outras entidades, públicas ou privadas, o desempenho conjunto, por cooperação ou colaboração, de uma atividade de competência da primeira (In: Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2005). Verifica-se, na hipótese dos autos, que o Município celebrou convênio com a Comissão de Bairros de Belém visando ao desempenho conjunto para a implementação do programa Saúde da Família. Não se cuida, portanto, da hipótese de contratação por pessoa interposta nem de terceirização das atividades ínsitas ao ente público. Frise-se que, no caso concreto, resultou do convênio firmado apenas o repasse de verbas pelo Município ao conveniado, a quem incumbia a efetiva execução das atividades inerentes ao Programa. Restando incontroversa a celebração de convênio entre os reclamados, conclui-se pela inaplicabilidade ao caso da diretriz consagrada na Súmula nº 331, IV, do Tribunal Superior do Trabalho. Colhem-se, nesse sentido, os seguintes precedentes desta Corte superior: ‘RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CONTRATAÇÃO DE EMPREGADO POR ENTIDADE PARTICULAR. CONVÊNIO FIRMADO COM O ESTADO DO PARANÁ. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO ENTE PÚBLICO. INAPLICABILIDADE DO TEOR DO ITEM IV DA SÚMULA Nº 331 DESTA CORTE. 1. Ao fomentar a educação ou a saúde – direitos constitucionais sociais insculpidos no art. 6º da Constituição de 1988 –, o Estado atua de maneira a efetivar os direitos fundamentais, por todos os meios permitidos em nosso ordenamento jurídico, de forma centralizada ou descentralizada. Nesse contexto, o mero repasse de verbas, por meio de convênio, para a Associação Mantenedora Saint Germain de Curitiba, com vistas à contratação de trabalhadores, objetivando a promoção de ensino especial de pessoas carentes, não configura intervenção ou atuação econômica do Estado, mas implementação dos direitos fundamentais sociais, que se erigem em escopos precípuos da nação, motivo pelo qual não se pode reconhecer responsabilidade solidária ou subsidiária do Estado do Paraná. 2. Recurso de revista conhecido e provido.’ (TST-RR-28.289/2000-00509-00.2, 5ª T., Rel. Min. Emmanoel Pereira, DJU 10.08.07) ‘RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. EMPREGADO CON-TRATADO POR ENTIDADE PARTICULAR QUE FIRMOU CON-VÊNIO COM MUNICÍPIO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO ENTE PÚBLICO. I. Convênio é o acordo de vontades estabelecido entre o Estado e entidades privadas com o escopo de fomentar iniciativas privadas de utilidade pública. II. Não se confunde com terceirização, já que não se trata de contrato, não se aplicando ao caso os termos da Súmula nº 331 do TST, pois, como o Município não está firmando nenhum tipo de contrato, muito menos de prestação de serviços, não pode ser responsabilizado subsidiariamente. III. As responsabilidades do ente público a que aludem os incisos X e XI do art. 18 da Lei nº 8.080/90 dizem respeito a avaliação, controle e fiscalização da execução dos serviços de saúde por entidades privadas, e não à obrigação do ente público em fiscalizar o cumprimento das obrigações trabalhistas pelo conveniado, de forma que não há falar em culpa in eligendo e in vigilando. IV. Na solução de hipótese análoga, relacionada à área da educação, este Tribunal editou a Orientação Jurisprudencial nº 185 da SBDI-1, segundo a qual o Estado-Membro não é responsável subsidiária ou solidariamente com a Associação de Pais e Mestres pelos encargos trabalhistas dos empregados contratados por esta última, que deverão ser suportados integral e exclusivamente pelo real empregador. V. Recurso conhecido e provido. VI. Prejudicado o exame dos outros tópicos do recurso de revista.’ (RR-1.618/2005-011-08-00, 4ª T., Rel. Min. Barros Levenhagen, DJU 10.08.07) ‘CONVÊNIO FIRMADO ENTRE MUNICÍPIO E ENTIDADE PRIVADA SEM FINS LUCRATIVOS. PROGRAMA FAMÍLIA SAUDÁVEL E PROGRAMA DE AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE. LEGALIDADE. INAPLICABILIDADE DA DIRETRIZ DA SÚMULA Nº 331, IV, DO TST. 1. Os convênios são instrumentos celebrados entre entidades e órgãos estatais de espécies diferentes ou entre entidades ou órgãos públicos e entidades privadas, para realização de objetivos de interesse comum entre as partes celebrantes e sem previsão de obrigações recíprocas, sendo certo que, especificamente aos serviços de saúde, o art. 199, § 1º, da CF possibilita essa modalidade de contratação, para participação, de forma complementar, das instituições privadas no sistema único de saúde. Distinguem-se dos contratos de prestação de serviços, pois os objetivos destes são diversos e opostos entre os participantes. 2. Na hipótese, o 8º Regional registrou que o município-reclamado celebrou convênio com a reclamada, Comissão de Bairros de Belém CCB, objetivando o desenvolvimento do Programa Família Saudável e Programa de Agentes Comunitários de Saúde do Município de Belém, concluindo pela inexistência de responsabilidade subsidiária do ente público. 3. Sendo incontroversa a celebração do convênio entre os reclamados e não de contrato de prestação de serviços, visando a interesses convergentes, consistente no fomento da saúde pública do município, com amparo tanto na Lei nº 8.666/93 (art. 116) quanto na CF (art. 199, § 1º), conclui-se que é inaplicável à espécie a diretriz do item IV da Súmula nº 331 do TST, razão pela qual a decisão proferida pelo Tribunal a quo não merece reformas. Agravo de instrumento desprovido.’ (TST-RR-1.379/2005-009-08-40.6, 4ª T., Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, DJU 17.08.07) Convém mencionar, ainda, precedente desta Primeira Turma (RR553/2006-014-08-40.0), julgado no dia 08.08.07, mediante acórdão da lavra do ilustre Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho. Ante o exposto, dou provimento ao recurso de revista para excluir da relação processual o Município de Belém.” (fl. 269-72) Inconformada, a autora interpõe o presente recurso de embargos (fls. 274-84). Pugna pelo restabelecimento do acórdão regional que reconhecera a responsabilidade subsidiária do Município de Belém. Invoca os arts. 37, § 6º, da Magna Carta, 186 e 927 do Código Civil. Transcreve arestos ao cotejo de teses. Registro, de início, a submissão do apelo à sistemática da Lei nº 11.496/ 07, uma vez que a decisão impugnada foi publicada em 11.10.07 (fl. 273), quando já vigia a atual redação do art. 894, II, da CLT. Impende, pois, apreciar os embargos exclusivamente sob a ótica de divergência jurisprudencial invocada. Nessa trilha, verifico que o aresto colacionado à fl. 279, oriundo da Terceira Turma desta Corte, é hábil e específico, rendendo ensejo ao conhecimento do recurso de embargos, na medida em que alberga tese divergente da esposada na decisão embargada. Passo a transcrevê-lo: “RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁ-RIA. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONVÊNIO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE. MUNICÍPIO DE BELÉM. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 331, ITEM IV, DO TST. A celebração de convênio de prestação de serviços na área de saúde, em razão de interesse comum às partes, não exclui a responsabilidade da Administração Pública pelas conseqüências jurídicas dele decorrentes, devendo, pois, o município responder subsidiariamente pelos direitos trabalhistas reconhecidos. Não há como se admitir que a Administração possa eximir-se da responsabilidade decorrente de serviços prestados por trabalhadores afetos à própria atividade estatal (saúde), cujos créditos não venham a ser adimplidos pelos reais empregadores, na medida em que o dano trabalhista advém da atuação pública, incorrendo o tomador dos serviços em culpa in eligendo e in vigilando, nos exatos termos do entendimento consagrado pela Súmula nº 331, IV, do TST. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST-RR-1366/2005-009-08-00.2, 3ª T., Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paula, DJ 11.10.07) Conheço dos embargos, por divergência jurisprudencial. II – MÉRITO O debate gravita em torno da possibilidade de se aplicar o entendimento consagrado no item IV da Súmula nº 331 desta Corte à hipótese dos autos, em que o Município de Belém, conquanto não seja propriamente tomador dos serviços prestados pela Comissão dos Bairros de Belém, celebrou, com esta entidade, convênio, visando à implementação do Programa Saúde da Família. Nessa senda, embora, à primeira vista, não pareça existir pertinência entre a situação dos autos e a hipótese genérica versada no item IV do aludido verbete sumular, a consulta mais aprofundada em tudo recomenda seja adotada solução idêntica, eis que, em última análise, presentes, no caso, as mesmas razões que conduziram esta Corte a firmar posição no sentido de que o ente público tomador de serviços é responsável subsidiário pelos créditos trabalhistas inadimplidos pelo prestador. Com o intuito de estabelecer um paralelo entre a responsabilidade subsidiária do ente público tomador de serviços e a situação dos autos, observo, desde logo, que a celebração de convênio para a implementação do Programa Saúde da Família tem respaldo na Lei Maior, a qual, a par de estabelecer a saúde como direito de todos e dever do Estado, consagra, em seu art. 199, § 1º, a possibilidade de instituições privadas participarem, de forma complementar,do Sistema Único de Saúde, mediante contrato de direito público ou convênio. Por sua vez, a Lei nº 8.080/90, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências, preconiza, no inciso X do seu art.18, competir à direção municipal do Sistema Único de Saúde “celebrar contratos e convênios com entidades prestadoras de serviços privados de saúde, bem como controlar e avaliar sua execução” (destaquei). No tocante ao tema, Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que a saúde “pode ser prestada pelo Estado como serviço público próprio, ou pelo particular, como serviço público impróprio. Quando prestada pelo particular, o Estado pode fomentar, pela outorga de auxílios ou subvenções, que se formaliza mediante convênio. O serviço prestado pelo particular não perde a natureza de serviço privado para transformar-se em serviço público; ele continua sendo prestado como serviço privado, porém sujeito ao controle e fiscalização do Poder Público, não só com base no poder de polícia que se exerce normalmente sobre todas as atividades na área de saúde, mas também sobre a utilização dos recursos públicos, que deverá ser feita de acordo com as normas ajustadas no convênio” (destaquei) (In: Parcerias na administração pública, 2005, p. 249-50). Assim, induvidoso que a edilidade estava amparada na Constituição da República e na Lei nº 8.080/90 quando celebrou convênio com a Comissão de Bairros de Belém. Não é esse, pois, o cerne da polêmica. A questão é verificar se o inadimplemento das verbas trabalhistas por parte da entidade conveniada tem o condão de atrair a responsabilização subsidiária da edilidade. Não diviso motivo para deixar de aplicar ao caso em exame o entendimento estampado no item IV da Súmula nº 331 do TST, eis que, presente o dever de a Administração Pública controlar e avaliar a execução do convênio, tal mandamento, densificado no inciso X do art. 18 da Lei nº 8.080/90 e decorrente dos próprios princípios insculpidos no art. 37, caput, da Magna Carta, espraia-se em direção à dignidade da pessoa humana e ao valor social do trabalho, fundamentos da República Federativa do Brasil, tudo a indicar que, muito longe da decantada concepção de controle dos resultados, tão cara aos teóricos da administração gerencial, faz-se igualmente relevante o controle dos meios utilizados para a consecução das finalidades do convênio. Extrai-se daí que a subvenção da atividade privada de interesse público, prestada por entidade sem fins lucrativos, encontra inegável condicionamento na exigência de que a subvencionada observe os direitos sociais previstos no art. 7º da Carta de 1988, não se podendo tolerar que o ente público repasse verbas a entidade que deixa de cumprir com suas obrigações trabalhistas. Ipso facto, se o Município de Belém, responsável pela fiscalização do convênio firmado com a Comissão de Bairros de Belém, não atenta para o fato de que esta não cumpre com seus deveres trabalhistas, resta configurada a culpa in vigilando, precisamente um dos fundamentos da responsabilidade subsidiária preconizada no item IV da Súmula nº 331 do TST. Noutro giro, no tocante à culpa in eligendo, julgo pertinente fazer referência ao parecer das fls. 291-2, no qual o ilustre membro do Ministério Público do Trabalho destaca que, se um dos fundamentos para a responsabilização subsidiária do ente público tomador de serviços é a escolha da prestadora de serviços, em que pese a sujeição da dita “eleição” a prévio procedimento licitatório, com muito mais razão se há de responsabilizar subsidiariamente o Município de Belém no caso em exame, eis que opção da edilidade pela celebração de convênio com entidade inidônea ocorreu à margem de procedimento licitatório. Com efeito, muito embora controversa a exigência de procedimento licitatório prévio para a celebração de convênio, doutrina de relevo inclina-se no sentido de sua prescindibilidade, apontando que a figura do convênio, expressão da existência de mútua colaboração – absolutamente diversa, pois, do contrato, em que há interesses opostos –, não admitiria a existência de competição, inclusive porque ausente a remuneração. De qualquer modo, ainda que lícita a celebração de convênio sem prévia realização de procedimento licitatório, a escolha da entidade conveniada, porque jungida à discricionariedade do administrador municipal, a quem cabe dizer sobre sua oportunidade e conveniência, delineia com nitidez a responsabilidade do ente público, na modalidade da culpa in eligendo, no caso de a entidade eleita vir a deixar de honrar com suas obrigações trabalhistas. Nesse sentido, esta Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, reavaliando posição anterior, passou a entender que a responsabilidade subsidiária, preconizada no item IV da Súmula nº 331 do TST, alcança as hipóteses em que o ente público celebra convênio com vistas a subvencionar iniciativa privada de interesse público e, ulteriormente, há inadimplemento de verbas trabalhistas por parte da conveniada. Cito o precedente: “RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO SOB A VIGÊN-CIA DA LEI Nº 11.496/07, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART.894 DA CLT. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CONVÊNIO FIRMADO COM ENTE PÚBLICO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 331, ITEM IV, DO TST. A celebração de convênio de prestação de serviços na área de saúde, em razão de interesse comum às partes, não exclui a responsabilidade da Administração Pública pelas conseqüências jurídicas dele decorrentes, devendo, pois, o município responder subsidiariamente pelos direitos trabalhistas reconhecidos. Não há como se admitir que a Administração possa se eximir da responsabilidade decorrente de serviços prestados por trabalhadores afetos à própria atividade estatal (saúde), cujos créditos não venham a ser adimplidos pelos reais empregadores, na medida em que o dano trabalhista advém da atuação pública, incorrendo o tomador dos serviços em culpa in eligendo e in vigilando, nos exatos termos do entendimento consagrado pela Súmula nº 331, IV, do TST. Recurso de embargos conhecido e provido.” (TST-E-RR-1863/ 2005-003-08-00.2, Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paula, DJ 01.08.08) Agrego, por fim, que mesmo o argumento de que o ente público se beneficiou dos serviços do empregado, utilizado nas situações clássicas de responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, tem aplicação na hipótese em exame. Com efeito, no caso, ao fomentar a implementação de programa na área de saúde por entidade privada sem fins lucrativos, o ente público buscou cumprir com seu dever constitucional de garantir o acesso universal à saúde. Não fosse pela atuação da entidade conveniada e seus empregados, caberia ao próprio Município de Belém o implemento do aludido programa. Inconteste, pois, que o serviço prestado pela autora reverteu em benefício da edilidade, na medida em que concorreu para a consecução de obrigação constitucional dirigida a esta, consistente na promoção do acesso às ações e serviços de saúde (art. 196 da Lei Maior). Ante todo o exposto, dou provimento aos embargos para restabelecer o acórdão regional. Isto posto, Acordam os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial e, no mérito, por maioria, dar-lhe provimento para restabelecer o acórdão regional, vencidos os Exmos. Ministros João Batista Brito Pereira, Lelio Bentes Corrêa, Maria de Assis Calsing e Vantuil Abdala. Brasília, 1º de setembro de 2008. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, relatora. EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÕES. TERCEIRIZAÇÃO TELEMAR. VÍNCULO DE EMPREGO. EMPRESA DE TELECOMU-NICAÇÕES. INSTALAÇÃO E RECUPERAÇÃO DE TELEFONES. TERCEI-RIZAÇÃO DAS ATIVIDADES. LEI Nº 9.472/97. LICITUDE. I. Nos termos do art. 60 da Lei nº 9.472/97 – Lei Geral das Telecomunicações –, as atividades desenvolvidas na instalação na recuperação de telefones não podem ser consideradas atividade-fim de uma empresa de telecomunicações, conquanto sejam a ela relacionadas. II. Quis o legislador, no caso específico das telecomunicações, ampliar o leque das terceirizações, liberando a empresa para a prestação do serviço público precípuo, que é a transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza. Nesse diapasão é o art. 94 da Lei nº 9.472/97, que, ao estipular os requisitos do contrato de concessão do serviço de telecomunicações, permite a terceirização inclusive em atividades-fim. Assim, mesmo que se entenda que as atividades desenvolvidas pelo reclamante, na instalação e/ou na recuperação de telefones, sejam consideradas atividadefim da empresa de telecomunicações, mesmo assim é permitida, segundo a Lei Geral das Telecomunicações a terceirização dessas atividades. III. Não pode o intérprete distanciar-se da vontade do legislador, expressa no sentido de permitir as terceirizações de “atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados” (art. 94 da Lei nº 9.472/97). A expressa disposição de lei impede, no caso, o reconhecimento de fraude na terceirização. Recurso de revista de que se conhece e a que se nega provimento. (Processo nº TST-RR-347/2005-003-17-00 – Ac. 5ª Turma) Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TSTRR-347/2005-003-17-00.1, em que é recorrente Hélio Xavier e recorridos Telemar Norte Leste S/A e Vitelco Engenharia S/A. Mediante o acórdão de fls. 289/296, o Tribunal Regional do Trabalho da Décima Sétima Região deu provimento ao Recurso Ordinário interposto pela Telemar Norte Leste S/A para pronunciar a inexistência de vínculo de emprego entre o reclamante e a tomadora dos serviços (Telemar), julgar improcedentes as pretensões deduzidas na petição inicial. Irresignado, o reclamante interpõe recurso de revista (fls. 299/307), em que busca reformar a decisão do Tribunal Regional no tocante aos temas “vínculo de emprego”, “auxílio alimentação e participação nos lucros” e “honorários advocatícios”. Aponta ofensa a dispositivos de lei e transcreve arestos para confronto de teses. O recurso foi admitido mediante o despacho de fls. 322/324. Foram oferecidas contra-razões a fls. 327/344. O recurso não foi submetido a parecer do Ministério Público do Trabalho. É o relatório. VOTO Preenchidos os pressupostos comuns de admissibilidade do recurso de revista, passo a examinar os específicos. 1. CONHECIMENTO 1.1. EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÕES. TERCEIRIZAÇÃO. LICITUDE O Tribunal Regional deu provimento ao recurso ordinário interposto pela reclamada para afastar o vínculo de emprego e julgar improcedentes os pedidos, concentrando seus fundamentos na seguinte ementa: “TERCEIRIZAÇÃO DE SETOR AUTÔNOMO RELATIVO À ATIVIDADE-FIM DO TOMADOR DE SERVIÇO. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO DE EMPREGO. O vínculo empregatício é formado com o prestador de serviços quando o tomador não está revestido das características do art. 2º da CLT. Inteligência do artigo indigitado combinado com o art. 9º do mesmo diploma legal, e art. 5º, II, da CF/ 88.” (fls. 289) O reclamante, nas suas razões de recurso de revista, pretende demonstrar a existência de vínculo de emprego com a Telemar, sob o argumento de que seu contrato com a prestadora de serviços resultou de fraude na contratação. Transcreve arestos para confronto de teses. O Tribunal Regional concluiu que não restou demonstrada a presença dos elementos caracterizadores do vínculo de emprego previstos no art. 2º da CLT. Por essa razão, não reconheceu o vínculo de emprego diretamente com a tomadora dos serviços, entendendo ser inaplicável ao caso a Súmula nº 331, inciso I, do TST. Assinalou o Tribunal Regional que a instalação e recuperação de telefones é necessária à atividade de telecomunicações e concluiu que o reclamante foi “contratado por empresa terceirizada para prestar serviços na atividade-fim da tomadora dos serviços” (fls. 294). Esclareceu, ainda, verbis: “(...) a empresa não mais exerce diretamente, através de seus próprios empregados, a atividade de instalação e recuperação de telefones, tendo terceirizado totalmente este setor de sua atividade-fim. Da mesma forma não emerge dos autos qualquer prova no sentido de a empresa tomadora dos serviços ter exercido autoridade sobre o labor autoral, em que pese o autor ter alegado, em suas contra-razões, que exerceu seu labor sob o comando direto da tomadora. Assim, constata-se que o caso trazido nos autos refere-se à terceirização total de um setor autônomo da atividade-fim da empresa. (...) Contudo, não sendo esta uma atitude vedada por lei e deixando ela de se revestir, para o empregado, das características formais e reais do empregador, não há como declarar fraudulenta a contratação, ainda que num passado próximo o empregado tenha pertencido aos seus quadros.” (fls. 294/295) Dos arestos indicados ao cotejo, apenas o primeiro de fls. 304 apresentase divergente, porquanto adota a idéia de ser fraudulenta a terceirização em atividade-fim da empresa de telecomunicações, formando-se o vínculo de emprego com esta. Ante o exposto, conheço do recurso de revista por divergência jurisprudencial. 2. MÉRITO 2.1. EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÕES. TERCEIRIZAÇÃO. LICITUDE Versam os presentes autos sobre a terceirização da mão-de-obra por empresa de telecomunicações, especificamente quanto às atividades de instalação e recuperação de telefones ao que entendeu o Tribunal Regional tratar-se de atividade-fim da empresa. Segundo se extrai da Lei Geral das Telecomunicações (Lei nº 9.472/97, art. 60), os serviços de telecomunicações (ou atividades-fim), são a transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, verbis: “Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação. § 1º Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza. § 2º Estação de telecomunicações é o conjunto de equipamentos ou aparelhos, dispositivos e demais meios necessários à realização de telecomunicação, seus acessórios e periféricos, e, quando for o caso, as instalações que os abrigam e complementam, inclusive terminais portáteis.” Desse modo, é lícito afirmar que as atividades de instalação e recuperação de telefones, assim como instalação e reparo de linhas aéreas não podem ser consideradas atividade-fim de uma empresa de telecomunicações, conquanto sejam a ela relacionadas. Por outro lado, quis o legislador, no caso específico das empresas de telecomunicações, ampliar o leque das terceirizações, liberando a empresa para a prestação do serviço público precípuo, que é a transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza. Nesse diapasão é o art. 94 da Lei nº 9.472/97, que, ao estipular os requisitos do contrato de concessão do serviço de telecomunicações, permite a terceirização inclusive em atividades-fim, in verbis: “Art. 94. No cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá, observadas as condições e limites estabelecidos pela Agência: (...) II – contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados.” Desse modo, mesmo que se entenda que as atividades desenvolvidas pelo reclamante, na instalação e recuperação de telefones, sejam consideradas atividade-fim da empresa de telecomunicações, ainda assim é expressamente permitida pela Lei Geral das Telecomunicações a terceirização. Portanto, por qualquer ângulo que se examine a questão específica das terceirizações pelas empresas de telecomunicações, não haverá, aos olhos da Lei nº 9.472/97, ilicitude a ser declarada. Não pode o intérprete distanciar-se da vontade do legislador, expressa no sentido de permitir as terceirizações de “atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados”. A expressa disposição de lei impede, no caso, o reconhecimento de fraude na terceirização. Lembro, por oportuno, o seguinte precedente da Quarta Turma: “RECURSOS DE REVISTA. TERCEIRIZAÇÃO. EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÕES. ATIVIDADE-FIM. AUTORIZAÇÃO LEGAL. SÚMULA Nº 331, III, DO TST. INAPLICABILIDADE. I. A decisão recorrida reveste-se de verdadeiro matiz fático, de remoldura refratária no âmbito de cognição desta Corte, a teor da Súmula nº 126 do TST, pois reconhece a Turma julgadora, com base no laudo pericial, que os serviços prestados pela Telemar se enquadram na atividade-fim, na qualidade de empresa do ramo das telecomunicações, embora entendendo inaplicável a orientação da Súmula nº 331, III, do TST, em face da existência de legislação própria que autoriza a terceirização das atividades essenciais no ramo das telecomunicações, fato que, por si só, infirma a tese de afronta aos arts. 1º, IV, da Constituição Federal e 9º da CLT. II. Não se constata a pretendida contrariedade ao preceito da Súmula nº 331, III, do TST, pois o Regional, após apresentar vasta explanação com o intuito de conceituar o termo atividade-fim, concluiu que as atividades exploradas pela concessionária são essenciais, não adentrando na discussão acerca da ilegalidade da terceirização, afastando a incidência, à hipótese, do item III da citada Súmula, que condiciona a terceirização à realização de serviços ligados à atividade-meio do tomador, declarando a existência de dispositivo legal expresso autorizando a terceirização na atividade-fim dos serviços de telecomunicação, conforme dispõe o art. 94, II, da Lei nº 9.472/97, imprimindo, dessa forma, razoável interpretação à norma legal, a incidir o óbice da Súmula nº 221 do TST ao conhecimento do recurso de revista e a afastar, mais uma vez, a alegada ofensa aos arts. 1º, IV, da Constituição Federal e 9º da CLT. III. Não é discernível, igualmente, violação à literalidade do art. 166, II, do Código Civil, pois, além de a decisão regional estar respaldada no preceito da lei acima referida, nada se discutiu acerca da invalidade do negócio jurídico, vindo a calhar a orientação da Súmula nº 297 do TST. IV. O recurso não se habilita ao conhecimento, ainda, à luz da alínea a do art. 896 da CLT, porque carece da observância ao disposto na Súmula nº 337, item I, do TST, pois os arestos colacionados ora não trazem a fonte oficial nem o repositório autorizado em que foram publicadas, exigência contida na alínea a, ora deixam de observar a letra b, segundo a qual é imprescindível, à comprovação de dissensão pretoriana, que a parte transcreva, nas razões recursais, as ementas e/ou trechos dos acórdãos trazidos à configuração do dissídio, comprovando as teses que identifiquem os casos confrontados, ainda que os acórdãos já se encontrem nos autos ou venham a ser juntados com o recurso, afastando-se a alternativa de o Tribunal incursionar pelos termos da decisão recorrida e dos arestos paradigmas com o objetivo de dilucidar a ocorrência da indigitada dissensão. V. Recurso não conhecido.” (RR-4661/2002-921-21-00.4, Rel. Min. Antônio José de Barros Levenhagen, Ac. 4ª T., DJ 08.02.08) Recentemente, esta Quinta Turma examinou hipótese semelhante, concentrando seu entendimento na seguinte ementa: “RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA TELEMAR NORTE LESTE S/A. VÍNCULO DE EMPREGO. EMPRESA DETELECOMUNICAÇÕES. INSTALAÇÃO E MANUTENÇÃO DE REDES DE TELEFONIA. TERCEIRIZAÇÃO DAS ATIVIDADES. LEI Nº 9.472/97. LICITUDE. I. Nos termos do art. 60 da Lei nº 9.472/97 – Lei Geral das Telecomunicações –, as atividades desenvolvidas pelos cabistas (instalação e reparo de linhas aéreas) não podem ser consideradas atividade-fim de uma empresa de telecomunicações, conquanto sejam a ela estritamente relacionadas. II. Quis o legislador, no caso específico das telecomunicações, ampliar o leque das terceirizações, liberando a empresa para a prestação do serviço público precípuo, que é a transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza. Nesse diapasão é o art. 94 da Lei nº 9.472/97, que, ao estipular os requisitos do contrato de concessão do serviço de telecomunicações, permite a terceirização inclusive em atividades-fim. Assim, mesmo que se entenda que as atividades desenvolvidas pelo reclamante, como cabista, sejam consideradas atividade-fim da empresa de telecomunicações, mesmo assim seria permitida aos olhos da Lei Geral das Telecomunicações a terceirização. III. Não pode o intérprete distanciar-se da vontade do legislador, expressa no sentido de permitir as terceirizações de ‘atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados’ (art. 94 da Lei nº 9.472/97). A expressa disposição de lei impede, no caso, o reconhecimento de fraude na terceirização.” (RR-1680/2006-140-003-00-3, Rel. Min. Brito Pereira, Ac. 5ª Turma, DJ 04.04.08) Ante o exposto, nego provimento ao recurso de revista. 2.2. AUXÍLIO ALIMENTAÇÃO, PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Considerando que foi mantida a decisão do Tribunal Regional no que afastou o reconhecimento do vínculo de emprego entre o reclamante e a empresa de telecomunicações, resta prejudicado o exame dos demais temas do recurso de revista. Isto posto, Acordam os Ministros da Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista apenas em relação ao tema “Empresa de Telecomunicações. Terceirização. Licitude”, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, negar-lhe provimento. Prejudicado o exame dos demais temas do recurso de revista. Brasília, 9 de abril de 2008. João Batista Brito Pereira, relator. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CONVÊNIO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA RECURSO DE REVISTA. NULIDADE DO ACÓRDÃO POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Prefacial não analisada, de acordo com o art. 249, § 2º, do CPC. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CONVÊNIO.ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ATIVIDADE ESSENCIAL DO ESTADO. SÚMULA Nº 331, IV, DO TST. 1. No caso em análise, a responsabilização subsidiária do ente público decorre do fato de a associação conveniada executar atividade essencial do Estado, qual seja, o atendimento em creche e pré-escola a crianças de 0 a 6 anos de idade, previsto no art. 208, IV, da Constituição da República. 2. Caracterizada a triangulação da prestação de serviços própria da figura da terceirização, impõe-se a responsabilização do tomador dos serviços, nos termos da Súmula nº 331, item IV, do Eg. TST. Recurso de revista conhecido e provido. (Processo nº TST-RR-42/2005-049-01-00 – Ac. 8ª Turma) Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TSTRR-42/2005-049-01-00, em que é recorrente Daiana da Silva Daniel e são recorridos Município do Rio de Janeiro e Centro de Educação Comunitária Tia Zilda. Trata-se de recurso de revista (fls. 156/173) interposto ao acórdão regional de fls. 131/132. Despacho de admissibilidade às fls. 176/177. Contra-razões às fls. 178/204. O D. Ministério Público do Trabalho, à fl. 208, manifestou-se pelo conhecimento e provimento parcial do recurso. É o relatório. VOTO REQUISITOS EXTRÍNSECOS DE ADMISSIBILIDADE Preenchidos os requisitos extrínsecos de admissibilidade, passo ao exame do recurso. I – PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL Verificada a possibilidade de julgamento favorável à recorrente, deixo de analisar a preliminar em epígrafe, nos termos do art. 249, § 2º, do CPC. II – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – CONVÊNIO A) CONHECIMENTO Sobre o tema, assim se pronunciou a Corte Regional: “No presente caso, o autor não prestava qualquer tipo de serviço diretamente para o município, e sim para um centro de ação comunitária. Paralelamente, o centro de ação comunitária não prestava qualquer serviço para o município, ou em substituição a este. Simplesmente o centro comunitário prestava assistência aos moradores da comunidade, limitando-se o município a ajudar a entidade, nos termos do convênio juntado às fls. 29/30: ‘Termo de convênio que entre si firmam o Município do Rio de Janeiro, através da Secretaria Municipal de Habitação e o Centro de Ação Comunitária Tia Zilda (CECTZ). (...) CLÁUSULA SEGUNDA – DO OBJETO. O presente convênio tem por objeto a execução do projeto ‘Pré-Escola Cidadã’, na comunidade do Conjunto Cristina Capri, em Anchieta, para atender a 50 (cinqüenta) crianças, modalidade 4 a 6 anos, em conformidade com a proposta de trabalho constante do processo e cronograma de desembolso previsto no parágrafo terceiro da cláusula sétima.’ Diante dos precisos termos do convênio, constata-se que centro de ação comunitária e autora não prestavam qualquer serviço para o município, ou em serviços que devessem ser realizados pelo próprio município. Operava-se mero apoio financeiro, para ajudar o centro de ação comunitária a desenvolver atividades de cunho assistencial. Afasta-se, assim, a aplicação da Súmula nº 331 do C. TST, não se reconhecendo a possibilidade de condenação subsidiária do município.” (fl. 132) Em recurso de revista, a reclamante aduz que deve ser declarada a terceirização, ainda que rotulada de convênio. Invoca a Súmula nº 331, IV, do TST. Traz arestos. Não pode a Administração usufruir da disponibilidade da força de trabalho sem assumir responsabilidade nas relações jurídicas das quais participe. A orientação da Súmula nº 331 sinaliza exatamente nesse sentido. Prevê a responsabilização subsidiária da Administração Pública quando contratar empresa inadimplente com as obrigações trabalhistas (culpas in vigilando e in eligendo). No caso em análise, a responsabilização subsidiária do ente público decorre do fato de a associação conveniada executar atividade essencial do Estado, qual seja, o atendimento em creche e pré-escola a crianças de 0 a 6 anos de idade, previsto no art. 208, IV, da Constituição da República. Não se transfere à Administração Pública a responsabilidade principal pelo pagamento; esta concerne à empresa contratada por meio de termo de convênio, no caso a primeira reclamada, como devedora principal. Apenas na hipótese de a prestadora dos serviços não satisfazer as obrigações trabalhistas em relação aos seus empregados, existe o dever de a tomadora e beneficiária direta do trabalho responder subsidiariamente. A Administração Pública poderá, via ação regressiva, reaver o que pagar ao trabalhador em razão da inadimplência de sua contratada. Inadmissível é que, sob o manto da intangibilidade do ato administrativo, terceiros possam ser lesados. As decisões jurisprudenciais deste Tribunal reforçam o entendimento da responsabilidade subsidiária do ente público pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas da prestadora de serviços. Vejamos: “RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁ-RIA. ENTE PÚBLICO. SÚMULA Nº 331, IV, DO TST. A nova redação do item IV da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (Resolução nº 96/00 do TST), baseada na interpretação do disposto no art. 71 da Lei nº 8.666/93, dissipou qualquer dúvida acerca da possibilidade de responsabilização subsidiária do ente público tomador dos serviços quanto às obrigações decorrentes do contrato de trabalho firmado entre o empregado e a empresa fornecedora de mão-de-obra. Revista não conhecida.” (RR-1.295/2005-095-09-00, Relª Minª Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, 3ª T., DJ 08.02.08) “RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁ-RIA. EMPRESA TOMADORA DE SERVIÇOS. ENTE PÚBLICO. A jurisprudência sedimentada no item IV da Súmula nº 331 do TST atribui a responsabilidade subsidiária ao tomador dos serviços em caso de inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do real empregador (empresa prestadora de serviços), ainda que se trate de ente da administração pública. Recurso de revista conhecido e provido.” (RR1.056/2005-121-06-00, Rel. Min. Vieira de Mello Filho, 1ª T., DJ 08.02.08) “RECURSO DE REVISTA. MUNICÍPIO DE BELÉM. CONVÊ-NIO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CONFIGURAÇÃO. Tendo a decisão recorrida sido proferida no sentido de que o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, é inviável a admissibilidade do recurso de revista, uma vez que esse entendimento está em consonância com o teor do item IV da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de revista não conhecido.” (RR-578/2006-016-08-00, Relª Minª Dora Maria da Costa, 8ª T., DJ 08.02.08) Nesses termos, merece reforma a decisão adotada pelo Eg. Tribunal Regional de origem, haja vista que a questão já está pacificada pelo Tribunal Superior do Trabalho, pela Súmula nº 331, item IV, que prevê: “IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto a órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666/93).” (grifei) Conheço do recurso de revista, por contrariedade ao verbete de jurisprudência referido. B) MÉRITO Como já exposto, o Tribunal de origem contrariou o entendimento consolidado na Súmula nº 331, item IV, do TST. Assim, dou provimento ao recurso de revista para, reformando o acórdão regional, responsabilizar o Município do Rio de Janeiro, subsidiariamente, pelo pagamento dos débitos trabalhistas, em caso de inadimplemento pela 1ª reclamada. Isto posto, Acordam os Ministros da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, I – deixar de analisar a preliminar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional, nos termos do art. 249, § 2º, do CPC; II – conhecer do recurso de revista no tema “Responsabilidade Subsidiária – Convênio”, por contrariedade à Súmula nº 331, item IV, do TST, e, no mérito, dar-lhe provimento para, reformando o acórdão regional, responsabilizar o Município do Rio de Janeiro, subsidiariamente, pelo pagamento dos débitos trabalhistas, em caso de inadimplemento pela 1ª reclamada. Brasília, 29 de outubro de 2008. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, relatora. TERCEIRIZAÇÃO. ISONOMIA SALARIAL AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DIVERGÊN-CIA JURISPRUDENCIAL ESPECÍFICA. O aresto colacionado em razões de Revista adota tese divergente daquela esposada pelo TRT da 4ª Região, motivo pelo qual o recurso merece ser processado. Agravo de instrumento provido.RECURSO DE REVISTA. TERCEIRIZAÇÃO. ISONOMIA SALARIAL. APLI-CAÇÃO ANALÓGICA DA LEI Nº 6.019/74. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que a contratação irregular não gera vínculo com os órgãos da administração pública, direta ou indireta (Súmula nº 331, II, do TST). Contudo, a impossibilidade de se formar vínculo com a administração pública não afasta o direito do trabalhador terceirizado às mesmas verbas asseguradas aos empregados públicos que exerçam funções idênticas àquele. Com efeito, o Direito do Trabalho caracteriza-se pela presença de mecanismos e princípios que intentam evitar tratamentos discriminatórios entre obreiros que se encontrem na execução de tarefas iguais e submetidos a idênticos encargos, quando da prestação de serviço. A Constituição Federal, em seus arts. 5º, caput, e 7º, XXXII e XXXIV, consagra o princípio da isonomia e afugenta o tratamento discriminatório. O princípio da isonomia visa, também, evitar tratamento salarial diferenciado àqueles trabalhadores que exerçam trabalho igual para um mesmo empregador. A equiparação salarial encontra fundamento jurídico na própria Carta (arts. 5º, caput, e 7º, XXXII e XXXIV), bem como em normas esparsas, como a do art. 12 da Lei nº 6.019/74. Ao estabelecer preceito de isonomia remuneratória, esta norma concretiza os dispositivos constitucionais concernentes à idéia de isonomia e proteção ao salário (art. 7º, VI, VII e X, da Constituição Federal). Daí porque, embora a Corte Regional afirme não ter sido a reclamante contratada com base na Lei nº 6.019/74, o preceito que assegura o salário eqüitativo impõe-se a quaisquer outras situações de terceirização. Aplicável, portanto, o art. 12, a, da Lei nº 6.019/74, de forma analógica, ao contrato de trabalho da reclamante. Recurso de revista conhecido e provido. (Processo nº TST-RR-84.861/2003-900-04-00 – Ac. 6ª Turma) Vistos, relatados e discutidos estes autos do Recurso de Revista nº TSTRR-84861/2003-900-04-00.5, em que é recorrente Viviane Silva de Oliveira e são recorridos Companhia Estadual de Energia Elétrica – CEEE, Servicon Serviços de Limpeza Ltda., Mayra – Serviços Empresariais Ltda., Massa Falida de CNS – Administração, Serviços e Mão-de-Obra Ltda. e Massa Falida de Service Sul Representações e Serviços Ltda. A Presidência do E. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, por meio do r. despacho às fls. 656/657, denegou seguimento ao recurso de revista da reclamante, ao fundamento de que não fora demonstrada violação dos arts. 12, alínea a, e 16 da Lei nº 6.019/74, bem como por divisar o óbice das Súmulas ns. 296 e 297 do Tribunal Superior do Trabalho. Inconformada, a reclamante interpôs agravo de instrumento às fls. 662/ 668, sustentando, em síntese, que o recurso de revista é admissível por divergência jurisprudencial e por violação dos arts. 12, a, e 16 da Lei nº 6.019/ 74; 8º e 126 do CPC e 5º, incisos I e XIII, da Constituição Federal. Conforme atesta certidão à fl. 674-v, não foram apresentadas contrarazões e contraminuta. O douto Ministério Público do Trabalho, em parecer às fls. 679/681, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento do recurso. É o relatório. VOTO I – AGRAVO DE INSTRUMENTO 1. CONHECIMENTO O agravo de instrumento é tempestivo (fls. 658 e 662) e está subscrito por advogado regularmente habilitado nos autos (fl. 653), razão pela qual dele conheço. 2. MÉRITO 2.1. ISONOMIA SALARIAL – APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI Nº 6.019/74 EM FACE DO NÃO-RECONHECIMENTO DO VÍNCULOEMPREGATÍCIO Pelo v. acórdão às fls. 501/504, complementado às fls. 641/643, o E. TRT da 4ª Região deu provimento ao recurso ordinário da empresa CEEE, reformando a sentença que reconhecera o vínculo empregatício e determinara o retorno dos autos para que o Juízo de origem apreciasse o pedido sucessivo de equiparação salarial aos empregados da empresa tomadora de serviços. Tendo o Juízo monocrático indeferido o pleito sucessivo de equiparação salarial, a reclamante recorrera ordinariamente ao TRT, que, por sua vez, manteve a sentença que julgara improcedente o pleito de diferenças salariais decorrentes de equiparação salarial, aos seguintes fundamentos: “Almeja a recorrente a reforma do julgado a fim de que a reclamada seja condenada em relação aos pedidos formulados na inicial (fl. 22), numa aplicação analógica da Lei nº 6.019/74. Sem razão. A sentença de origem assim dispôs: ‘Ainda que se entenda que autora exercia as mesmas atividades que o pessoal, empregado da CEEE, enquadrado no cargo de operador de equipamentos de entrada de dados, inaplicável o princípio da isonomia quando diversos forem os empregadores. Também não se aplica à autora as disposições contidas na Lei nº 6.019/74, como já pretendido na inicial, já que restritas aos contratados de serviço temporário, não sendo esta a hipótese dos autos. Nem por analogia, já que, segundo o disposto no art. 8º da CLT, este instituto tem aplicação tão-somente na falta de disposição legal que regule a matéria.’ (...) Andou bem a sentença na medida em que equivocada a pretensão do autor de atribuir ao contrato mantido pelas empresas as disposições legais inseridas na Lei nº 6.019/74. A lei em comento trata de contrato especial mantido entre trabalhador e empresa de prestação de serviços temporários, e não entre empresas. As hipóteses são absolutamente distintas. O que se verifica, na espécie, é a existência de um contrato de prestação de serviços estabelecidos entre as empresas reclamadas, ou seja, a tomadora e as prestadoras dos serviços (fls. 29/35), o que, em tese, é regular. A irregularidade nesta relação contratual decorre do fato de que o trabalhador nela envolvido prestou serviços diretamente à tomadora, o que autorizaria o reconhecimento do vínculo de emprego diretamente com a CEEE. Todavia, há óbice constitucional a tal reconhecimento, como restou decidido no acórdão de fls. 498/504. Inaplicável, assim, à hipótese em exame a Lei nº 6.019/74. Não foi a reclamante contratada com base na Lei nº 6.019/74, sendo inaplicáveis os arts. 12 e 16 dessa lei, referidos no pedido sucessivo. Irrelevante é, assim, a duração de mais de três meses, seja da prestação de serviços, seja do contrato de trabalho. Ademais, não se vislumbra, com relação à atividade das outras reclamadas, contratadas pela CEEE, a transitoriedade sustentada pelo recorrente, já que se trata de atividades permanentes de digitação. Tem-se, assim, por indevidas as diferenças salariais e demais parcelas postuladas com base no art. 12, a, da Lei nº 6.019/74, não merecendo reparos a sentença de origem.” (fls. 641/643) Em razões de revista (fls. 646/652), a reclamante alega que, diante da impossibilidade de reconhecimento de vínculo com a primeira reclamada (CEEE), faz jus às mesmas vantagens concedidas aos empregados da tomadora de serviços. Afirma que o Tribunal a quo deveria, pelo menos, ter aplicado, por analogia, o direito à equiparação remuneratória previsto na Lei nº 6.019/ 74. Denuncia violação dos arts. 12, a, e 16 da Lei nº 6.019/74; 8º e 126 do CPC e 5º, incisos I e XIII, da Constituição Federal. Colaciona arestos para cotejo de teses. Pelo despacho às fls. 656/657, a Presidência do TRT denegou seguimento ao recurso de revista com fundamento nas Súmulas ns. 296 e 297/TST, além de consignar que não fora constatada violação dos arts. 12, a, e 16 da Lei nº 6.019/74. Em minuta de agravo, a reclamante renova o inconformismo, sustentando a especificidade do aresto colacionado bem como a denúncia de violação dos dispositivos de lei denunciados. Alega que o juiz deve se utilizar da analogia para solucionar o caso concreto e que lhe foi negado tratamento igualitário em relação aos demais empregados da tomadora de serviços. Denuncia ofensa aos arts. 12, a, e 16 da Lei nº 6.019/74; 8º e 126 do CPC e 5º, incisos I e XIII, da Constituição Federal. O agravo de instrumento merece ser provido. Com efeito, o aresto transcrito às fls. 648/650, proveniente do TRT da 3ª Região, enseja o processamento do recurso de revista, porquanto adota o seguinte entendimento: “TERCEIRIZAÇÃO. DIREITOS IGUAIS DO EMPREGADO DA TERCEIRIZANTE QUE TRABALHA PARA A TOMADORA DE SERVIÇOS. A empregadora fornecedora de mão-de-obra tem de observar, quanto aos seus empregados que trabalhem em empresas tomadoras de seus serviços, os mesmos direitos e salários dos empregados destas. Este entendimento se ampara no princípio isonômico garantido pela Norma Fundamental (art. 5º, caput) e ainda no art. 12, a, da Lei nº 6.019/74, por analogia, efetivamente é capaz de afastar os efeitos da simulação contra o empregado de empresas prestadoras de serviços (terceirizantes) e procedimentos de outra ordem que encerram, na intermediação de mão-de-obra, lícita que seja a contratação entre a tomadora e locadora (terceirizante e terceirizado) (...).” (fls. 663/664) Verifica-se que o entendimento adotado no aresto colacionado diverge da tese esposada pelo TRT da 4ª Região, consignando que, nas hipóteses de terceirização de serviços, é possível a aplicação analógica dos arts. 12, a, e 16 da Lei nº 6.019/74, motivo pelo qual o recurso merece ser processado. Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento para, conseqüentemente, determinar o processamento do recurso de revista da reclamante. II – RECURSO DE REVISTA Estão preenchidos os requisitos referentes à tempestividade (fls. 644 e 646) e representação (fl. 653). Dispensado o preparo. Satisfeitos os pressupostos gerais de admissibilidade comuns a qualquer recurso, passo ao seu exame. 1. CONHECIMENTO A reclamante interpôs recurso de revista, às fls. 646/657, contra a decisão da 2ª Turma do TRT da 4ª Região que lhe indeferiu o pedido sucessivo de reconhecimento do direito à isonomia salarial, afastando a tese de aplicação analógica da Lei nº 6.019/74. O Tribunal Regional afastou a possibilidade de vínculo com a administração pública, por não estarem preenchidos os requisitos do art. 37, II, da CF, e indeferiu o pedido sucessivo da reclamante, atinente à equiparação remuneratória com os empregados da CEEE, ao fundamento de que as referidas parcelas e benefícios pleiteados eram devidos apenas aos empregados daquela; entendendo, daí, inaplicável ao caso o que dispõe a Lei nº 6.019/74 em seus arts. 12, a, e 16. Inconformada, a reclamante afirma ter trabalhado diretamente para a Companhia Estadual de Energia Elétrica, em atividade-fim da empresa, e estarem consignados na hipótese os elementos subordinação, pessoalidade e continuidade. Ressalta que, presentes os elementos ensejadores de vínculo empregatício, deveria o Tribunal a quo ter reconhecido a existência deste ou, pelo menos, ter aplicado os direitos que garantem aos trabalhadores temporários isonomia em relação aos empregados da empresa, conforme previsto no art. 12, a, da Lei nº 6.019/74. Aduz, ainda, a aplicabilidade do art. 16 da mesma lei, o qual determina a responsabilidade solidária das empresas pela satisfação do crédito trabalhista. Denuncia violação dos arts. 12, a, e 16 da Lei nº 6.019/74; 8º e 126 do CPC e 5º, incisos I e XIII, da Constituição Federal. Suscita divergência jurisprudencial colacionando aresto do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região às fls. 648/650. Requer tratamento salarial isonômico, ou seja, equivalente àquele atribuído aos empregados da mesma categoria da empresa tomadora, bem como que seja declarada a condenação solidária da CEEE, a teor do que dispõem os arts. 12, a, e 16 da Lei nº 6.019/74. O aresto citado pela reclamante autoriza o conhecimento do recurso de revista, pois fixa tese no sentido de que os arts. 12, a, e 16 da Lei nº 6.019/74 devem ser utilizados, por analogia, para garantir aos trabalhadores terceirizados os mesmos direitos dos empregados de tomadora de serviço. Conheço do recurso de revista. 2. MÉRITO 2.1. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI Nº 6.019/74 EM FACE DONÃO-RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DE EMPREGO COM A EMPRESA PÚBLICA CEEE Os arts. 12, a, e 16 da Lei nº 6.019/74 dispõem que: “Art. 12. Ficam assegurados ao trabalhador temporário os seguintes direitos: a) remuneração equivalente à percebida pelos empregados de mesma categoria da empresa tomadora ou cliente calculados à base horária, garantida, em qualquer hipótese, a percepção do salário mínimo regional: (...) Art. 16. No caso de falência da empresa de trabalho temporário, a empresa tomadora ou cliente é solidariamente responsável pelo recolhimento das contribuições previdenciárias, no tocante ao tempo em que o trabalhador esteve sob sua ordem assim como em referência ao mesmo período, pela remuneração e indenização previstas nesta Lei.” A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que a contratação irregular não gera vínculo com os órgãos da administração pública, direta ou indireta (Súmula nº 331, II, do TST). Contudo, a impossibilidade de se formar vínculo com a administração pública não afasta o direito do trabalhador terceirizado às mesmas verbas asseguradas aos empregados públicos que exerçam funções idênticas àquele. Com efeito, o Direito do Trabalho caracteriza-se pela presença de mecanismos e princípios que intentam evitar tratamentos discriminatórios entre obreiros que se encontrem na execução de tarefas iguais e submetidos a idênticos encargos, quando da prestação de serviço. A Constituição Federal, em seus arts. 5º, caput, e 7º, XXXII e XXXIV, consagra o princípio da isonomia e afugenta o tratamento discriminatório. O princípio da isonomia visa, também, evitar tratamento salarial diferenciado àqueles trabalhadores que exerçam trabalho igual para um mesmo empregador. A equiparação salarial encontra fundamento jurídico na própria Carta (arts. 5º, caput, e 7º, XXXII e XXXIV), bem como em normas esparsas, como a do art. 12 da Lei nº 6.019/74. Ao estabelecer preceito de isonomia remuneratória, esta norma concretiza os dispositivos constitucionais concernentes à idéia de isonomia e proteção ao salário (art. 7º, VI, VII e X, da Constituição Federal). Daí porque, embora a Corte Regional afirme não ter sido a reclamante contratada com base na Lei nº 6.019/74, o preceito que assegura o salário eqüitativo impõe-se a quaisquer outras situações de terceirização. Aplicável, portanto, o art. 12, a, da Lei nº 6.019/74, de forma analógica, ao contrato de trabalho da reclamante. Nesse mesmo sentido, arestos desta Corte trabalhista, in verbis: “RECURSO DE EMBARGOS DA RECLAMADA. ISONOMIA SALARIAL ENTRE OS EMPREGADOS DA EMPRESA TOMADORA E PRESTADORA DE SERVIÇOS. CONFIGURAÇÃO DE FRAUDE. NÃO-CONHECIMENTO DO RECURSO DE REVISTA. VIOLAÇÃO DO ART. 896 DA CLT NÃO RECONHECIDA. Decisão da Turma que se mantém. Não há como se reconhecer violação literal ao art. 461 da CLT, considerando que, na situação, há peculiaridade fática inafastável, qual seja, o reconhecimento de fraude na contratação de mão-de-obra. Além disso, no caso dos autos o que se discute não é a equiparação salarial clássica, em face do preenchimento dos requisitos constantes do art. 461 da CLT, mas a isonomia de vencimentos entre os médicos contratados pela empresa tomadora de serviços e aqueles contratados pela prestadora dos serviços, quando constatada a fraude. Esta Subseção I Especializada em Dissídios Individuais já admitiu a isonomia salarial em casos como o presente, conforme se depreende dos seguintes precedentes: ERR-799.073/2001, Rel. Min. Rider Nogueira de Brito; ERR-654.203/2000.9, Rel. Min. João Oreste Dalazen.” (TST-E-RR350.444/1997.0, SBDI-1, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DJU 31.03.06) “TERCEIRIZAÇÃO. ISONOMIA SALARIAL. IDENTIDADE DE FUNÇÕES ENTRE OS EMPREGADOS DA EMPRESA FORNE-CEDORA DE MÃO-DE-OBRA E OS CONTRATADOS DIRETAMEN-TE PELA TOMADORA DOS SERVIÇOS. ART. 12, ALÍNEA A, DA LEI Nº 6.019/74. APLICAÇÃO ANALÓGICA. 1. À falta de previsão legal específica, socorrendo-se da analogia e dos princípios gerais do direito, bem como atendendo aos fins sociais da norma aplicada e às exigências do bem comum (LICC, arts. 4º e 5º), aplica-se o preceito inscrito na alínea a do art. 12 da Lei nº 6.019/74 para reconhecer aos empregados terceirizados tratamento isonômico em relação àqueles contratados pela tomadora dos serviços, desde que haja igualdade de funções. 2. O legislador ordinário lançou mão do referido dispositivo no intuito de coibir qualquer tratamento discriminatório gerado a partir de possível diferenciação de conduta e de salário, no ambiente de trabalho, entre os empregados temporários e os de mesma categoria da empresa tomadora. Ora, se na terceirização temporária de curto prazo vislumbrou-se a possibilidade de tratamento discriminatório, com muito maior gravidade, constância e profundidade tal circunstância verificar-se-á na terceirização permanente, em que, não raro, os empregados da prestadora dos serviços sujeitam-se por período prolongado a condições de patente desigualdade salarial em relação aos empregados de mesma categoria da empresa tomadora, não obstante desempenhando idênticas funções. 3. Embargos de que se conhece, por divergência jurisprudencial, e a que se dá provimento para, reconhecendo o direito dos reclamantes, terceirizados, à isonomia salarial com os empregados da tomadora dos serviços exercentes das mesmas funções, restabelecer a r. sentença.” (TST-E-RR-654.203/00.9, SBDI-1, Rel. Min. João Oreste Dalazen, DJU 11.11.05) “DIFERENÇAS SALARIAIS. TERCEIRIZAÇÃO. TRATA-MENTO ISONÔMICO ENTRE EMPREGADOS DA EMPRESA PRESTADORA E DA EMPRESA TOMADORA DOS SERVIÇOS. A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (Enunciado nº 331, II, do TST). A impossibilidade de se formar o vínculo de emprego, contudo, não afasta o direito do trabalhador terceirizado às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas ao empregado público que cumprisse função idêntica no ente estatal tomador dos serviços. Esse tratamento isonômico visa a afastar os efeitos perversos e discriminatórios tentados pela terceirização ilícita. Trata-se de mecanismo hábil a propiciar que o ilícito trabalhista não perpetre maiores benefícios a seu praticante, encontrando amparo no art. 5º, caput, da Constituição (Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza) e também no art. 7º, inciso XXXII, da CF/88, que proíbe distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos. Embargos não conhecidos.” (TST-E-RR-799.073/2001.6, SBDI-1, Rel. Min. Rider Nogueira de Brito, DJU 25.02.05) “TERCEIRIZAÇÃO. EQUIPARAÇÃO SALARIAL ENTRE OS EMPREGADOS DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS E OS DA TOMADORA. A fim de se evitar a ocorrência de tratamento discriminatório entre os empregados da empresa prestadora de serviços e os da tomadora, e observado o exercício das mesmas funções, esta Corte entende serem devidos os direitos decorrentes do enquadramento como se empregado da empresa tomadora fosse, tanto em termos de salário quanto às condições de trabalho (com a ressalva de entendimento pessoal do relator, para observar a regra da disciplina judiciária). Recurso de embargos de que não se conhece.” (TST-E-ED-AIRR e RR-750.675/ 2001.0, SBDI-1, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, DJU 19.10.07) “EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. ISONOMIA. TERCEIRIZAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA. ATIVIDADES TÍPICAS DA CATEGORIA PROFISSIONAL DOS BANCÁRIOS. ART. 12, ALÍNEA A, DA LEI Nº 6.019/74. APLICAÇÃOANALÓGICA. A Constituição da República consagra o princípio da igualdade (art. 5º, caput), ao mesmo tempo em que proíbe o tratamento discriminatório (art. 7º, XXXII). A execução das mesmas tarefas, bem como a submissão a idênticos encargos coloca o empregado da tomadora de serviços e o empregado terceirizado em situação que enseja tratamento eqüitativo. A submissão a concurso público distingue tais empregados no que toca aos estatutos jurídicos reguladores de suas relações de trabalho, o que não afasta o direito ao tratamento isonômico, adequado às peculiaridades das atividades desenvolvidas. A impossibilidade de se formar o vínculo de emprego, contudo, não afasta o direito do trabalhador terceirizado às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas ao empregado público que cumprisse função idêntica no ente estatal tomador dos serviços. Esse tratamento isonômico visa a afastar os efeitos perversos e discriminatórios tentados pela terceirização ilícita. Trata-se de mecanismo hábil a propiciar que o ilícito trabalhista não perpetre maiores benefícios a seu praticante, encontrando amparo no art. 5º, caput, da Constituição (Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,...) e também no art. 7º, inciso XXXII, da CF/88, que proíbe distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos (TST-E-RR-799.073/01.6, SDI-I, Rel. Min. Rider Nogueira de Brito, DJ 25.02.05). Ora, se na terceirização temporária de curto prazo vislumbrou-se a possibilidade de tratamento discriminatório, com muito maior razão na terceirização permanente, em que, não raro, os empregados da prestadora dos serviços sujeitam-se por período de tempo prolongado a condições de patente desigualdade salarial em relação aos empregados de mesma categoria da empresa tomadora, não obstante desempenhando idênticas funções (TST-E-RR654.203/00.9, SDI-I, Rel. Min. João Oreste Dalazen, DJ 11.11.05). Aplicação analógica do art. 12, a, da Lei nº 6.019/74. Embargos conhecidos e não-providos.” (TST-E-ED-RR-655028/2000.1, SBDI-1, Relª Minª Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, DJU 25.05.07) Em face do exposto, e diante da aplicação analógica do art. 16 da Lei nº 6.019/74, dou provimento ao recurso de revista para reconhecer o direito dos reclamantes à isonomia salarial com os empregados da tomadora de serviços exercentes da função de Operador de Equipamentos de Entrada de Dados, na forma requerida em petição inicial. Permanece inalterada a decisão que declarara a responsabilidade subsi diária pelo pagamento dos créditos trabalhistas reconhecidos à reclamante e eventualmente não satisfeitos pelas empresas intermediadoras de mão-de-obra. Custas a cargo da reclamada calculadas sobre o valor arbitrado à condenação, no importe de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Isto posto, Acordam os Ministros da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: a) conhecer e dar provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista; b) conhecer do recurso de revista, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, dar-lhe provimento para reconhecer o direito da reclamante à isonomia salarial com os empregados da tomadora de serviços exercentes da função de Operador de Equipamentos de Entrada de Dados, na forma requerida em petição inicial. Custas a cargo da reclamada calculadas sobre o valor da condenação, que ora se arbitra em R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Brasília, 16 de abril de 2008. Horácio Senna Pires, relator. TERCEIRIZAÇÃO. ISONOMIA SALARIAL. APLICAÇÃO ANALÓGICA TERCEIRIZAÇÃO. ISONOMIA SALARIAL. IDENTIDADE DE FUNÇÕES ENTRE OS EMPREGADOS DA EMPRESA FORNECEDORA DE MÃO-DE-OBRA E OS CONTRATADOS DIRETAMENTE PELA TOMADORA DOS SERVIÇOS. ART. 12, ALÍNEA A, DA LEI Nº 6.019/74. APLICAÇÃOANALÓGICA. 1. À falta de previsão legal específica, socorrendo-se da analogia e dos princípios gerais do direito, bem como atendendo aos fins sociais da norma aplicada e às exigências do bem comum (LICC, arts. 4º e 5º), aplica-se o preceito inscrito na alínea a do art. 12 da Lei nº 6.019/74 para reconhecer aos empregados terceirizados tratamento isonômico em relação àqueles contratados pela tomadora dos serviços, desde que haja igualdade de funções. 2. O legislador ordinário lançou mão do referido dispositivo no intuito de coibir qualquer tratamento discriminatório gerado a partir de possível diferenciação de conduta e de salário, no ambiente de trabalho, entre os empregados temporários e os de mesma categoria da empresa tomadora. Ora, se na terceirização temporária de curto prazo vislumbrou-se a possibilidade de tratamento discriminatório, com muito maior gravidade, constância e profundidade tal circunstância verificar-se-á na terceirização permanente, em que, não raro, os empregados da prestadora dos serviços sujeitam-se por período prolongado a condições de patente desigualdade salarial em relação aos empregados de mesma categoria da empresa tomadora, não obstante desempenhando idênticas funções. 3. Embargos de que se conhece, por divergência jurisprudencial, e a que se dá provimento para, reconhecendo o direito dos reclamantes, terceirizados, à isonomia salarial com os empregados da tomadora dos serviços exercentes das mesmas funções, restabelecer a r. sentença. (Processo nº TST-E-RR-654.203/00 – Ac. SBDI 1) Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Recurso de Revista nº TST-E-RR-654.203/00.9, em que são embargantes Saulo Elias Aranha e outros e embargada Caixa Econômica Federal – CEF. A C. Turma pelo v. acórdão de fls. 968/975 deu provimento ao recurso de revista para, reformando o v. acórdão regional, excluir da condenação as parcelas deferidas com base na equiparação à categoria profissional dos bancários. Recurso de embargos pelos reclamantes às fls. 1026/1066, alegando que a decisão da Turma diverge com decisão proferida pela C. 5ª Turma, no sentido de que a equiparação salarial é cabível até mesmo na terceirização temporária, com mais razão é cabível nas situações de terceirização ilícita ou em períodos mais longos, conforme os arestos que colaciona, ambos da C. 5ª Turma. Apontam violação ao art. 896 da CLT, por entenderem que não há como não se reconhecer os direitos dos bancários ao empregado da prestadora de serviços, conforme o art. 5º, caput, e 7º, XXXII, da CF/88. Requerem o benefício da assistência judiciária gratuita – fls. 1068/1078. Impugnação pela CEF às fls. 1143/1148. Eis o relatório aprovado em sessão. Assinalo que é da lavra do Exmo. Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, Relator originário, os trechos textualmente reproduzidos entre aspas. “1. PEDIDO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA FEITO PELOS RECLAMANTES Os reclamantes requerem o benefício da assistência judiciária gratuita, com base na Lei nº 1.060/50 e art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal. A Orientação Jurisprudencial nº 269 da C. SDI dispõe: ‘O benefício da justiça gratuita pode ser requerido em qualquer tempo ou grau de jurisdição, desde que, na fase recursal, seja o requerimento formulado no prazo alusivo ao recurso.’ Defiro, portanto.” “2. EQUIPARAÇÃO SALARIAL – BANCÁRIO – EMPREGADO TERCEIRIZADO CONHECIMENTO A C. Turma, ao reformar a decisão do Eg. Tribunal Regional da 15ª Região, conheceu do recurso de revista por violação ao art. 12, a, da Lei nº 6.019/74, ao entendimento: ‘O Regional, como se observa, deferiu a equiparação com a categoria dos bancários, por aplicação do disposto no art. 12, a, da Lei nº 6.019/74 e art. 5º da Constituição Federal. Todavia, não restando consignado que os reclamantes exerciam trabalho temporário, nos termos da Lei nº 6.019/74, a eles não se aplica o disposto no art. 12, a, do referido diploma legal, não havendo, pois, amparo legal para o deferimento da equiparação deferida.’ (fl. 973) No mérito, deu provimento ao recurso para, reformando o acórdão regional, excluir da condenação as parcelas deferidas com base na equiparação à categoria profissional dos bancários. Os embargantes alegam que a decisão da C. Turma diverge com decisões proferidas pela C. 5ª Turma, no sentido de que, se a equiparação salarial é cabível até mesmo na terceirização temporária, com mais razão é cabível nas situações de terceirização ilícita ou em períodos mais longos, conforme os arestos que colaciona, ambos da C. 5ª Turma. Entendem que não há como não se reconhecer os direitos dos bancários ao empregado da prestadora de serviços, conforme o art. 5º, caput, e 7º, XXXII, da CF/88. Demonstrado o conflito jurisprudencial, em face dos arestos colacionados oriundos da C. 5ª Turma, que, em sentido contrário ao decidido pela C. 3ª Turma, entende ser cabível a equiparação salarial na terceirização.” 2. MÉRITO DOS EMBARGOS 2.1. TERCEIRIZAÇÃO. ISONOMIA SALARIAL Discute-se, na hipótese vertente, o direito de os autores, empregados de empresa fornecedora de mão-de-obra, alcançarem direitos próprios da categoria dos bancários, tendo em vista que exerciam, na tomadora dos serviços, Caixa Econômica Federal, funções idênticas àquelas desempenhadas pelos empregados desta Instituição Financeira. Na espécie, como visto, a Eg. Terceira Turma do TST deu provimento ao recurso de revista interposto pela reclamada para “excluir da condenação as parcelas deferidas com base na equiparação à categoria profissional dos bancários” (fl. 975). A meu ver, data venia do entendimento esposado pela Eg. 3ª Turma, não merecia reforma o v. acórdão regional que, por sua vez, ratificou a r. sentença no tocante à condenação subsidiária da CEF, na qualidade de tomadora dos serviços, ao pagamento de verbas próprias da categoria dos bancários. Registrese que assim decidiu a Corte Regional valendo-se de aplicação analógica do art. 12, alínea a, da Lei nº 6.019/74, haja vista a identidade entre as atividades desempenhadas pelos reclamantes, cujo vínculo de emprego foi estabelecido com a empresa terceirizada, e aquelas exercidas pelos empregados contratados diretamente pela CEF, tipicamente bancárias (fls. 930/931). Com efeito. É certo que a Lei nº 6.019/74 dirige-se especificamente à regulamentação do trabalho temporário, assim definido como “aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender a necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços” (art. 2º). Em princípio, portanto, referido diploma legal destinar-se-ia tão-somente àquelas hipóteses transitórias e emergenciais, o que difere substancialmente do caso específico dos autos, em que os reclamantes, empregados da fornecedora de mão-de-obra, laboraram nas dependências da CEF, executando atividades tipicamente bancárias, por um período médio de três anos (petição inicial – fls. 03/04). Chama a atenção, todavia, o disposto no art. 12, alínea a, da aludida Lei nº 6.019/74, no seguinte sentido: “(Caput) Ficam assegurados ao trabalhador temporário os seguintes direitos: a) remuneração equivalente à percebida pelos empregados de mesma categoria da empresa tomadora ou cliente calculados à base horária, garantida, em qualquer hipótese, a percepção do salário mínimo regional.” (grifo nosso) Por certo que o legislador ordinário lançou mão do referido dispositivo no intuito de coibir qualquer tratamento discriminatório gerado a partir de possível diferenciação de conduta e de salário, no ambiente de trabalho, entre os empregados temporários e os de mesma categoria da empresa tomadora. Ora, se na terceirização temporária de curto prazo vislumbrou-se a possibilidade de tratamento discriminatório, com muito maior razão na terceirização “permanente”, em que, não raro, os empregados da prestadora dos serviços sujeitam-se por período de tempo prolongado a condições de patente desigualdade salarial em relação aos empregados de mesma categoria da empresa tomadora, não obstante desempenhando idênticas funções. Especificamente nos casos de terceirização permanente, não há lei específica que trate de isonomia salarial. Ressalte-se que o art. 461 da CLT, ao cuidar de equiparação salarial, disciplina unicamente os casos de empregados de uma mesma empresa, não albergando os empregados de empresas distintas, ligados pelo fenômeno da terceirização. De sorte que não vislumbro solução mais adequada senão a de, socorrendo-se da analogia e dos princípios gerais do direito, atendendo aos fins sociais da norma aplicada e às exigências do bem comum (LICC, arts. 4º e 5º), aplicar o preceito inscrito na alínea a do art. 12 da Lei nº 6.019/74 para reconhecer aos empregados terceirizados, nessas circunstâncias, tratamento isonômico em relação àqueles contratados pela tomadora dos serviços, desde que haja igualdade de funções. Nesse sentido cumpre mencionar a lição de Mauricio Godinho Delgado: “Insista-se que a fórmula terceirizante, caso não acompanhada do remédio jurídico da comunicação remuneratória, transforma-se em mero veículo de discriminação e aviltamento do valor da força de trabalho, rebaixando drasticamente o já modesto padrão civilizatório alcançado no mercado de trabalho do país.” (In: Curso de direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 462) Tal entendimento, a meu ver, afigura-se consentâneo com o princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput, c/c 7º, inciso XXX, da Constituição Federal de 1988). No âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, esta Eg. Seção já teve oportunidade de manifestar-se a respeito do tema, merecendo destaque o posicionamento adotado pelo Exmo. Ministro Rider de Brito no julgamento do recurso de embargos TST-E-RR-799.073/01.6, em que figurou como redator designado, publicado no Diário de Justiça de 25.02.05: “DIFERENÇAS SALARIAIS. TERCEIRIZAÇÃO. TRATA-MENTO ISONÔMICO ENTRE EMPREGADOS DA EMPRESA PRESTADORA E DA EMPRESA TOMADORA DOS SERVIÇOS. A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (Enunciado nº 331, II, do TST). A impossibilidade de se formar o vínculo de emprego, contudo, não afasta o direito do trabalhador terceirizado às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas ao empregado público que cumprisse função idêntica no ente estatal tomador dos serviços. Esse tratamento isonômico visa a afastar os efeitos perversos e discriminatórios tentados pela terceirização ilícita. Trata-se de mecanismo hábil a propiciar que o ilícito trabalhista não perpetre maiores benefícios a seu praticante, encontrando amparo no art. 5º, caput, da Constituição (Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,...) e também no art. 7º, inciso XXXII, da CF/88, que proíbe distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos. Embargos não conhecidos.” Assim, conquanto se trate, no caso em tela, de empregados de empresa prestadora de serviços, os reclamantes fazem jus aos mesmos salários e vantagens percebidas pelos empregados da tomadora dos serviços, exercentes das mesmas funções, por aplicação analógica do art. 12, alínea a, da Lei nº 6.019/74. À vista do exposto, dou provimento aos embargos para, reconhecendo o direito dos reclamantes à isonomia salarial com os empregados da Caixa Econômica Federal exercentes das mesmas funções, restabelecer integralmente a r. sentença, inclusive no tocante à extinção do processo, com julgamento do mérito, em relação ao reclamante José Carlos Pereira, ante a incidência da prescrição bienal total, nos termos do art. 269, inciso IV, do CPC, e ao indeferimento dos honorários advocatícios, tendo em vista que os reclamantes não se encontram assistidos por sindicato da categoria profissional. Isto posto, Acordam os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, I – por unanimidade, conhecer dos embargos por conflito jurisprudencial e, no mérito, por maioria, vencidos os Exmos. Ministros Aloysio Silva Corrêa da Veiga, relator, João Batista Brito Pereira e Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, dar-lhes provimento para, reconhecendo o direito dos reclamantes à isonomia salarial com os empregados da Caixa Econômica Federal exercentes das mesmas funções, restabelecer integralmente a r. sentença, inclusive no tocante à extinção do processo, com julgamento do mérito, em relação ao reclamante José Carlos Pereira, ante a incidência da prescrição bienal total, nos termos do art. 269, inciso IV, do CPC, e ao indeferimento dos honorários advocatícios, tendo em vista que os reclamantes não se encontram assistidos por sindicato da categoria profissional; II – por unanimidade, deferir o pedido de assistência judiciária gratuita aos reclamantes. Brasília, 12 de setembro de 2005. João Oreste Dalazen, redator designado. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. LEI Nº 6.019/74. EM-PREGADO DE EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS E EMPREGADO DE TOMADORA DE SERVIÇOS INTEGRANTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚ-BLICA INDIRETA. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional. Entretanto, a impossibilidade de se formar vínculo de emprego com ente da administração pública, ante a inexistência de prévia aprovação em concurso público, não elide o direito ao trabalhador terceirizado aos mesmos salários e vantagens percebidas pelos empregados da tomadora de serviços exercentes das mesmas funções, por aplicação analógica do art. 12, alínea a, da Lei nº 6.019/74. Recurso de revista não conhecido. RESPONSABILIDADE SUBSI-DIÁRIA. ENTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ITEM IV DA SÚMULA Nº 331 DO TST. “O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666/ 93)”. Recurso de revista não conhecido. (Processo nº TST-RR-1068/2006-053-03-00 – Ac. 1ª Turma) Vistos, relatados e discutidos estes autos do Recurso de Revista nº TSTRR-1068/2006-053-03-00.9, em que é recorrente Caixa Econômica Federal – CEF e são recorridas Brasília Serviços de Informática Ltda., Rosch – Admi- nistradora de Serviços de Informática Ltda. e Isabela Viotti Bernardes de Frei tas. O egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, mediante o acórdão prolatado às fls. 441/449, rejeitou a preliminar de carência de ação por ilegitimidade passiva ad causam e negou provimento ao recurso ordinário interposto pela reclamada. Manteve a decisão que declarou ilícita a terceirização de serviços pactuada por meio de contrato, reconhecendo à reclamante a condição de bancária e deferindo-lhe os direitos e as benesses devidas aos empregados da tomadora dos serviços – Caixa Econômica Federal. Manteve, ainda, a condenação subsidiária da CEF, inclusive quanto ao pagamento da multa prevista no art. 467 da Consolidação das Leis do Trabalho. Deixou consignado que não houve reconhecimento de relação de emprego com a CEF. Insurge-se a reclamada contra a isonomia salarial reconhecida entre a autora e os bancários e contra a condenação subsidiária. Alega violação dos arts. 7º, XXXII, 37, II, e 173, §§ 3º e 5º, da Carta Magna, art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 e 611 da CLT, contrariedade à Súmula nº 363 do TST, bem como traz arestos a confronto. O recurso de revista foi admitido por meio da monocrática proferida às fls. 508/509. Foram apresentadas contra-razões pela reclamante às fls. 510/518. Dispensada a remessa dos autos à douta Procuradoria-Geral do Trabalho, à míngua de interesse público a tutelar. É o relatório. VOTO I – CONHECIMENTO 1. PRESSUPOSTOS GENÉRICOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL O recurso é tempestivo (acórdão publicado em 24.05.07, quinta-feira, conforme certidão lavrada à fl. 445, e recurso protocolizado em 01.06.07, à fl. 446). O depósito recursal foi efetuado no valor legal (fl. 395 e 448) e as custas, recolhidas (fl. 396). A reclamada está regularmente representada nos autos (procuração acostada às fls. 435/436). 2. PRESSUPOSTOS ESPECÍFICOS DE ADMISSIBILIDADE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. LEI Nº 6.019/74. EMPREGADO DE EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS E EMPREGADO DE TOMADORA DE SERVIÇOS INTEGRANTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA O Tribunal Regional, analisando a matéria, assim se pronunciou a respeito: “O juiz de origem declarou ilícita a terceirização de serviços pactuada através de contrato de fls. 278/307 e aditamento de fl. 277, em razão de os serviços terceirizados inserir na atividade bancária típica, o que implica violação ao princípio isonômico em relação aos empregados da tomadora de serviços e das empresas terceirizadas, fundamento pelo qual reconheceu à reclamante a condição de bancária e deferiu-lhe os direitos e as benesses devidas aos empregados da tomadora dos serviços Caixa Econômica Federal. Trazendo a confronto as mesmas razões defensivas (fls. 259/273) contra a decisão insurge-se a terceira reclamada (Caixa Econômica Federal), dizendo que contratou serviços na área de processamento de dados (Contrato de Prestação de Serviços de Tratamento de Documentos); a autora não executava atividades restritas aos seus empregados; os serviços executados têm natureza instrumental, acessória ou complementar e não se inserem na sua atividade-fim, bem como eram prestados de forma permanente, não se aplicando ao caso o instituto do Trabalho Temporário, regulado pela Lei nº 6.019/74. Sem razão. A teor do que se decidiu na origem, os serviços prestados pela reclamante consistiam no exame e processamento dos documentos originários dos denominados ‘caixas rápidos’, atividades que, além de inseridas na atividade-fim da tomadora de serviço, eram tipicamente bancária, porquanto como acentuado ‘a autora, embora não atendesse diretamente ao público, atuava na retaguarda, dando suporte ao atendimento dos clientes ou usuários, não se tratando meramente de serviços secundários, periféricos, apenas necessários ao núcleo de atividade do empreendimento. A atividade umbilicalmente vinculada à razão de ser da instituição financeira, o cliente, pessoa física e jurídica, era pessoal e subordinado diretamente à chefia da agência, nos próprios termos do contrato de prestação de serviços e do termo de referência’ (fl. 360). Com efeito, aliado ao que se colhe do conjunto probatório que emerge dos autos (documentos e depoimento da preposta – que à fl. 354 indicou atividades desenvolvidas pela reclamante não incluídas no contrato de prestação de serviços entre as reclamadas) e aos fundamentos postos na decisão, que no sentir desta relatora foram bem elucidativos, tem-se por correta a sentença que declarou a ilicitude da terceirização de serviços pactuada entre as rés e reconhecendo à reclamante a condição de bancária e, por conseguinte, deferiu-lhe, ante o princípio isonômico, os pedidos atinentes aos direitos devidos aos empregados da recorrente, tomadora dos serviços e terceira reclamada, até porque o recurso não traz qualquer elemento novo capaz de modificar a r. sentença de origem. Assim é que, reconhecida a ilicitude da terceirização e a condição de bancária, o pagamento à reclamante dos mesmos salários e vantagens pagos aos empregados da tomadora de serviços, ora recorrente, é mera conseqüência, ante o princípio da isonomia, conforme decidiu o juiz a quo (conclusão de fls. 3367/369). Registra-se que a hipótese discutida não se identifica com a de equiparação salarial que se rege por princípio próprio, mas de pagamento igual para trabalho igual com fulcro no art. 12 da Lei nº 6.019/74, aqui aplicada por analogia. Pontue-se, ainda, que não houve reconhecimento da relação de emprego com a recorrente e nem condenação de diferenças de salário decorrentes de equiparação salarial, pelo que fica afastada a invocada ofensa ao art. 37, II, da Constituição da República e ao art. 461 da CLT, segundo razões recursais de fls. 387 e 391.” (fls. 441/442) A reclamada insurge-se contra a isonomia salarial reconhecida entre a autora e os bancários, até mesmo com o deferimento dos benefícios previstos em instrumentos coletivos. Alega a impossibilidade de contratação de pessoal pelas empresas públicas sem a prévia aprovação em concurso público. Salienta que o deferimento de direitos iguais a pessoas com situações jurídicas distintas ofende o princípio da isonomia salarial. Sustenta que os instrumentos coletivos da CEF são garantidos apenas aos seus empregados, uma vez que as demais reclamadas não participaram da negociação nem assinaram os referidos instrumentos. Diz que a reclamante foi contratada para a área de digitação, atividade-meio, sendo suas atribuições diversas das dos técnicos bancários. Reputa violados os arts. 7º, XXXII, e 37, II, da Carta Magna e 611 da CLT, contrariedade à Súmula nº 363 do TST, bem como traz arestos para confronto. Trata-se de hipótese em que a reclamante foi contratada por empresa interposta para prestar serviços inerentes à atividade-fim do tomador, sem a caracterização de trabalho temporário, regulamentado pela Lei nº 6.019/74. Nos termos do art. 2º do referido diploma legal, trabalho temporário é “aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender a necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços”. É certo que, aos trabalhadores em regime temporário, a lei assegura o direito à percepção de “remuneração equivalente à percebida pelos empregados de mesma categoria da empresa tomadora ou cliente” (art. 12, alínea a, da Lei nº 6.019/74). Tal garantia tem o manifesto propósito de coibir a depreciação da mão-de-obra efetiva – o que inevitavelmente ocorreria, caso se admitisse a possibilidade de contratação, em caráter temporário, de empregados com remuneração mais baixa. Tal raciocínio igualmente se aplica à hipótese de terceirização – modelo que, desvirtuado de sua finalidade de racionalizar a atividade empresarial, cometendo a empresas especializadas a execução de tarefas que nada têm a ver com a sua atividade-fim, pode efetivamente acarretar graves distorções nas relações de trabalho, concorrendo de forma indelével para a precarização das condições de prestação dos serviços. A interposição de pessoa jurídica (prestadora dos serviços) não se revela suficiente a justificar o tratamento diferenciado de trabalhadores que executam as mesmas tarefas, de igual importância para a atividade empresarial. A obrigação de dar tratamento isonômico aos iguais não encontra exceção na mera circunstância formal de os trabalhadores gozarem de status jurídico diverso. Na hipótese dos autos, o Tribunal Regional valeu-se como base legal para a aplicação do princípio da isonomia salarial do art. 12 da Lei nº 6.019/ 74, aplicado por analogia, expressamente autorizada pelo art. 8º, caput, da CLT. O Tribunal de origem afastou expressamente a ocorrência de equiparação salarial, pelo que restou prejudicado o exame dos autos com fundamento no art. 461 da CLT. Verifica-se, ainda, que não houve o reconhecimento de vínculo empregatício entre a reclamada e a autora, mas responsabilização subsidiária pelos débitos trabalhistas decorrentes de isonomia salarial na terceirização de serviços, o que afasta a alegada afronta aos arts. 37, II, da Carta Magna e de contrariedade à Súmula nº 363 do TST. Por outro lado, não se verifica a alegada violação aos arts. 7º, XXXII, da Carta Magna e 611 da CLT, pois a decisão recorrida, muito embora tenha fundamentado sua decisão no princípio da isonomia, consignou expressamente no acórdão a existência de fraude na terceirização, o que atrai a aplicação no caso concreto da norma do art. 9º da CLT. Com efeito, o entendimento dominante nesta Corte uniformizadora é no sentido de que o trabalhador terceirizado tem direito aos mesmos salários e vantagens percebidas pelos empregados de tomadora de serviços que exercem as mesmas funções, por aplicação analógica do art. 12, alínea a, da Lei nº 6.019/74. Nesse sentido já se manifestou a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais: “TERCEIRIZAÇÃO. ISONOMIA SALARIAL. IDENTIDADE DE FUNÇÕES ENTRE OS EMPREGADOS DA EMPRESA FORNE-CEDORA DE MÃO-DE-OBRA E OS CONTRATADOS DIRETAMEN-TE PELA TOMADORA DOS SERVIÇOS. ART. 12, ALÍNEA A, DA LEI Nº 6.019/74. APLICAÇÃO ANALÓGICA. 1. À falta de previsão legal específica, socorrendo-se da analogia e dos princípios gerais do direito, bem como atendendo aos fins sociais da norma aplicada e às exigências do bem comum (LICC, arts. 4º e 5º), aplica-se o preceito inscrito na alínea a do art. 12 da Lei nº 6.019/74 para reconhecer aos empregados terceirizados tratamento isonômico em relação àqueles contratados pela tomadora dos serviços, desde que haja igualdade de funções. 2. O legislador ordinário lançou mão do referido dispositivo no intuito de coibir qualquer tratamento discriminatório gerado a partir de possível diferenciação de conduta e de salário, no ambiente de trabalho, entre os empregados temporários e os de mesma categoria da empresa tomadora. Ora, se na terceirização temporária de curto prazo vislumbrou-se a possibilidade de tratamento discriminatório, com muito maior gravidade, constância e profundidade tal circunstância verificar-se-á na terceirização permanente, em que, não raro, os empregados da prestadora dos serviços sujeitam-se por período prolongado a condições de patente desigualdade salarial em relação aos empregados de mesma categoria da empresa tomadora, não obstante desempenhando idênticas funções. 3. Embargos de que se conhece, por divergência jurisprudencial, e a que se dá provimento para, reconhecendo o direito dos reclamantes, terceirizados, à isonomia salarial com os empregados da tomadora dos serviços exercentes das mesmas funções, restabelecer a r. sentença.” (E-RR-654.203/2000.9, Rel. Min. João Oreste Dalazen, DJU 11.11.05) “DIFERENÇAS SALARIAIS. TERCEIRIZAÇÃO. TRATA-MENTO ISONÔMICO ENTRE EMPREGADOS DA EMPRESA PRESTADORA E DA EMPRESA TOMADORA DOS SERVIÇOS. A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (Enunciado nº 331, II, do TST). A impossibilidade de se formar o vínculo de emprego, contudo, não afasta o direito do trabalhador terceirizado às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas ao empregado público que cumprisse função idêntica no ente estatal tomador dos serviços. Esse tratamento isonômico visa a afastar os efeitos perversos e discriminatórios tentados pela terceirização ilícita. Trata-se de mecanismo hábil a propiciar que o ilícito trabalhista não perpetre maiores benefícios a seu praticante, encontrando amparo no art. 5º, caput, da Constituição (Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,...) e também no art. 7º, inciso XXXII, da CF/88, que proíbe distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos. Embargos não conhecidos.” (E-RR-799.073/2001, Rel. Min. Rider Nogueira de Brito, DJU 25.02.05) O pretendido dissenso interpretativo também não se configura, à falta de identidade fática entre a situação delineada nos autos e aquelas a que se referem os paradigmas trazidos à colação (fls. 450/470), nos moldes do que determina a Súmula nº 296 do TST. Os arestos às fls. 455/462, 463/464, 467 (segundo) e 468/470 não abordam a matéria pelo prisma central suscitado no acórdão recorrido, de fraude na terceirização; e o primeiro modelo à fl. 467 parte de premissa fática, não reconhecida no acórdão recorrido de legalidade na terceirização praticada. O modelo às fls. 450/454, embora de aparente especificidade ao registrar que, mesmo que se entendesse ilícita a terceirização operada entre as reclamadas, não se poderia reconhecer a condição de bancária da reclamante, concluiu que o enquadramento sindical do empregado observa a atividade preponderante do empregador, à exceção das categorias profissionais diferenciadas, não analisando a fraude na terceirização no cotejo com o art. 12 da Lei nº 6.019/74 (isonomia salarial). Por fim, o último aresto às fls. 464/465 desserve à configuração do dissenso pretoriano, em razão de ser oriundo de Turma desta Corte, hipótese não contemplada pela alínea a do art. 896 da CLT. Por todo o exposto, não conheço do recurso de revista. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA O Tribunal Regional negou provimento ao recurso ordinário interposto pela reclamada para manter a condenação subsidiária da CEF. Valeu-se dos seguintes fundamentos: “Por sintetizar o meu entendimento sobre a questão, no particular, mantenho a decisão de origem por seus próprios fundamentos. Registra-se que não cabe falar em inconstitucionalidade dos verbetes expedidos pelo TST, por não se tratar de regra com força de lei, mas posicionamento predominante na Corte Trabalhista. No caso, a Súmula nº 331/TST consolidou o entendimento sobre a legalidade/ ilegalidade dos contratos de prestação de serviços, tratando no inciso IV da responsabilização de forma subsidiária do tomador de serviço no caso de inadimplência do empregador, inclusive quanto aos órgãos de administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, pelo que não há falar em violação dos arts. 5º, II, e 22 da CR, e muito menos do art. 37, considerando, como já enfatizado, que não houve reconhecimento de relação de emprego com a ora recorrente, Caixa Econômica Federal. Nada a prover.” (fl. 443) Alega a reclamada, em suas razões recursais, que não pode ser responsabilizada subsidiariamente pelos créditos devidos à autora. Argumentou que o contrato celebrado com a empresa prestadora de serviços obedeceu aos critérios legais, sendo inaplicável, ao caso em tela, o disposto no item IV da Súmula nº 331 do TST. Esgrimiu com afronta aos arts. 5º, II, e 173 da Constituição Federal e 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93. O art. 5º, II, da Constituição da República não incide de forma direta na hipótese dos autos, que se exaure na exegese da legislação infraconstitucional. Inviável, daí, o conhecimento da revista pelo permissivo da alínea c do art. 896 consolidado com arrimo na alegada violação constitucional. Verifica-se que a decisão proferida pelo Tribunal Regional revela consonância com o entendimento consagrado no item IV da Súmula nº 331 do TST, cujo teor é o seguinte: “IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666/93).” Revelando, pois, a decisão recorrida sintonia com a Súmula nº 331, IV, desta Corte superior, resulta inviável o conhecimento do recurso de revista, a teor do art. 896, § 5º, da CLT, não havendo cogitar em violação do dispositivo de lei invocado pela reclamada. Não há falar em vulneração do art. 173 da Constituição Federal, à míngua do indispensável prequestionamento, visto que sobre ele não se pronunciou a Corte de origem. Hipótese de incidência da Súmula nº 297 do TST. Com esses fundamentos, não conheço. Isto posto, Acordam os Ministros da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, não conhecer do recurso de revista. Brasília, 16 de abril de 2008. Lelio Bentes Corrêa, relator. Índice Temático ÍNDICE TEMÁTICO Ação civil pública. Terceirização ............................................................... 221 Agravo de instrumento. Contrato de gerenciamento de serviços ............... 238 Convênio entre município e entidade sem fins lucrativos. Inadimplemento de verbas trabalhistas ...................................................... 253 Empresa de telecomunicações. Terceirização ............................................ 262 Responsabilidade subsidiária. Convênio. Administração pública ............. 268 Terceirização. Isonomia salarial ................................................................. 273 Terceirização. Isonomia salarial. Aplicação analógica ............................... 283 Terceirização ilícita. Vínculo empregatício ................................................ 289