ASPECTOS DO DANO MORAL TRABALHISTA João Oreste Dalazen* Sumário: 1 - Conceito de dano moral; 2-0 dano moral trabalhista; 3-Pessoajurídica e dano moral; 4 - Indenização do dano moral trabalhista no Brasil; 5 - Casuística do dano moral trabalhista; 6 - Dano moral na fase pré-contratual; 7 - Dano moral durante a execução do contrato de emprego; 8 - Dano moral pós-contratual; 9 - Determinação do valor da “compensação” por dano moral trabalhista; 10 - Competência material da Justiça do Trabalho. 1 - CONCEITO DE DANO MORAL Entende-se por dano moral, segundo a lição de Roberto BREBBIA, “aquela espécie de agravo constituída pela violação de algum dos direitos inerentes à personalidade”. 1 A doutrina civilista costuma qualificá-lo de “dano extrapatrimonial”, mas esta locução é manifestamente imprópria porque faz supor que somente há bens integrantes do patrimônio material quando o maior patrimônio de uma pessoa é o acervo de seus valores espirituais. É o estofo moral que a predica, sobretudo. Valemos o que somos, não o que temos. Não foi à-toa que o gênio de SHAKESPEARE, em Ricardo II, proclamou: “Minha honra é minha vida; meu futuro, de ambas depende. Serei homem morto se me privarem da honra”. Melhor será afirmar, portanto, que o dano moral manifesta-se no ataque ao patrimônio ideal das pessoas. Cabe, então, elucidar quais são os direitos inerentes à personalidade cuja violação é passível de ocasionar dano moral. Durante largo período a doutrina reconheceu que eram apenas a vida e a honra. A doutrina moderna, todavia, avançou para reputar dano a direito personalíssimo e, portanto, passível de configurar dano moral, as seguintes espécies: a) dano estético; b) dano à intimidade; c) dano à vida de relação (honra, dignidade, honestidade, imagem, nome, liberdade); * Ministro togado do TST e professor assistente da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. 1. BREBBIA, Roberto. El daño moral. Ed. Bibliográfica Argentina. Buenos Aires: 1950, p. 91. d) o dano biológico (vida); e) o dano psíquico.2 2- O DANO MORAL TRABALHISTA Inequivocamente, todas essas espécies de lesão a direito personalíssimo e, pois, passíveis de caracterizar dano moral, encontram no Direito do Trabalho o campo propício e fértil por excelência. O que bem se compreende, visto que o Direito do Trabalho confere especial dimensão à tutela da personalidade do trabalhador empregado, em virtude do caráter pessoal, subordinado e duradouro da prestação de trabalho. Reputo “dano moral trabalhista”, por conseguinte, o agravo ou o constrangimento moral infligido quer ao empregado, quer ao empregador, mediante violação a direitos ínsitos à personalidade, “como conseqüência da relação de emprego”3. Ressalto, para logo, assim, que, a meu juízo, o contrato de emprego rende ensejo a que ambos os contratantes (empregado e empregador), a infrinjam direitos da personalidade, conquanto “o mais comum seja a violação da intimidade, da vida privada, da honra ou da imagem do trabalhador”.4 Portanto, empregado e empregador podem ser vítimas de dano moral, ou de “dano não-patrimonial”, como preferem designá-lo as doutrinas alemã e italiana. Põe-se aqui, todavia, uma questão sumamente relevante: somente o empregador pessoa física pode ser sujeito passivo de dano moral, ou também o empregador constituído sob a forma de pessoa jurídica pode ser vítima de dano puramente moral? 3 - PESSOA JURÍDICA E DANO MORAL Bem verdade que reina muita cizânia doutrinária e jurisprudencial na aceitação do dano moral causado à pessoa jurídica. Rechaçando tal possibilidade, costuma-se afirmar que o dano moral tem por suposto ontológico a dor, seja a dor provocada pelo padecimento espiritual, seja a dor física infligida à vítima. Enfim, os danos morais, atacando bens jurídicos insuscetíveis de avaliação econômica, traduzir-se-iam em danos à alma, como diria o apóstolo São João. Desse modo, seriam pertinentes exclusivamente à pessoa física, única dotada de percepção sensorial. Evidentemente, apenas a pessoa natural sente, sofre e angustia-se, o que não é concebível em uma realidade puramente institucional como a pessoa jurídica. Mas é 2. Vide Jorge Mosset Iturraspe. El daño fundado en la dimension del hombre en su concreta realidad. Revista dos Tribunais 723, jan/96, p. 40. 3. RUBINSTEIN, Santiago. Fundamentos del derecho laboral. El daño moral. Buenos Aires: Depalma, 1988, p. 102. 4. SUSSEKIND, Arnaldo. Dano moral na relação de emprego. Revista do Direito Trabalhista, junho/95, p. 45. um equívoco o raciocínio reducionista de associar o dano moral, sempre e necessariamente, à dor, que não lhe constitui um pressuposto indispensável: o dano moral pode exprimir-se na ofensa a qualquer bem jurídico não material inerente à personalidade e, assim, virtualmente não apresentar como substrato a dor. Tome-se o caso das pessoas jurídicas: parece-me inconteste que o ordenamento jurídico protege ao menos alguns dos direitos inerentes à personalidade compatíveis com a natureza das pessoas jurídicas, tais como a inviolabilidade da honra e da imagem (CF/88, art. 5o, inc. X), o bom nome comercial ou civil, etc. Vale dizer: a exemplo das pessoas naturais, as pessoas jurídicas também são titulares de bens imateriais, amparados pelo Direito. Bem compreenderemos a reparabilidade do dano moral à pessoa jurídica se nos propusermos uma distinção, oriunda do Direito Penal, entre honra subjetiva e honra objetiva, que possibilita correlata distinção entre dano moral objetivo e dano moral subjetivo. Como se sabe, a honra subjetiva concerne à pessoa física e ao psiquismo de cada um, suscetível de ofensa mediantes atos que importem ultraje à dignidade, autoestima e respeito do ser humano, provocando-lhe dor (caso típico da injúria). Já a honra objetiva consiste no bom conceito, respeito ou admiração reconhecido à pessoa, física ou jurídica, no ambiente social. Ataque à honra objetiva equivale a ofender a reputação de que a pessoa goza no âmbito social e, em conseqüência, diminuição de valor frente à opinião pública (caso típico da difamação e da calúnia). Salta à vista que a pessoa jurídica, despojada de honra sujetiva, acha-se imune à injúria. Contudo, pode sofrer ofensa à honra objetiva mediante difamação que lhe abale o conceito, a boa fama ou a imagem na esfera civil ou comercial em que atua. Poder-se-á redargüir que a ofensa à honra objetiva da pessoa jurídica configuraria simplesmente dano patrimonial, ou econômico, em virtude de eventual abalo de crédito, evasão de clientela, redução de negócios, etc. Em meu entender, também não procede esse argumento. Cumpre não baralhar o dano moral propriamente dito, ou puro, do reflexo patrimonial do dano moral, hipótese em que o dano moral simultaneamente pode acarretar também dano material (diminuição do patrimônio do ofendido). Quer dizer: a afronta aos direitos da personalidade nem sempre tem conteúdo exclusivamente moral, ou extrapatrimonial. Dito de outro modo, o dano moral propriamente dito pode, ou não, vir cumulado ao dano material. Aliás, em prol dessa tese milita a Súmula 37, do STJ: são acumuláveis as indenizações por dano material e por dano moral oriundos do mesmo fato. Daí não se segue, todavia, que a lesão à pessoa jurídica não possa limitar-se ao dano moral puro, isto é, cingir-se à sua depreciação social, restringir-se ao conceito público de que goza no seio da comunidade, sem qualquer repercussão econômica. Suponha-se a difamação de uma sociedade civil, cultural ou recreativa, ou de uma entidade de classe. Pode não haver aí dano patrimonial de qualquer espécie (dano emergente ou lucro cessante). Nem por isso a ofensa irrogada deixará comprometer os atributos e qualidades de que goza a entidade na órbita social, afetando-lhe o prestígio, a boa fama e a imagem. É relevante assinalar, a propósito, que o Direito brasileiro, ao menos em dois casos explícitos, reconhece que a pessoa jurídica pode ser sujeito passivo de dano moral: Lei de Imprensa e Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90, arts. 2o e 6o: pessoa jurídica consumidora). Ademais, a Constituição Federal, ao cuidar da indenização por dano moral (art. 5o, inc. V e X), não distingue para tal fim a pessoa jurídica da pessoa física. Não surpreende, assim, que a jurisprudência do STJ, inclusive sumulada, de uns tempos a esta parte, acolha indenização em favor de pessoa jurídica, por dano moral (especialmente, em casos de protesto indevido de título cambial).5 No domínio específico do Direito do Trabalho, embora menos freqüente, é de admitir-se a responsabilização do empregado por dano moral puro causado ao empregador pessoa jurídica, como se dá, exemplificativamente, quando o empregado despedido atribui à empregadora a prática de sonegação fiscal, ou viola segredo bancário do Banco empregador. 4 - INDENIZAÇÃO DO DANO MORAL TRABALHISTA NO BRASIL Convém recordar que, em nosso País, até a Constituição Federal de 1988, sempre houve resistência, com maior ou menor intensidade, em segmentos da doutrina e da jurisprudência, ao reconhecimento do direito à indenização referente a qualquer dano moral. Sobretudo no Supremo Tribunal Federal negava-se o direito à indenização a qualquer dano moral. Em 1913, por exemplo, o STF, ao julgar o Agravo n° 1.723, negou indenização por dano moral a um ferroviário, chefe de família, que perdera a vida em acidente de trabalho. Considerou-se, então, a indenização por dano moral uma “extravagância do espírito humano”. Vencido restou o Ministro Pedro Lessa, não sem razão considerado por RUY BARBOSA “o mais completo de nossos Juízes”. Hoje, o direito à indenização por qualquer dano moral, no ordenamento jurídico brasileiro, deflui, antes de mais nada, de duas normas constitucionais expressas: o art. 5o, incisos V e X da CF/88. Mas também tem arrimo nos arts. 159 e 1.518, do nosso vetusto Código Civil, na medida em que impõem o dever de indenizar não apenas àquele que causar prejuízo (material) como também àquele que “violar direito” de outrem. O futuro Código Civil (já aprovado nas duas Casas do Congresso Nacional) segue idêntica trilha (arts. 186 e 955). Em geral, predomina o entendimento de que o Direito do Trabalho não é refratário à aplicação subsidiária dessas normas, mormente porque há fundamentos jurídi 5. Recurso Especial n° 58.783 - SP, Rei. Min. Nilson Naves, DJU de 03.11.97; Recurso Especial n° 60.033-2-MG, Rel. Min, Ruy Rosado de Aguiar; Recurso Especial n° 58.660-7, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU de 22.09.97. Por sua vez, a recentíssima Súmula n° 227, do STJ, assentou: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”. cos para a coexistência de indenização civil por dano moral e a indenização tarifária trabalhista, fundamentos esses que podem ser assim sintetizados: a) a indenização tarifária trabalhista busca promover o ressarcimento de um dano específico: a perda do emprego pelo empregado; essa indenização (FGTS e/ou indenização antigüidade) é calculada a forfait, proporcional ao tempo de serviço e “sem correlação com a eventual gravidade e conseqüências do dano”, fundando-se em “responsabilidade objetiva do empregador”;6 b) já a indenização civil por dano moral trabalhista deriva de dano distinto da simples perda do emprego, através da violação a direitos personalíssimos tutelados pela ordem jurídica, ainda que o empregador haja ocasionado o dano de forma conexa ou concomitante com a despedida do empregado. De modo que, em meu entender, a indenização tarifária trabalhista não preexclui uma indenização complementar ao empregado quando agredido em direitos da personalidade. Do contrário, como frisou um acórdão de Tribunal argentino, haveria até uma curiosa conseqüência: o Direito do Trabalho, concebido para proteger o trabalhador, parte mais débil do contrato de emprego, privaria seus protegidos de certos direitos e garantias que lhes tocam como simples cidadãos, já não mais como trabalhadores.7 5 - CASUÍSTICA DO DANO MORAL TRABALHISTA Espelhando essa diretriz, avoluma-se dia após dia a jurisprudência trabalhista em tomo da responsabilidade civil do empregador por dano moral ocasionado ao empregado, outrora escassa. Mas é praticamente inexistente na situação inversa de o dano moral provir do empregado. O certo é que, em tema aparentemente inesgotável, a jurisprudência, especialmente da Justiça do Trabalho, já registra uma riquíssima casuística de dano moral trabalhista praticado antes, durante e após o contrato de emprego, mas sempre em razão dele. 6 - DANO MORAL NA FASE PRÉ-CONTRATUAL Pode haver dano moral na fase pré-contratual, eis que há muitas situações de empresas que ainda no curso das tratativas para a admissão lesam a honra do pretendente ao emprego, divulgando, por exemplo, que a contratação não se deu porque o(a) candidato(a) é cleptomaníaco, homossexual, prostituta, aidético, etc. O dano à imagem e à intimidade pode decorrer, inclusive, da eventual publicidade que se dê a laudos e pareceres obtidos na avaliação de candidatos a emprego através da aplicação de testes psicológicos e entrevistas. 6. SUSSEKIND, ob. cit., p. 45. 7. Câmara Nacional de Apelaciones del Trabajo de Buenos Aires, Sala III, 31.07.79. Apud RUBINSTEIN, ob. cit., p. 105. Igualmente da promessa de contratação não concretizada pode sobrevir dano moral. A imprensa noticiou há algum tempo o caso de um empregado que obteve em juízo indenização por dano patrimonial e por dano moral em virtude de não se consumar a contratação pré-ajustada com empresa multinacional. Tratava-se de um alto executivo de Belo Horizonte, que celebrou acordo verbal com empresa multinacional para trabalhar como diretor no Rio de Janeiro. Avençou salário, submeteu-se a exame médico e até enviou a CTPS para anotação. Acertada a contratação, demitiu-se do cargo de diretor de outra empresa, rescindiu contratos autônomos de assessoria que prestava a diversos clientes e passou a providenciar a transferência de residência. Quinze dias antes da admissão acertada, quando já providenciava apartamento para alugar, surpreendeu-se com a sustação da contratação. No caso, assegurou-se ao candidato ao emprego não apenas o ressarcimento dos danos materiais (lucros cessantes do rompimento da promessa de contratação), como também indenização por dano moral derivante do abalo de reputação junto aos colegas e ao mercado, em virtude das insinuações que surgiram da descontratação por uma empresa do porte da multinacional em foco (SHELL).8 7 - DANO MORAL DURANTE A EXECUÇÃO DO CONTRATO DE EMPREGO Do mesmo modo, ao longo da execução do contrato de emprego pode surgir violação de direitos inerentes à personalidade do contratante, seja através das formas clássicas da calúnia, injúria e difamação, seja através de múltiplas outras situações, como exemplifico a seguir. A) Trabalho escravo Uma delas é o trabalho escravo, ato desumano, cruel e humilhante atentatório à liberdade pessoal, desgraçadamente ainda comum não apenas neste País, como em países ditos desenvolvidos. B) Assédio sexual Outra forma de dano moral pode sobrevir do chamado assédio sexual, episódio muito comum no curso da relação de emprego (sobretudo com domésticas e secretárias), embora de alcance muito mais amplo. Evidentemente, o assédio sexual pode provocar obrigação de indenizar, por dano moral, o agravo à honra da pessoa molestada, além de permitir à vítima a rescisão motivada do contrato de emprego. Recentemente, “O GLOBO” divulgou (25.04.98) a condenação de uma Fundação, no Rio, ao pagamento de R$ 300.000,00 a ex-empregada vítima de assédio sexual. C) Revista pessoal de controle Outra forma de dano moral que pode sobrevir no curso do contrato de emprego é a revista pessoal de controle, desde que ofensiva da intimidade e da dignidade do empregado. A Revista Veja, há algum tempo (19 de junho de 1991, p. 24), noticiou o seguinte: as operárias do setor de produção da empresa fabricante de lingerie eram encaminhadas a cabines sem cortina, em grupos de trinta, onde recebiam instruções para levantar as saias e blusas ou abaixar as calças compridas, a fim de que fossem examinadas as etiquetas das peças íntimas. Quando ocorria de estarem menstruadas, deveriam mostrar a ponta do absorvente higiênico para provar que não existiam peças escondidas no local. Esse caso concreto é sugestivo de que as empregadas submetiam-se a constrangimento ilegal, com violação ao direito constitucional à intimidade. As empregadas eram submetidas a situação vexatória e humilhante, de indisfarçável constrangimento moral, pois obrigadas a despirem-se em ambiente devassado para mostrar os trajes íntimos (“sem cortina”). Embora o escopo da revista fosse evitar e desencorajar o furto na indústria, penso que em nome da defesa do patrimônio não se pode violar a dignidade humana. O poder de direção patronal está sujeito a limites inderrogáveis, como o respeito à dignidade do empregado e à liberdade que lhe é reconhecida no plano constitucional. Em 08.05.98, o Jornal do Brasil noticiou que o TRT do Rio de Janeiro condenou uma conhecida cadeia de supermercados a pagar R$ 200.000,00 de indenização por dano moral a uma ex-caixa da loja do Leblon. Segundo a notícia, a moça, menor de idade, teve que ficar nua na frente dos seguranças para provar que não dera um desfalque de R$ 200,00. Outra notícia recente do JB dá conta de que o Supermercado Carrefour foi condenado a pagar R$ 2.400,00 de indenização por danos morais a uma cozinheira: em agosto de 1997, ao sair de uma das lojas da rede com duas peças de roupa, o alarme tocou; cercada, constatou-se que o caixa não retirara as etiquetas das mercadorias. Manifesto que comportamento desse jaez atenta contra a dignidade do ser humano e merece repulsa e condenação. D) Outras situações Outras situações ainda concebíveis de dano moral trabalhista acarretado na execução do contrato de emprego são as seguintes: a) a dor atroz de que seja vitimado o empregado, por falsa notícia oriunda do departamento médico da empresa empregadora, de que está acometido de doença grave ou contagiosa; “O Globo” de 26.09.98 noticiou o caso assemelhado de pessoa que recebeu diagnóstico sorológico positivo de contaminação pelo vírus do HIV, em Posto Médico de Angra dos Reis; quase quatro anos depois constatou-se o erro no exame, acrescentando a informação que a vítima ainda hoje chora ao lembrar do terrível sofrimento por que passou; b) a dor advinda ao empregado que, ao longo do contrato de emprego, adquire moléstia profissional (legalmente equivalente a acidente de trabalho), por culpa ou dolo patronal; o Diário Popular de SP, em 06 agosto de 1998, noticiou a condenação de empresa ao pagamento de R$ 100.000,00 de indenização por dano moral a empregado portador de asbestose, doença profissional causada pela exposição ao amianto, matéria-prima da telha Eternit; Resta dizer uma palavra sobre o dano moral trabalhista pós-contratual. 8 - DANO MORAL PÓS-CONTRATUAL Ao ensejo da rescisão contratual, ou após a rescisão do contrato, mas em razão dele, inúmeras situações configuram dano moral passível de indenização. Eis algumas: A) Justa causa ofensiva da honra levianamente imputada, se se confere publicidade ao ato. O caso típico é a acusação infundada ao empregado de prática de ato de improbidade, a exemplo do que decidiu o egrégio. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ao fixar responsabilidade civil, por dano moral puro, “a ex-empregadora que formula contra o ex-empregado, na esfera policial, acusação infundada com intuito manifesto de represália pelo ajuizamento de reclamatória trabalhista, acarretando grave dano ao conceito social e à estabilidade psíquica do atingido. (,..)9 Cuidou-se aí do caso de um antigo tesoureiro repentinamente lançado ao olho da rua sob a pecha de ladrão, incomprovada. A ex-empregadora, intentada a ação trabalhista, movida por um claro espírito de represália e no afã de favorecer sua defesa na Justiça do Trabalho, requereu a instauração de inquérito policial contra o ex-empregado, imputando-lhe desde logo a prática de atos de improbidade, levianamente. O Tribunal entendeu que, no mínimo, a representação criminal temerária constituiu denunciação caluniosa. Manteve-se a condenação por dano moral arbitrada “em 400 vezes o piso salarial”. Em casos análogos, também a Justiça do Trabalho tem fixado a responsabilidade patronal por dano moral.10 9. TJ/RS, 3o Grupo de Câmaras Cíveis, Embargos infringentes n. 587055682, abril/89, Rel. Des. Adroaldo Furtado Fabrício. Revista de Jurisprudência do TJRGS n. 138, pp. 53 e ss. A competência material, nesse caso, estranhavelmente não discutida, a meu juízo seria da Justiça do Trabalho, data venia. 10. TRT 8ª Reg., 4a T., RO 3.795/96, Rei. Juiz Georgenor de Souza Franco Filho. Revista TRT 8ª Reg. 29, juI-dez/1996, p. 221. TRT 15a Reg., RO 3732/94-5, Rei. Juiz Luiz Carlos S. da Silva, in Jornal Trabalhista n° 603, abril/96, p. 432; TRT 3ª Reg., RO 3608/94, ac. 2“ T„ Rei. Juiz Sebastião G. de Oliveira, DJMGII de 26.01.95, p. 31; TRT 8a Reg., RO 3578/96, Rel. José M. Q. de Alencar, in Rev. TRT 8ª 29, jul/dez/1996, p. 180. B) " Listas negras ” Informações desabonatórias da conduta do empregado, prestadas pelo empregador através das conhecidas “listas negras”, depois da resilição contratual, conquanto de difícil comprovação, também podem configurar dano moral. C) Despedida do aidético Impende destacar ainda que a jurisprudência vem registrando casos de condenação por dano moral quando resulta comprovado que a despedida deveu-se ao fato de o empregado ser portador do vírus HIV (soropositivo), mesmo que o empregador busque encobri-la sob a forma de dispensa imotivada ou até de dispensa por justa causa. O Jornal “A Tarde”, de Salvador (BA), em 07.12.96 noticiou que a 2a Turma do TRT 5a Reg. impôs condenação por dano moral no valor de R$ 30.000,00 a empresa que despediu soropositivo a pretexto de ato de improbidade inexistente. Igualmente “O GLOBO” de 06.12.97 informou a condenação imposta ao Supermercado Carrefour, em Vara Cível de Curitiba, ao pagamento de R$ 240.000,00 de indenização por dano moral em favor de faxineiro despedido porque infectado pelo vírus HIV. D) Preconceito sexual Igualmente a jurisprudência registra condenação de empregador a indenizar dano moral decorrente de despedida por preconceito sexual. O Tribunal de Alçada de Minas, segundo o Jornal do Brasil de 16.12.97, deu ganho de causa a empregada de rede de supermercados despedida porque lésbica. 9 - DETERMINAÇÃO DO VALOR DA “COMPENSAÇÃO” POR DANO MORAL TRABALHISTA A mensuração do dano moral, à falta de um parâmetro mínimo e máximo estipulado em lei, constitui o aspecto mais crucial e desafiador para os estudiosos do tema. Ao que se percebe, a jurisprudência brasileira oscila de valores irrisórios a valores astronômicos, estimulantes de pleitos aventureiros e até conducentes à locupletação indevida. Recorde-se que, há pouco tempo, em São Luiz, no Maranhão, o Banco do Brasil S.A., em virtude da devolução indevida de um cheque emitido por comerciante local, foi condenado a pagar indenização por dano moral no valor exorbitante de R$ 250.000.000,00 (duzentos e cinqüenta milhões de reais). Salta à vista que condenações a cifras milionárias desse jaez (verdadeiras loterias), suscitam, inclusive, o perigo evidente de “industrialização” do dano moral. Aliás, já se nota na Justiça do Trabalho um crescimento em progressão geométrica dos litígios sobre dano moral. Penso que, antes de mais nada, na delicada tarefa de traduzir em valor pecuniário o dano puramente moral, cabe ao aplicador da lei perquirir a natureza desse pagamento. É típica indenização? É compensação? É sanção? É compensação e sanção? A rigor, em caso de dano moral, a vítima não faz jus propriamente a uma “indenização”, mas a uma “compensação”. É que, na lição do saudoso prof. ORLANDO GOMES, “esse dano não é propriamente indenizável, visto como indenização significa eliminação do prejuízo e das suas conseqüências, o que não é possível quando se trata de dano moral. Prefere-se dizer que é compensável. Trata-se de compensação, e não de ressarcimento”.11 Efetivamente, como ensinava RIPERT, a dor moral jamais pode ser ressarcida convenientemente por bens materiais, uma vez que as nódoas da difamação, da injúria e da calúnia são como as pétalas da flor da paineira que, desprendidas ao vento, jamais poderão ser recolhidas todas. O que paga o responsável pelo dano moral, portanto, não constitui tecnicamente indenização típica: é uma compensação, um lenitivo, um paliativo para a dor da vitima. É o que se costuma designar, às vezes impropriamente, por “pretium doloris”. Contudo, o pagamento do dano moral não é apenas compensação: também constitui sanção ou castigo ao ofensor. Uma vez que o art. 5o, inc. V, da CF/88 cogita de um critério de proporcionalidade entre a reparação e o agravo infligido à vítima, parece apropriado afirmar-se que a reparação, além de cumprir uma finalidade de compensação, também ostenta um nítido caráter punitivo ao ofensor, destinado a inibir ou desencorajar, pelo efeito intimidativo do valor econômico, a reincidência na ofensa a bens preciosos da personalidade objeto de tutela jurídica. Em parte, talvez essa conotação explique a tendência da jurisprudência norte-americana em impor condenações vultosíssimas por dano moral. No Brasil, divorciados da finalidade sancionatória e compensatória da condenação por dano moral, alguns julgados da Justiça do Trabalho têm fixado o valor da reparação aplicando analogicamente o critério da indenização antigüidade da CLT (art. 477 e segs.): estipula-se a compensação em valor correspondente a tantas vezes à maior remuneração mensal do empregado quantos sejam os anos de serviço prestado. A meu juízo, contudo, esse critério é indefensável, pois importa malbaratar os bens preciosos da personalidade ofendidos pelo dano moral. Vinculando o valor ao tempo de serviço, obviamente deprecia-se o dano moral causado ao empregado mais moderno, consagrando o esdrúxulo e simplista critério de valorar mais ou menos os bens espirituais da pessoa ao sabor da antigüidade e da maior ou menor remuneração. Ora, sob tal ótica, além de o valor geralmente não inibir novas agressões, chegar-se-ia ao absurdo de o empregado com menos de um ano de tempo de serviço não fazer jus a compensação alguma pelo dano moral porquanto igualmente não seria beneficiário de indenização antigüidade (CLT, art. 478, § 1º). Ademais, esse critério naturalmente revela-se imprestável para orientar a quantificação do dano moral causado pelo empregado ao empregador. No caso específico de injúria ou calúnia, o Código Civil brasileiro (art. 1547, parágrafo único) contempla um critério tarifário de fixação do valor do dano moral, 11. GOMES, Orlando. Obrigações, 4“ ed., Forense, 1976, p. 333. segundo o qual deve consistir no valor duplicado da multa criminal máxima cominada no Código Penal.12 Levando-se em conta, de um lado, o quantitativo máximo de dias- multa (360) e, de outro lado, o valor máximo de cada dia-multa (cinco salários mínimos), de conformidade com o art. 49 e parágrafo 1º, do Código Penal, e duplicando-se o produto daí obtido (360 x 5= 1800 x 2), isto significaria a prefixação do dano exclusivamente moral por injúria e calúnia em 3600 (três mil e seiscentos) salários mínimos (cerca de R$ 468.000,00). Entendo, contudo, que esse critério tarifário não mais se coaduna com a já referida diretriz de proporcionalidade entre a reparação e o agravo, hoje elevada à dignidade constitucional (art. 5o, inc. V). Presentemente, prevalece no Direito brasileiro, como sabemos, a avaliação do dano moral por arbitramento do Juiz, com fulcro no art. 1553, do Código Civil, sem limites ali predeterminados. De sorte que é um sistema aberto ou não tarifário, em que se confia exclusivamente à prudente discricionariedade do Juiz a fixação do valor, ainda que secundado por laudo pericial. É um sistema, portanto, em que sobreleva o papel do Juiz, cabendo-lhe perscrutar as almas para, moderada e eqüitativamente, estimar o dano moral. Nessa espinhosa tarefa, há leis esparsas traçando alguns critérios por que se deve pautar o Juiz. Assim, o art. 53 da Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa) dispõe: “Art. 53. No arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o Juiz terá em conta, notadamente: I - a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido; II - a intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação econômica (...)” O art. 84 da Lei 4.117/62 (Código Brasileiro de Telecomunicações) contempla norma similar. Ponderados tais aspectos, penso que são as seguintes as regras pelas quais deve guiar-se o Juiz para dimensionar concretamente o valor do dano moral: 1ª) compreender que o dano moral em si é incomensurável: como ensina o argentino JORGE ITURRASPE, “a dor, as disfunções nos estados de ânimo, os ataques à personalidade e à vida de relação, as frustrações nos projetos de vida, assim como os danos estéticos, à harmonia do corpo, à intimidade, não podem ser traduzidos em dinheiro. Deve-se compreender, portanto, a impossibilidade de fórmulas matemáticas” com vistas a preestabelecer um número.13 Não deve constituir preocupação, 12. Reza, a propósito, o art. 1.547 do CC: “Art. 1.547. A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido. Parágrafo único. Se este não puder provar prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva (art. 1.550)” 13. ITURRASPE, Jorge Mosset. Dano moral (cuantia del resarcimento por daño moral), p. 31 e segs. pois, apurar uma soma pecuniária que corresponda ao valor intrínseco preciso dos bens morais ofendidos. Afinal, por exemplo, é estimável em dinheiro a honra ultrajada? 2“) considerar a gravidade objetiva do dano, como propõe ROBERTO BREBBIA, o que significa avaliar a extensão e a profundidade da lesão, tomando em conta os meios empregados na ofensa, as seqüelas deixadas, a intencionalidade do agente, etc.14 3a) levar em conta a intensidade do sofrimento da vítima, que é um elemento marcantemente individual e variável, como bem assinala ADRIANO DE CUPIS; lesões igualmente graves do ângulo objetivo, podem provocar sofrimento diverso às pessoas, segundo a maior ou menor sensibilidade física ou moral de cada um.15 Importa, assim, sempre ter presente a personalidade da vítima, aspecto sobremaneira relevante quando se atende para a circunstância de que o dano moral nasce da lesão sofrida ao complexo psíquico-espiritual da vítima. 4ª) considerar a personalidade (antecedentes, grau de culpa, índole, etc.) e o maior ou menor poder econômico do ofensor; 5a) não desprezar a conjuntura econômica do País: inconcebível que o Poder judiciário fixe o valor do dano moral ignorando essa realidade; 6a) pautar-se pela razoabilidade e eqüitatividade na estipulação, evitando- se: de um lado, um valor exagerado e exorbitante, ao ponto de levar a uma situação de enriquecimento sem causa, ou à especulação, ou conduzir à ruína financeira o ofensor; de outro, evitando-se um valor tão baixo que seja irrisório e desprezível, ao ponto de não cumprir sua função inibitória. Recorde-se, a propósito deste último aspecto, o caso narrado por ROBERTO LYRA, do “romano Nerácio”, que “passeava pelas ruas de Roma, acompanhado de um escravo, encarregado de pagar a taxa legal pelas bofetadas que se divertia em vibrar nos transeuntes”.16 Está claro que as regras que vem de ser esboçadas, conquanto preconizem uma justa medida para a quantificação do dano moral, não oferecem, nem poderiam, uma equação matemática. Assim, tem-se consciência de que não solucionam a problemática de fixação do valor para o dano moral. O certo é que tal valor, no Direito brasileiro e até no Direito Comparado, subordina-se essencialmente ao bom-senso do Juiz e, portanto, a uma avaliação preponderantemente e sempre subjetiva de quem julga. Eis por que, em meu entender, esse sistema de absoluto culto à discricionariedade judicial não tem produzido resultados satisfatórios, notadamente porque tem gerado cifras ostensivamente desiguais, em que a desejável e prudente discricionariedade 14. BREBBIA, Roberto. El daño moral. 2“ ed., Orbir, Cordoba, 1967. p. 233 e segs. 15. DE CUPIS, Adriano. II danno. Giuffrè Editore. Milano, 1979. p. 574 e segs. 16. LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal, 3° ed., Forense, 1958, Vol. II, n° 33, p. 246-247. do Juiz, em alguns casos tangencia perigosamente os limites da arbitrariedade, pura e simples. Naturalmente, não se advoga aqui a previsão legal de uma incompatível reparação tarifária, ou a estandartização do valor, de modo a que seja obtido de forma mecânica e automática. Entretanto, se me for dado aqui emitir um juízo crítico, direi que o critério prevalecente no direito brasileiro, de absoluta discricionariedade do Juiz, clama por urgente aperfeiçoamento, pois adota solução diametralmente contraposta. Ora, qualquer extremo é desaconselhável: “in medio virtus”, ensinavam os latinos. Penso que convém, assim, mediante legislação infra-constitucional disciplinadora do texto constitucional (art. 5o, inc. V e X), fixar patamar mínimo e máximo (piso e teto), bem como delinear objetivamente os elementos para a aferição e dosagem do valor do dano moral. Em suma: margem de discricionariedade ao juiz, sim, na busca de uma «justiça com alma»17; porém, sistema que rende ensejo ao arbítrio judicial, desprestigiante do Poder Judiciário, não. 10 - COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO Ainda que a vôo de pássaro, merece uma palavra o tema correlato concernente à competência material para equacionar lides entre empregado e empregador tendo por objeto o dano moral trabalhista. Sabe-se que a jurisprudência do STJ firmou entendimento no sentido de que a causa de pedir e o pedido demarcam a natureza da tutela jurisdicional, definindo a competência, Daí porque o STJ nega competência à Justiça do Trabalho para julgar qualquer pedido de indenização civil. A Justiça do Trabalho está dividida. Os argumentos em prol da incompetência da Justiça do Trabalho essencialmente são dois: a) a lide, tendo por objeto indenização civil, não deriva diretamente do contrato de emprego; b) no direito material cuja aplicação à espécie é pleiteada há de buscar-se a fonte de determinação da competência da Justiça do Trabalho; encontrando arrimo o pedido (indenização) e a causa de pedir (ato ilícito) no Direito Civil, incompetente seria a Justiça do Trabalho. Contudo, não obstante seja respeitável, não me parece convincente essa linha de argumentação. Entendo que se o dano moral mantém uma relação direta, de causa e efeito, com o contrato de emprego, mostra-se inarredável, data venia, a competência material da Justiça do Trabalho para compor o conseqüente dissídio entre empregado e emprega- 17. BUERES, Alberto. Responsabilidade civil de los médicos. Tomos I e II, Hammurabi, 1995, apud Avaliação do Dano Moral e Discurso Jurídico. Maria Francisca Carneiro, Fabris Editor, 1998, p. 66. dor em torno da obrigação de repará-lo, por força do art. 114, lªparte, daCF/88. Parece-me que a competência material da Justiça do Trabalho brasileira repousa na qualidade jurídica em que comparecem a Juízo os sujeitos do conflito intersubjetivo de interesses: se se trata de dissídio entre empregado e empregador, agindo nesta condição, não se atina motivo bastante para afastar tal competência. De resto, os adeptos da corrente que nega competência ao Judiciário Trabalhista para conhecer pedidos de indenização civil formulados por empregado e empregador, entre si, ficam a dever uma explicação para os numerosos casos em que não se põe em dúvida a competência da Justiça do Trabalho para o ressarcimento de dano patrimonial, como, por exemplo: a) em caso de danos decorrentes do transporte de bagagem do empregado, realizado pelo empregador, em virtude de transferência; b) quando o empregador, apesar de efetuar desconto mensal de prêmio de seguro do salário do empregado, descumpre a obrigação assumida de firmar contrato de seguro com a companhia seguradora de sua livre escolha, sobrevindo sinistro que vitima o obreiro; c) quando o empregador obstar, de forma ilícita, o empregado de perceber o seguro-desemprego, alegando justa causa não contemplada em lei para a despedida. É relevante assinalar que já há, inclusive, uma ação de responsabilidade civil por danos causados expressamente atribuída em lei à competência material da Justiça do Trabalho: ação civil pública “trabalhista” (art. 83, caput e inc. III, da Lei Complementar n° 75, de 20.5.93; arts. 1º e 3º, da Lei n° 7.347/85), de iniciativa do Ministério Público do Trabalho. Ora, se se reconhece competência à Justiça do Trabalho para conhecer de pedidos de indenização por dano patrimonial, não se compreende o que ditaria a incompetência para a reparação do dano moral. Talvez cause perplexidade o fato de o pedido de indenização amparar-se no Direito Civil. Sucede, todavia, que não é a fonte formal do Direito a aplicar o que determina a competência da Justiça do Trabalho, de tal sorte a autorizar supor que esta cogita exclusivamente das fontes formais do Direito do Trabalho. Claro está que a Justiça do Trabalho, preponderantemente, promove a subsunção dos fatos litigiosos ao Direito do Trabalho. Mas não exclusivamente a este. Tanto isso é exato que o preceito contido no art. 8º, parágrafo único, da CLT, expressamente permite aos órgãos da Justiça do Trabalho socorrer-se do “direito comum” como “fonte subsidiária do Direito do Trabalho”. Se assim é, salta à vista que a competência da Justiça do Trabalho não se cifra a dirimir dissídios envolvendo unicamente a aplicação do Direito do Trabalho, mas todos aqueles, não criminais, em que a disputa se der entre um empregado e um empregador, nesta qualidade jurídica. Penso, por conseguinte, que se revela mais consentâneo com a lei brasileira banir-se o injustificado preconceito de que a invocação do Direito comum no processo trabalhista, no que for compatível, retira a competência material da Justiça do Trabalho para julgar o pedido de indenização civil. Por outro lado, impende recordar que além dos dissídios envolvendo prestações tipicamente trabalhistas, o art. 652, inc. IV, da CLT, atribuiu competência material à Justiça do Trabalho genericamente para “os demais dissídios concernentes ao contrato individual de trabalho”. Sábio, o legislador não quis explicitar e exaurir taxativamente os ditos casos abarcados na competência material da Justiça do Trabalho. Contudo, a exegese da norma ampla e genérica, sobretudo à luz do mandamento insculpido no art. 114 da Constituição Federal, permite encartar aí todos os litígios, não criminais, entre empregado e empregador, inclusive tendo por objeto indenização, por dano patrimonial ou moral. De modo que se, por hipótese, o empregador assaca expressões caluniosas, injuriosas ou difamatórias ao empregado, no exercício da função para a qual fora contratado, ou em razão dela, a competência para julgar a lide relativa à indenização civil exsurgente é da Justiça do Trabalho: há conflito de interesses entre os correspectivos sujeitos atuando na qualidade jurídica de empregado e de empregador. O importante para determinar-se a competência da Justiça do Trabalho é que a ofensa refira-se à vida funcional do empregado. Idem, mutatis mutandis, se a ofensa é irrogada pelo empregado ao empregador: deve sê-lo enquanto tal. Nem se objete que não se cuidaria aí de dissídio relativo propriamente ao contrato individual de trabalho. A meu juízo, trata-se de dissídio concernente a cláusula acessória do contrato de emprego, pela qual se obrigam empregado e empregador a respeitarem-se a dignidade, a reputação, a honra, o bom nome e, enfim, o valioso e inestimável patrimônio moral de que cada um é titular. Muito recentemente, examinando a situação específica do dano moral advindo das relações trabalhistas, a 1a Turma do Excelso Supremo Tribunal Federal consagrou a competência material da Justiça do Trabalho para solver o respectivo litígio, como se vê da seguinte ementa: “Justiça do Trabalho: competência. Ação de Reparação de danos decorrentes da imputação caluniosa irrogada ao trabalhador pelo empregador a pretexto de justa causa para a despedida e, assim, decorrente da relação de trabalho, não importando deva a controvérsia ser dirimida à luz do Direito Civil.” (Recurso Extraordinário n° 238.737-4, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, unânime, julg. em 17.11.98, DJU de 05.02.99)18 18. Em caso análogo, e mais recente, decidiu também a 1a Turma do Supremo Tribunal Federal, no RE 249.740-1 AM, Rel. Min. Sepúlveda Pertence: “Justiça do Trabalho: competência: ação de ressarcimento de danos causados por descontos indevidos sobre o salário do empregado, por ocasião da rescisão do contrato de trabalho e, assim, decorrente da relação de trabalho, não importando deva a controvérsia ser dirimida à luz do Direito Civil” (DJU 24.09.99, ementário 1964 - 10). Entretanto, entendo que escapa à competência material da Justiça do Trabalho o litígio por indenização civil entre empregado e empregador referente a dano moral advindo de acidente do trabalho a que o empregador der causa, dolosa ou culposamente. Encarta-se na competência da Justiça Estadual, conforme se infere, por exclusão, do texto constitucional (CF/88, art. art. 109, inc. I e art. 70 do ADCT) e ante o que reza expressamente o art. 19, inc. II, da Lei n. 6.367, de 19.10.1976). Esta a jurisprudência sumulada do STJ (n° 15) e do STF (n° 501). Brasília, outubro de 1999.