AS FORMAS DE APRENDIZAGEM NO BRASIL: QUESTÕES EMERGENTES Ricardo Tadeu Marques da Fonseca* Oart. 227 da Constituição Federal sintetiza o conjunto de direitos das crianças e adolescentes, fazendo-o de forma veemente por várias razões. A primeira delas decorre de ter sido ele originado de Emenda Popular, subscrita por mais de um milhão e trezentos mil brasileiros, sendo apenas referendado pela Assembleia Constituinte, o que lhe empresta a mais flagrante legitimidade. A segunda é inerente à doutrina da proteção integral de crianças e adolescentes, que se concentra na determinação de que o Estado, a família e a sociedade devem agir, segundo a norma constitucional, paritariamente, para que os direitos nela arrolados sejam estendidos às crianças e aos adolescentes com absoluta prioridade. A legitimidade popular, a combinação de esforços entre a família, o Estado e a sociedade e a absoluta prioridade que se confere aos direitos em questão traçam, de forma indelével, a proeminência do direito à profissionalização com relação aos adolescentes de 14 a 18 anos, os quais podem ativar-se profissionalmente em condições restritas de trabalho. Em qualquer hipótese, não se admite trabalho noturno, insalubre, perigoso ou penoso, tampouco qualquer trabalho que atente contra o salutar desenvolvimento físico, mental e moral desses cidadãos; finalmente, os adolescentes de 14 a 16 anos somente podem trabalhar na condição de aprendizes. O direito à profissionalização é aquele que merecerá a atenção neste estudo. Materializa-se juridicamente no Brasil de diversas formas e, na verdade, não é um direito exclusivo dos adolescentes. Constitui-se em um direito de todo cidadão brasileiro, adulto ou adolescente. A formação profissional expressa-se em várias etapas ao longo da vida, podendo-se dar como exemplos: * Desembargador do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná; professor universitário; doutor em Direito das Relações Sociais pela UFPR; especialista e mestre em Direito do Trabalho pela USP. 97 INTRODUÇÃO Rev. TST, Brasília, vol. 79, no 1, jan/mar 2013 SEMINÁRIO TRABALHO INFANTIL a) o Estágio Profissionalizante para jovens do ensino médio, escolas técnicas ou ensino superior, bem como para pessoas com deficiência matriculadas em escolas especiais; b) os cursos de reciclagem profissional e pós-graduação em nível de Especialização, Mestrado, Doutorado e Pós-doutorado; c) o contrato de Trabalho Educativo realizado no interior de organizações não governamentais sem fins lucrativos em que a atividade educacional prepondera sobre a produtiva; d) o Contrato de Aprendizagem para jovens de 14 a 24 anos e pessoas com deficiência sem limite superior de idade. PROCESSO HISTÓRICO DE RUPTURA COM A DOUTRINA MINORISTA EM PROL DA PROTEÇÃO INTEGRAL DOS ADOLESCENTES APRENDIZES Nos últimos dias do século XX, os ventos do terceiro milênio imprimiram novas palavras na Consolidação das Leis do Trabalho. A Lei nº 10.097, de 19 de dezembro de 2000, consolidando a matéria já regulamentada pela Constituição (art. 227), Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96), alterou o capítulo celetista que trata da aprendizagem, harmonizando-o com o ordenamento jurídico outrora esparso e com as necessidades prementes da história. A Constituição de 1988 revolucionou o tratamento dos brasileiros em idade infantil ou juvenil. Absorveu a doutrina internacional da proteção integral das crianças e adolescentes. O art. 227 da Carta de 1988 fixa como prioritária a ação conjunta do Estado e da sociedade, a fim de garantir cidadania às crianças e aos adolescentes. A doutrina em análise os concebe como cidadãos plenos, sujeitos de direitos e obrigações a quem o Estado, a família e a sociedade devem atender prioritariamente. Criaram-se os Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais, justamente para implementar a ação paritária entre o Estado e a sociedade na fixação das políticas de atendimento aos pequenos cidadãos. Abandonou-se, portanto, a visão meramente assistencialista que orientava os Códigos de Menores de 1927 e de 1979. Essa legislação contemplava aspectos inerentes ao atendimento de crianças e adolescentes carentes ou infratores, estabelecendo política de assistência social ou de repressão em entidades correcionais. Mas o conceito de cidadania que se quer implementar é o de que esses brasileiros, em razão de sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, devem ser atendidos, prioritariamente, em suas necessidades também peculiares de cidadãos. 98 Rev. TST, Brasília, vol. 79, no 1, jan/mar 2013 SEMINÁRIO TRABALHO INFANTIL No que diz respeito ao trabalho, a doutrina da proteção integral trouxe os seguintes reflexos: a) Proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (art. 7º, inciso XXX, da Constituição Federal). Pela primeira vez, no ordenamento constitucional brasileiro, há a proibição da discriminação da idade nas relações de trabalho. Não são mais aceitos programas assistenciais que se moldem em condições diferenciadas de trabalho em razão da idade e da condição social, deixando, portanto, de ser recebido o chamado Programa do Bom Menino, que se corporificava no Decreto-Lei nº 2.318/86. b) O art. 227, § 3º, incisos I a III, da CF estabelece: “o direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I – idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto do art. 7º, XXXIII; II – garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III – garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola”. c) A Emenda nº 20/98 elevou a idade mínima para o trabalho a 16 anos, abrindo um grande espaço social para a concessão do direito à profissionalização em relação aos jovens de 14 a 16 anos, o que foi enfatizado pela Lei nº 11.180/05, que elevou o teto etário para a aprendizagem para 24 anos, e possibilitou essa atividade a pessoas com deficiência sem qualquer limite de idade. d) O direito à profissionalização passou a ser prioritário e, para sua materialização, foi ele inserido no âmbito da política educacional, bem como foram ampliadas as hipóteses legais de aprendizagem. Em 1992, a Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região recebeu uma denúncia formulada pelo Ministério Público Estadual, no sentido de que haveria, na cidade de Campinas, duas entidades de cunho assistencial cuja finalidade precípua seria a de inserir os adolescentes no mercado de trabalho, sem, no entanto, assegurar-lhes direitos trabalhistas. Em audiências iniciais com ambas as entidades, notou-se que se inspiravam na ideia do trabalho assistencial e se mobilizavam no intuito de arregimentar adolescentes carentes, ministrar-lhes noções iniciais de etiqueta, higiene e formação profissional para, ao cabo de determinado período, inseri-los em empresas mediante o pagamento de bolsas, as quais repassavam aos adolescentes em valor sempre inferior ao do salário-mínimo. O aprofundamento das investigações ocorreu devido à deliberação do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho, o qual sugeriu aos Procuradores a busca progressiva da adequação dessas entidades às novas di- Rev. TST, Brasília, vol. 79, no 1, jan/mar 2013 99 SEMINÁRIO TRABALHO INFANTIL retrizes legais. Diversos estudos foram realizados na 15ª Região, pautando-se a pesquisa pelo reconhecimento da evidente importância social da atividade realizada por essas entidades, as quais, verificou-se, já se instalaram, há décadas, em todo o Interior do Estado de São Paulo e mesmo em outros estados do país, demonstrando-se sérias, merecendo, por isso mesmo, respeito e uma ação pedagogicamente cuidadosa por parte do Ministério Público do Trabalho. Vários artigos foram produzidos, inúmeras palestras foram proferidas, centenas de inquéritos civis foram instaurados, uma vez que, não obstante a relevância social dessas entidades, as questões inerentes ao cumprimento da legislação trabalhista permaneceram desatendidas. Os adolescentes prestavam serviços nas empresas, conforme já dito, sem acompanhamento metódico por educadores nas atividades laborais, percebiam remuneração inferior ao mínimo legal, submetiam-se à subordinação jurídica com os tomadores, evidenciando-se, portanto, todos os elementos que fazem incidir a legislação trabalhista. Dela, porém, não se beneficiavam. O Ministério Público do Trabalho empenhou-se em buscar a adequação dessas entidades à nova sistemática jurídica trazida pela Constituição Cidadã de 1988, considerando, acima de tudo, que várias denúncias da sociedade instigavam à urgente revisão dos programas assistenciais dessas organizações não governamentais sem fins lucrativos. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Condeca) passaram a se manifestar oficialmente no sentido de insistir na adequação dessas entidades aos parâmetros legais contemporâneos ou propugnar pelo fechamento daquelas que permanecessem renitentes na utilização do velho modelo. Recebemos notícias de adolescentes que se acidentavam no trabalho e deixavam de ser atendidos pela Previdência; meninas que engravidavam eram sumariamente dispensadas sem haver seus direitos. Em dezembro de 1997, realizou-se, na sede da 15ª Região, uma audiência pública, presidida pelo Dr. Raimundo Simão de Melo, então Procurador-Chefe, da qual participaram o ilustríssimo Delegado Regional do Trabalho de São Paulo, Dr. Antônio Funari Filho, e as cem maiores entidades de guardas mirins ou patrulheiros mirins do Estado. Traçou-se, na oportunidade, uma política estadual, capitaneada pelo Ministério do Trabalho e Emprego e Ministério Público do Trabalho da 15ª e 2ª Regiões. Visava-se obter o registro dos adolescentes nas entidades, bem como o seu acompanhamento por educadores no trabalho que desempenhariam junto às empresas conveniadas. 100 Rev. TST, Brasília, vol. 79, no 1, jan/mar 2013 SEMINÁRIO TRABALHO INFANTIL A ação foi bem sucedida, pois se obteve, por meio de negociação direta entre as entidades e o Ministério do Trabalho e Emprego, ou da lavratura de Termos de Ajustamento de Conduta perante o Ministério Público do Trabalho, o registro de cerca de 10 mil adolescentes em CTPS. O modelo proposto em São Paulo acabou por repercutir em manifestações oficiais de apoio e incentivo por parte do Conselho Paulista, em 28 de abril de 1999, e do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, em 12 de maio de 1999. Também houve menção honrosa por parte de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, criada com a finalidade de apurar denúncias sobre o trabalho de crianças e adolescentes no Brasil, que apresentou seu relatório final em 30 de junho de 1999. Esses fatos, somados às circunstâncias já descritas, fizeram com que uma comissão pluri-institucional composta por representantes do Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho, Ministério da Educação e Cultura e Ministério da Previdência Social elaborassem o texto de uma minuta de anteprojeto de lei que, por fim, foi apresentado pelo excelentíssimo Presidente da República, no início de 2000, ao Congresso Nacional, o qual o aprovou integralmente, vindo a ser sancionado em 19 de dezembro daquele ano. A partir dessa Lei, o direito à profissionalização manifesta-se no Brasil por intermédio dos cursos de reciclagem profissional e pós-graduação em nível de Especialização, Mestrado, Doutorado e Pós-doutorado (Lei nº 9.394/96 – LDB); Estágio Profissionalizante para jovens do ensino médio, escolas técnicas ou ensino superior, bem como para pessoas com deficiência matriculadas em escolas especiais (Lei nº 11.788/08); do contrato de Trabalho Educativo realizado no interior de organizações não governamentais sem fins lucrativos em que a atividade educacional prepondera sobre a produtiva (Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente); e do Contrato de Aprendizagem para jovens de 14 a 24 anos e pessoas com deficiência sem limite superior de idade (Lei nº 10.097/00, Lei nº 1.188/05 e Lei nº 12.470/2011). CURSOS DE RECICLAGEM PROFISSIONAL O direito ao constante aperfeiçoamento profissional é garantido pela Constituição Federal em seus arts. 206 e 208. Nas últimas décadas, por isso mesmo, o Estado e a sociedade têm demonstrado um forte empenho em ampliar as vagas no ensino fundamental e médio, bem como têm desenvolvido programas de democratização do acesso ao ensino superior e à formação continuada envolvendo a pós-graduação lato e stricto sensu. Pode-se citar como exemplos programas como Educação de Jovens e Adolescentes no trabalho, políticas de Rev. TST, Brasília, vol. 79, no 1, jan/mar 2013 101 SEMINÁRIO TRABALHO INFANTIL cotas raciais e sociais, franqueamento de acesso às universidades privadas com bolsa integral a jovens carentes, flexibilização dos vestibulares utilizando-se as notas do ENEM como mecanismo de aprovação em universidades públicas ou privadas, entre outros. O resultado estatisticamente demonstrado pelo IBGE é o de que de fato aumentou o número de pessoas inseridas no ensino superior, em patamares sem precedentes. Padecemos, no entanto, de vícios crônicos, que se agravam no que diz respeito à qualidade de ensino, que mais se acentuam no ensino fundamental e médio e progressivamente vem conspurcando a qualidade do ensino superior. As razões são por demais conhecidas e consistem, basicamente, na falta de qualificação dos professores, bem como na ausência de uma política adequada concernente à melhoria das remunerações dos mestres. Para que a doutrina da proteção integral se implemente, até porque foi estendida aos jovens pela Emenda nº 65/2010, é fundamental um olhar atento para a qualificação do ensino e dos cursos de aprimoramento profissional. A consolidação da democracia não pode prescindir desse cuidado. ESTÁGIO PROFISSIONALIZANTE O Estágio Profissionalizante não gera vínculo de emprego porque assim o determinava a Lei nº 6.494/77, no que foi ratificada pela Lei nº 11.788/08, e, sobretudo, porque se refere a uma forma de aprendizagem predominantemente escolar, por meio da qual se desenvolve na empresa o aspecto prático das teorias profissionalizantes ministradas no ensino médio, nas escolas técnicas e no ensino superior, bem como nas escolas especiais de pessoas com deficiência. Trata-se, portanto, de trabalho em condição excepcional – que prioriza a educação –, no qual o labor se coloca como coadjuvante da escola. Muitos problemas fizeram-se notar com mais intensidade a partir da edição da Medida Provisória nº 2.164-41/01, de vez que autorizou o alargamento do estágio para o ensino médio em geral, quando antes só o era permitido para escolas técnicas. O Ministério Público do Trabalho observou que os jovens passaram a substituir empregados adultos em larga escala, sendo o estágio um meio de precarização do trabalho e de substituição de empregados. Sempre defendi a inconstitucionalidade dessa medida provisória, tanto formal quanto material. Primeiro porque a regulamentação do estágio, embora relevante, não se deveria dar em caráter de urgência, como prescreve o art. 62 da Constituição Federal, por razões que, pela obviedade, dispensam maiores comentários. Segundo, e mais importante, porque o estágio propiciado em re- 102 Rev. TST, Brasília, vol. 79, no 1, jan/mar 2013 SEMINÁRIO TRABALHO INFANTIL lação aos jovens do ensino médio comum não se justificava, pois a formação educacional básica não apresentava características profissionalizantes. E para que apresentasse eventualmente, seria necessário, conforme prescrevia o art. 82 da Lei nº 9.394/96, uma prévia qualificação dos currículos escolares, de modo a torná-los profissionalizantes em caráter metodicamente orientado. Fiquei, no entanto, vencido, pois, em decorrência daquela medida provisória, editou-se, em 26 de setembro de 2008, a Lei nº 11.788. A Lei em questão visa coibir esse desvirtuamento do estágio, estabelecendo diretrizes que já vinham sendo delineadas pela atuação do Ministério do Trabalho e Emprego e do Ministério Público do Trabalho. Limita-se a jornada do estágio a 6 horas diárias, admitindo-se, excepcionalmente, a jornada de 8 horas, desde que o curso que gera o estágio preveja atividades teóricas e práticas. No que concerne a estudantes de educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional de educação de jovens e adultos, a jornada será de 4 horas diárias; fixa-se o número máximo de estagiários segundo os seguintes critérios: I – de 1 (um) a 5 (cinco) empregados: 1 (um) estagiário; II – de 6 (seis) a 10 (dez) empregados: até 2 (dois) estagiários; III – de 11 (onze) a 25 (vinte e cinco) empregados: até 5 (cinco) estagiários; IV – acima de 25 (vinte e cinco) empregados: até 20% (vinte por cento) de estagiários; impõe-se a atuação da escola como fiscalizadora do estágio, para garantir que subsista estreita relação entre a atividade laboral e as matérias ministradas pela instituição de ensino, que deverá estabelecer o currículo de cunho profissionalizante, supervisionada a atuação laboral do estágio por professor designado e por empregado encarregado de acompanhar o estagiário na empresa. Adota-se, assim, o que já preconizava o art. 82 da Lei nº 9.394/96, revogado tácita e expressamente pela Lei em comento. Estabelecem-se, ademais, direitos trabalhistas compulsórios outrora negados ao estagiário, independentemente do vínculo de emprego, tais como bolsa ou qualquer outra contraprestação remuneratória e vale-transporte em todos os casos de estágio facultativo; outorgam-se, outrossim, férias de 30 dias em qualquer hipótese de contrato de estágio cuja duração supere 12 meses; baliza-se o limite máximo do estágio para o prazo de duração de 2 anos, exceto para os casos de pessoas com deficiência, que poderiam, em tese, estagiar por tempo indeterminado. A exceção em tela afronta, literalmente, o art. 7º, XXXI, da Constituição, bem como os arts. 5 e 27 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, ratificada pelo Congresso Nacional com status constitucional, por meio do Decreto Legislativo nº 186, de julho de 2008, na forma Rev. TST, Brasília, vol. 79, no 1, jan/mar 2013 103 SEMINÁRIO TRABALHO INFANTIL preconizada pelo § 3º do art. 5º da Constituição Federal. É que nada justifica submeter-se a pessoa com deficiência à condição de desvantagem em relação aos demais estagiários, pois ela deve ter a oportunidade de se formar metodicamente no estágio, o que pressupõe a previsão de prazo para que tal ocorra, sob pena de se admitir a absurda hipótese de que as pessoas com deficiência permaneçam como estagiários por toda a vida laboral. A limitação do prazo contratual é norma protetiva que deve ser assegurada a qualquer cidadão, tendo em vista o caráter excepcional do contrato de estágio. Outro aspecto que merece questionamento é a diferença de tratamento acerca da remuneração do estágio obrigatório e do estágio facultativo, uma vez que a lei em análise autorizaria que na primeira hipótese o trabalho se desse sem remuneração. Como se vê, há flagrante afronta ao princípio do valor social do trabalho e da isonomia constitucional (arts. 1º e 5º da CF). Não se argumente que se trataria de ação afirmativa, uma vez que o estágio obrigatório é mais relevante que o facultativo, e, justamente pela sua compulsoriedade, exige remuneração. A nova Lei do Estágio apresenta-se como forte instrumento de coerção contra as fraudes no estágio, contrato excepcional que é e que, por isso mesmo, dispensa o vínculo laboral. Trata-se de aprendizagem escolar em que o trabalho assume função suplementar e de cunho educacional. As diretrizes estabelecidas pela norma indicam correto referencial, por força do que dispõe a Constituição Federal, no art. 227, mas tornam genérica uma forma de trabalho que deveria ser absolutamente excepcional, como se dava outrora em relação às escolas técnicas e ao ensino superior. Fiquei vencido, mas não me convenci acerca da constitucionalidade do modelo adotado. E penso que esse alargamento desmedido do estágio milita em desfavor da utilização do contrato de aprendizagem, muito mais eficiente em termos de formação profissional e projetivo em termos de legislação trabalhista. CONTRATO DE TRABALHO EDUCATIVO O Trabalho Educativo é previsto no art. 68 da Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente – e deve ocorrer no interior de entidades não governamentais sem fins lucrativos e propiciar a preponderância da educação sobre o labor. Este deve, portanto, submeter-se àquela. O pagamento de uma bolsa ao educando não desnaturará o Trabalho Educativo. É o que ocorre nos liceus de artes e ofícios, nas APAES, nos patrulheiros mirins e guardas mirins, apenas enquanto o aprendizado se dá no interior das entidades. Na medida em que se conveniem com empresas e o trabalho 104 Rev. TST, Brasília, vol. 79, no 1, jan/mar 2013 SEMINÁRIO TRABALHO INFANTIL se incorpore ao processo produtivo destas, cessa a característica essencial do Trabalho Educativo que é a prevalência da educação sobre a produção. CONTRATO DE APRENDIZAGEM A origem do Contrato de Aprendizagem remonta à Constituição de 1937, quando o “Estado Novo”, personificado em Getúlio Vargas, visava iniciar a industrialização no Brasil. Com a edição da CLT, em 1943, regulamentou-se o contrato em tela, de forma triangular entre empresas, Serviços Nacionais de Aprendizagem e adolescentes de 12 a 18 anos, inicialmente. Grandes méritos devem ser reconhecidos à Instituição em foco, uma vez que, em sessenta anos, realizou-se no Brasil uma transformação que tomou dois séculos da história europeia. O país agrário convolou-se em uma potência industrial, apesar das injustiças sociais que o processo não pôde evitar. O modelo getulista, porém, tornou-se insuficiente, visto que a sociedade plural e urbana, massiva e globalizada do século XXI, passou a exigir novas diretrizes, superados que foram os processos da sociedade industrial, que se converteram pela demanda da chamada “sociedade pós-industrial” ou “do conhecimento”. A Lei nº 10.097/00, incorporando a doutrina da proteção integral dos adolescentes, alterou a CLT. Ao preservar o modelo anterior, propôs a sua renovação, visando, com isso, aperfeiçoá-lo e torná-lo compatível com as necessidades de milhões de adolescentes que vivem nos mais variados rincões, onde seria impossível a cobertura do antes onipotente sistema “S”. O art. 428 da CLT, com a redação da Lei nº 10.097/00, define os parâmetros gerais do Contrato de Aprendizagem, ao estabelecer que se trata de um contrato especial, necessariamente escrito, por prazo determinado de até dois anos, caracterizado pela formação técnico-profissional metodicamente orientada, pactuado entre empresas e jovens de 14 a 24 anos e supervisionado por entidades habilitadas em formação profissional, tais como o próprio sistema “S” ou escolas técnicas, além de organizações não governamentais que se dediquem à educação profissional. Garantem-se ao aprendiz direitos trabalhistas e previdenciários, salário-mínimo/hora – salvo condição mais favorável – além do respeito à sua escolaridade e à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, caso seja adolescente (assim entendidos os jovens de 14 a 18 anos), hipótese em que também será vedado qualquer trabalho perigoso, insalubre, noturno, penoso ou capaz de afetar negativamente o seu desenvolvimento psíquico e moral. Rev. TST, Brasília, vol. 79, no 1, jan/mar 2013 105 SEMINÁRIO TRABALHO INFANTIL Caracteriza-se a formação técnico-profissional por atividades teóricas e práticas, metodicamente organizadas em tarefas de complexidade progressiva, desenvolvidas no ambiente de trabalho. Esse conceito revoluciona a concepção sobre aprendizagem, que não mais está atrelada às profissões específicas, como ocorria outrora. Trata-se de um processo metódico progressivamente orientado com experiências alternadas entre teoria e prática, para propiciar competências básicas para o trabalho. Isso se deve à constante mutabilidade das tarefas desenvolvidas no mundo do trabalho, permanentemente convulsionado pelas rápidas transformações impostas pela tecnologia, que tornam obsoletas as antigas profissões que hoje são, muitas vezes, substituídas pelo trabalho realizado por robôs ou computadores. A Lei nº 11.788/08 trouxe algumas alterações ao artigo celetista em comento, ao modificar os §§ 1º e 3º e ao acrescentar o § 7º. Determinou, assim, a obrigatoriedade do aprendiz à escola, caso não tenha concluído o ensino médio, quando antes era exigido apenas o ensino fundamental; admitiu a indeterminação do prazo contratual no caso de aprendiz com deficiência e liberou o aprendiz da frequência ao ensino médio nas localidades em que este não seja ofertado. A inovação em foco é positiva ao exigir a frequência ao ensino fundamental e médio, tal como prescreve o art. 208 da CF, em seus incisos I e II, mas incide em gritante inconstitucionalidade ao discriminar as pessoas com deficiência, conforme razões já expendidas no que diz respeito à ilimitação do prazo do estágio, e de forma perturbadora se contradiz ao tolerar a aprendizagem sem a frequência escolar nas localidades em que não sejam oferecidos cursos do ensino médio. A flexibilização em tela afronta o princípio normativo da Constituição que faz obrigatório tanto o ensino fundamental quanto progressivamente o ensino médio. O direito à educação constitui-se como direito fundamental e absolutamente prioritário (arts. 6º e 227 da CF). Logo, é inadmissível a contratação de aprendizes sem a correspondente escolaridade inerente à condição de adolescente. O art. 429 da CLT impõe uma ação afirmativa em favor dos aprendizes, fixando sua contratação obrigatória no percentual de cinco a quinze por cento do total de empregados, cujas funções demandem formação profissional. Serão considerados todos os estabelecimentos da empresa, de per si, cada um deverá cumprir a cota. O Decreto nº 5.598/05, em seu art. 9º, § 2º, define o que é estabelecimento, seguindo os parâmetros tradicionais do direito comercial, que realça sua característica objetiva, como um complexo de bens organizados para o exercício de atividade econômica. No art. 10, o Decreto Regulamentar em foco sublinha que as funções passíveis de formação profissional são todas 106 Rev. TST, Brasília, vol. 79, no 1, jan/mar 2013 SEMINÁRIO TRABALHO INFANTIL aquelas contidas na classificação brasileira de ocupações (CBO), que é periodicamente revisada e foi profundamente ampliada pelo Ministério do Trabalho. Não são sujeitas à base de cálculo em questão, todavia, ainda segundo o art. 10, as funções de nível superior ou técnico, ou aquelas de confiança, conforme arts. 62 e 224 da CLT. As organizações não governamentais que se dediquem à aprendizagem podem contratar percentual maior de aprendizes, isso para estabelecer relações triangulares com empresas, conforme se verá adiante. Sempre que o percentual resultar em fração, arredondar-se-á para o número inteiro imediatamente superior. O art. 430 da CLT, por sua vez, abre o rol das entidades de apoio empresarial, antes restritas aos Serviços Nacionais de Aprendizagem. Assim dispõe: “Na hipótese de os Serviços Nacionais de Aprendizagem não oferecerem cursos ou vagas suficientes para atender à demanda dos estabelecimentos, esta poderá ser suprida por outras entidades qualificadas em formação técnico-profissional metódica, a saber: I – Escolas Técnicas de Educação; II – entidades sem fins lucrativos, que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e à educação profissional, registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente”. Regulamentando o art. 431 da CLT, o Decreto nº 5.598/05, no seu art. 15, deixa entrever claramente que, inexistindo vagas em número suficiente ofertadas pelo sistema “S” ou pelas escolas de ensino técnico, a aprendizagem poderá se fazer em parceria entre organizações não governamentais habilitadas e empresas. A contratação do aprendiz, assim, dar-se-á de duas formas possíveis: pela empresa, diretamente, com apoio pedagógico das ONGs, ou por estas, que procederão anotação em carteira de trabalho do aprendiz e o inserirão na empresa, supervisionando também o processo pedagógico. Esse modelo visa estimular a aprendizagem, uma vez que as ONGs gozam de isenções tributárias e fiscais. Em qualquer hipótese, essas entidades certificarão o Contrato de Aprendizagem e serão supervisionadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, a quem cabe decidir sobre a validade da alternativa contratual em tela. O art. 432 da CLT disciplina a jornada do Contrato de Aprendizagem em seis horas diárias, se o trabalhador não houver concluído o ensino fundamental. Caso contrário, a jornada será de oito horas, mas deverão ser computadas no período as horas destinadas à aprendizagem teórica. O art. 433 da CLT cuida das hipóteses de cessação do contrato, a qual poderá se dar pela implementação do prazo, pela inadequação do aprendiz às exigências contratuais, pelo cometimento de infração disciplinar pelo aprendiz, pela ocorrência de faltas à escola que impliquem a perda do ano letivo ou por Rev. TST, Brasília, vol. 79, no 1, jan/mar 2013 107 SEMINÁRIO TRABALHO INFANTIL pedido de demissão, hipóteses em que não incidirão os arts. 479 e 480 da CLT, porque as alternativas versadas não se dão por iniciativa imotivada do empregador. Caso esta ocorra, as normas em questão surtem suas consequências. As empresas públicas, sociedades de economia mista ou autarquias, segundo o art. 16 do Decreto nº 5.598/05, poderão contratar aprendizes diretamente ou terceirizar a contratação formando parcerias com ONGs, desde que procedam a processo seletivo prévio. Não é o que ocorre, conforme a norma em comento, com a administração direta, uma vez que a questão é de regulamentação própria, não sendo aplicável o Decreto retroindicado. A regra em apreço respeita o princípio constitucional da contratação por concurso público, tal qual preconiza o inciso II do art. 37 da CF. Seria de todo conveniente, contudo, autorizar-se a contratação de aprendizes também pela administração direta mediante processo seletivo. As Leis ns. 8.745/93, 9.849/99 e 10.667/03 regulamentam a contratação de servidores temporários, sem mencionar os aprendizes. Seria, inclusive, dispensável a inserção dessa hipótese nos permissivos legais. Há, na verdade, um clamor constitucional para que ocorra tal contratação. Como visto acima, o art. 227 da CF exorta à ação conjunta do Estado, da família e da sociedade para propiciar o direito à profissionalização de adolescentes, de forma absolutamente prioritária. Já o art. 37, inciso IX, autoriza a contratação temporária, quando a natureza do serviço assim o justifique e quando houver excepcional interesse público. Como se viu também, o Contrato de Aprendizagem é necessariamente de prazo determinado. Ademais, o Estado deveria servir de exemplo em todas as suas instâncias, visto que a lei impõe cota às empresas. Assinale-se que as pequenas e microempresas não necessitam cumprir a cota de aprendizes, seja porque a Lei do Simples as exclui desse mister, seja porque o art. 14 do Decreto nº 5.598/05 prevê expressamente. Os aprendizes adultos também, segundo parece, não estão obrigados a frequentar escola de nível médio ou superior para pactuarem Contrato de Aprendizagem. Isso se dá porque a Constituição apenas torna obrigatório o ensino fundamental e propugna pela progressiva obrigatoriedade do ensino médio, mas a lei ainda não a impõe. Logo, os aprendizes adultos, aqueles de 18 a 24 anos, podem ser contratados para reciclagem profissional, em atividades insalubres, perigosas, penosas e noturnas. Haverá, porém, de ser priorizada a contratação de adolescentes, tanto no aspecto da precedência como no numérico, nos termos do que preconiza o art. 11 do Decreto Regulamentar. 108 Rev. TST, Brasília, vol. 79, no 1, jan/mar 2013 SEMINÁRIO TRABALHO INFANTIL Nada impede que pequenas e microempresas, que são as que mais empregam no Brasil, também contratem aprendizes. Nessa vertente contratual, emergem as ONGs que proliferam pelo interior do Brasil, tanto quanto empresas antes citadas. Há em São Paulo uma interessante experiência que vem sendo desenvolvida pelas associações comerciais em convênio com ONGs e conselhos municipais de direitos de crianças e adolescentes, que se denomina “Projeto Degrau”, cujo compromisso volta-se à integração dos jovens na sociedade, e que já inseriu formalmente mais de 150 mil adolescentes, inclusive e majoritariamente, naquelas empresas. Também aqui poderia haver um incentivo fiscal, em razão do que determina o art. 179 da CF, que estimula ações afirmativas em prol dessas empresas. Não haveria obrigatoriedade de empregarem aprendizes, como não há, mas conviria a adoção de incentivos fiscais majorados para aquelas empresas que já gozam de benefícios no Simples, caso contratassem aprendizes. Outra alternativa que parece interessante é a implementação de Contratos de Aprendizagem para pessoas com deficiência, haja vista que a Lei nº 11.180/05 rompeu o limite etário máximo para esse grupo de cidadãos. Esses contratos podem ser intermediados por entidades que já acumulam experiências de formação profissional para pessoas com deficiência, mas o fazem em oficinas protegidas internas. Seriam contratos formais, com registro em CTPS e com observância de um curso de formação profissional com duração de até dois anos. Não se trata de estágio. A maior dificuldade alegada pelas empresas, para o cumprimento das cotas de dois a cinco por cento de empregados com deficiência, é a falta de qualificação profissional dessas pessoas. Desse modo, o trabalhador seria contratado inicialmente como aprendiz e, uma vez habilitado no interior da empresa, passaria a compor a cota definitiva de trabalhadores com deficiência. Não há como se fundir as cotas quando se tratar de aprendiz com deficiência, visto que cada uma delas se aplica e se explica por situações distintas e excludentes. O Contrato de Aprendizagem objetiva formar trabalhadores, tem prazo determinado e é orientado metodicamente a partir do mister educativo. O contrato firmado com o trabalhador com deficiência, a seu turno, é de prazo indeterminado, definitivo e se pauta pela avaliação de competência para o trabalho, como qualquer outro. Além do mais, o aprendiz com deficiência não necessita de dupla proteção, pois, enquanto aprendiz, somente se espera dele que se forme, nada obrigando a sua efetivação pela empresa. A mesma Lei nº 11.180/05 também acrescentou um parágrafo ao art. 428 da CLT para tratar de aprendizes com deficiência intelectual ou mental, que não necessitam do aporte formal da escola, bastando ser considerada a sua matrícula em escola especial, não para que se observe a frequência a cursos regulares do Rev. TST, Brasília, vol. 79, no 1, jan/mar 2013 109 SEMINÁRIO TRABALHO INFANTIL ensino fundamental, ou que se exija escolaridade mínima, mas para que se valorize a sua capacidade de exercer as funções laborais, e de aprendê-las no interior das empresas, o que viabilizará a evolução das oficinas protegidas, que hoje se desenvolvem no interior de ONGs. A experiência tem mostrado excelentes resultados, havendo contratação de pessoas com deficiência intelectual ou mental em linhas de produção, comércio e atendimento ao público, inclusive em empresas organizadoras de eventos. Recentemente, foi editada a Lei nº 12.470/2011, que implanta uma política de estímulo à aprendizagem de pessoas com deficiência, ao permitir a cumulação do benefício de prestação continuada percebido por pessoas com deficiência que, a princípio, não se possam manter pelo próprio trabalho e cuja renda familiar per capita não ultrapasse 1/4 do salário-mínimo com o salário de aprendiz por até dois anos e garante que o deficiente empregado definitivamente que venha a ser dispensado possa retornar à condição de assistido, e novamente auferir o benefício assistencial disciplinado pelo art. 203 da Constituição e pela Lei Orgânica da Assistência Social. Finalmente, com vistas a se tentar a superação da discussão sobre a necessidade de lei especial para que a Administração Pública desenvolva programas de aprendizagem, o governo federal elaborou anteprojeto de lei regulando a matéria. Reitero, aqui, os argumentos supra no sentido de que tal seria desnecessário, tendo em vista o que já estabelece o art. 227 da Constituição Federal, no sentido de impor ao Estado, à família e à sociedade a oferta de profissionalização com absoluta prioridade, o que por si só já se caracteriza como exceção ao princípio constitucional do acesso a cargos públicos por concurso, seja porque o aprendiz não ocupa cargo público, seja porque o mister de que se cuida encontra-se municiado de elementos constitucionais cogentes e autossuficientes. A reiterada jurisprudência dos Tribunais Regionais e do c. TST vêm ratificando a tese aqui defendida, como se extrai do seguinte julgado: “AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. CONTRATO DE APRENDIZAGEM. CONTRATAÇÃO POR SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. INEXIGIBILIDADE DE CONCURSO PÚBLICO. A contratação de aprendiz por sociedade de economia mista, sem concurso público, não viola a literalidade do art. 37, inciso II e § 2º, da CF/88, uma vez que o contrato de aprendizagem possui características próprias, dentre elas a de proporcionar ao menor uma formação profissional metódica do ofício ou ocupação para cujo exercício foi admitido, não visando a investidura, de forma definitiva, em cargo ou emprego público. Da mesma forma, resta incólume a Súmula 110 Rev. TST, Brasília, vol. 79, no 1, jan/mar 2013 SEMINÁRIO TRABALHO INFANTIL nº 363 do c. TST, devido ser fato incontroverso nos autos a admissão dos reclamantes como menores aprendizes. Agravo de Instrumento a que se nega provimento.” (Processo: AIRR 94040-09.1999.5.04.0701, Data de Julgamento: 03.08.05, Relator Juiz Convocado: Josenildo dos Santos Carvalho, 2ª Turma, Data de Publicação: DJ 26.08.05) No mesmo sentido, o acórdão da 2ª Turma do c. TST, relatado pelo Exmo. Juiz Convocado Luiz Carlos Gomes Godoi, nos autos TSTAIRR-66.740/2002-900-04-00.0: “Assim, tem-se, in casu, que não foi reconhecido pelo Juízo originário que se tratava nem de cargo, nem de emprego público. Por conseguinte, a questão central a ser analisada diz respeito a necessidade, ou não, de prévia exigência de concurso público para o trabalhador, aprendiz, contratado por sociedade de economia mista. Neste passo, cabe mencionar que a violação literal de lei se verifica tão somente quando há ofensa manifesta à letra da lei, contrariedade ao princípio que a norma exprime ou a decisão se fundamenta em preceito inaplicável à espécie. À vista da situação específica dos autos, não se vislumbra a alegada violação do art. 37, II e IX, da Constituição, sobretudo direta e literal, como exige o art. 896, c, da CLT. Com efeito, o referido dispositivo constitucional não contempla a hipótese de contrato de aprendizagem, modalidade de ajuste especial que, embora conte com as características de um contrato de trabalho, tem por principal objeto a formação profissional do trabalhador. Esta Corte Superior da Justiça do Trabalho tem entendido que a exigência de prévia aprovação em concurso público se aplica à investidura em cargo ou emprego público; situação esta, repita-se, não reconhecida pelo Órgão de segundo grau. Revela-se, pois, juridicamente razoável a conclusão de que não é aplicável o art. 37, II, da Constituição à situação peculiar de colocação de menores no mercado de trabalho, com o propósito de propiciar-lhes formação técnico-profissional, não podendo, por isso, ser admitido o recurso de revista, à luz do item II da Súmula nº 221 do TST.” Merece, portanto, encômios, a proclamação de Sua Excelência, Ministro João Oreste Dalazen, no Seminário “Trabalho Infantil, Aprendizagem e Justiça do Trabalho”, no sentido de que o TST implementará o programa “Adoles- Rev. TST, Brasília, vol. 79, no 1, jan/mar 2013 111 SEMINÁRIO TRABALHO INFANTIL cente Aprendiz” para jovens e adolescentes. Afirmou o Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, na ocasião, que “o dever de propiciar aprendizagem, e aprendizagem decente, não é tão somente da iniciativa privada, também é do poder público, e nisso queremos dar o exemplo”1. Sua corajosa e cidadã declaração certamente projetará a Justiça do Trabalho como referência administrativa na matéria. CONCLUSÕES I – O direito à profissionalização acompanha os cidadãos ao longo de suas vidas. Materializa-se na escola e no trabalho, qualificando e requalificando os trabalhadores. Manifesta-se pelo ensino em todos os níveis e pelos contratos de Estágio Profissionalizante, Trabalho Educativo e Contrato de Aprendizagem. II – O direito à profissionalização assume excepcional primazia em face dos adolescentes e jovens, que por força do art. 227 da Constituição Federal – incorporado à Carta Política por Emenda Popular – devem tê-lo assegurado com absoluta prioridade e por meio do esforço simultâneo do Estado, da família e da sociedade. III – O contrato de Estágio Profissionalizante, em razão do que dispõe a Lei nº 11.788/08, pode ser firmado com estudantes do ensino médio, escolas técnicas, escolas superiores e escolas especiais. Não dá ensejo à relação de emprego, uma vez que, excepcionalmente, assegura aprendizado prático de matérias de cunho profissionalizante aprendidas na escola e na academia (art. 82 da Lei nº 9.394/96 – LDB). IV – O estágio tem se desvirtuado por utilização abusiva, como forma de precarização do trabalho. Para evitar a fraude, há que se atentar para alguns aspectos que decorrem da própria natureza do contrato em questão e que vêm sendo observados pela fiscalização e pelo Ministério Público: a) percentual razoável de estagiários no interior da empresa, não superior a 20% do quadro de empregados; b) matrícula do aluno em escola técnica ou ensino superior; c) em caso de matrícula em ensino médio genérico ou escola especial para pessoas com deficiência, correlação estreita entre as matérias oferecidas na escola e o trabalho; d) menção no convênio formalizado entre a escola, o estudante e a empresa à carga horária e às funções que devem ser exercidas pelo estagiário para dar cabo à demanda teórica por ele aprendida na escola. Penso, data maxima venia, que o alargamento do estágio para o ensino médio contempla 1 Declaração prestada durante o Seminário “Trabalho Infantil, Aprendizagem e Justiça do Trabalho”, realizado de 9 a 11 de outubro de 2012. Notícia disponível para consulta em: . 112 Rev. TST, Brasília, vol. 79, no 1, jan/mar 2013 SEMINÁRIO TRABALHO INFANTIL um grau questionável de constitucionalidade, visto que generaliza o que deveria ser absolutamente excepcional. V – O Trabalho Educativo também é uma forma interessante de aprendizado, ministrado por organizações não governamentais sem fins lucrativos e realizado no interior das instituições (art. 68 do ECA). Na medida em que essas instituições forneçam mão de obra para empresas, tem-se o desvirtuamento do Trabalho Educativo, porque o aspecto produtivo preponderará sobre o educacional. VI – O Contrato de Aprendizagem pode ser realizado por pessoas de 14 a 24 anos, mas as pessoas com deficiência não se submetem ao limite etário superior de 24 anos. VII – O Contrato de Aprendizagem para adolescentes de 14 a 18 anos não pode ocorrer em ambientes insalubres, perigosos, penosos ou em horário noturno, bem ainda em atividades que comprometam o desenvolvimento físico, moral, educacional e psicológico do adolescente. VIII – O Contrato de Aprendizagem deve ser escrito, ter prazo máximo de dois anos, ser anotado em CTPS e garantir o respeito à escolaridade do adolescente. Tem natureza especial, cuja finalidade é a formação técnico-profissional do aprendiz. Esta, por sua vez, define-se como “atividades teóricas e práticas, metodicamente organizadas em tarefas de complexidade progressiva desenvolvidas no ambiente de trabalho”. IX – O Contrato de Aprendizagem deve, necessariamente, estabelecer uma relação triangular entre o aprendiz, a empresa e a entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica. Estas podem ser os serviços nacionais de aprendizagem, as escolas técnicas, bem como as organizações não governamentais cujo objetivo estatutário seja a formação profissional. X – As organizações não governamentais atuam quando houver lacuna de atendimento à demanda em relação ao sistema “S” e às escolas técnicas. Deverão ser registradas nos conselhos de direitos das crianças e adolescentes e a qualidade dos seus programas de formação profissional será supervisionada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, nos termos da Portaria nº 723, de abril de 2012. XI – Seria muito interessante a combinação de esforços entre o sistema “S” e as ONGs, o que proporcionaria maior ampliação dessa modalidade contratual. A Lei nº 10.097/00 (art. 431 da CLT) possibilita que o aprendiz seja contratado diretamente pela empresa conveniada ao sistema “S”, ou por intermédio de uma ONG que registre o aprendiz, mas este contará para o suprimento de cota de aprendizes da empresa, embora empregado da ONG (art. 15 do Decreto nº 5.598/05). Rev. TST, Brasília, vol. 79, no 1, jan/mar 2013 113 SEMINÁRIO TRABALHO INFANTIL XII – A obrigação do empregador é a de fornecer possibilidades de formação profissional; a do aprendiz, a de se dedicar com zelo. São justas causas para a rescisão contratual a inadequação do aprendiz ao programa, ato de indisciplina e faltas às aulas que impliquem a perda do ano letivo. XIII – A aprendizagem é uma excelente oportunidade de inserção de trabalhadores com deficiência no mundo do trabalho. Poderão aprender as tarefas dentro da empresa, mediante convênio entre esta e as ONGs especializadas em trabalhadores com deficiência. O aprendiz com deficiência, no entanto, comporá apenas a cota de aprendizes (cinco a quinze por cento das funções que demandam aprendizagem em empresas de grande porte, uma vez que as pequenas e médias não estão obrigadas a tê-los) e, uma vez formado, integrará a cota de pessoas com deficiência (dois a cinco por cento dos cargos nas empresas com mais de cem empregados). Das pessoas com deficiência mental e intelectual não se exige escolaridade, um fator decisivo para a aprendizagem. Esse modelo foi incrementado pela edição da Lei nº 12.470/2011, que permite a cumulação do salário de aprendiz com o benefício da LOAS, bem como a reaquisição do mesmo benefício caso o trabalhador perca o emprego. XIV – Pode-se verificar, portanto, que o direito à profissionalização, prioritário para adolescentes e jovens e essencial para adultos e pessoas com deficiência, assume relevância estratégica no momento em que se vivencia a chamada “sociedade do conhecimento”; em que a indústria perde a primazia da empregabilidade para o setor de serviços; em que as atividades repetitivas, mecânicas da linha de produção taylorista cedem vez ao operário crítico, que interage no processo de produção, dirigindo os robôs e os computadores que hoje se ocupam daquelas tarefas; em que profissões são extintas, justamente pela incidência da informatização, que substitui o fazer humano; em que a informação assume a primazia, em detrimento dos bens de produção e das matérias-primas, que outrora estiveram na origem de guerras e disputas econômicas; em que a agricultura é automatizada; em que cada vez menos operários produzem mais quantidade e qualidade; em que o saber, portanto, é qualificado como elemento essencial de sobrevivência política e econômica de Nações e blocos nacionais; em que o domínio de línguas estrangeiras diz respeito à alfabetização primária para o mercado de trabalho; e em que, finalmente, a qualidade do produto de cada empresa só decorrerá da qualidade da formação de seus colaboradores. Como se vê, a força física é substituída pela força do conhecimento, o qual não prescinde de transmissão metodicamente orientada por educadores na escola e na empresa. 114 Rev. TST, Brasília, vol. 79, no 1, jan/mar 2013